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domingo, 13 de abril de 2025

Mudança de regime no Ocidente? - Perry Anderson (London Review of Books)

 Um ensaio do Perry Anderson, com a sua maestria de sempre, cuja leitura muito recomendamos...

Mauricio David

 

... Uma foi a transformação do Brasil com a revolução que levou Getúlio Vargas ao poder em 1930, quando as exportações de café de que sua economia dependia entraram em colapso na crise e a recuperação foi pragmaticamente conseguida através da substituição de importações, sem o benefício de qualquer defesa antecipada. A outra, ainda mais abrangente, foi a transformação, após a morte de Mao, da economia planificada na China, na Era da Reforma presidida por Deng Xiaoping, com a chegada ao poder do sistema de responsabilidade das famílias na agricultura e a arrancada, por parte das empresas das vilas e aldeias, da mais espetacular explosão sustentada de crescimento econômico de que há registro na história – o que também foi improvisado e experimental, sem qualquer tipo de teorias pré-existentes...

 

Mudança de regime no Ocidente?


Por PERRY ANDERSON*

London Review of Books

 



Qual é a posição do neoliberalismo no meio do atual turbilhão? Em condições de emergência, foi forçado a tomar medidas – intervencionistas, estatistas e protecionistas – que são anátemas para sua doutrina

1.

Passado um quarto deste século, mudança de regime tornou-se uma expressão canônica. Significa a derrubada, normalmente, mas não exclusivamente pelos Estados Unidos, de governos ao redor do mundo que não são do agrado do Ocidente, empregando, para esse propósito, força militar, bloqueio econômico, erosão ideológica ou uma combinação de tudo isso.

No entanto, originalmente o termo significava algo bem diferente, uma alteração generalizada no próprio Ocidente – não a transformação súbita de um Estado-nação pela violência externa, mas a instalação gradual de uma nova ordem internacional em tempo de paz. Os pioneiros desta concepção foram os teóricos americanos que desenvolveram a ideia de regimes internacionais como acordos que asseguravam relações econômicas de cooperação entre os principais Estados industriais, que podiam ou não assumir a forma de tratados.

Estes, como se afirmava, desenvolveram-se a partir da liderança dos EUA após a Segunda Guerra Mundial, mas que foi substituída pela formação de um quadro consensual de transações mutuamente satisfatórias entre os principais países. O manifesto desta ideia surgiu em Power and interdependence, uma obra em coautoria de dois pilares do establishment da política externa da época, Joseph Nye e Robert Keohane, cuja primeira edição – passou por várias – apareceu em 1977.

Embora apresentado como um sistema de normas e expectativas que ajudava a assegurar a continuidade entre as diferentes administrações em Washington, introduzindo “maior disciplina” na política externa americana, o estudo de Nye e Keohane não deixava dúvidas quanto aos benefícios para Washington. “Regimes normalmente são do interesse da América porque os Estados Unidos são a principal potência comercial e política do mundo. Se muitos regimes já não existissem, os Estados Unidos certamente buscariam inventá-los, tal como fizeram”[i]. No início da década de 1980, os livros que seguiam esta linha estavam saindo das prensas: um simpósio intitulado International regimes, e editado por Stephen Krasner (1983); o tratado do próprio Keohane, After hegemony (1984); e uma série de artigos eruditos.

Na década seguinte, esta doutrina reconfortante passou por uma mutação, com a publicação de um volume intitulado Regime changes: macroeconomic policy and financial regulation in Europe from the 1930s to the 1990s, editado por Douglas Forsyth e Ton Notermans – um americano, o outro holandês. O livro reteve, mas acentuou, a ideia de um regime internacional, especificando a variante que prevaleceu antes da guerra, baseada no padrão-ouro; depois, a ordem forjada em Bretton Woods, que lhe sucedeu após a guerra; e, finalmente, explicitando o desaparecimento deste sucessor na década de 1970[ii].

2.

O que substituiu o mundo instituído em Bretton Woods foi um conjunto de restrições sistêmicas afetando todos os governos, independentemente de sua compleição, consistindo em pacotes de macropolítica de regulação monetária e financeira que fixam os parâmetros de possíveis políticas trabalhistas, industriais e sociais. Enquanto a ordem do pós-guerra tinha sido conduzida pelo objetivo de assegurar o pleno emprego, a prioridade de sua sequência foi a estabilidade monetária. O liberalismo econômico clássico chegou ao fim com a Grande Depressão. O keynesianismo do pós-guerra esgotou-se com a estagflação da década de 1970. O novo regime internacional marcou o reinado do neoliberalismo.

Tal era o significado original da fórmula “mudança de regime”, hoje praticamente esquecida, apagada pela onda de intervencionismo militar que confiscou o termo na virada do século. Uma olhada em seu Ngram conta essa história. Sem expressão desde sua chegada nos anos 1970, a frequência do termo disparou subitamente no final dos anos 1990, multiplicando-se sessenta vezes e tornando-se, como observou John Gillingham, um historiador econômico ligado a seu sentido anterior, “o eufemismo atual para derrubar governos estrangeiros”.

No entanto, a relevância de seu significado original mantém-se. O neoliberalismo não desapareceu. Suas características são agora familiares: desregulamentação dos mercados financeiros e de produtos; privatização de serviços e indústrias; redução da tributação das corporações e do patrimônio; desgaste ou emasculação dos sindicatos. O objetivo da transformação neoliberal, que começou nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha sob os governos de Carter e Callaghan (??? (MD) e atingiu seu auge sob os governos de Thatcher e Reagan, era restaurar as taxas de lucro do capital – que tinham caído praticamente em todos os lugares a partir do final da década de 1960 – e vencer a combinação de estagnação e inflação que se instalou após a queda dessas taxas.

Durante um quarto de século, os remédios do neoliberalismo pareceram funcionar. O crescimento retornou, embora a um ritmo claramente inferior ao do quarto de século que se seguiu à Segunda Guerra Mundial. A inflação foi controlada. As recessões foram curtas e reduzidas. As taxas de lucro recuperaram-se. Economistas e especialistas saudaram o triunfo daquilo que o futuro presidente da Reserva Federal dos Estados Unidos, Ben Bernanke, exaltou como a Grande Moderação.

O sucesso do neoliberalismo como sistema internacional não se baseou, contudo, na recuperação do investimento para os níveis do pós-guerra no Ocidente: isso teria exigido um incremento da demanda econômica, impossibilitado pela repressão salarial central para o sistema. Em vez disso, foi construído com base numa expansão massiva do crédito – isto é, na criação de níveis sem precedentes de dívida privada, empresarial e, eventualmente, pública. Em Buying time, sua obra pioneira de 2014, Wolfgang Streeck descreve isso como reivindicações sobre recursos futuros que ainda precisam ser produzidos; Marx chamou-lhe, de forma mais direta, “capital fictício”. Eventualmente, tal como previsto por mais de um crítico do sistema, a pirâmide da dívida cedeu, causando o crash de 2008.

A crise que se seguiu foi, como Bernanke confessou, “um risco de vida” para o capitalismo. Em magnitude, foi totalmente comparável ao crash de Wall Street de 1929. No ano seguinte, a produção global e o comércio mundial caíram mais rapidamente do que durante os primeiros doze meses da Grande Depressão. No entanto, o que se seguiu não foi outra grande depressão, mas uma grande recessão – uma grande diferença. Um ponto de partida para compreender a posição política em que o Ocidente se encontra atualmente é olhar para trás, para a sequência de acontecimentos da década de 1930.

Quando a Segunda-Feira Negra atingiu o mercado de ações americano, em outubro de 1929, governos conservadores estavam no poder nos Estados Unidos, França e Suécia, enquanto havia governos social-democratas na Grã-Bretanha e na Alemanha. Todos, no entanto, eram mais ou menos indistintamente fiéis às ortodoxias econômicas da época: um compromisso com a moeda sólida – ou seja, o padrão-ouro – e orçamentos equilibrados, políticas que simplesmente aprofundaram e prolongaram a Depressão.

Só no outono de 1932 e na primavera de 1933, ou seja, durante três anos ou mais, começaram a ser introduzidos programas não convencionais para combater a situação, primeiro na Suécia, depois na Alemanha e, por fim, na América. Estes países correspondiam a três configurações políticas bem diferentes: a chegada ao poder da social-democracia na Suécia, do fascismo na Alemanha e de um liberalismo atualizado nos Estados Unidos.

Por trás de cada um deles, havia heterodoxias pré-existentes, prontas para serem aplicadas caso os governantes decidissem adotá-las, como fizeram Per Albin Hansson na Suécia, Hitler na Alemanha e Roosevelt na América: a escola de economia de Estocolmo, descendente de Knut Wicksell a Ernst Wigforss na Suécia, a valorização das obras públicas por Hjalmar Schacht na Alemanha e as inclinações reguladoras neoprogressistas de Raymond Moley, Rexford Tugwell e Adolf Berle – o “grupo de especialistas” original de Franklin Delano Roosevelt – nos Estados Unidos.

Nenhum destes foi um sistema totalmente elaborado ou coerente. Schacht, na Alemanha, e Keynes, na Grã-Bretanha, estiveram em contato um com o outro desde a década de 1920, mas o keynesianismo propriamente dito – A teoria geral do emprego, do juro e da moeda só apareceu em 1936 – não foi uma contribuição direta para estas experiências, embora todas envolvessem o reforço do papel do Estado. Eram assim os conjuntos de instrumentos técnicos dispersos da época.

Três anos de desemprego em massa tinham gerado forças ideológicas poderosas em cada país: um reformismo social-democrata muito mais ousado na noção de Folkhemmet, a Casa do Povo, na Suécia; o nazismo, autodescrito como die Bewegung, o Movimento, na Alemanha; e, nos Estados Unidos, o papel dinâmico do comunismo americano nos sindicatos e entre os intelectuais, forçando reformas trabalhistas e da seguridade social numa administração democrata que, por sua própria vontade, dificilmente as teria promulgado.

Por último, como pano de fundo destes três desenvolvimentos no mundo capitalista, surgia o sucesso sem precedentes da União Soviética em evitar completamente a recessão, com pleno emprego e taxas de crescimento aceleradas, tornando atrativa a ideia de planejamento econômico em todo o mundo capitalista. No entanto, seria necessário um choque muito maior e mais profundo do que o crash de Wall Street para pôr fim à depressão global à qual conduziu, e institucionalizar a ruptura com as ortodoxias do liberalismo econômico clássico.

Foi o abismo da Segunda Guerra Mundial que fez isso. Quando a paz foi restabelecida, ninguém podia duvidar da existência de um sistema internacional diferente – combinando o padrão-ouro, políticas monetárias e fiscais contracíclicas, níveis elevados e estáveis de emprego e sistemas oficiais de proteção social – ou do papel que as ideias de Keynes desempenharam em sua consolidação. Depois de 25 anos de sucesso, foi a eventual degeneração deste regime em estagflação que desencadeou o neoliberalismo.

3.

O cenário foi totalmente diferente na sequência do crash de 2008. Nos Estados Unidos, as ambulâncias políticas entraram imediatamente em ação. Sob Obama, os bancos e companhias de seguros fraudulentos e as empresas de automóveis falidas foram resgatados com enormes infusões de fundos públicos nunca disponíveis para cuidados de saúde decentes, escolas, pensões, ferrovias, rodovias, aeroportos, e muito menos para apoiar a renda dos mais desfavorecidos. Desencadeou-se um estímulo fiscal massivo, com a disciplina orçamentária sendo ignorada.

Para sustentar o mercado de ações, sob o eufemismo bem educado de Quantitative Easing, a Reserva Federal liberou dinheiro em escala massiva. Sorrateiramente, e desafiando seu mandato, a Reserva Federal socorreu não só os bancos americanos em dificuldades, mas também os bancos europeus, em transações ocultas ao Congresso e ao escrutínio público, enquanto o Tesouro assegurava – em estreita ligação nos bastidores com o Banco Popular da China – que não haveria qualquer hesitação chinesa na compra de bônus do Tesouro (T-bonds).

Em suma, uma vez que as instituições centrais do capital estavam em risco, todos os preceitos da economia neoliberal foram lançados aos ventos, com doses de remédios megakeynesianos para além da imaginação do próprio Keynes. Na Grã-Bretanha, onde a crise rapidamente se refletiu nos países da Europa, estes chegaram ao ponto de nacionalizar temporariamente aquilo a que o dom americano para o eufemismo burocrático chamou de “ativos problemáticos”.

Tudo isto significou um repúdio do neoliberalismo e uma guinada para um novo regime internacional de acumulação? De modo algum. O princípio central da ideologia neoliberal, cunhado por Thatcher, sempre residiu no atraente acrônimo com sonoridade feminina TINA: There Is No Alternative. Por mais que as medidas para controlar a crise parecessem quebrar tabus, e em boa parte faziam isso, consideradas a partir dos cânones neoclássicos, elas essencialmente equivaliam ao quadrado, ou ao cubo, da dinâmica subjacente à época neoliberal, nomeadamente a expansão contínua do crédito acima de qualquer aumento da produção, naquilo a que os franceses chamam uma fuite en avant – uma fuga para a frente. Assim, uma vez que as medidas exigidas pelo emergencial risco de vida estabilizaram o sistema, a lógica do neoliberalismo avançou novamente, país após país.

Na Grã-Bretanha, que foi a primeira no processo, a imposição implacável da austeridade reduziu as despesas das autoridades locais a níveis mendicantes e cortou as pensões universitárias. Na Espanha e na Itália, a legislação trabalhista foi revista para facilitar a demissão sumária de trabalhadores e aumentar o emprego precário. Nos Estados Unidos, foram mantidas as reduções drásticas dos impostos sobre as empresas e os ricos, enquanto a desregulamentação se acelerou nos setores de energia e serviços financeiros.

Na França, historicamente retardatária na corrida ao neoliberalismo, mas agora candidata a um lugar na vanguarda, foi posto em marcha algo como um programa thatcheriano completo: privatização de indústrias públicas, legislação para enfraquecer os sindicatos, benefícios fiscais para as empresas, redução do número de funcionários públicos, cortes nas aposentadorias, redução do acesso às universidades – parecendo encaminhar-se para um confronto social na linha do esmagamento dos mineiros por Margaret Thatcher, um ponto de inflexão nas relações de classe do qual o capital britânico nunca se arrependeu.

4.

Como tudo isto foi possível? Como um choque tão traumático para o sistema como a crise financeira global, e o descrédito em que suas principais agências e receitas milagrosas inevitavelmente caíram, foram seguidos por uma reversão tão completa dos negócios como de costume? Duas condições foram fundamentais para este resultado paradoxal. Em primeiro lugar, ao contrário do que aconteceu na década de 1930, não havia paradigmas teóricos alternativos à espera nos bastidores para desalojar o domínio da doutrina neoliberal e substituí-la. O keynesianismo, que depois de 1945 se tornou o denominador comum do que tinha sido peneirado pela máquina debulhadora da guerra a partir das três tendências em disputa na década de 1930, nunca se recuperou de sua derrocada nos conflitos de classe da década de 1970.

A matematização anestesiou durante muito tempo boa parte da disciplina econômica contra qualquer tipo de pensamento original, deixando anomalias como a Escola da Regulação na França ou a Escola da Estrutura Social de Acumulação nos EUA completamente marginalizadas. Os teoremas neoliberais das “expectativas racionais” ou da “compensação de mercado” podiam agora parecer disparatados, mas não havia muita coisa para substituí-los.

Por trás dessa ausência intelectual – e esta foi a segunda condição para a aparente imunidade do neoliberalismo para a desgraça – estava o desaparecimento de qualquer movimento político significativo que apelasse vigorosamente quer à abolição quer à transformação radical do capitalismo. Na virada do século, o socialismo, nas suas duas variantes históricas, revolucionária e reformista, tinha sido varrido do palco na zona atlântica. A variante revolucionária: ao que parece, com o colapso do comunismo na URSS e a desintegração da própria União Soviética.

A variante reformista: ao que parece, com a extinção de qualquer vestígio de resistência aos imperativos do capital nos partidos social-democratas do Ocidente, que agora se limitavam a competir com os partidos conservadores, democratas-cristãos ou liberais, em sua implementação. A Internacional Comunista foi encerrada logo em 1943. Sessenta anos depois, a chamada Internacional Socialista contava em suas fileiras com o partido governante da brutal ditadura militar de Mubarak no Egito.

Nada disto significa, ou poderia significar, que depois de reinar durante um quarto de século e, de repente, cair de joelhos, o sistema neoliberal tinha ficado sem oposição. Depois de 2008, suas consequências sociais e políticas acumuladas começaram a fazer-se sentir. Consequências sociais: uma escalada acentuada e, em alguns casos (sobretudo nos Estados Unidos e no Reino Unido), assombrosa da desigualdade; estagnação salarial a longo prazo; um precariado em expansão. Consequências políticas: corrupção generalizada, crescente permutabilidade dos partidos, erosão de uma escolha eleitoral significativa, declínio da participação dos eleitores – em suma, o eclipse crescente da vontade popular por uma oligarquia endurecida.

Este sistema gerou agora seu anticorpo, deplorado em todos os órgãos reputados de opinião e em todos os quadrantes políticos respeitáveis como a doença da época: o populismo. As revoltas enquadradas neste rótulo, muito diferentes entre si, têm em comum sua rejeição do regime internacional em vigor no Ocidente desde a década de 1980. Não se opõem ao capitalismo enquanto tal, mas à sua versão socioeconômica atual: o neoliberalismo.

5.

Seu inimigo comum é o establishment político que preside à ordem neoliberal, constituído pelo duo alternado de partidos de centro-direita e de centro-esquerda que monopolizaram o governo sob seu domínio. Estes partidos ofereceram muitas vezes, embora nem sempre, duas variantes ligeiramente diferentes de neoliberalismo: uma é disciplinar, e tipicamente mais inovadora em suas iniciativas, como Thatcher e Reagan; a outra é compensatória, oferecendo aos pobres pagamentos secundários que a variante disciplinar retém, como Clinton ou Blair. Ambas as versões, no entanto, têm estado inabalavelmente empenhadas em promover o objetivo comum de fortalecer o capital contra quaisquer choques inconvenientes.

O neoliberalismo, como já afirmei, forma um regime internacional: isto é, não é apenas um sistema replicado dentro de cada Estado-nação, mas um sistema que une e ultrapassa os diferentes Estados-nação das regiões avançadas, e menos avançadas, do mundo capitalista no processo que veio a ser chamado de globalização. Ao contrário das várias agendas nacionais do neoliberalismo, este processo não foi originalmente conduzido pela intenção política dos detentores do poder, mas seguiu a explosiva desregulamentação dos mercados financeiros desencadeada pelo chamado Big Bang de Margaret Thatcher, em 1986.

No devido tempo, a globalização tornou-se uma palavra de ordem ideológica dos regimes neoliberais em todo o mundo, uma vez que resultou em duas enormes vantagens para o capital em geral. Do ponto de vista político, a globalização assegurou a expropriação da vontade democrática que o fechamento oligárquico do neoliberalismo estava impondo internamente. Agora, o TINA não significava apenas que a conivência política entre a centro-direita e a centro-esquerda em nível nacional eliminava em grande medida qualquer escolha eleitoral significativa, mas também que os mercados financeiros globais não permitiriam qualquer desvio das políticas oferecidas, sob pena de colapso econômico.

Este foi o bônus político da globalização. Não menos importante foi o bônus econômico: o capital podia agora enfraquecer ainda mais o trabalho, não só através da dessindicalização, repressão salarial e precariedade, mas também realocando a produção para países menos desenvolvidos com custos trabalhistas muito mais baixos, ou simplesmente ameaçando fazer isso.

Outro aspecto da globalização teve, no entanto, um efeito mais ambíguo. Os princípios neoliberais estipulam a desregulamentação dos mercados: a livre circulação de todos os fatores de produção, ou seja, a mobilidade transfronteiriça não apenas de bens, serviços e capitais, mas também de força de trabalho. Logicamente, portanto, isso significa imigração. Faz muito tempo que as empresas da maior parte dos países recorrem aos trabalhadores migrantes como exército de reserva de força de trabalho barata, sempre que a oferta é necessária e as circunstâncias o permitem.

Mas, para os Estados, as considerações de ordem puramente econômica tinham de ser ponderadas em relação às de ordem mais social e política. Neste ponto, Friedrich von Hayek – a maior mente do neoliberalismo – tinha introduzido significativamente, desde cedo, uma reserva, uma ressalva. A imigração, ele advertia, não podia ser tratada como se fosse uma simples questão de mercado de fatores, pois, se não fosse rigorosamente controlada, poderia ameaçar a coesão cultural do Estado acolhedor e a estabilidade política da própria sociedade.

Era aqui que Margaret Thatcher também traçava a linha. Entretanto, é claro que as pressões para a importação ou aceitação de força de trabalho estrangeira barata persistiram, mesmo quando a produção era cada vez mais terceirizada para o estrangeiro, uma vez que muitos serviços de tipo braçal ou degradante, evitados pelos habitantes locais, não podiam, ao contrário das fábricas, ser exportados, pois tinham que ser executados no próprio lugar. Ao contrário de praticamente todos os outros aspectos da ordem neoliberal, nunca se chegou a um consenso estável no establishment sobre esta questão, que permaneceu um elo fraco na cadeia do TINA.

6.

Se olharmos para as revoltas populistas contra o neoliberalismo, elas dividem-se, grosso modo, como todos sabem, em movimentos de direita e de esquerda. Nesse sentido, repetem o padrão das revoltas contra o liberalismo clássico após seu fracasso na Grande Recessão: fascistas à direita, social-democratas ou comunistas à esquerda. O que diferencia as rebeliões atuais é não terem ideologias ou programas articulados de forma comparável – nada que corresponda à consistência teórica ou prática do próprio neoliberalismo. Elas são definidas pelo que são contra, muito mais do que por aquilo de que são a favor. Contra o que protestam?

O sistema neoliberal de hoje, como o de ontem, incorpora três princípios: escalada dos diferenciais de riqueza e renda; revogação do controle e representação democráticos; e desregulamentação do maior número possível de transações econômicas. Em suma: desigualdade, oligarquia e mobilidade de fatores. Estes são os três alvos centrais das insurgências populistas. Onde essas insurreições se dividem é quanto ao peso que atribuem a cada elemento – ou seja, contra que segmento da paleta neoliberal dirigem mais hostilidades.

É notório que os movimentos de direita se agarram ao último deles, o fator mobilidade, jogando com as reações xenófobas e racistas em relação aos imigrantes para ganhar um apoio generalizado entre os setores mais vulneráveis da população. Os movimentos de esquerda resistem a este direcionamento, apontando a desigualdade como o principal mal. A hostilidade contra a oligarquia política estabelecida é comum aos populismos de direita e de esquerda.

Historicamente, há uma clara divisão cronológica entre estas diferentes formas do mesmo fenômeno. O populismo contemporâneo surgiu na Europa, que ainda continua sendo o continente com a maior e mais diversificada variedade de movimentos. As forças populistas de direita remontam ao início da década de 1970. Na Escandinávia, assumiram a forma de revoltas libertárias contra os impostos por meio dos Partidos do Progresso na Dinamarca e na Noruega, fundados em 1972 e 1973, respectivamente.

Na França, o Front National foi fundado em 1972, mas só no início da década de 1980 conseguiu uma modesta força eleitoral como partido de direita nacionalista e anti-imigração, com um certo apelo à classe trabalhadora e fortes conotações racistas. No final dessa década, a liderança do Partido da Liberdade na Áustria foi conquistada por Jörg Haider, que adotou uma plataforma semelhante, enquanto, mais ao norte, os Democratas da Suécia surgiram como um grupelho de extrema direita com uma base xenófoba muito semelhante. Na gênese das três formações, havia literalmente elementos neofascistas, que – uma vez alcançada uma presença eleitoral significativa – se desvaneceram gradualmente.

A década de 1990 assistiu à eclosão da Liga do Norte na Itália, que, ao contrário, tinha raízes antifascistas; ao aparecimento do Ukip na Grã-Bretanha e à conversão dos partidos dinamarquês e norueguês, outrora libertários, em forças anti-imigração. No início da década seguinte, os Países Baixos criaram seu próprio Partido da Liberdade, que combinava perspectivas libertárias e islamofóbicas. Dez anos mais tarde, a Alternative für Deutschland repetiu o modelo holandês na Alemanha. Todos estes partidos de direita insurgiram-se contra a corrupção política e o fechamento de suas instituições nacionais e contra os ditames burocráticos da União Europeia a partir de Bruxelas. Todos, com a única exceção do AfD (fundado em 2013), são anteriores ao crash de 2008.

As forças populistas de esquerda são muito mais recentes, tendo surgido apenas após a crise financeira global de 2008. Na Itália, o Movimento Cinco Estrelas data de 2009. Na Grécia, o Syriza, ainda um pequeno grupo quando o Lehman Brothers entrou em colapso em Nova Iorque, surgiu como uma força eleitoral significativa em 2012. Na Espanha, o Podemos foi criado em 2014. Jean-Luc Mélenchon criou La France Insoumise em 2016. O momento desta onda deixa claro que foram as desigualdades socioeconômicas do neoliberalismo, e não seu enfraquecimento das fronteiras étnico-nacionais, que estimularam o surgimento do populismo de esquerda. Esta é uma distinção fundamental entre os dois tipos de revolta contra a ordem atual.

Não se trata, porém, de um abismo intransponível, uma vez que não há apenas uma sobreposição geral na repulsa comum do conluio e da corrupção dos establishments políticos de cada país, mas também, em alguns casos, uma contiguidade na defesa comum de sistemas de bem-estar ameaçados e, em outros, na preocupação com as pressões da imigração. Sob o comando de Marine Le Pen, o Front Nacional esteve consistentemente à esquerda do Partido Socialista francês na maioria das questões de política interna e externa, com exceção da imigração, apresentando críticas ao regime de François Hollande muitas vezes indistinguíveis das de Mélenchon.(????MD)

Por outro lado, o Movimento Cinco Estrelas, na Itália, cujo registro de votação no parlamento foi, em geral, impecavelmente radical, expressou repetidamente seu alarme diante do crescente afluxo de refugiados à Itália. Outro gesto comum a praticamente todos os matizes do populismo na Europa foi a rebelião contra o confisco flagrante da democracia pelas estruturas da União Europeia em Bruxelas.

No entanto, durante sete anos após o crash de 2008, o impacto político das revoltas populistas na Europa foi bastante modesto – nada remotamente comparável às tempestades que varreram a Europa e a América na década de 1930. A Liga do Norte e o AfD ficaram abaixo dos 5% dos votos. O Ukip, os Democratas da Suécia, o Partido da Liberdade holandês, o Partido do Progresso norueguês e a Frente Nacional estavam conquistando entre 10 e 18% do eleitorado.

Todos eles são populismos de direita. O Partido da Liberdade, na Áustria, e o Partido Popular Dinamarquês, também de direita, e o Podemos, de esquerda, atingiam pouco mais de um quinto dos cidadãos ativos. Os dois populismos mais bem sucedidos foram criações recentes da esquerda: na Itália, o Movimento Cinco Estrelas obteve um quarto dos votos e, na Grécia, o Syriza mais de um terço.

7.

O que mudou tudo isto foram quatro outros acontecimentos. Na Grã-Bretanha, o governante Partido Conservador sob pressão interna e ameaçado de perder eleitores para o Ukip, autorizou um referendo sobre a adesão à União Europeia, que seus líderes assumiram que produziria uma vitória bem fácil para o status quo, dado que três quartos dos membros do Parlamento, a totalidade da alta finança e das grandes empresas, os níveis mais altos da burocracia sindical e as fileiras massivas da intelligentsia e do establishment cultural do país eram favoráveis à continuação da adesão.

Para espanto geral, uma clara maioria da população votou pela saída da Europa, com uma participação muito mais elevada do que nas eleições gerais. Decisivo para o resultado foi a revolta das regiões e classes mais abandonadas do país contra o establishment neoliberal bipartidário que estava continuamente no poder desde a década de 1990. Foi a primeira vez que uma rebelião populista se tornou a expressão de uma maioria política num país capitalista e, ao fazê-lo, alterou o curso de sua história. Foi uma revolta orquestrada por forças de direita: Ukip, a ala tradicionalista do Partido Conservador e a maior parte da imprensa sensacionalista. Mas seu êxito se baseou na mobilização de vastas camadas da população que, no passado, tinham sido bastiões da esquerda trabalhista.

Poucos meses depois, Donald Trump triunfou nas eleições presidenciais dos Estados Unidos, nas quais tinha saudado o Brexit como um ensaio geral. Sua campanha, obviamente distinta de sua administração, foi de um tom e conteúdo puramente populistas de direita – acordes tocados pela última vez em seu discurso de posse, que combinou denúncias contundentes de involução política, aumento da desigualdade e perda de soberania nacional com hostilidade à imigração. Sua vitória nacional foi, de certa forma, acidental: se os democratas tivessem escolhido praticamente qualquer outro candidato convencional menos impopular do que Hillary Clinton, ele teria provavelmente sido derrotado.

Ficando muito aquém de uma maioria absoluta, com menos votos agregados do que Hillary Clinton, a vitória de Donald Trump não só não atingiu as mesmas proporções do Brexit, como também dependeu, para seu sucesso, do sequestro de lealdades partidárias reflexas entre aqueles que estavam dispostos a votar em qualquer candidato desde que fosse republicano, independentemente de quão desagradável fosse. No entanto, a vitória de Donald Trump não foi conseguida com base numa única questão de sim/não, como no Brexit, mas numa ampla plataforma político-ideológica, e seu apoio entre os eleitores da classe trabalhadora pode ter sido maior do que o obtido pelo Brexit: cerca de 70% dos que votaram nele não tinham um diploma universitário.

Este também não foi o único surto populista nos Estados Unidos nesse ano, com Bernie Sanders revelando-se um formidável adversário para a nomeação democrata no campo da esquerda. Se considerarmos os elementos das classes menos privilegiadas que votaram em Donald Trump nas eleições presidenciais e os que votaram em Sanders nas primárias democratas como uma porcentagem proporcional aos que o fizeram por Clinton em novembro, cerca de um terço dos votantes em 2016 eram suscetíveis a um populismo de direita e um quinto a um populismo de esquerda.

A surpresa seguinte foi o desempenho do Partido Trabalhista britânico nas eleições gerais de 2017, sob a liderança de seu novo líder, Jeremy Corbyn, até então rejeitado quase universalmente como um perdedor de extrema esquerda sem esperança e politicamente incompetente. Na ocasião, conduzindo uma campanha muito eficaz sob o slogan populista For the Many, Not the Few” [“Para muitos, não para uns poucos”], ele obteve uma votação maior do que seu partido tinha obtido em qualquer uma das três eleições precedentes, privando os conservadores de sua maioria no Parlamento, numa plataforma mais explicitamente hostil à ordem neoliberal do que a de qualquer partido de peso comparável na Europa.

A tradição histórica e a natureza inalterada do trabalhismo britânico, ambos profundamente conservadores, estão longe de ser populistas. Mas um grande afluxo de jovens ao partido, depois que Jeremy Corbyn se tornou seu líder, que fez dele durante algum tempo a maior organização política da Europa, foi como uma injeção súbita e massiva de uma estirpe estranha, trazendo-o para o que, em outras condições, teria sido uma direção populista de esquerda, não muito diferente da transformação do Parti de Gauche de Mélenchon, tradicionalmente socialista, que ele lançou em 2008, no populista pleno France Insoumise de 2016.

Em 2018, o obstáculo mais alto foi ultrapassado na Itália, onde dois partidos explicitamente populistas, o Movimento Cinco Estrelas, à esquerda, e a Liga, à direita, obtiveram, em conjunto, 50% dos votos – um terremoto na Itália e, de longe, o resultado mais alarmante até o momento para o establishment europeu, uma vez que ambos anunciaram que não tinham intenção de submeter o país aos ditames de mais austeridade de Berlim, Paris ou Bruxelas. As eleições italianas marcaram também a primeira vez que, no confronto direto, o populismo de esquerda ultrapassou por larga margem o populismo de direita: 33% para o M5S, 17% para a Liga.

Nos demais lugares, foi o contrário. Na França, em 2017, os votos de Le Pen ultrapassaram os de Mélenchon. No Reino Unido, Corbyn foi fortemente derrotado em 2019 pelo demagogo conservador Boris Johnson, encarnação extravagante de um simulacro de populismo de direita.

8.

A razão pela qual o populismo de direita tem gozado de uma vantagem sobre o populismo de esquerda não é difícil de observar. Na ordem neoliberal, desigualdade, oligarquia e mobilidade dos fatores formam um sistema interligado. Os populismos de direita e de esquerda podem, de formas diferentes, atacar os dois primeiros com um vigor mais ou menos desinibido. Mas só a direita pode atacar o terceiro com uma veemência ainda maior, com a xenofobia contra os imigrantes funcionando como seu trunfo. Aí, os populismos de esquerda não podem seguir sem suicídio moral.

E também não podem facilmente atenuar o problema da imigração, por duas razões. Não é mero mito que as empresas importem força de trabalho barata do estrangeiro – ou seja, trabalhadores tipicamente desprotegidos por direitos de cidadania – para rebaixar os salários e, em alguns casos, para tirar empregos dos trabalhadores locais, que qualquer esquerda deve procurar defender. Também não é verdade que, numa sociedade neoliberal, os eleitores tenham sido normalmente consultados sobre a chegada ou a escala da força de trabalho estrangeira: isto aconteceu quase sempre nas suas costas, tornando-se uma questão política não ex ante mas ex post facto.

Há aqui uma diferença transatlântica. A negação da democracia em que se transformou a estrutura da União Europeia incluiu, desde o início, a negação de qualquer fala democrática sobre a composição de sua população. A Constituição dos Estados Unidos, lamentavelmente anacrônica em muitos outros aspectos, não é tão radicalmente não democrática. Historicamente também, é claro, os EUA são uma sociedade de imigrantes, como nenhum país europeu alguma vez foi.

Isso significa que há uma tradição de acolhimento seletivo e de solidariedade em relação aos recém-chegados que não se encontra na Europa com a mesma intensidade emocional. Mas em ambos os lados do Atlântico, o populismo de esquerda enfrenta a mesma dificuldade. Os populismos de direita têm uma posição simples sobre a imigração: barrar a porta aos estrangeiros e expulsar os que não deviam estar aqui. A esquerda não pode ter algo a ver com isto.

Mas qual é exatamente sua política de imigração: fronteiras abertas, testes de competências, cotas regionais, ou o quê? Em nenhum lugar foi dada uma resposta politicamente coerente, empiricamente detalhada e sincera até o momento. Enquanto isso persistir, é muito provável que o populismo de direita mantenha sua vantagem sobre o populismo de esquerda.

O problema, de fato, é mais geral. Nenhum populismo, de direita ou de esquerda, produziu até agora um remédio poderoso para os males que denuncia. Do ponto de vista programático, os opositores contemporâneos do neoliberalismo ainda estão, em sua maioria, assobiando no escuro. Como combater a desigualdade – e não apenas remendá-la – de uma forma séria, sem desencadear imediatamente uma greve do capital? Que medidas podem ser previstas para enfrentar o inimigo, golpe a golpe, nesse terreno disputado, e sair vitorioso? Que tipo de reconstrução, inevitavelmente radical nessa altura, da atual democracia liberal seria necessária para pôr fim às oligarquias que ela gerou? Como desmantelar o Estado profundo, organizado em todos os países ocidentais para a guerra imperial – clandestina ou aberta? Que reconversão da economia para combater as mudanças climáticas, sem empobrecer as sociedades já pobres de outros continentes, é imaginada?

Que faltem tantas flechas na aljava de uma oposição séria ao status quo não é, evidentemente, culpa apenas dos populismos atuais. Reflete a contração intelectual da esquerda, em seus longos anos de recuo desde a década de 1970, e a esterilidade, nesse período, do que foram outrora vertentes originais de pensamento nas margens da corrente predominante. Podem ser citadas propostas paliativas, que variam de país para país: Medicare para todos nos EUA, renda garantida para os cidadãos na Itália, bancos públicos de investimento na Grã-Bretanha, impostos Tobin na França e coisas do tipo.

Mas, em relação a uma alternativa geral e articulada ao status quo, o armário continua vazio. Se um partido ou movimento populista chega ao poder atualmente, para ver o resultado provável, basta olhar para o destino vira-casaca do Syriza na Grécia, à esquerda – na oposição, um rebelde contra os ditames da UE, no cargo, um instrumento submisso da mesma – ou, à direita, a normalização da noite para o dia da primeira presidência de Trump, que cuspira fogo contra a complacência e a desigualdade do establishment no dia em que tomou posse, e nada fez em relação a isso uma vez na Casa Branca. Em termos políticos, o neoliberalismo não tem corrido grande perigo em nenhuma das duas situações.

Neste cenário, o vírus da Covid atingiu o mundo como um raio em 2020, forçando confinamentos em todo o mundo. Donald Trump e Boris Johnson, que estavam em alta um ano antes, foram derrubados por seu impacto. Donald Trump teria sido quase certamente reeleito nesse ano se sua administração não tivesse sido atingida pela pandemia. Boris Johnson foi destituído por seu próprio partido em 2022. Sob a onda de choque da Covid, o comércio internacional despencou e, em poucos meses, perderam-se quinhentos milhões de postos de trabalho em todo o mundo.

Nos Estados Unidos, o mercado de ações caiu e o Produto Interno Bruto sofreu a pior queda desde 1946, contraindo 3,5% em 2020. No Reino Unido, o PIB caiu 10% e na União Europeia 6%. À medida que as cadeias de abastecimento mundiais se desgastaram, a inflação começou a aumentar em toda a OCDE e, com ela, o desemprego. Nesta situação de emergência, o último ano da primeira administração de Donald Trump foi marcado por um enorme estímulo fiscal para evitar uma recessão mais profunda.

9.

A partir de 2021, com Joe Biden na Casa Branca, uma intervenção ainda maior do Estado para estabilizar a economia americana foi posta em marcha com a chamada Lei de Redução da Inflação, injetando 750 bilhões de dólares na economia, com um enorme pacote de subsídios estatais para incentivar novos investimentos, sustentar a renda das famílias e alterar o uso de energia; seguido pela Lei de Chips e Ciência de 2022, que despejou mais 280 bilhões de dólares de gastos públicos nas indústrias de semicondutores e aliadas do país, juntamente com uma bateria de medidas protecionistas destinadas a derrotar a concorrência de alta tecnologia da China.

Este era um programa orgulhosamente descrito pelos apoiadores da administração Joe Biden como uma versão do século XXI do New Deal de Roosevelt: suas receitas modernizariam a indústria americana, ajudariam os mais desfavorecidos e equipariam as forças armadas do país para combater a ameaça representada pela ascensão da China. Muitos saudaram suas amplas intervenções estatistas e acolheram a adoção de políticas industriais ativas como uma ruptura com o neoliberalismo comparável e tão decisiva como a ruptura de Roosevelt com as doutrinas paleoliberais na década de 1930.

Outros aplaudiram o renascimento levado a cabo por Joe Biden da política da Guerra Fria de construir alianças contra inimigos mortais no exterior, seja em torno do Mar Negro, no Oriente Médio ou no Extremo Oriente, no melhor espírito de Truman nas décadas de 1940 e 1950.

A opinião dominante, não só na América, mas também, e muitas vezes ainda mais ardentemente, na Europa, saudou os resultados desta mudança como pouco menos do que um milagre. O periódico de massas mais influente e inteligente do mundo capitalista, funcionando por vezes como conselheiro semi-oficial para este, a revista The Economist, de Londres, pôde celebrar a economia americana numa reportagem especial, em outubro passado, como “a inveja do mundo”, cujo dinamismo pós-pandemia “deixou os outros países ricos na poeira”.

Os comentadores nos próprios EUA enalteceram a capacidade de Joe Biden de suprimir a inflação, as medidas de atenção à saúde de sua administração em relação aos menos favorecidos, suas políticas interétnicas progressistas de “diversidade, equidade e inclusão”. Tanto na Europa como na América, houve aplausos para sua firmeza em estar lado a lado com Israel em Gaza e com a Ucrânia. Infelizmente, os eleitores americanos ficaram menos impressionados.

No verão do ano passado, Joe Biden estava tão desacreditado que seu próprio partido o forçou a desistir de sua candidatura à reeleição, da mesma forma que os conservadores expulsaram Boris Johnson na Grã-Bretanha, deixando Kamala Harris, sua desafortunada vice-presidente, a ser derrotada em novembro por Donald Trump, que obteve uma maioria mais ampla do que em 2016.

O que a segunda presidência de Donald Trump significará para a América e para o mundo permanece indeterminado, dado o fosso de longa data entre suas palavras e seus atos. No âmbito interno, é possível que, desta vez, não cumpra suas promessas eleitorais de impor tarifas aduaneiras de 60% sobre todos os produtos provenientes da China e deportar todos os onze milhões de imigrantes ilegais nos Estados Unidos, tal como não cumpriu suas promessas da última vez de reconstruir a infraestrutura americana em ruínas e de construir um muro intransponível ao longo de toda a fronteira mexicana.

No entanto, dado o controle republicano de ambas as Câmaras do Congresso durante, pelo menos, dois anos, é mais provável que ele cumpra algumas de suas promessas do que descarte todas elas, e que, em matéria de comércio, obrigue tanto os aliados como os adversários a pagar mais tributos monetários aos Estados Unidos do que no passado. No exterior, pode parar a guerra na Ucrânia, cortando toda a ajuda a Kiev, ou pode agravá-la, se a Rússia recusar as condições em que ele espera pôr fim aos combates. Ele acredita na vantagem de ser imprevisível e, certamente, a União Europeia, a Grã-Bretanha e o Japão, mesmo que não gostem do que ele faz, são demasiado fracos como parceiros subordinados para desviá-lo disso.

O governo da Alemanha – a potência mais forte da Europa – entrou em colapso no dia seguinte à eleição de Donald Trump, quando Olaf Scholz demitiu seu ministro das finanças e perdeu o terceiro partido de que dependia sua coalizão. Nunca antes um acontecimento deste gênero tinha ocorrido na República Federal. As novas eleições duplicaram os votos do AfD para um quinto do eleitorado, dando origem a outra coalizão do establishment que se apressa para aprovar um aumento das despesas com defesa num Bundestag que os eleitores acabaram de rejeitar, em mais uma demonstração de como as elites europeias se preocupam pouco com a democracia que proclamam com ardor.

Na França, o governo nomeado por Emmanuel Macron após sua derrota nas urnas, no verão passado, colapsou em dois meses, derrubado por uma combinação de oposição de direita e de esquerda na Assembleia Nacional, numa revolta que o país só conheceu uma vez, há mais de sessenta anos. Poucos acreditam que seu precário sucessor, que se baseia numa relutante cooptação do Partido Socialista, durará muito tempo.

Em suma, a versão do populismo de direita de Donald Trump, abominada por metade do país como uma ameaça mortal à democracia, tomou o poder em Washington num momento de desordem institucional em Berlim e Paris, e com um governo em Londres que é agora ainda menos popular do que a oposição desacreditada que derrotou há pouco tempo. Por todo o lado, o cenário é de instabilidade, insegurança, imprevisibilidade. “Tudo é desordem sob os céus” e há poucos sinais de um retorno à ordem, tal como a entendem os que estão habituados a governar o Ocidente.

10.

Qual é a posição do neoliberalismo no meio deste turbilhão? Em condições de emergência, foi forçado a tomar medidas – intervencionistas, estatistas e protecionistas – que são anátemas para sua doutrina, mas sem perder o controle sobre as mentes dos responsáveis políticos, ou dar lugar a qualquer visão alternativa coerente da forma como uma economia capitalista avançada deve ser gerida.

Apesar dos desvios dramáticos do puro leite das receitas hayekianas ou friedmanianas, pouco mudou nas motivações e contradições subjacentes ao sistema que criou. Enquanto o PIB dos Estados Unidos caiu cerca de 4,3% durante a Grande Recessão após o crash de 2008, e dois terços da população ativa da OCDE suportaram rendas reais baixas ou em queda, o crescimento global foi retomado, embora em níveis ainda muito inferiores aos reivindicados na China, enquanto a desigualdade continuou aumentando.

Nos Estados Unidos, o fosso entre as despesas das camadas mais ricas e mais pobres da população é o maior jamais registrado. Acima de tudo, entretanto, o que desencadeou a crise de 2008 foi compensado por mais do mesmo. A obesidade das finanças no PIB americano não diminuiu, antes aumentou. O déficit do governo americano triplicou na última década. No mesmo período, a dívida pública dos Estados Unidos aumentou 17 trilhões de dólares, um aumento equivalente ao dos 240 anos anteriores. No conjunto da OCDE, a dívida soberana total, que era de 26 trilhões de dólares em 2008, mais do que duplicou, subindo para 56 trilhões de dólares em 2024. Um regime internacional que, há uma década, se afundou e quase se afogou no mar de dívida que tinha criado, está encharcando-se com uma inundação de dívida ainda maior, sem fim à vista.

Assim, estaremos finalmente assistindo à chegada de uma mudança de regime no Ocidente, já anunciada várias vezes neste século? Esta é a mensagem do recente bestseller de um eminente historiador americano simpático a Biden, The rise and fall of the neoliberal order: America and the world in the free market era, de Gary Gerstle, que sugere que, de diferentes direções, Sanders e Trump desferiram golpes tão eficazes na encarnação do neoliberalismo de Hillary Clinton que o caminho foi aberto por Joe Biden para que o equilíbrio entre ricos e pobres na sociedade americana começasse a ser alterado e os benefícios da política industrial dirigida pelo governo se tornassem visíveis para milhões de pessoas.[iii]

Reconhecendo que “os vestígios da ordem neoliberal estarão conosco durante anos e talvez décadas”, ele termina, no entanto, com a firme declaração de que “a própria ordem neoliberal está despedaçada”. De certa forma, uma acusação ainda mais severa do balanço socioeconômico desde Reagan vem de um antigo admirador do Gipper [Reagan], o banqueiro indiano-americano Ruchir Sharma, ex-estrategista chefe global do Morgan Stanley, em What went wrong with capitalism[iv]. Seu leitmotiv é que “as crises financeiras periódicas – que eclodiram em 2001, 2008 e 2020 – desenrolam-se agora contra o pano de fundo de uma crise permanente e diária de má alocação colossal de capital”, o resultado de enormes infusões de dinheiro fácil injetado nas economias avançadas pelos bancos centrais para sustentar taxas de crescimento em declínio constante.

Estas torrentes de dinheiro distribuídas pelo Estado são a verdade última e primordial deste período. Sharma adverte que, mais cedo ou mais tarde, o sistema será afetado por um choque monumental. Que remédio isso traria? A resposta de Sharma: o retorno a um Estado menor e a um dinheiro mais apertado, a receita clássica de Mises e Hayek – o neoliberalismo completa-se mais uma vez.

Estes vereditos contrastantes não são, em si mesmos, uma novidade. Eric Hobsbawm proclamava “A morte do neoliberalismo” em 1998. Alguns anos mais tarde, Colin Crouch, não menos avesso a este sistema e intitulando seu livro sobre as desventuras dele The strange non-death of neoliberalism, chegou à conclusão oposta, um juízo que reiterou há um ano num texto intitulado Neoliberalism: still to shrug off its mortal coil”.

Estas foram as conclusões de um inimigo declarado da ordem neoliberal. Um expoente convicto, Jason Furman – assistente especial de Bill Clinton, presidente do Conselho de Consultores Econômicos de Obama, admirador do modelo de gestão do Walmart – é da mesma opinião. Num artigo de primeira página da Foreign Affairs, intitulado “The post-neoliberal delusion”, Furman responde vigorosamente a pensadores como Gerstle, atribuindo a derrota dos democratas pela Casa Branca à loucura de abandonarem a disciplina econômica ortodoxa com vastos e incontinentes programas de despesas que não atingiram seus objetivos.

Apresentando os custos e benefícios do mandato de Joe Biden com riqueza de detalhes prejudiciais, Furman relata: “A inflação, o desemprego, as taxas de juro e a dívida pública eram todos mais elevados em 2024 do que em 2019. De 2019 a 2023, a renda familiar ajustada pela inflação caiu e a taxa de pobreza aumentou”. “Apesar dos esforços para aumentar o crédito tributário infantil e o salário mínimo”, continua ele, “ambos eram consideravelmente mais baixos em termos ajustados pela inflação quando Biden deixou o cargo do que quando entrou”.

Apesar de toda a ênfase que colocou nos trabalhadores americanos, Biden foi o primeiro presidente democrata em um século que não expandiu permanentemente a rede de proteção social”. Conclusão: “Os responsáveis políticos não devem mais ignorar o essencial em busca de soluções heterodoxas fantasiosas”. O que foi rejeitado como ortodoxia neoliberal está vivo e bem, e oferece o único caminho a seguir.

Um regime internacional está sendo enterrado, ou ressuscitando como Lázaro? O impasse entre os vereditos destes especialistas tem seu correlato no panorama político, em que o conflito entre neoliberalismo e populismo, os adversários que se confrontaram em todo o Ocidente desde o início do século, se tornou cada vez mais explosivo, como demonstram os acontecimentos das últimas semanas – mesmo que, apesar de todas as suas aparentes concessões ou recuos, o neoliberalismo mantenha a vantagem. O primeiro sobreviveu apenas por continuar reproduzindo o que ameaça derrubá-lo, enquanto o segundo cresceu em magnitude sem avançar numa estratégia relevante. O impasse político entre os dois não acabou: quanto tempo durará é uma incógnita.

Isto quer dizer que, até que um conjunto coerente de ideias econômicas e políticas, comparável aos paradigmas keynesianos ou hayekianos de outrora, tenha tomado forma como um caminho alternativo de gerir as sociedades contemporâneas, não se pode esperar qualquer mudança séria no modo de produção existente? Não necessariamente. Fora das zonas centrais do capitalismo, pelo menos duas alterações de grande importância ocorreram sem que nenhuma doutrina sistemática as imaginasse ou propusesse antecipadamente.

Uma foi a transformação do Brasil com a revolução que levou Getúlio Vargas ao poder em 1930, quando as exportações de café de que sua economia dependia entraram em colapso na crise e a recuperação foi pragmaticamente conseguida através da substituição de importações, sem o benefício de qualquer defesa antecipada. A outra, ainda mais abrangente, foi a transformação, após a morte de Mao, da economia planificada na China, na Era da Reforma presidida por Deng Xiaoping, com a chegada ao poder do sistema de responsabilidade das famílias na agricultura e a arrancada, por parte das empresas das vilas e aldeias, da mais espetacular explosão sustentada de crescimento econômico de que há registro na história – o que também foi improvisado e experimental, sem qualquer tipo de teorias pré-existentes.

Serão estes casos demasiado exóticos para terem qualquer influência no coração do capitalismo avançado? O que os tornou possíveis foi a magnitude do choque e a profundidade da crise que cada sociedade sofreu: a recessão no Brasil, a Revolução Cultural na China – equivalentes tropical e oriental dos golpes na autoconfiança ocidental durante a Segunda Guerra Mundial. Se a descrença de que alguma alternativa é possível ocorresse em algum momento no Ocidente, a probabilidade é de que algo comparável acabará sendo a ocasião para isso.

 

*Perry Anderson, historiador, filósofo político e ensaísta, é professor de história e sociologia na Universidade da Califórnia em Los Angeles e fundador da New Left Review. Autor, entre outros livros, de Afinidades Seletivas (Boitempo).


Tradução: Fernando Lima das Neves.

Publicado originalmente na London Review of Books [https://www.lrb.co.uk/the-paper/v47/n06/perry-anderson/regime-change-in-the-west]


Notas:


[i] Nye tornou-se presidente do Conselho Nacional de Inteligência e secretário adjunto da Defesa na administração Clinton.

[ii] Forsyth e Notermans tiveram o cuidado de terminar seu relato destacando que não estavam oferecendo explicações causais para as sucessivas mudanças sistêmicas que narravam. Notermans, o mais prolífico dos dois, tornou-se um notável crítico do neoliberalismo – um termo que só se generalizou neste século – do ponto de vista de uma social-democracia friamente realista, produzindo, entre outras coisas, a melhor análise do modelo econômico do imposto de renda com alíquota única no país para onde se mudou: “An unassailable fortress? Neoliberalism in Estonia”, em Localities (2015).

[iii] Allen Lane, 384 pp., junho de 2024.

[iv] Oxford, 432 pp., setembro de 2023.

 

quarta-feira, 7 de julho de 2021

Simone Weil, uma vida em cinco ideias livro de Robert Zaretsky - Toril Moi (London Review of Books)

 The London Review of Books – 3.7.2021

Vol. 43 No. 13 · 1 July 2021

THE SUBVERSIVE SIMONE WEIL: A LIFE IN FIVE IDEAS 

I came with a sword

Toril Moi

 

THE SUBVERSIVE SIMONE WEIL: A LIFE IN FIVE IDEAS 

by Robert Zaretsky.

Chicago, 181 pp., £16

 

We don’t admire Simone Weil because we agree with her, Susan Sontag argued in 1963: ‘I cannot believe that more than a handful of the tens of thousands of readers she has won since the posthumous publication of her books and essays really share her ideas.’ What we admire, Sontag thought, is her extreme seriousness, her absolute effort to become ‘excruciatingly identical with her ideas’, to make herself a person who is ‘rightly regarded as one of the most uncompromising and troubling witnesses to the modern travail of the spirit’. Sontag underestimates the power of Weil’s ideas, I think, but she is right to say that in the minds of readers, Weil’s thought and life are intrinsically connected. Her life is the ground that gives her thinking its full meaning.

Simone’s father, Bernard Weil, was a successful doctor. Her mother, Selma, had wanted to study medicine, but her father wouldn’t allow it. Thoroughly assimilated French Jews, Simone’s parents practised no religion, and didn’t tell their children that they were Jewish until they were teenagers. Simone, born in 1909, was overshadowed by her older brother, André, a mathematical genius who at the age of twelve was reading Plato in Greek.

As a toddler Weil developed an extreme fear of germs and couldn’t stand to be touched. She was also preternaturally clumsy. At school, she couldn’t write fast enough to keep up with the others. She suffered from phobias, a sense of disgust provoked by certain foods, and by the idea of contaminationShe had migraines. She was extremely myopic. Scholars have debated whether or not she was anorexic. She certainly had a neurotic relationship to food, was extremely thin and always wore clothes that hid her body. She wanted her family to treat her like a boy, sometimes even signing letters to them ‘your son, Simon’. She found the idea of being an object of desire repulsive, and dressed in an outlandish way. The poet Jean Tortel remembered her as ‘a kind of bird without a body, withdrawn, in a huge black cloak which she never took off and which flapped around her calves’. Weil never defined herself as a woman, any more than as a Jew.

She graduated from the École Normale Supérieure in 1931, during the brief prewar period when the institution admitted women. (Simone de Beauvoir, a few years ahead of her, didn’t have the opportunity to apply.)Weil had an immense appetite for learning, was a natural teacher and a driven writer. She once said that she felt her mind was crowded by ideas clamouring to be expressed. Yet throughout her life, she insisted on taking on physical tasks for which she lacked the slightest aptitude. In another person this might be seen as selfish. She often became a burden on others. But for most readers, her writing – her intense examination of malheur (‘misery’ or ‘affliction’), the exploitation of workers, of power, violence, war, duties and the need for roots – transfigures all this. Weil writes about her experiences with luminous clarity. Her austere and difficult life lends authority to her thinking in a way other intellectuals can only dream of.

Yet that life depended to an astonishing degree on the support of other people, in particular on the quiet labour of her parents. In 1931, she took up her first posting as a lycée teacher in the small town of Le Puy in the Auvergne. Refusing to live on more than the entry-level salary of an elementary school teacher, Weil sent most of her wages to a fund for striking workers. She would happily have lived in a hovel, but Selma, who virtually commuted from Paris to Le Puy during Weil’s year there, found her a spacious flat with a bathroom, and persuaded one of Weil’s colleagues, Simone Anthériou, to share it. Weil had no practical sense, so her indefatigable mother saw to it that the two Simones got a housekeeper. Weil wanted to live like a worker, yet her phobias meant that she could only eat the most expensive cuts of meat. If she couldn’t get them, she would simply go without. Selma quietly made a deal with Anthériou: she would buy decent meat and Selma would secretly refund her. Simone herself never had any idea how much her food cost.

Weil earnestly wanted to share in the suffering of others. She spent her spare time as a teacher doing trade union work. In 1934-35, she took a leave of absence, and spent the autumn working on her syndicalist analysis of Marxism, later published as Oppression and Liberty. In December, she went to work on the assembly line at Alsthom, building electrical machinery. The work was dangerous and she was bullied by the foremen. Her lack of strength and dexterity made her accident-prone and she often failed to fulfil her quotas. She fell ill after a month and had to take six weeks’ sick leave. To help her recover, her parents took her to a sanatorium in Switzerland. As soon as she felt better, she went back to the factory, where she survived another month before she left (or was fired). Next she found work at Carnaud, making gas masks and oilcans; she was laid off after a few weeks. Then Renault hired her. At the end of August, she was fired. The experience of dangerous, physically exhausting and soul-destroying factory work forms the background to La Condition ouvrière, a collection of texts – journal entries, letters, brief essays – dealing with the way capitalism crushes the bodies and souls of workers. When Hannah Arendt read it in the 1950s, she thought it was the best thing ever written on the subject.

In August 1936, Weil crossed the Spanish border and made her way to Barcelona. There she managed to join a group of international volunteers in the small town of Pina de Ebro. Noticing her short-sightedness, her comrades at first refused to give her a weapon. But she demanded so vociferously to be allowed to carry a rifle like everyone else that they relented (though they prudently stayed out of range). One morning, less than two weeks after her arrival, she failed to see a vat of boiling oil on the ground and stepped into it, suffering terrible burns. After a few days, transportation was found to get her back to Barcelona. If her parents had not been waiting there, to provide treatment, food and rest, she might well have died. Towards the end of September, they finally persuaded her to return to France with them.

This became a recurring pattern. Weil acted on conviction, always with great courage and absolute determination. But in the background, her parents were ready to drop everything to make sure that she survived her attempts at living out her ideals. Gustave Thibon, a farmer and the editor of one of her most popular books, Gravity and Grace, thought that their ‘constant care ... put off the inevitable outcome’. The Weils themselves were perfectly aware of their role. ‘If you ever have a daughter,’ Selma said to Tortel, ‘pray to God she won’t be a saint.’ When people expressed sympathy for her parents, Simone would reply: ‘Another member of the Society for the Protection of my Parents!’

After Spain, Weil continued to work with trade unions, but she also became interested in Catholicism. She had mystical experiences in which she felt the loving presence of Christ, yet she refused to be baptised. She loved God, but she didn’t love the Church, with its persecution of anyone who refused to submit to its dogmas. Although it caused her great pain to remain outside organised religion, Weil refused to become part of a community defined by the excommunication of dissenters and the exclusion of the non-baptised.

In June 1940, the Weil family only just outpaced the German invasion, getting the last train out of Paris. They stayed in Marseille until May 1942, when they left for New York via Casablanca. In Marseille, Simone decided to work as a farmhand. She also asked Thibon, who had reluctantly agreed that she could work on his farm, to let her sleep outside, which he absolutely refused to do. In the end they compromised on an abandoned, half-ruined, rat-infested house owned by his wife’s parents.

As soon as she arrived in the United States, Weil campaigned to be allowed to join the Free French in LondonShe finally succeeded, and after a strenuous Atlantic crossing, and internment in Liverpool, she arrived in London in December 1942. When she died of tuberculosis and self-starvation in a sanatorium in Ashford, Kent, on 24 August 1943, she had been separated from her parents for nine months. In London she wrote day and night, far exceeding the pedestrian reports the Free French asked her to produce. Her output in this period was prodigious. The Need for Roots: Prelude to a Declaration of Duties towards Mankind, her epochal study of what is required for us to feel at home in our society, was written during this time. When she was diagnosed with TB in April 1943, she hid her illness from her parents, filling her letters with pious lies. She didn’t mention that she had become too sick to work, and didn’t tell them she was in hospital. When she died, a telegram was sent to André in Philadelphia. He went to New York to break the news to his unsuspecting parents.

The last word Weil wrote in her diary before her death was ‘nurses’. While she might have been thinking of the nurses who attended her in her final days, it is tempting to see this as a reference to a project she had promoted since the war began – that the Allies should send volunteer nurses to the front lines. Since only the simplest care could be given in battle, they wouldn’t need to be highly trained. They would comfort the dying more often than saving the living. But the deeper purpose was moral: the white-uniformed nurses would serve as emblems of moral courage and symbols of Allied values, their femininity contrasting with the masculinity defined by the Totenkopf and the black uniforms of the SS. Naturally, Weil wanted to be among the first nurses deployed. She even took a First Aid course in preparation. When General de Gaulle heard about her plan, he exclaimed: ‘Mais elle est folle!’ Weil was deeply hurt by the dismissal of her idea.

A further disappointment followed when the Free French refused to send her on a mission into occupied territory. None of her superiors in London would entertain the thought. Her bad eyesight and clumsiness were well known. Some also thought her ‘physical type’ made her unsuitable. In other words: she looked too Jewish. The likelihood of her being caught – possibly jeopardising the lives of others – was too high. Although her good friend Maurice Schumann (later foreign secretary under de Gaulle) patiently explained why nobody in their right mind would send her on a secret mission, Weil reproached him. Why would such an intelligent woman fight so tenaciously for such quixotic projects? Maybe the answer is simply that they would oblige her to risk her life.

It’s hard to know what to make of Weil’s life and death. Christians see her as Christ-like in her suffering. Others may find her desire to help selfish and her insistence on doing work she couldn’t handle almost risible. Even Thibon admits that watching Weil try to do the dishes had him in fits of laughter. She knew perfectly well she was unsuited to practical work. But saints must often bear the ridicule of others. In her last years, she came to see the ‘extraordinary difficulty’ she had ‘in doing an ordinary action’ as a favour from God, because it kept her from attempting more self-aggrandising heroics. However strangely she did the dishes, Thibon was in awe of her presence, her luminous gaze, her ‘insistence on inner purity and authenticity’.

I am struck by her loneliness. She wanted to merge with the masses, to be anonymous and unobtrusive – a worker, a farmhand, a trade unionist, a soldier – one among many, working and fighting alongside others. Yet she found true solidarity hard to come by. Everywhere she went, she stood out. She was often the only woman; she was always different. Tortel notes that her purity inspired fear. Even her writings are not really about acknowledging the pain of others. They are, rather, about the complete eradication of the self in the service of the afflicted, who, precisely because of their affliction, have already had their own subjectivity obliterated. Weil’s only loving interlocutor is God.

What about? Weil’s ideas? There is no disputing their importance. Her thinking about affliction, attention, factory work, oppression and liberation, rights and obligations, and the need for belonging has been influential across political theory, moral philosophy and theology. She has inspired thinkers as different as Maurice Blanchot, Iris Murdoch and Giorgio Agamben. Wittgensteinians such as Peter Winch and Cora Diamond have felt kinship with her ideas about language and morality. The feminist philosopher Andrea Nye has suggested that Weil’s emphasis on obligations rather than rights might offer a way out of the impasse over abortion in the US. Thousands of ordinary readers interested in mysticism or Catholicism have found her books illuminating.

Others have found her thinking repellent. Sontag expresses relief that we can admire Weil without having to agree with her ‘anguished and unconsummated love affair with the Catholic Church, or accept her gnostic theology of divine absence, or espouse her ideals of body denial, or concur in her violently unfair hatred of Roman civilisation and the Jews’. George Steiner goes even further. He considers Weil ‘one of the ugliest cases of blindness and intolerance in the vexed history of Jewish self-hatred’. They have a point. She had an almost visceral loathing for ‘Hebrew’ and Roman culture, matched in intensity only by her deep veneration for ancient Greek culture and Catholicism. More than half of The Need for Roots is taken up with her passionate insistence that French culture and politics went awry as a result of the Romans. In Weil’s account, the Druids, who resisted the Romans, emerge as the unlikely heroes of French history.

In The Subversive Simone Weil: A Life in Five Ideas, Robert Zaretsky sets out to show that Weil’s ideas can still ‘resonate’ with secular readers today. He wants us to learn from Weil, but he also thinks that, undiluted, she is likely to send us running. His solution is to tone her down. The value of affliction ‘lies in the use we make of it. Whether it can teach us anything as grand as wisdom depends on how we define wisdom. If virtues like comprehension and compassion, toleration and moderation are to constitute at least part of wisdom, we could do worse.’ But Weil was never a champion of ‘moderation’. Zaretsky’s Weil becomes Simone of the Suburbs, a standard-bearer for traditional liberal morality.

In ‘The Love of God and Affliction’ (included in the essay collection Waiting for God), Weil writes that ‘compassion for the afflicted is an impossibility.’ The afflicted ‘have no words to express what is happening to them’. Affliction is different from suffering, for it mutilates a person’s whole being. In affliction, Weil writes, ‘a kind of horror submerges the whole soul. Extreme affliction, which means physical pain, distress of soul and social degradation, all at the same time, is a nail whose point is applied at the very centre of the soul.’ We see examples of this every day: the homeless person on the street corner; the refugee stuck in a desolate camp or immigration centre; the trafficked woman suffering daily assaults by anonymous men. What can possibly count as the ‘wise use’ of such destitute lives, of such affliction?

One of Weil’s most passionate accounts of affliction can be found in her essay ‘The Iliad, or the Poem of Force’, written at the beginning of the Second World War. ‘Force,’ she writes in Mary McCarthy’s excellent translation, is ‘that X that turns anybody who is subjected to it into a thing. Exercised to the limit, it turns man into a thing in the most literal sense: it makes a corpse out of him.’ Force is the power of ‘halting, repressing, modifying each movement that our body sketches out’. Because force is the ability to kill, it can make a thing out of a human being while he is still alive. ‘He is alive; he has a soul; and yet – he is a thing,’ Weil writes. Her example is the overpowered soldier in the Iliad: ‘A man stands disarmed and naked with a weapon pointing at him; this person becomes a corpse before anybody or anything touches him ... Still breathing, he is simply matter; still thinking, he can think no longer.’ Weil taught us how to think about the horrors of the Holocaust.

Her reflections on war are also reflections on slavery. ‘To be outside a situation as violent as this is to find it inconceivable; to be inside it is to be unable to conceive its end ... Always in human life, whether war or slavery is in question, intolerable sufferings continue, as it were, by the force of their own specific gravity.’ Faced with absolute force, the slave is reduced to a thing. To say that a person is a thing, is a ‘logical contradiction’, Weil writes.

 

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https://www.lrb.co.uk/the-paper/v43/n13/toril-moi/i-came-with-a-sword