Paulo Roberto de Almeida
Hoje a viagem foi tremendamente aborrecida: de Rapid City, onde tínhamos
dormido, no extremo oeste de South Dakota, 25 milhas acima do Mount Rushmore,
até Minnesota, onde viemos descansar depois de um dia em estradas aborrecidas,
a paisagem é pouco variada. Estamos nas grandes planícies do Mid-West, e nestas
paragens do norte, só tem uma coisa: gado, e milho, milho e gado, vacas
esparsas ou fazendo assembleia, e milho em todas as partes, como naquele estado
que é só um milharal de uma ponta a outra, e que dizem ter uma importância
crucial no processo eleitoral americano, Iowa, que fica um pouco mais abaixo de
nós, na I-80. Nós viemos pela I-90 o tempo todo, e a paisagem é uma só: amarela
de milho, amarela de grama seca, com alguns verdes aqui e ali, o gado preto, e
rolos de feno por todos os lados.
Nada, a não ser essa desolação dos espaços rurais dominados pela
monocultura. Aqui e ali o apelo às tradições da fronteira, totalmente
fetichizadas atualmente, mas que ainda atraem os americanos de todas as
categorias, alguns acreditando sinceramente naquilo tudo, outros provavelmente
considerando tudo aquilo muito brega, muito kitsch, mas entrando no jogo de
qualquer forma.
Bem, não tínhamos muito a fazer. South Dakota é bastante larga, assim
que a maior parte do trajeto foi feita nesse estado: paramos em Wall, onde em
1931 uma família, para estimular o seu trading post, começou a oferecer água
gelada gratuitamente aos viajantes dessa desolação. Pegou! Hoje o Wall Drugs é
um imenso complexo de mais de um quarteirão, todo ao estilo velho oeste, mas
com milhares, milhões, zilhões de bugigangas de todos os tipos, para todos os
gostos. Tem muito made in America, inclusive muito artesanato tipicamente
indígena, legítimo, mas tem muito mais coisas made in China, como é inevitável
nos tempos que correm. Compramos algumas pequenas peças e nada mais. Esquecemos
de pedir água gelada, como era nosso direito, e o menu do restaurante,
tipicamente americano, não nos atraiu.
Preferi tomar um bourbon com este cowboy, que me ofereceu gentilmente o seu
copo, mas muito pequeno, como vocês podem ver (mas, como ele tinha cara de
poucos amigos, e estava armado, resolvi não reclamar).
Continuamos na desolação da I-90, atravessamos o rio Missouri um pouco
mais adiante, em Chamberlain -- onde paramos para comer numa franquia do maior
indicador das taxas de câmbio universais, imortalizado no índice BigMac da
Economist --, e fomos adiante, já entrando no estado do Minnesota, até decidirmos
parar em Worthington, o último pedaço de civilização antes de envergar por nova
desolação, numa estrada nacional a caminho de Minneapolis (onde vamos chegar
amanhã, ou melhor hoje, terça-feira 16).
Esse Mid-West americano sabe ser aborrecido: Carmen Lícia disse que sabe
agora porque esses jovens americanos, que vão aos 17 ou 18 anos para uma
universidade qualquer em outro estado, passam metade do tempo em esbórnias
etílicas. Deve ser para descontar os anos que passaram nessas paragens
aborrecidíssimas, onde todos sabem a vida de todos, e onde o sheriff controla o
comportamento de todos (inclusive e principalmente dos jovens, que não podem
nem chegar perto de bebida; eles se vingam depois...).
Finalmente, tomei leite com aveia
antes de dormir, o que vou fazer agora, não sem passar toda a noite revisando
um livro que meu amigo sociólogo da Rutgers Ted Goertzel pretende que eu
publique com ele sobre a política brasileira. Depois eu informo o conteúdo. Estamos
tentando fazer uma edição Kindle antes das eleições. Ao trabalho, enfants de la
patrie...
Paulo
Roberto de Almeida
Worthington,
Minnesota, 16 de setembro de 2014