Grato a Olympio Pinheiro pela postagem:
A CAPITULAÇÃO DA UCRÂNIA SERIA TAMBÉM A DOS EUA
Lionel Jospin ao “Le Monde”: “A capitulação da Ucrânia seria também a dos Estados Unidos”
O ex-primeiro-ministro socialista analisa a guinada geopolítica conduzida por Donald Trump e a maneira pela qual ele está ‘corrompendo a essência democrática do sistema político americano’.
Entrevista concedida a Sandrine Cassini, Solenn de Royer e Thomas Wieder
Le Monde - Publicado em 30 de março de 2025, atualizado em 31 de março 2025
Como o senhor analisa os primeiros passos de Donald Trump na Casa Branca?
Donald Trump e sua equipe iniciam uma inversão da política externa americana. Eles tratam seus aliados tradicionais como adversários. Afastam-se do sistema internacional construído desde a Segunda Guerra Mundial com o aval dos Estados Unidos. Rejeitam as organizações multilaterais, ignoram o direito internacional e expressam ambições predatórias (sobre a Groenlândia ou o Canadá). Lançam dúvidas sobre seu compromisso com a OTAN e com os princípios de solidariedade entre aliados previstos no artigo 5 do tratado.
Por outro lado, tratam Vladimir Putin — inimigo das democracias — como parceiro. Baseiam-se numa ilusão perigosa, tanto para a Europa quanto para os EUA.
Essa política e suas consequências, especialmente na Ucrânia, lhe parecem irreversíveis?
Não. Trump enfrentará três realidades: a vontade da Ucrânia de existir como nação soberana, a resistência europeia que começa a emergir, e o maximalismo da Rússia.
Trump quer se apresentar como um pacificador e acredita que Putin lhe dará essa chance. Mas o objetivo de Putin é um só: a eliminação da Ucrânia como nação livre e soberana. Ora, a capitulação da Ucrânia seria também a capitulação dos Estados Unidos. O macho alfa que Trump gosta de encarnar correria um grande risco — inclusive perante os próprios americanos — ao iniciar seu mandato cedendo tudo a Putin. Enviaria também um estranho sinal à China.
Observa-se um impulso europeu pelo rearmamento. O senhor vê isso com bons olhos?
Os países europeus se acostumaram a viver em paz e, com razão, não adotaram uma política agressiva frente à Rússia. Quando a Alemanha — maior potência econômica da União Europeia — aceita depender 90% do gás russo, não dá para dizer que foi a Europa que ameaçou a Rússia, como afirma a propaganda do Kremlin. Hoje, com a Rússia de Putin se tornando uma ameaça real, a Europa precisa reagir. Por isso, aprovo essa conscientização e determinação.
Como financiar esse esforço de rearmamento sem cortar gastos sociais nem aumentar impostos?
Seria mais fácil se o atual presidente e seus governos não tivessem permitido que o déficit e a dívida pública aumentassem de forma tão irresponsável. Quando deixei o poder em 2002, as finanças da França estavam em ordem. Hoje, fala-se em recorrer a empréstimos nacionais e europeus. É um caminho possível. Vamos ver o que o governo propõe.
Deve-se confiscar os 209 bilhões de euros em ativos russos congelados na Europa para ajudar a Ucrânia?
Diante de um regime que sequestra crianças ucranianas para torná-las russas, a ideia de confiscar ativos congelados não me choca.
Macron afirma que a Rússia é uma “ameaça existencial” para a Europa. O senhor concorda?
Quando fui primeiro-ministro, Putin começava a consolidar seu poder. Mas não era uma ameaça à Europa. Ainda assim, durante a coabitação com Jacques Chirac, modernizamos a defesa da França e esboçamos uma defesa europeia junto ao Reino Unido, no encontro de Saint-Malo (1998).
A radicalização de Putin se acentuou após os protestos de 2011, contra fraudes eleitorais. Ele viu uma ameaça à sua permanência no poder e tornou-se mais brutal internamente e agressivo externamente.
Macron usou um tom alarmista para alertar os franceses?
O problema não é o tom do presidente, mas a agressão russa à Ucrânia, os crimes de guerra contra civis e o impulso imperialista. Macron quer alertar os franceses sobre os riscos que vão além da Ucrânia. Isso é legítimo e necessário.
A França, no entanto, não deve isolar-se. É positivo tomar iniciativas com o Reino Unido, mas é preciso envolver outros países, sobretudo os que têm peso econômico e capacidade de defesa.
Mas ao mesmo tempo Macron mantém deferência com Trump. Ele está certo?
Está certo em não tratar Trump como caso perdido. É preciso tentar convencê-lo a não cometer erros diante de uma decisão crucial. Putin reafirmou recentemente seu objetivo de eliminar a Ucrânia como nação livre. Diante disso, Trump vai ceder ou recuar? Devemos trabalhar para que ele recue.
Deve-se enviar tropas à Ucrânia?
A questão não está posta, embora alguns governos — inclusive o nosso — reflitam sobre isso. As “tropas de garantia” citadas — mas não aceitas — pressuporiam um acordo de paz. E hoje não há nem acordo nem cessar-fogo total. Há apenas discussões sobre um cessar-fogo parcial entre EUA e Rússia, mas sem assinatura. Os russos continuam a guerra. O que precisamos é ajudar a Ucrânia a resistir.
Como o senhor vê as negociações de cessar-fogo?
Um cessar-fogo seria útil, mas não avança, porque é a Rússia quem bloqueia. Para nós, há dois pontos inegociáveis: a desmilitarização da Ucrânia e a exigência russa de que a Europa cesse sua ajuda ao país.
Deve-se acelerar o processo de adesão da Ucrânia à União Europeia?
Ajudar a Ucrânia a se defender é nosso dever, e apoiar sua reconstrução será uma obrigação. Quanto à adesão, a decisão política deve considerar critérios econômicos e jurídicos.
Estamos vendo nos EUA uma deriva autoritária, iliberal ou até fascista?
A deriva autoritária é evidente. Trump e sua equipe atropelam o cenário político interno como perturbam o cenário internacional. As duas ações são complementares. Atacar ou subjugar o Estado federal é atacar aquilo que faz dos EUA uma nação, e não uma colcha de retalhos. Enfraquecer os contrapoderes — Congresso, justiça independente, imprensa livre — é corromper a essência democrática do sistema americano. Mas haverá resistência.
O que o leva a acreditar nisso, já que Trump foi amplamente eleito e o povo parece passivo?
Esse “amplamente eleito” é discutível. Trump venceu por uma das menores margens desde o século XIX. Mas tem maioria no Senado e na Câmara. Os americanos não vão rejeitar um presidente eleito democraticamente após apenas cinco meses.
Mas e no fim do próximo ano, nas eleições de meio de mandato? Aceitarão seu comportamento despótico, os privilégios dados aos ultrarricos, sua política econômica simplista e o aventureirismo internacional? Deixarão que governe sem freios ou preferirão contê-lo — mudando a maioria no Congresso — nos dois anos finais do mandato?
Trump não é a América. Eu acredito na lucidez do povo americano.
O que o senhor achou do vazamento no Signal dos planos militares dos EUA no Iêmen?
Mostra o amadorismo da equipe de Trump e o descaso com a segurança nacional e com os próprios soldados.
Como figuras de tão alto escalão, que nos dão lições, podem discutir planos de ataque por um aplicativo mal protegido?
Alguns também ficaram chocados com o tom de desprezo em relação aos europeus. Mas esse tom Trump, J.D. Vance (vice-presidente) e até Elon Musk usam contra qualquer um que os contradiga — inclusive dentro dos EUA.
Falam até em “parasitismo europeu”. É verdade que alguns governos europeus contaram por muito tempo com o guarda-chuva americano. Mas os EUA imprimem dólares à vontade para financiar seus déficits. Em termos de parasitismo... ninguém faz melhor — ou pior.
O senhor acredita que o Estado de Direito está ameaçado na França, quando o ministro do Interior, Bruno Retailleau, diz que ele não é “imutável” nem “sagrado”?
Não se deve brincar com as palavras. O estado do direito evolui — leis podem mudar. Mas o Estado de Direito, ou seja, os princípios fundamentais da democracia, é intocável.
Trump pode atrapalhar ou fortalecer a extrema direita na Europa e na França?
Na França, o RN está desconfortável desde que Trump apareceu. Nacionalismos são, por definição, ideologicamente próximos, mas concorrentes. Na história, os nacionalismos mais fracos muitas vezes se alinharam aos mais fortes. Os dirigentes do RN se sentem atraídos por esse novo e inesperado movimento, mas sabem que Trump choca os franceses. É possível que a onda trumpista não os impulsione — mas os derrube.
O que pensa das posições da França Insubmissa (LFI), que defende o “não alinhamento”?
Na LFI há uma negação da realidade e muita dificuldade em formular uma política internacional coerente. Daí esse refúgio retórico no “não alinhamento”. Mas não se pode colocar Europa, EUA e a Rússia de Putin no mesmo plano.
O escritor franco-argelino Boualem Sansal foi condenado a cinco anos de prisão na Argélia. Como o senhor vê essa grave crise entre Paris e Argel?
Nem a França nem a Argélia têm interesse em prolongar uma crise, apesar do passado doloroso. Lamento que Emmanuel Macron tenha alimentado esse impasse, ao abandonar a prudência tradicional da França sobre o Saara Ocidental.
Quanto a Bruno Retailleau, ele está certo ao dizer que a Argélia deve aceitar de volta seus cidadãos com ordem de expulsão. Mas se ilude ao pensar que poderá resolver o impasse forçando a mão das autoridades argelinas.
O presidente Abdelmadjid Tebboune parece disposto a dialogar com Macron. Espero que ele conceda um perdão e devolva a liberdade a Boualem Sansal. Isso ajudaria a reabrir o diálogo.
O que pensa do Partido Socialista cogitar uma moção de censura?
Seria absurdo. Diante da gravidade da situação, seria irresponsável derrubar o governo, já que a esquerda não tem hoje uma alternativa viável. Não devemos precipitar os acontecimentos — isso só serviria à LFI ou ao RN.
O que o senhor aconselha aos seus amigos socialistas?
Que sigam como força de oposição, realizem com sucesso o congresso convocado e iniciem um trabalho político e intelectual profundo até 2027. Os franceses não esperam que os socialistas derrubem o governo, mas que apresentem propostas sérias e um projeto de sociedade crível.
Traduzido por IA ChatGPT, via Luis Favre