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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

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segunda-feira, 17 de fevereiro de 2025

O mundo insone, Stefan Zweig - por Francisco Braga (Blog de São João del-Rei)

O MUNDO INSONE


STEFAN ZWEIG (1881-1942)
Quando em 28 de junho de 1914 soube do assassinato do arquiduque Francisco Fernando, herdeiro do Império austro-húngaro, e sua mulher, Stefan Zweig passava uma espécie de lua de mel rural com Friderike von Winternitz, sua primeira mulher, nos arredores de Viena. O otimismo europeísta não permitiu que interrompesse a rotina anual de visitar o mestre Verhaeren. Um mês depois, conseguia tomar um dos últimos trens que deixaram a Bélgica antes que os alemães a invadissem.
Nos primeiros dias do conflito vibrou com a vibração dos austríacos e alemães, mas logo começou a duvidar, dividido, inquieto — mergulhara na primeira crise existencial. Saiu dela amparado pela força de Friderike, pelas cartas de Romain Rolland e transformado num pacifista integral.
Para diminuir a ansiedade começou a escrever com mais frequência no folhetim do Neue Freie Press. Um mostruário de cinco artigos (praticamente um a cada ano de conflito) foi incluído no primeiro livro de ensaios, enfeixados com o título "Durante a Primeira Guerra Mundial" (estava certo de que logo haveria outra guerra).
Zweig apresenta o conjunto com breves linhas: “A publicação na íntegra [destes textos] comprova que mesmo em meio à guerra era possível tomar uma atitude independente contra a maior das catástrofes europeias, não obstante a rigorosa censura.”
O mundo insone”, o primeiro dos textos, foi publicado no dia 18 de agosto de 1914, três semanas depois de iniciado o conflito. O instigante título — um clássico zweiguiano — tem sido utilizado com frequência nas coletâneas de ensaios publicados no pós-guerra.                                                                                             Alberto Dines

                                                                                                                    

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Corrigindo: sua primeira passagem pelo Brasil foi em 1936

Há menos sono no mundo agora, as noites são mais longas e mais longos os dias.
 Em cada país da infinita Europa, em cada cidade, cada ruela, cada casa, cada aposento, a respiração tranquila do sono tornou-se curta e febril, e o tempo ardente abrasa as noites e confunde os sentidos, tal qual uma noite de verão abafada e sufocante. Quantas pessoas, aqui e ali, que normalmente deslizavam da noite para o dia no negro barco do sono, embandeirado de sonhos coloridos e palpitantes, escutam agora os relógios andando, andando e andando todo o terrível caminho entre o claro e o claro, sentindo por dentro as preocupações e os pensamentos a corroer-lhes o coração, até este ficar ferido e doente! Toda uma humanidade arde agora em febre, noite e dia, uma vigília terrível e poderosa cintila pelos sentidos agitados de milhões de pessoas, o destino penetra, invisível, por milhares de janelas e portas e espanta de cada leito o sono, espanta o esquecimento. Há menos sono no mundo agora, as noites são mais longas e mais longos os dias. 
 
Ninguém mais está a sós com o seu destino, todos espreitam ao longe. À noite, hora em que se está sozinho e acordado na casa protegida e trancada, os pensamentos voam até os amigos e os que estão distantes. Quem sabe a essa mesma hora se cumpre alguma parte do nosso destino, uma invasão em uma aldeia da Galícia, um ataque em alto-mar, tudo o que acontece nesse mesmo segundo a milhares e milhares de milhas de distância está relacionado com nossas vidas. E a alma sabe disso, ela se expande e, em seu pressentimento, em seu anseio, quer captar algo disso, o ar queima de desejos e rezas que agora vão e voltam voando de um lado do mundo para o outro. Milhares de pensamentos se movimentam, inquietos, das cidades silentes até as fogueiras de campanha, do solitário sentinela de volta à pátria; entre os que estão próximos e os distantes flutuam fios invisíveis de amor e de preocupação, um tecido do sentimento, infinito, encobre agora o mundo, de noite e de dia. Quantas palavras são sussurradas, quantas orações ditas ao espaço impassível, quanto amor saudoso flutua através de cada hora da noite! A atmosfera estremece continuamente em ondas misteriosas cujos nomes a ciência desconhece e cujas oscilações nenhum sismógrafo é capaz de registrar: mas quem poderia dizer se esses desejos são impotentes, se esse incomensurável querer, que irrompe ardente a partir das camadas mais profundas da alma, também não percorre distâncias como a vibração dos sons e o estremecimento elétrico? Onde antes havia sono, repouso imaterial, agora há o afã imaginativo: a alma não cessa de ver, através da escuridão, os ausentes que lhe são caros, e na imaginação cada um deles vive múltiplos destinos. Milhares de pensamentos escavam o sono, cuja construção oscilante desmorona sempre, e por cima do homem solitário ergue-se vazia a escuridão povoada de imagens. Mais vigilantes à noite, as pessoas também se tornam mais vigilantes de dia: nas pessoas mais simples que encontramos está vivo nessas horas algo do poder do orador, do poeta, do profeta, é como se o que há de mais misterioso nos homens tivesse sido vertido para fora pela incomensurável pressão dos fatos, cada pessoa potencializada em sua vitalidade. Assim como lá no campo, nos simples camponeses, que a vida toda aravam sua lavoura quietos e pacíficos, nessa hora inquieta subitamente se inflama o heróico, assim se inflama em pessoas normalmente opacas e torpes a capacidade da visão; todos vivenciam dentro de si uma visão que transcende a esfera normal de sua existência, e quem antes só tinha olhos para o seu trabalho diário vê agora realidade e imagens animadas em cada notícia. As pessoas revolvem constantemente com preocupações e visões a gleba árida da noite, e quando enfim se rendem ao sono, têm sonhos estranhos. Porque o sangue circula mais quente em suas veias, e nesse calor florescem plantas tropicais de terror e preocupação, sonhos dos quais é uma bênção acordar e sentir que não passaram de pesadelos inúteis e que só aquele mais terrível sonho da humanidade é uma verdade aterradora: a guerra de todos contra todos. 
 
Os mais pacíficos sonham agora com batalhas, colunas se precipitam e atravessam o sono, o sangue ruge, escuro, com o tronar dos canhões. Acordando num sobressalto, ouvimos ainda o estrondo dos carros que passam, o bater dos cascos. Escutamos atentamente, inclinado-nos da janela  e, de fato, ali embaixo passam as longas fileiras de carros e cavalos pelas ruas desertas. Alguns soldados levam um bando de cavalos no cabresto; pacientes, eles trotam com seus passos pesados e sonoros pelo calçamento ruidoso. Também eles, os animais que normalmente descansam à noite do trabalho, quietos em seus estábulos quentes, foram privados do sono habitual, as parelhas pacíficas foram separadas, as fraternais também. Nas estações [de trem] escutam-se as vacas mugindo mansas nos vagões; retiradas de seus pastos cálidos e macios de verão para o desconhecido, até elas, as apáticas, tiveram o sono perturbado. E os trens partem para a natureza adormecida, que também se sobressalta com a agitação das pessoas. Tropas da cavalaria galopam à noite cruzando campos que desde a eternidade descansavam no escuro, por sobre a negra superfície do mar faíscam em milhares de pontos os faróis, mais claros que a luz da lua e mais ofuscantes que o sol, até mesmo lá no fundo a treva das águas está perturbada pelos submarinos à caça de presas. Disparos soam e ressoam através das montanhas caladas, acordando os pássaros, tontos, em seus ninhos; em nenhum lugar o sono é seguro, e mesmo o éter, desde sempre intocado, é atravessado pela pressa assassina dos aeroplanos, os fatídicos cometas do nosso tempo. Nada, nada mais pode ter sossego e descanso nesses dias: a humanidade arrastou animais e natureza em sua batalha assassina. Há menos sono no mundo agora, as noites são mais longas e mais longos os dias. 
 
Mas pensemos e repensemos, mais uma vez, a amplitude do tempo e que isso que acontece agora não tem precedente na história. Vale ficar insone, sempre vigilante. Nunca o mundo, desde que é mundo, esteve tão agitado em sua totalidade, nunca tão excitado em sua comunidade. Uma guerra, até agora, nunca passou de uma inflamação no imenso organismo da humanidade, um membro purulento e que era cauterizado para sarar enquanto todos os outros ficavam desimpedidos e livres em suas funções vitais. Sempre houve pessoas que não participavam, em algum lugar ainda havia aldeias às quais não chegavam notícias daquela agitação e que dividiam calmamente sua vida em dia e noite, em trabalho e repouso. Em algum lugar ainda havia o sono e o silêncio, gente que acordava cedo, risonha, e que dormia sem sonhar. Mas a humanidade, quanto mais conquistou a Terra, mais unida ficou: uma febre sacode agora todo o seu organismo, um terror sacode o cosmo inteiro. Não existe nenhuma oficina na Europa, nenhuma granja solitária, nenhum casario de bosque de onde não tenham arrancado um homem para participar dessa luta, e cada um desses homens, por sua vez, está unido a outros através de vínculos de sentimento. Até o mais humilde emana tanto calor que, quando desaparece, tudo se torna mais frio, mais solitário, mais vazio. Cada destino forma outros destinos a partir de si, pequenos círculos que se dilatam em ondas no mar das emoções e se ampliam; em enorme união e mútua determinação da experiência, ninguém se precipita no vazio ao morrer: cada um arrasta algo dos demais consigo. Cada um é acompanhado de olhares, e esse olhar e ansiar, multiplicado por milhões e entrelaçado com o destino de nações inteiras, cria a inquietação de um mundo inteiro. Toda a humanidade escuta, e através do milagre da técnica recebe simultaneamente a mesma resposta. Os navios transmitem mensagens uns aos outros através de incontáveis ondas, das torres de telégrafos de Nauen e Paris uma mensagem é transmitida em questão de minutos para as colônias da África Ocidental e para o lago Chade, os hindus da Índia leem as decisões em suas folhas de cânhamo e de tela à mesma hora que os chineses em seus papéis de seda  a excitação se propaga até as últimas terminações nervosas da humanidade e afugenta a letargia. Cada qual espia pela janela dos seus sentidos em busca de notícias, sugando tranquilidade das palavras dos corajosos e terror e dúvida das dos desesperados. Os profetas, verdadeiros e falsos, voltaram a ter ascendência sobre a massa que agora escuta e escuta, caminhando e repousando no delírio da febre, dia e noite, os longos dias e as noites infinitas desse tempo digno de ser vivido na vigília. 
 
Pois esses tempos não aceitam que alguém deixe de participar, e estar distante dos campos de batalha não significa estar de fora. Cada um de nós tem sua existência revolvida, ninguém mais tem o direito de dormir em paz em meio à tremenda exaltação. Nessa transformação das nações e dos povos, nós também nos transformamos, não importa que aprovemos ou não; cada um está enredado nos acontecimentos, ninguém permanece frio na febre de um mundo. Não há como ficar indiferente às realidades transformadas, hoje ninguém mais está a salvo em uma rocha, olhando com um sorriso para as ondas agitadas. Cada qual, querendo ou não, é arrastado pela maré, sem saber para onde está sendo levado. Ninguém pode se isolar, pois com nosso sangue e nosso intelecto giramos na correnteza de uma nação, e cada aceleração nos impulsiona, cada parada em seus pulsos barra o ritmo de nossa própria vida. Quando a febre ceder, tudo terá um novo valor para nós, e justo o igual será diferente. As cidades alemãs: com que sentimento as veremos depois dessa luta! E Paris: como terá se tornado diferente, estranha ao nosso sentimento! Sei desde agora que não poderei ficar na mesma casa hospitaleira em Liège com o mesmo sentimento, com os mesmos amigos, depois que as granadas alemãs caíram sobre a cidadela; entre tanto amigos, de um lado e outro da fronteira, estarão as sombras dos mortos, absorvendo com respiração fria o calor da palavra. Todos teremos que nos reorientar, do ontem para o amanhã, atravessando esse impenetrável hoje, cuja violência apenas percebemos agora, horrorizados, e teremos que chegar a uma nova forma de vida em meio a essa febre que agora torna nossos dias tão abrasadores e nossas noites tão sufocantes. Depois de nós surge uma nova geração cujos sentimentos foram forjados nesse fogo. Eles serão diferentes  eles, que viram vitórias naqueles anos em que nós só vimos retrocesso, lamento e lassidão. Da confusão desses dias surgirá uma nova ordem, e nossa primeira preocupação terá que ser nos sujeitar a ela com força e solidariedade. 
 
Uma nova ordem  pois essa febre insone, a inquietude, a esperança e a expectativa que consomem a tranquilidade dos nossos dias e das nossas noites não podem continuar. Por mais que toda a destruição agora pareça se estender de forma terrível sobre o mundo aniquilado, ela é diminuta em comparação com a energia muito mais impetuosa da vida, que depois de cada tensão sempre consegue um repouso para sair transformada, mais pujante e mais bela. Uma nova paz  oh!, quão distantes brilham ainda suas asas luminosas através da poeira e da fumaça de pólvora  haverá de reerguer a velha ordem da vida, o trabalho de dia e o repouso à noite. O silêncio voltará com o sono reparador aos mil lares que agora estão despertos na excitação e no medo, e estrelas tranquilas voltarão a olhar do alto para uma natureza que respira felicidade. O que agora ainda parece ser horror será então, em sublime transformação, grandeza. Sem lamento, quase com nostalgia, lembraremos essas noites intermináveis, durante as quais, em ampliação maravilhosa, percebíamos no sangue o destino em gestação e a cálida respiração do tempo sobre nossas pálpebras despertas. Só quem viveu a doença conhece a felicidade completa da cura, só o insone conhece a doçura do sono reconquistado. Os que regressaram e aqueles que ficaram em casa estarão mais contentes com sua vida do que os que se foram, saberão apreciar seu valor e sua beleza com mais seriedade e mais justiça, e quase ansiaríamos pela nova conformação se hoje  como nos dias antigos  o chão do templo da paz não estivesse regado com o sangue sacrificado, se esse novo e feliz sono do mundo não fosse comprado à custa da morte de milhões de seus filhos mais nobres.
 
Fonte:  ZWEIG, Stefan: O mundo insone e outros ensaios, tradução de Kristina Michahelles; organização e textos adicionais de Alberto Dines, Rio de Janeiro: Zahar, 2013, pp. 197-203.

4 comentários:

Francisco José dos Santos Braga disse...

Prezad@,Um mês e meio após o início da Primeira Guerra Mundial, STEFAN ZWEIG começou a publicação de uma série de 5 artigos, um a cada ano, no folhetim do Neue Freie Press. Na presente postagem, o Blog de São João del-Rei publica o primeiro desses ensaios - O MUNDO INSONE -, em que o autor descreveu um mundo - na altura, sobretudo, europeu - que é, na sua origem, uma guerra civil europeia. Na viragem do século, o mundo vivia sua segunda globalização (a primeira foram os Descobrimentos portugueses). Nessa segunda globalização, a Europa, nomeadamente a Alemanha de Weimar ou a Áustria de Viena, vivia um extraordinário boom cultural e científico. Tudo parecia tranquilo e seguro. Nada impediu a explosão da I Guerra Mundial em 28/06/1914.Como resultado da enorme carnificina, a Grande Guerra vitimou quase 20 milhões de pessoas na Europa. Logo após, Stefan Zweig tornou-se um pacifista convicto, um homem que evitava até mesmo as disputas desportivas. Cerca de um mês depois de assinado o tratado de paz em Versalhes em junho de 1919 que encerrou o conflito, Zweig escreveu ao mestre e confidente, Romain Rolland: "Há momentos em que me pergunto se valerá a pena viver os próximos vinte anos." Impacientava-se com os impasses políticos produzidos pelo novo mapa do Velho Mundo.

Link: https://saojoaodel-rei.blogspot.com/2025/02/o-mundo-insone.html

Cordial abraço,
Francisco Braga
Gerente do Blog de São João del-Rei

Anônimo disse...

Obrigado, Braga. O texto é oportuno e atual. Ainda hoje, "há menos sono no mundo". Os dias e as noites, estão cada vez mais curtos e mais há um perigo iminente, de olhos acesos sobre os homens. A política ferve... O mundo é um caldeirão. Parabéns pela escolha. Forte abraço poético de Geraldo Reis, O Ser Sensível.

Francisco José dos Santos Braga disse...

Heitor Garcia de Carvalho (graduado em Pedagogia pela Faculdade Dom Bosco (1968), mestre em Educação UFMG (1982), Ph.D em Educational Technology - Concordia University (1987 Montreal, Canada); MBA Gestão Tecnologia da Informação, Fundação Getúlio Vargas (2004); pós-doutorado em Políticas de Ensino Superior na Faculdade de Psicologia e Ciências da Informação na Universidade do Porto, Portugal (2008); professor associado do CEFET-MG) disse...
Parece hoje!!!
Deus nos proteja!!!

Francisco José dos Santos Braga disse...

Prof. Cupertino Santos (professor aposentado da rede paulistana de ensino fundamental) disse...
Caro professor Braga

E não obstante a Europa ter passado em séculos uma geração sequer sem que tenha sido atingida pelo flagelo das guerras, seus espíritos mais empáticos e sensíveis podiam ainda ressaltar seu horror.
E esse autor que tanto acreditou no Brasil...
Saudações.
Cupertino

quarta-feira, 19 de junho de 2024

Stefan Zweig e o país que não chegou ao futuro in: Stefan Zweig no caleidoscópio do tempo - Paulo Roberto de Almeida

 Mais recente capítulo de livro publicado, este ensaio sobre Stefan Zweig e sua obra sobre o Brasil, de 1941, que eu havia escrito um ano e meio atrás: 


4294. “Stefan Zweig e o país que não chegou ao futuro”, Brasília, 22 dezembro 2022, 10 p. Colaboração a livro sob a coordenação da Casa Stefan Zweig e do Laboratório de Estudos Judaicos da Universidade Federal de Uberlândia. Publicado in: Kristina Michahelles, Geovane Souza Melo Junior e Kenia Maria de Almeida Pereira (orgs.), Stefan Zweig no caleidoscópio do tempoReflexões sobre o autor de Brasil, um país do futuro (Rio de Janeiro: Passaredo Edições, 2024, 294 p.; ISBN: 978-65-983721-0-1; p. 131-146). Relação de Publicados n. 1561


Trecho inicial de minha contribuição: 


Stefan Zweig e o país que não chegou ao futuro

  

Paulo Roberto de Almeidaa

Diplomata, professor.

 

"Antes que, por livre vontade e na plena possessão de meus sentidos, eu abandone a vida, me sinto obrigado a cumprir um último dever: agradecer, desde o meu mais íntimo, a este maravilhoso país, Brasil, que nos ofereceu a mim e a minha obra um lugar tão magnífico e acolhedor. Cada dia passado aqui contribuiu a querer ainda mais a este país, em nenhum outro lugar teria desejado reconstruir a vida novamente, depois que o mundo de meu próprio idioma se derrubou e que o meu lar espiritual, a Europa, se autodestruiu. Mas, depois de cumprir sessenta anos fazem falta forças para começar totalmente de novo. E as minhas estão esgotadas, depois de tantos anos a errar sem pátria. Por isso considero melhor cerrar em seu devido tempo e com uma alta atitude uma vida que o trabalho intelectual e a liberdade pessoal me deram as maiores alegrias e me parecem o mais elevado bem desta terra. Saúdo a todos os meus amigos. Oxalá cheguem a ver a aurora depois desta larga noite. Eu, excessivamente impaciente, me adianto a todos eles."

“Declaração”, Stefan Zweig (Petrópolis, 22/02/1942)

 

 

Como nasceu a ideia de escrever sobre o “país do futuro”?

Nas memórias que começou a conceber desde sua saída apressada da Áustria, após que Hitler alcançou o poder na Alemanha, mas que só foram terminadas por ocasião de sua vinda definitiva para o Brasil, Stefan Zweig descreve seus sentimentos ao atravessar o Atlântico em 1936, a partir da Inglaterra, onde se encontrava exilado desde 1934: 

Era apenas com o meu corpo, e não com toda a minha alma, que eu vivia na Inglaterra naqueles anos. E foi justamente a preocupação que me causava a Europa, essa angústia que pesava dolorosamente sobre os nervos, que me fez viajar bastante, e mesmo atravessar duas vezes o oceano, durante os anos que se estendem da tomada do poder por Hitler e o começo da Segunda Guerra Mundial. Eu estava impulsionado talvez pelo pressentimento de que era necessário me abastecer de impressões e de experiências, tantas quanto o coração poderia conter, enquanto o mundo permanecia aberto e que ainda era permitido aos barcos navegar tranquilamente pelos mares, talvez mesmo pela suspeita ainda muito vaga de que o nosso futuro, o meu em especial, estava além dos limites da Europa. Uma sequência de conferências nos Estados Unidos me ofereceu a oportunidade desejada de ver, de leste a oeste, de norte a sul, esse grande país em toda a sua diversidade, combinada, entretanto, a uma profunda unidade. Mas, talvez ainda mais forte foi a impressão que me deu a América do Sul, na qual aceitei de boa vontade participar de um congresso convidado pelo PEN-Club Internacional: nunca antes me pareceu tão importante quanto esse momento de fortificar o sentimento da solidariedade espiritual acima das fronteiras dos países e das línguas. (1993, p. 461)

 

Sua primeira estada na América do Sul, com uma curta passagem pelo Rio de Janeiro, entre o final de agosto e o início de setembro, foi relatada numa coleção de impressões de viagem que o próprio Stefan Zweig publicou separadamente ao retornar à Inglaterra no outono de 1936. Zweig concebeu escrever um livro sobre o Brasil logo depois dessa primeira passagem pelo país, a caminho de Buenos Aires. Eles foram reunidos em 1937 e publicados numa editora vienense com vários outros textos do autor: Begegnungen mit Menschen, Büchern, Städten (Encontros com homens, livros, cidades). Em 1981, foram novamente reunidos na coletânea Länder, Städte, Landschaften (Países, cidades, paisagens).

Zweig já estava, então, planejando escrever um livro mais alentado sobre o Brasil e por isso recusou, no final de 1937, uma proposta de seu editor brasileiro, Abraão Kogan, para publicar uma edição traduzida, o que não se realizou de imediato. Ainda assim, Kogan juntou os relatos a outros textos do livro Begegnungen e publicou-a em 1938, numa edição uniforme de sua obra, sob um título similar: Encontros com homens, livros e países. Apenas oitenta anos depois de sua primeira viagem ao Brasil, os textos foram novamente publicados sob o título de Kleine reise nach Brasilien, traduzido e publicado como Pequena Viagem ao Brasil (2016). Vários trechos da Pequena Viagem foram de fato incorporados ao País do Futuro, que se beneficiou, assim, daquele projeto inicial necessariamente sintético, dada a brevidade de sua passagem em 1936, numa travessia atlântica durante a qual ele também começou a escrever a biografia de Fernão de Magalhães, na epopeia da primeira volta ao mundo (obra terminada e publicada em 1937).

A primeira estada de Zweig no Brasil se dá, portanto, sob o governo constitucional de Getúlio Vargas – eleito em 1934 pela Assembleia Constituinte –, mas já depois da Intentona Comunista de novembro de 1935, sob a vigência da Lei de Segurança Nacional, e dois anos antes das eleições previstas para 1938, quando deveria ser eleito, por voto direto e secreto (pela primeira vez), o próximo presidente. Zweig certamente tomou conhecimento do golpe do Estado Novo, em novembro de 1937, por acaso o mesmo nome já adotado pela ditadura portuguesa quase dez anos antes, na esteira de diversos outros regimes autoritários, geralmente de direita, que estavam se multiplicando na Europa e na América Latina. Já estabelecido na Inglaterra desde 1934, quando fugiu apressadamente de Salzburg, Zweig teve o “privilégio” de ver os seus livros queimados pelos nazifascistas duas vezes: em 1933, em Berlim, e novamente na Áustria em 1938, depois do Anchluss, a anexação ao Terceiro Reich. 

(...)

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O livro pode ser adquirido junto à Casa Stefan Zweig: 

Contato: casastefanzweig@gmail.com

https://casastefanzweig.org.br/

sábado, 30 de dezembro de 2023

A grande viagem de Fernão de Magalhães ao redor do globo, por Laurence Bergreen

 Por indicação de Walmyr Buzatto, estou lendo o sample deste estupendo livro:

Laurece Bergreen: 

Over the Edge of the World: Magellan's Terrifying Circumnavigation of the Globe

(2003 e 2019)

Reproduzo abaixo duas passagens para comprovar, mais uma vez, como as especiarias já foram, mais de 5 séculos atrás, o "petróleo" do mundo, e como os portugueses saíram na frente das navegações e descobertas.



Recomendo também a bela biografia do Fernão de Magalhães por Stefan Zweig, cujo anexo, sobre os custos da expedição de circumnavegação, me induziu a tentar determinar quanto teria custado, aos preços atuais, essa viagem fantástica, equivalente às explorações espaciais atuais.

Leiam a postagem aqui: 

https://diplomatizzando.blogspot.com/2019/01/fernao-de-magalhaes-livros-sobre.html


segunda-feira, 23 de janeiro de 2023

La misteriosa historia de la carta de despedida de Stefan Zweig - Marcel Beltran (Pagina 12)

 Um episódio pouco conhecido a respeito da famosa carta de despedida de Stefan Zweig, aparentemente subtraída por um dos investigadores e entregue, contra pagamento, posteriormente, a um de seus mais chegados amigos de Petrópolis.


Tras su suicidio en Brasil cuando huyó de los nazis

La misteriosa historia de la carta de despedida de Stefan Zweig


Este 2023, la figura del escritor vuelve a primer plano al pasar su obra a ser de dominio público. Reconstruimos el final de su historia, cuando se quitó la vida con su mujer, Lotte Altmann, en Brasil después de años huyendo de las tropas de Hitler. Unos últimos días que dejaron una famosa carta de despedida y algunos misterios por resolverse.

Por Marcel Beltrán
Página 12 (Buenos Aires), 22 enero 2023

Stefan Zweig escribió miles de páginas a lo largo de su vida. Su obra es un inmenso edificio levantado con novelas, ensayos, poemas y algunas biografías de personajes célebres, como María Antonieta o Balzac, que le proporcionaron reconocimiento y dinero cuando le hacían falta. Sus palabras más famosas, sin embargo, fueron las últimas. La mañana del 22 de febrero de 1942, la asistenta que cuidaba de su casa en Petrópolis, Brasil, donde habían llegado tras un largo exilio escapando del nazismo, los encontró a él y a su esposa, Lotte Altmann, muertos en la cama. Estaban abrazados. Habían dicho basta ingiriendo una dosis letal de barbitúricos.

En el cuarto aparecieron algunos manuscritos inéditos del autor, junto a una veintena de cartas para amigos y familiares. Y en la mesilla de noche, además de unas monedas, una caja de cerillas y un vaso vacío, uno de los documentos más comentados de la historia de la literatura: su texto de despedida. Las increíbles vueltas que tuvo que dar esa nota antes de ser conocida, así como los interrogantes que dejó el suicidio, son una muestra más de que a veces escribir mucho no basta para explicarlo todo.

Zweig nació en Viena en 1881, en el seno de una familia de judíos austríacos con recursos. Estudió en Berlín y en París, y pronto desarrolló una profunda vocación literaria. También coleccionaba partituras de sus compositores de música preferidos. Instalado en Salzburgo, abandonó la ciudad cuando la aviación nazi comenzó a lanzar sobre ella panfletos premonitorios. En aquella época también se hizo trizas su primer matrimonio, cuando su esposa descubrió que la engañaba con su secretaria, Lotte Altmann. Al estallar la Segunda Guerra Mundial, los dos amantes huyeron por la frontera. Zweig, que escribía en alemán, donó sus libros a la Biblioteca Nacional Austríaca antes de abandonar su casa.

En el extranjero caería en un irremediable aislamiento, que se extendería mucho más tiempo de lo que en un primer momento había imaginado. Hasta el final de sus días, de hecho. Su gran miedo era que las tropas de Hitler llegaran hasta su nuevo escondite, Bath, a 150 kilómetros de Londres. El siguiente escalón de la huida fue Nueva York. El escritor, duramente criticado por no pronunciarse públicamente en contra del Führer -que, sin embargo, había prohibido muchas de sus obras, en un intento de anularlo del imaginario popular-, echaba de menos a los suyos y la posibilidad de comunicarse en su idioma.

El pesimismo ya se había apoderado de él. Europa, el proyecto en el que siempre había creído, saltaba por los aires. Incapaz de adaptarse a Manhattan, el estado de ánimo de Zweig, que ya se encontraba inmerso en la escritura de El mundo de ayer, seguía agrietándose. Había perdido toda esperanza. "No somos sino fantasmas y recuerdos", comentó entonces a un amigo, el periodista Joseph Brainin. En 1941, en el enésimo desvío de un exilio laberíntico, se mudó a Brasil, donde tenía miles de admiradores. Todavía con Altmann, con la que ya se había casado, se alojaron en una casa de Petrópolis, a las afueras de Río de Janeiro. Hasta que unos meses después, una trabajadora del hogar miró la hora, se extrañó de que la pareja todavía no se hubiera levantado y abrió la dichosa puerta del dormitorio.

Carta de despedida

Zweig se encargó de dejar preparada su carta de despedida. La escribió en alemán, aunque su título era Declaraçao. En ella trató de explicar las razones del suicidio, y mostró su gratitud al pueblo brasileño. Decía lo siguiente:


“Antes de que yo, por libre voluntad y en plena posesión de mis sentidos, abandone la vida, me siento obligado a cumplir un último deber: agradecer desde lo más íntimo a este maravilloso país, Brasil, que nos haya ofrecido a mí y a mi obra un lugar tan magnífico y acogedor. Cada día pasado aquí ha contribuido a querer más a este país, en ningún otro lugar hubiera deseado reconstruir mi vida de nuevo, después de que el mundo de mi propio idioma se derrumbó y mi hogar espiritual, Europa, se autodestruyó. Pero tras cumplir los sesenta hacen falta muchas fuerzas para comenzar totalmente de nuevo. Y las mías están agotadas por tantos años de errar sin patria. Por eso considero mejor cerrar a su debido tiempo y con actitud erguida una vida en la que el trabajo intelectual y la libertad personal me han dado las mayores alegrías y me parecen el más alto bien de esta tierra. ¡Saludo a todos mis amigos! ¡Ojalá lleguen a ver la aurora tras esta larga noche! Yo, excesivamente impaciente, me adelanto a todos ellos".


El texto tenía que recibirlo Claudio de Souza, el presidente del Club de Escritores de Brasil. Cómo llegó al mundo, sin embargo, es un relato que todavía dibuja algunos giros más. Conseguiría recorrerlos con éxito Robert Schild en un artículo que se publicó en el periódico alemán Frankfurter Allgemeine Zeitung en mayo de 2020. Un trabajo periodístico que arrojó luz sobre la oscuridad. Y que arrancó con un nombre: Friedrich Weil. Weil, alemán de nacimiento, también se marchó con la familia de su país cuando vio que las cosas empezaban a torcerse con el Tercer Reich, comprando vuelos a Brasil. Fabricante textil, su siguiente paso fue abrir una empresa de telas en Petrópolis. Además, era un fiel lector de Zweig, al que recomendaba encarecidamente siempre que tenía ocasión.

El día después de aparecer sin vida los cuerpos del autor y su mujer, por lo que pudo saber Schild, alguien se presentó en su casa. Era el comisario Jose de Morais, vecino del edificio, que le dio la noticia y le pidió ayuda para traducir el folio que habían encontrado en la mesilla de noche de los fallecidos. Weil colaboró, pero a continuación le pidió como favor que le mandaran la carta una vez se acabara la investigación, pues para él tenía un valor enorme, a lo que el policía respondió que eso iba a ser bastante complicado, teniendo en cuenta que, por ley, el documento debía permanecer como mínimo tres décadas en el archivo del Estado.


Pasó mucho tiempo. Hasta que, en 1972, cuando Weil ya casi se había olvidado del asunto, alguien se puso en contacto con él para venderle el escrito por 10.000 dólares. No le reveló su identidad. Weil supuso que era un agente del cuerpo que en su momento había trabajado en el caso. Pero la proposición no podía ser más extraña. El misterioso sujeto lo citaba en el bar del hotel Serrador de Río de Janeiro, le pedía que llevara el dinero en un sobre y le decía que, si quería hacerse con la Declaraçao, tomara asiento en una de las mesas postreras del local. Weil hizo caso. A los pocos minutos, entró en el bar un tipo con unas gafas oscuras, que caminó hacia él. Mientras uno contaba los billetes, el otro comprobó que el texto era el original. Satisfechos ambos, se produjo el intercambio. Y Weil, al volver a casa, guardó su nuevo tesoro en la caja fuerte. Durante años, contaría la anécdota miles de veces a sus amigos, orgulloso de haber conseguido aquel preciado papel. Después de todo, Zweig había sido siempre su escritor favorito. Cuando Weil murió, en el 2000, se suponía que la carta había pasado a manos de sus familiares directos.


Pero entonces Schild, el autor del artículo, recibió un mensaje de Israel. Era Stefan Litt, responsable de Ciencias Humanas de la Biblioteca Nacional de Jerusalén, que le comunicaba que habían recibido la carta de despedida de Zweig en 1992, gracias a una donación del propio Friedrich Weil, que dijo hacer el envío en recuerdo de sus padres, que fueron los que lo convencieron para cruzar el Atlántico, y de Adolf y Flora Emrich. Desde entonces, las últimas palabras del escritor descansan entre las paredes de un edificio de la ciudad sagrada.

Son muchas las leyendas que rodean la figura de Zweig, un emblema literario que ya gozó de una enorme fama en vida, pero que jamás logró despistar en su cabeza a los fantasmas que lo perseguían desde que abandonó su Austria natal. Aunque no todas reman a su favor. Algunos no entendieron, por ejemplo, que decidiera afincarse en Brasil, un país entonces comandado por el régimen autoritario de Getúlio Vargas, y que ya lo había recibido con todos los honores en una gira en 1936. Zweig y Altmann hacían cada tarde largos paseos por la selva, y luego él se abandonaba a la lectura de Montaigne, Tolstói o Goethe. Cuando llegó a las librerías su ensayo Brasil, país de futuro, aunque volvió a ser un éxito de ventas, la izquierda brasileña se le echó encima, al considerar que estaba blanqueando la dictadura. No comprendían cómo alguien como él no empatizaba con su lucha.

Siete días antes de morir, visitó el carnaval de Río. Y cuando regresó a Petrópolis, se deshizo otra vez de sus libros, quemó varios papeles en el jardín y le escribió a su casera para anunciarle que le regalaba su perro, puesto que con su mujer habían tomado "otra decisión que seguir alquilando su bonita casa durante más tiempo". El último que los vio con vida fue Ernst Feder, amigo del matrimonio con el que cenaron la noche del 21 de febrero, que comentó que los había visto tan gentiles como siempre y que simplemente le habían contado que estaban teniendo algunos problemas para dormir.

Otro de los enigmas que nublan los últimos pasos de Zweig es el papel de su mujer, y de qué manera se vio arrastrada también a ese desenlace fatal. El informe del forense reveló que Altmann se suicidó unas horas más tarde, cuestión que incitó numerosas preguntas, aunque ninguna pueda ser ya resuelta. Ella era 25 años menor que él, se encargaba de mecanografiar las obras de su marido, e incluso en algunas ocasiones proponía mejorarlas con una sugerencia. La Historia ha insistido en limitar su recuerdo al de una esposa fiel que, por amor y lealtad, decidió acompañar a una de las grandes plumas del siglo XX al fondo del abismo. En cambio, ha pasado de puntillas por su vida, por sus traumas o por el extraño hecho de que Zweig ni siquiera la mencionara en ninguno de los textos que esa fatídica mañana se hallaron en el cuarto. Apenas hay bibliografía que ayude a entender el calvario por el que también tuvo que pasar Altmann.

Luces, sombras y algunas peripecias increíbles conforman la crónica del adiós de Stefan Zweig y Lotte Altmann. Una tragedia que ha sido tantas veces glosada que sus contornos se entreveran inevitablemente con los del mito. Quizá no podía ser de otro modo. La literatura cubriendo con otra capa a la propia literatura. Hay novelas que se siguen escribiendo fuera de la hoja.


domingo, 28 de agosto de 2022

Stefan Zweig, a coragem da renúncia — José Luiz Alquéres (Diário de Petrópolis)

 


  Colunistas 
JOSÉ LUIZ ALQUÉRES
COLUNISTA

 

 

ZWEIG OU A CORAGEM NA RENÚNCIA

Hoje poucos sabem quem foi Stefan Zweig. Um grande escritor austríaco, nascido ainda no final do Século XIX e que na virada daquele século se destacava em Viena, uma das cidades mais ativas do mundo do ponto de vista cultural, na época. Cidade de Freud, de Klimt e de Wittgenstein.
Zweig escreveu romances e biografias de variados personagens. Escritores, filósofos, políticos, vultos da história. Mas também era um homem de impulsos. Tendo lido por acaso a narrativa de Pigafetta sobre a viagem de Fernão de Magalhães e de João Sebastião Delcano, em volta do mundo, realizada entre 1517 e 1519, escreveu um belo livro sobre Fernão de Magalhães e seu destemor em apontar seus navios para o desconhecido total e sair mar afora.
Seu talento estava, além da narrativa perfeita e interessante do ponto de vista formal, na capacidade de se transferir para a cabeça dos seus personagens e conferir-lhes uma enorme densidade psicológica.
Sua biografia de Maria Antonieta, escrita em francês, já no exílio, marcou época por estas qualidades. Ele certamente contribuiu para mudar uma memória odiosa que lhe tinha sido atribuída pela imprensa revolucionária e perdurava há um século. Com isso, ela passou até, de certa forma, a ser encarada com mais humanidade, tendo uma personalidade simpática. Pode-se dizer que Zweig contribuiu para a reabilitação de sua imagem como rainha e mulher.
Viveu intensamente os dramas de sua época. Alistou-se e foi enfermeiro durante a 1a Guerra Mundial. Tornou-se um grande pacifista após os horrores presenciados e, com Romain Roland e outros intelectuais europeus, teve importante papel no movimento pacifista entre as duas guerras mundiais.
Com a ascensão dos nazistas ao poder, teve que se desfazer dos seus bens. Embora fosse um escritor de grande sucesso mundial, começou um itinerário de mudanças e frustrações de país em país.
Escreveu um belo livro de memórias sobre o ocaso do mundo em que havia nascido, em pleno esplendor do Império Austro-húngaro. Era um mundo organizado. Previsível. Um império tolerante.
A 1ª. Guerra Mundial acabou com aquele mundo e a derrota da Áustria e Alemanha, seguida das humilhantes e escorchantes condições impostas pelos vencedores para a paz, acabaram levando os países germânicos ao totalitarismo, ao nazismo e agravado o antissemitismo.
Foi muito sofrido para um escritor não poder ser editado em sua própria língua e ver seus livros sendo queimados em praça pública. A vida de refugiado em outros países, ao tempo que assistia a progressão da guerra e as perseguições ao povo judeu, foram abatendo sua moral.
Vindo morar no Brasil teve alegrias e amor pelo país ao qual dedicou um livro "Brasil, um País do Futuro", vendo especialmente no caráter do nosso povo a nossa maior força, em um mundo no qual o ódio grassava.
Suicidou-se, junto com sua mulher, na casa onde moravam em Petrópolis. Tinha muita ânsia de ver o novo mundo que viria a acontecer no pós-guerra, como deixou escrito para os amigos. Não aguentou, porém, esperar por isso.
O episódio de sua morte causou bastante impacto nos meios intelectuais de então. Hoje, 80 anos depois, ainda é objeto das mais variadas interpretações.
É importante não se esquecer o quanto um ambiente de ódio e intolerância afeta as mentes particularmente sensíveis, as quais são as que maiores contribuições dão ao gênero humano. A morte de Zweig, contada no magnífico livro "Morte no Paraíso", escrito por seu melhor biógrafo, Alberto Dines, ficará como um marco. O próprio Dines me disse que "às vezes, renunciar exige mais coragem do que continuar".
São pensamentos que me veem quando vejo que a soma da intenção de votos desses candidatos nanicos, eleitores indecisos, votos brancos e nulos poderiam perfeitamente levar à vitória um candidato ou candidata à presidência realmente melhor que os dois “cavalos de Tróia” que disputam esse páreo.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022

Minha homenagem a Stefan Zweig aos 80 anos de sua morte - Paulo Roberto de Almeida


 

 4089. “Homenagem a Stefan Zweig aos 80 anos de sua morte”, Brasília, 24 fevereiro 2022, 13 p. Junção dos trabalhos 4020 e 4042/2021, para publicação como uma homenagem ao grande escritor austríaco, que se suicidou no Carnaval de 1942, em face da guerra que se aproximava do Brasil. Divulgado em Academia.edu (link: https://www.academia.edu/72397523/Homenagem_a_Stefan_Zweig_aos_80_anos_de_sua_morte_Paulo_Roberto_de_Almeida_2022_).


Homenagem a Stefan Zweig aos 80 anos de sua morte 

 

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor

(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)

 

 

As circunstâncias da escrita do País do Futuro de Zweig

Stefan Zweig concebeu escrever um livro sobre o Brasil logo depois de sua primeira passagem pelo país, a caminho de Buenos Aires, para uma reunião do Pen Club Internacional. Sua curta passagem pelo Rio de Janeiro, entre o final de agosto e o início de setembro de 1936, resultou numa pequena coleção de breves nove textos, escritos de volta à Inglaterra, publicados em outubro e novembro de 1936 no jornal Pester Lloyd. Os breves relatos foram reunidos em 1937 e publicados numa editora vienense com vários outros textos do autor: Begegnungen mit Menschen, Büchern, Städten(Encontros com homens, livros, cidades). Eles foram republicados, em 1981, numa coletânea chamada Länder, Städte, Landschaften (Países, cidades, paisagens), pela editora Fischer, como posso ler no prefácio à primeira edição brasileira por Heike Muranyi.

Zweig já estava planejando escrever um livro mais alentado sobre o Brasil, no final desse ano, e por isso recusou uma proposta de seu editor brasileiro, Abraão Kogan, de publicar uma edição traduzida, o que não se realizou de imediato (ainda assim, Kogan juntou A Pequena Viagem aos outros textos do livro Begegnungen e publicou-a em 1938, numa edição uniforme de sua obra, sob um título similar: Encontros com homens, livros e países. Apenas oitenta anos depois de sua primeira viagem ao Brasil, os textos foram novamente traduzidos e publicados sob a forma de um pequeno livro: Pequena Viagem ao Brasil (organização do projeto: Heike Muranyi; tradução de Petê Rissatti de Kleine reise nach Brasilien; Rio de Janeiro: Versal, 2016, 80 p.). Vários trechos da Pequena Viagem foram de fato incorporados ao País do Futuro, que se beneficiou assim daquele projeto inicial necessariamente sintético, dada a brevidade de sua passagem em 1936, e numa travessia atlântica durante a qual ele também concebeu escrever a biografia da gestão de Fernão de Magalhães (terminada e publicada em 1937).

(...)


Ler a íntegra neste link: 

https://www.academia.edu/72397523/Homenagem_a_Stefan_Zweig_aos_80_anos_de_sua_morte_Paulo_Roberto_de_Almeida_2022_


quarta-feira, 24 de novembro de 2021

Fernão de Magalhães e Stefan Zweig: o navegante e o biógrafo - Casa Stefan Zweig (30/11/2021, 17hs)

Não posso perder: 



Sobretudo por que eu já me ocupei bastante dos dois, do navegante e do biógrafo, tentando determinar, por exemplo, quanto teria custado a viagem do navegador. Acho que consegui, como demonstrei na minha segunda postagem, como abaixo, da qual transcrevo a parte final: 

"... pode-se calcular que o custo total da viagem de Fernão de Magalhães foi, em preços atualizados de hoje (um ducado espanhol do início do século XVI equivalente aproximadamente a US$ 150), de 3 milhões e setecentos mil dólares.
Se aceitarmos que o valor da carga que trouxe o Victoria era de 7.888.684 maravedis, e que essa moeda poderia equivaler a 50 centavos de dólar por maravedi, teríamos então um retorno de US$ 3.994.342,00, ou, seja, um “lucro” aparente de 250 mil dólares. Não estamos computando, obviamente a perda dos homens e dos navios, pois dos cinco navios apenas um retornou, e dos 240 homens partidos apenas 18 retornaram a Sevilha. Uma empresa de seguros poderia fazer o cálculo do valor humano da primeira viagem de volta ao mundo? Os navios ficam pela amortização em 3 anos..."

Eis as postagens: 

3265. “Fernão de Magalhães: quanto custou a primeira viagem de volta ao mundo?”, Brasília, 8 abril 2018, 3 p. Informação e questionamento sobre os valores atuais das despesas com a frota de Fernão de Magalhães, partindo em 20 de setembro de 1519, para a primeira viagem de circum-navegação, com cinco navios. Postado no blog Diplomatizzando (https://diplomatizzando.blogspot.com.br/2018/04/fernao-de-magalhaes-quanto-custou.html).

3394. “Projeto Fernão de Magalhães – leituras de livros”, Brasília, 12-16 janeiro 2019, 10 p. Resumos seletivos de livros (especialmente sobre os custos) relativos à viagem de circunavegação iniciada pelo navegador português convertido em súdito espanhol, com base nas seguintes obras: 1) José Maria Latino Coelho: Fernão de Magalhães (com um prefácio de Júlio Dantas; 4a ed.; Lisboa: Empresa Literária Fluminense, 1921); 2) Visconde de Lagoa: Fernão de Magalhães: a sua vida e a sua viagem (Lisboa: Seara Nova, 1938, 2 vols.); 3) Queiroz Velloso: Fernão de Magalhães: a vida e a viagem (Lisboa: Editorial Império, 1941); 4) Stefan Zweig: Fernão de Magalhães: história da primeira circunavegação (Rio de Janeiro: Editora Guanabara, s.d.; tradução de Elias Davidovich), este último aproveitando postagem anterior feita no blog Diplomatizzando (em 9/04/2018: http://diplomatizzando.blogspot.com/2018/04/fernao-de-magalhaes-quanto-custou.html), acrescida de comentários sobre os valores atualizados dos curstos da viagem feitos pelo economista Leonidas Zelmanovitz, Senior Felow do Liberty Fund (Indiana, USA; em 10 de janeiro de 2019). Postado no blog Diplomatizzando (link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2019/01/fernao-de-magalhaes-livros-sobre.html).

quarta-feira, 17 de novembro de 2021

Stefan Zweig: cerimônia de entrega póstuma de condecoração Grã-Cruz da Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul - Paulo Roberto de Almeida

3208. “Stefan Zweig: cerimônia de entrega de condecoração”, Brasília, 12 dezembro 2017, 2 p. Texto oferecido como proposta de discurso do Sr. Ministro de Estado, em cerimônia de condecoração póstuma, com a Grã-Cruz da Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul, ao grande escritor austríaco, entregue à embaixadora da Áustria no Brasil, em 18/12/2017, para ser entregue à Casa Stefan Zweig, de Petrópolis.


 


Stefan Zweig: cerimônia de entrega de condecoração

 

IPRI-Funag: proposta de discurso do Sr. Ministro de Estado

[Objetivo: pronunciamento em cerimônia; finalidade: atribuição de comenda]

 

[Palavras protocolares de abertura (cerimonial),]

 

O motivo desta cerimônia de atribuição da Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul, no grau de Grã-Cruz, em homenagem a um dos maiores escritores austríacos de todos os tempos, Stefan Zweig, possui um significado especial para o Brasil, como país singularizado em sua vasta produção literária e intelectual, mas também para este ministério, que o acolheu com todas as honras, quando de sua primeira viagem ao país, em 1936. Naquela ocasião, Stefan Zweig foi homenageado com um banquete oferecido pelo chanceler José Carlos de Macedo Soares, a quem Stefan Zweig retribuiu com a entrega dos originais, em alemão, de sua famosa conferência, feita depois em francês, sobre “A Unidade Espiritual do Mundo”. Esse texto, traduzido em cinco línguas e objeto de nova publicação por iniciativa da Casa Stefan Zweig, de Petrópolis, e da editora Memória Brasil, sob a direção de Israel Beloch, esteve no centro da homenagem que prestamos novamente ao escritor, neste ano, em cerimônia no Instituto Rio Branco, com a presença do ex-chanceler Celso Lafer, que assinou uma bela introdução ao livro.

Ao reverenciarmos, novamente hoje, a sua memória e sua obra excepcional, não podemos deixar de mencionar que o nome de Stefan Zweig está para sempre ligado à imagem otimista que ele traçou de nosso país. Em seu trabalho sobre o Brasil como país do futuro, um dos seus últimos escritos no exílio, antes que ele assinasse suas memórias sobre “O Mundo de Ontem”, Zweig destacou especialmente uma das características que distinguem ainda hoje nosso país em face da diversas nações deste hemisfério e mesmo do mundo: a capacidade da nação em operar uma feliz mistura de raças, a fusão das mais diversas tradições culturais, nossa tolerância religiosa, o sincretismo harmonioso de tantas contribuições étnicas e sociais, o que constitui, justamente, uma realidade que combina com o título da sua conferência de 1936: uma “unidade espiritual”. 

Naquela conjuntura sombria, a Europa caminhava para a guerra, já antecipada na guerra civil espanhola que recém começava, para precipitar-se, pouco mais adiante, nos horrores do holocausto racial, ambos promovidos pelo bárbaro regime nazista, que também engolfou o seu país de origem, e que foi um dos motivos de seu primeiro exílio, na Inglaterra. Naquele momento, ele já tinha publicado a sua biografia de Erasmo, o símbolo da tolerância e do humanismo, nome que hoje batiza um dos mais famosos e apreciados programas europeus de integração educacional. Pouco depois, Stefan Zweig soube ver no Brasil as marcas da diversidade e da tolerância, características que ainda hoje distinguem o nosso povo e a nossa sociedade. Já famoso em todo o mundo, como grande autor de novelas e peças de teatro, Zweig se tornou imediatamente popular no Brasil, onde continua sendo lido e devidamente homenageado, notadamente por meio das muitas exposições e iniciativas culturais da Casa Stefan Zweig de Petrópolis. 

Ao fazer a entrega, hoje, das insígnias e do diploma da Ordem do Cruzeiro do Sul à embaixadora da Áustria, Irene Giner-Reichl, este ministério e o governo brasileiro desejam reafirmar toda a nossa admiração pelo escritor que reafirmou a posição impar do Brasil no mundo, justamente pela imagem que ele soube consolidar de um país multirracial, como nos orgulhamos de ser, uma nação diversa, multicolorida, mas unida espiritualmente, tolerante com todas as raças e credos, uma sociedade, finalmente, imune a comportamentos xenófobos e exclusivistas. 

A Europa, como aliás recomendou a Economist em editorial de um ano atrás, deveria ler, ou reler, Stefan Zweig, sobretudo em sua mensagem em favor de uma Europa tolerante, infensa aos temores raciais, novamente unida espiritualmente em torno da ideia do congraçamento universal dos povos. Esta é mensagem que Stefan Zweig nos legou, e com a qual nós nos sentimos, mais do que nunca, profundamente identificados. Receba, senhora embaixadora, os símbolos de nossa contínua admiração pelo grande austríaco que, enterrado em nosso solo, continua reverenciado como um dos grandes amigos do Brasil, um traço de união entre nossos dois países. 


Brasília, 12 de dezembro de 2017.