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segunda-feira, 30 de janeiro de 2023

Sobre os impedimentos político-estruturais do Mercosul - Tomas Guggenheim

 Transcrevo, de um debate entre colegas diplomatas e economistas:

 Diversamente da UE, o Mercosul não é nem deveria ser um "projeto político". A nossa política na região, como no resto do mundo, se processa bilateralmente e só se tomam decisões em grupo ou regionais caso a caso. E isso é relativamente raro quando estão em jogo interesses concretos, para implementação efetiva. 


Na UE o projeto de integração caminhou passo a passo mas nunca perdeu de vista a possibilidade ou a expectativa de progressiva abdicação das soberanias nacionais em muitas áreas. Só não avançou realmente nas questões de segurança externa, entre outras, porque os países não quiseram ir tão longe, confiando mais no guarda chuva americano (OTAN) do que numa eventual e problemática liderança militar franco-alemã-britânica. Mas puderam chegar a um alto grau de integração/cooperação em matéria econômica, exceto (sobretudo) nas áreas fiscal e social, pois era inevitável reservá-las para a jurisdição dos parlamentos nacionais devido ao próprio funcionamento dos seus regimes políticos .

Nada disso é possível no Mercosul, nem mesmo a cooperação política, porque os quatro países, sem falar no enxerto venezuelano aprovado à época por 3 governos esquerdistas (infringindo a legislação da instituição), não têm a suficiente estabilidade para que as decisões e orientações sejam mantidas - como ocorre na UE - a despeito das mudanças de governo. A politização é até contrária aos interesses do Brasil, porque os parceiros invocam argumentos políticos para extrair vantagens econômicas e quase nunca acontece o contrário, até pela influência do Itamaraty, porque o papel institucional das chancelarias, quando podem decidir sozinhas, as inclina a fazer concessões para manter "boas relações", sendo o exemplo mais óbvio a aceitação das permanentes restrições ilegais argentinas às importações do Brasil. Isso é turbinado quando o próprio presidente adota essa postura, como ocorreu na expropriação de bens da Petrobrás pela Bolívia, nossa endêmica tolerância com o contrabando paraguaio e os financiamentos à Cuba e Venezuela, até agora "a fundo perdido".

A proposta argentina de moeda escritural é só um pretexto para financiar as importações originárias do Brasil e escolheram o oportuno momento político para dar o bote, a volta de Lula, disposto a pagar por uma efêmera  popularidade ou "liderança" na região, que, mesmo se fosse autêntica, não serviria para nada prático, às custas do contribuinte.

O Mercosul é uma simples zona de livre comércio imperfeita, incompleta, incapaz de transcender as limitações impostas pelas leis do mercado, o que já foi testado ao longo das décadas. Ele tem representado apenas 7 por cento do nosso comércio exterior, mas nos impede de negociar livremente outros acordos com terceiros países. A reivindicação uruguaia deveria ser a brasileira, não que quiséssemos agora abrir nosso mercado a um acordo com a China ou a Grã Bretanha, mas sim ter o direito de fazê-lo quando e como decidirmos sem depender da aprovação de 3 países menores, com outra estrutura produtiva. Aliás, não há precedente no mundo de um país abrir mão de sua soberania em política comercial dessa maneira e com tais parceiros. 

A propósito, é óbvio que o Uruguai poderia vir a ser uma plataforma de reexportação de produtos industriais chineses como resultado do acordo que pleiteiam com aquele país ou com a Associação do Acordo Transpacífico. Num caso como esse, o procedimento natural dos demais países do Mercosul seria fazer valer o sistema de requisitos de origem, pelo qual os produtos ou seus componentes que não fossem legitimamente processados no Uruguai não se beneficiariam das concessões tarifárias do bloco. Só que isso demandaria que inspetores brasileiros, por ex., em caso de dúvida, inspecionassem as unidades produtivas e a contabilidade dos exportadores uruguaios, o que seria "políticamente inviável". ”
Tomas Guggenheim
30/01/2023

sábado, 8 de outubro de 2022

Um debate sobre as relações, sempre contraditórias, entre capitalismo e democracia - Tomas Guggenheim, Paulo Roberto de Almeida

 Parti da seguinte argumentação do colega e amigo Tomas Guggenheim, sobre a base de um artigo do Fareed Zakaria sobre as frustrações pelo fato de a China não se ter democratizado a partir de sua caminhada para a economia de mercado: 

Em 8 de out. de 2022, à(s) 10:41, Tomas Guggenheim escreveu:

Muito ilustrativo. Na fase de otimismo após o fim do império soviético, difundiu-se a versão de que a China se tornaria uma democracia com o avanço do seu setor privado e isso justificou até aprovar a classificação do país como "economia de mercado" na OMC, como se estivessem apenas adiantando uma realidade que se imporia "inevitavelmente".
Mas todos os líderes políticos, todos os interessados em política, história e até a torcida do Flamengo sabiam que o capitalismo é essencial para a preservação da democracia, mas a recíproca nunca foi verdadeira, ainda mais quando o capitalismo de estado domina os setores estratégicos da economia.
Não havia ilusão, apenas uma expectativa, que foi preservada nas manifestações dos dirigentes, grande mídia, lideres de opinião, etc porque crescia exponencialmente a terceirização, o off-shoring e a ânsia irrefreável de ter acesso ao mercado interno chinês - e são raros os que criticam um consenso que reflete interesses econômicos (e políticos) tão amplos, quase universais, se incluirmos os interesses por exportação de commodities e financiamentos dos países em desenvolvimento.
Agora, com os efeitos da COVID sobre as "cadeias de valor", a política crescentemente agressiva de Xi e a caracterização da China como uma ameaça (econômica, tecnológica e militar) aos Estados Unidos, tornou-se corrente reconhecer publicamente os riscos e inconvenientes de uma dependência excessiva daquele país e o discurso dominante mudou em consequência. 
 

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Comentário PRA: 

Os paradoxos da economia de mercado e as ambiguidades das relações entre capitalismo e democracia podem desafiar os argumentos dos melhores analistas. 

Nenhum é absolutamente condicional do outro, mas é um fato que economias não capitalistas e sistemas estatizados são pouco propensos à uma democracia de mercado, e portanto mais propensos a sistemas autoritários, quando não ditatoriais.
Em primeiro lugar é preciso distinguir entre economias de mercado e capitalismo, que é apenas uma de suas muitas formas, nem sempre a mais frequente. Capitalismo é apenas um forma de organizar a produção em massa, mas economias de mercado podem ter diversas outras formas. 
Vamos ver concretamente as coisas e nem preciso me referir ao livreto do Friedman de 1962, Capitalism and Freedom, no qual ele coloca que o capitalismo é uma condição necessária, mas não suficiente para uma democracia. Tem muitos senões entre um e outro.
A China é bem mais uma economia de mercado hoje do que jamais foi no passado, mas NUNCA foi uma democracia. Saiu de um império centralizado (com economia de mercado), para o caos da República, e depois mergulhou na guerra civil e no maoismo demencial, que nem criou um socialismo puro no modelo do Gosplan soviético. Pode-se dizer que os 70 anos de leninismo na Rússia realmente abalaram as bases da sociedade russa, fazendo a ficar muito pior do que sob o despotismo czarista, que estava industrializando a Rússia com base em fundamentos de mercado. Houve uma destruição de instituições de mercado, numa nação que tampouco tinha sido democrática, salvo aquilo que Weber chamou de “democracia de fachada” entre março e outubro de 1917.
Mas a China só teve uns 30 anos de maoismo demencial, que apenas desmantelou o que havia de economia natural e de mercado no país, mas conseguiu manter um sistema de governança leninista muito mais eficiente do que  o bolchevismo, pois que baseado num novo tipo de mandarinato, o do PCC. 
Em 2001, a China foi admitida no Gatt-OMC, mas tinha um prazo de 15 anos para provar que poderia ser uma economia de mercado, o que ela EFETIVAMENTE É, mas sob o controle do mesmo partido leninista-mandarinesco.
Em 2002, o G7 de Kananaskis reconheceu a Rússia (pós-leninista) como economia de mercado, apenas por razões políticas, sendo que a Rússia era muito menos de mercado do que a China leninista-capitalista. A Rússia só ingressou na OMC em 2015, e a China, que deveria ser admitida como economia de mercado em 2016 jamais o foi, apenas por causa de seu regime político, não pela falta de capitalismo.
Sintetizando: a China é um capitalismo com características chinesas – isto é, despotismo oriental, que atualmente é o partido leninista-meritocrático – e a Rússia é um crony-capitalism e uma cleptocracia. 
Independentemente dessas considerações baseadas em exemplos práticos, não cabe a acadêmicos teorizarem sobre aquelas relações apenas com base em suposições. Eu, por exemplo, considero o Brasil um país quase fascista no controle estatal não só da economia de mercado mas sobre a vida das pessoas. 
Mas, o Brasil vai ter um governo fascista se o Bozo ganhar? Não acredito nisso. Apenas terá um governo de direita, ou de extrema-direita, como muitos outros países, que são democracias de mercado.
Apenas acho que a nossa democracia é de baixíssima qualidade e nosso capitalismo é altamente controlado pelo Estado.
Ambiguidades e paradoxos, como disse ao início.
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Paulo R. de Almeida

domingo, 9 de janeiro de 2022

A desgovernança no Brasil atual - Tomas Guggenheim

 Peço licença a meu amigo e colega Tomas Guggenheim para transcrever sua pequena síntese sobre as fontes institucionais e políticas de nossa desgovernança atual:

O quadro descrito é desanimador. Em outros tempos, o eleitor, mesmo desprezando a classe política, tinha fé no seu candidato a presidente, confiando em que ele tinha o poder de melhorar de algum modo a sua situação, mas parece que agora a escolha, para boa parte dos eleitores, seria apenas a do "menor dos males".

Pelo que vimos nos últimos muitos anos, é provável que nenhum presidente tenha condições adequadas para executar um programa de governo coerente e fazer reformas significativas, dado que o Poder Executivo se fragilizou frente ao Legislativo e este, fracionado em múltiplos partidos, precisa ser cooptado a cada votação, independente do mérito das iniciativas. E o STF, num comportamento inusitado nas demais democracias, interfere constantemente na governança, como se também fosse uma instituição eleita por voto direto.
Boa parte da responsabilidade por essa situação é da Constituição de 1988, que, entre outros equívocos, não limitou o número de partidos, nem regulamentou o seu funcionamento, e não limitou o direito de intervenção do judiciário na política. 
O "check and balances" está desequilibrado, o que ficou mais transparente depois que parte dos congressistas deixou de ser cooptada pela corrupção e - como resultado da lavajato - o poder dos ministros do STF aumentou com a submissão dos políticos enrascados nos processos penais e com a falta de sustentação parlamentar dos presidentes. Nesse contexto, a qualificação do titular do Executivo pode ser um fator agravante ou atenuante da boa governança, mas não decisivo, dada a atual limitação de seus poderes.
No artigo em anexo um acadêmico americano refere-se às atuais dificuldades de governar nas democracias ocidentais e de manter a adesão da sociedade às formas democráticas tradicionais devido a um fator "estrutural" que descreve como o "fracionamento" que ocorre no sistema político. E disso o Brasil tampouco é poupado.  

"The political fragmentation that now characterizes nearly all Western democracies reflects deep dissatisfaction with the ability of traditional parties and governments to deliver effective policies. Yet perversely, this fragmentation makes it all the more difficult for governments to do so. Mr. Biden is right: Democracies must figure out how to overcome the forces of fragmentation to show they once again can deliver effective government".

sábado, 17 de julho de 2021

A arte e a política- Tomas Guggenheim

 Transcrevo comentário de colega e amigo sobre populismo e política no Brasil:


“ Não de fato é útil a qualquer país promover endossar o populismo. O ideal é ter presidentes tão populares quanto lhes seja possível, como Juscelino e FHC (não adianta buscar exemplos em outros países, fora da nossa realidade), de preferência à tentação latino-americana do "salvador da pátria", diante da complexidade dos desafios do desenvolvimento econômico e social e da dificuldade em dispor de um sistema político-institucional que seja ao mesmo tempo democrático e funcional.

    No Brasil de hoje, mesmo um presidente "ideal", qualquer que seja a sua orientação político-ideológica, teria grandes (ou até insuperáveis) dificuldades para cumprir com a plataforma que o elegeu devido ao papel que desempenham o Congresso e o judiciário, notadamente o STF. Não e trata de criticar os seus atuais integrantes, nem mesmo algumas de suas decisões, mas a Constituição de 1988, que representou um avanço em matéria de exercício de direitos civis, em outras matérias criou, involuntariamente, condições bastante desfavoráveis à governança ao permitir que os outros dois poderes pudessem exorbitar das atribuições em comparação com o funcionamento dessas mesmas instituições em países mais "avançados".
    Esse fenômeno só não se manifestou durante os 13 anos de petismo porque houve uma cooptação em grande escala pela via da corrupção, mas agora o equilíbrio entre as atribuições dos três poderes dependeria de uma reforma constitucional. 
    Uma evolução dessa natureza foi obtida na França em 1958 com a passagem da chamada Terceira para a Quarta República e talvez se deva refletir sobre essa questão no Brasil, embora não se possa esperar pelo apoio atuais beneficiários do status quo, o que tampouco ocorreu na França, até que uma crise desperte os atores políticos de sua letargia. Até lá, a linguagem colorida das redes sociais só ilustra o lado folclórico e anódino do debate político.    

Tomas Guggenheim ”