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quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Campanha etilico-surrealista: confesso que nao entendi nada...

Eu bem que me esforço por entender o que leio, mas confesso que estas palavras, estes argumentos, expedidos por alguém que fala muito, demais, escapam ao meu simples modo de raciocínio linear, lógico, direto.
Como diriam os franceses: ça me dépasse...
Enfim, se alguém entendeu me avise, por favor...
Paulo Roberto de Almeida

No Piauí, Lula compara tucanos a 'gente do mal'
Maiá Menezes
O Globo, 14.10.2010

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva classificou nesta quarta-feira, sem citar nomes, os tucanos de "gente do mal", ao comparar os projetos políticos do PSDB e o seu desempenho como presidente.

Em discurso para cerca de dez mil pessoas, na Avenida Marechal Castelo Branco, em Teresina, Lula fez elogios à beleza de Dilma três vezes e atacou o adversário:

- O que está em jogo são dois projetos. Um que está aí desde que Cabral descobriu. Os de sempre mandando, ganhando, perdendo. Agradeço aos votos que vcs não deram a mim, mas também aos votos que vocês não deram a eles. Porque essa gente foi do mal com o povo pobre. Em 2006, eles acabaram com o CPMF. Eles tiraram esse imposto, R$ 120 bilhões em quatro anos, achando que iriam prejudicar o Lula. Mas o Lula não foi prejudicado porque pode pagar plano. Prejudicaram as pessoas mais pobres, que precisam do SUS. Eu disse a eles: nas eleições, eles vão ter o troco. E em 2006, no Piauí, tiveram.

Lula, ao lado de Dilma, que discursara antes, afirmou que a hora é de comparar projetos, mais que pessoas:

- Se a gente achar que a disputa que está em jogo é apenas a disputa entre a candidata Dilma e o candidato de lá a gente vai cometer um engano muito grande. Não é a disputa entre um homem e uma mulher. Se fosse só isso, eu ainda assim preferia essa mulher do que aquele homem para presidir o destino do meu país. Porque conheço a sensibilidade de cada um. Conheço a alma e a cabeça dos dois e é por isso que acho que ela é infinitamente melhor para o país.

Ele também afirmou que o PSDB foi contra políticas de inclusão:

- Vocês sabem como era o Nordeste e a vida do povo mais pobre antes de eu chegar à Presidência. Quando criamos o Bolsa Família, os de lá diziam que era esmola e que a gente estava fazendo populismo. Eles não têm noção do que significa R$ 100 para uma pessoa pobre. Eles dão de gorjeta quanto tomam de uísque. Vocês sabem como era o desemprego nesse país antes de eu chegar à Presidência. Vocês sabem a destruição das empresas brasileiras. Como andava o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal, até a Petrobras eles tentaram mudar de nome. Vocês sabem quantos investimentos deixaram de vir para o Piauí antes de eu ser presidente, porque as pessoas diziam que não iam investir aqui porque o Nordeste não ia para a frente.

Mais uma vez lamentando sua foto não ter estado nas urnas, nessa eleição, Lula afirmou que "o espírito democrático" o levou a optar por apoiar uma candidata em vez de optar pela reeleição:

- Como somos democratas e queremos fortalecer a democracia trocamos prazerozamente a voz de taquara rachada de um homem por uma mulher mineira, gaúcha, puiauisense,que tem competência para dirigir o país nos proximos anos.

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Retomando:
Acho que sei porque a candidata oficial caiu tanto, e porque os discursos desse personagem surrealista que está aí acima não convence mais: As pessoas são espertas, apesar de que alguns espertos querem fazê-las de idiotas. As pessoas percebem quando estão tentando enganá-las, com palavras vazias... Elas devem dizer: "Essa aí pensa que somos uns idiotas?"
Por outro lado, o maniqueismo, a simplificação e a falsidade, mentiras mesmo, de quem expede os conceitos são atrozes. Confesso que eu esperava um pouco mais de respeito aos fatos por parte de quem preside aos destinos do país.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Eleicoes 2010: os grandes derrotados

Escrevo a dois dias das eleições de 3 de outubro.
Não tenho a menor ideia de quem sairá vencedor, em qualquer dos escrutínios sendo disputados em dois níveis desta nossa federação (que só é uma no nome, não na realidade).
Mas já sei quem será derrotado, e de forma vergonhosa, como nunca antes neste país: os institutos de pesquisa.
Eles foram utilizados politicamente, tanto que alguns dos embates na justiça eleitoral (outra derrotada, igualmente) se deram entre candidatos descontentes e os supostos resultados "fiáveis" de algum instituto trabalhando, é de se presumir, para a candidatura adversária.
Nunca antes neste país houve tanta dúvida em torno de certas "pesquisas de opinião".

As personalidades autoritárias, que pululam em torno de certas candidaturas, pretendem com isso controlar os institutos de pesquisa, ou a chamada "grande mídia" -- por outros chamada de PIG, ou Partido da Imprensa Golpista -- achando que com isso vão eliminar o problema das distorsões nos institutos de pesquisa.
Essas distorsões existem e fazem parte da estratégia para impulsionar, a pedido, alguma candidatura: seleção geográfica ou de estratificação dos consultados, maneira de fazer as perguntas, induções diversas, etc.
A solução, contudo, não está no controle ou censura, e sim na abertura total e na transparência absoluta das pesquisas.
Os resultados deveriam ser apresentados com um "localizador de metodologia", revelando de maneira totalmente transparente quando e onde foi feita a pesquisa, as perguntas efetuadas, quem pagou, etc...

Para mim, são os grandes derrotados desta campanha (junto com a verdade, claro, mas esta é sempre derrotada quando damos a palavra a políticos...).

Paulo Roberto de Almeida

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Insulto a inteligencia - Ferreira Gullar

A crônica abaixo do conhecido intelectual Ferreira Gullar ilustra em grande medida o clima da atual campanha eleitoral.
O que eu poderia acrescentar como comentário?
O ambiente atual, dentro e fora da campanha eleitoral -- e eu me coloco apenas como um observador acadêmico do processo -- apenas confirma o que vem acontecendo com a chamada "inteligência" brasileira (que alguns já chamaram de "burritsia"): ela demonstra uma adesão acrítica ao governo atual, em especial à sua política econômica (da qual o governo se apropriou, desonestamente, depois de acusar uma "herança maldita" que nunca existiu) e à sua política externa, um tanto esquizofrênica e megalomaníaca, além de estar objetivamente a serviço de causas de não são exatamente as nacionais.
Caminhamos, infelizmente, para mais um período de desmantelamento das instituições públicas, uma nova fase de mediocrização geral de nossas universidades, e eu até diria de fascistização da vida cívica de maneira geral, com elementos neobolcheviques comandando a um processo de decadência mental do Brasil.
Estou seguro de que vamos pagar um alto preço por isso, que não é só o resultado de uma causa e de um partido, mas que, em parte, também é o resultado da incapacidade dos verdadeiros social-democratas e dos (pouquíssimos) liberais brasileiros em encaminhar adequadamente (quando podiam, ou quando estavam no poder) os problemas da pobreza e da desigualdade, que são reais, no Brasil. Não o fizeram, seja por que não tiveram capacidade ou por falta de oportunidade (concentração de esforços na estabilização, preocupações de outra ordem, impacto de crises externas, etc). Agora, por um conjunto de circunstâncias que lhes foram favoráveis, em especial a liderança carismática -- falsa e mentirosa, mas liderança mesmo assim -- temos os gramscianos de estilo fascista (sim, essa contradição nos termos existe e está atuando) comandando o processo político e deformando a economia brasileira, tanto quanto a própria moral pública e a ética política. Enfim, uma deterioração geral do que se esperava para o Brasil: progressos na cultura, na política, na economia, na vida social.
Em médio prazo, ou seja, entre dez e vinte anos, a sociedade brasileira vai, espero, corrigir esses traços regressivos de carater político e econômico, mas isso vai custar mais atraso relativo, mais deformações de caráter, mais algum tempo de máfias se apropriando dos recursos públicos, mais medíocres ensinando nossos jovens nas escolas e nas universidades.
Infelizmente para os concientes -- eles são uma elite, por mais que se tenha preconceito contra essa palavra -- eu vejo assim nosso processo político nos próximos anos. Tento compreender, mais do que lamentar.
Cada um que se considera pertencer a uma comunidade de homens de boa vontade e de pessoas dignas, todo e qualquer cidadão de caráter, a todos esses cabe resistir, sempre apontando os erros, os equívocos, as falhas de caráter daqueles que pretendem nos representar e nos dirigir, como nação, sempre denunciando a mentira e a falcatrua (e elas tendem visivelmente a crescer), mas também tendo a consciência de que estamos em absoluta minoria e que levamos um combate de retaguarda, de resistência, uma luta de quilombo contra os assaltos à razão, contra a mediocrização ainda maior do que ainda existe como instituições públicas.
Nosso dever é persistir, mesmo contra toda esperança de mudanca rápida na situação.
É o que farei nas trincheiras que são as minhas: o ensino universitário, a escrita sempre presente, a participação cidadã nos debates públicos.
Paulo Roberto de Almeida (21.09.2010)

Quebra de sigilo e outras bossas são coisas nossas
FERREIRA GULLAR
Folha de S Paulo 19/09/2010

É da natureza do PT -do ruim sindicalismo- valer-se de todo e qualquer meio para atingir seus objetivos

A SOCIEDADE brasileira assiste hoje à despudorada manipulação da opinião pública, que é a campanha de Dilma Rousseff para a Presidência da República. Até alguns petistas não conseguem esconder seu constrangimento diante dos escândalos que surgem a cada dia e, sobretudo, do descaramento com que, de Lula a Dutra, os petistas pretendem, mais uma vez, passar por vítimas, quando são de fato os vilões.
O PT não se cansa de jogar sujo. É de sua natureza sindicalista -do ruim sindicalismo- valer-se de todo e qualquer meio para atingir seus objetivos. E isso vai da falsificação dos fatos e a violação de sigilos fiscais à agressão física e a eliminação do inimigo, ainda que esse inimigo seja companheiro de partido.
É o caso, por exemplo, de Celso Daniel, então prefeito de Santo André, que foi assassinado, ao que tudo indica, por não compactuar com a corrupção dentro do partido. Lula e a alta cúpula petista jamais se empenharam na apuração do crime.
O mesmo procedimento se repete agora com o escândalo da quebra de sigilo fiscal de Eduardo Jorge, vice-presidente do PSDB, de outros membros do partido e da filha de José Serra, por gente do PT. Revelada a falcatrua, a Receita Federal calou-se e a direção petista sugeriu que se tratava de um factoide, mas a imprensa foi para cima, a coisa virou escândalo. A Receita tentou desclassificar a denúncia até o ponto em que não dava mais. Foi então que o secretário geral da Receita Federal, Otacílio Carpaxo, veio a público para, constrangido, garantir que não havia na quebra de sigilo qualquer propósito político.
Era o prosseguimento da burla, conforme a dramaturgia petista: primeiro, negam o fato; confirmado, tratam de desqualificá-lo. Sucede que quem praticou a violação eram petistas, o que também foi logo negado, numa nota em que o PT afirmava que aquela gente não pertencia a seus quadros. Como, porém, é mais fácil pegar um mentiroso que um cocho, a mentira foi posta à mostra: tanto Atella quanto Amarante eram do PT, o primeiro desde 2003 e o segundo desde 2001.
É fácil perceber por que os acessos aos dados fiscais foram feitos em cidades do interior de SP e MG, por petistas de confiança e sem projeção. Sempre haverá um Cartaxo, num cargo de chefia, para salvar a face dos verdadeiros vilões, mentores da campanha de Dilma. Mas mesmo ele não consegue explicar -se não havia propósito político na violação do sigilo- por que as vítimas da violação são dirigentes do partido de Serra, sua filha e genro.
Não há por que nos surpreendermos com isso, uma vez que agir à revelia da ética e da lei é um antigo hábito do Partido dos Trabalhadores. Os fatos o comprovam. Alguém duvida de que aquela montanha de dinheiro que a polícia flagrou, em 2006, com os "aloprados", num quarto de hotel em São Paulo, era para comprar um dossiê anti-Serra? Embora os implicados fossem todos petistas próximos a Lula (um deles, o churrasqueiro do presidente), nem ele nem ninguém do PT sabia de nada, porque, como sabemos nós, são todos gente íntegra, defensores da ética na política; a ética petista, bem entendido.
Outro exemplo dessa ética foi o mensalão que, num país sério, teria levado ao impeachment de Lula.
Já aqui, pode ser até processado quem atribua a ele -que nunca sabe de nada- qualquer responsabilidade pela compra daqueles nobres deputados. Aliás, como em certas ocasiões, voto de deputado vale ouro, é até vantagem comprá-lo em reais.
Tem razão, portanto, Lula, em se indignar com mais essa acusação infundada contra seu partido. Por isso, com a fina ironia que o caracteriza, pulando e berrando num palanque, indagou: "Cadê esse tal de sigilo, que ninguém vê?".
A graça é besta, mas ele sabe muito bem para quem fala. Por isso mesmo, quando a situação complica, como agora, põe a Dilma de lado e entra em cena, para confundir ou ameaçar, conforme lhe convenha.
Meu consolo é saber que, em menos de três meses, ele deixará a presidência. Garantiu que até lá vai fazer "muita miséria". Disso, não duvido, mas, após dezembro, não terei que vê-lo todos os dias na televisão, insultando a nossa inteligência.

sábado, 28 de agosto de 2010

Mercado político e mercados econômicos


Marx e as eleições brasileiras
Paulo Roberto de Almeida

Uma tendência bem conhecida da ciência política consiste em fazer uma análise econômica dos processos eleitorais e dos sistemas políticos. Embora se possa dizer que metodologias e problemas podem ser aproximados, para fins de análise e de interpretação, o fato é que existem diversos elementos diferenciadores que fazem com que o mercado político não seja o exato equivalente do mercado de bens e serviços correntes. Este último é, em princípio, caracterizado pela atomização dos ofertantes e pela livre disposição de seus recursos da parte dos demandantes, ao passo que o primeiro se caracteriza por tendências bem claras ao monopólio e à exclusão.
Independentemente, porém, do grande número de variáveis que concorrem para diferenciar um do outro, pode-se dizer que mercado político não é igual ao mercado de bens e serviços correntes por um motivo muito simples: embora o Estado possa interferir tanto num quanto noutro – por meio de regras quanto ao seu funcionamento, ou por meio de impostos sobre as transações, por exemplo –, nos mercados puramente econômicos, os compradores dispõem (pelo menos nos sistemas capitalistas e razoavelmente democráticos) de liberdade completa para determinar quantidades, tipos e formatos das prestações dos bens e serviços aos quais pretendem alocar seus ativos financeiros. O consumidor é, em princípio, soberano nas suas escolhas e atua com base nas informações disponibilizadas pelos produtores, que teoricamente concorrem entre si pelas preferências do primeiro. Economistas liberais tendem a considerar a economia dos livres mercados como sendo uma espécie de “ditadura do consumidor”, o que se aproxima apenas parcialmente da realidade (já que cartéis, monopólios, coalizões e colusões de produtores deformam as condições de concorrência, em detrimento dos consumidores, obviamente). Na prática, todos os mercados são imperfeitos.
Nos mercados políticos, ao contrário dos de natureza econômica (ou com bem maior ênfase do que nestes), o Estado é, não apenas um interlocutor incontornável e um regulador necessário, como atua, também, como agente de seus próprios interesses, obviamente não enquanto Estado, mas enquanto governo. O Estado é, em grande medida, uma figura abstrata, virtual ou, em certo sentido, quase ficcional; ele existe, obviamente pelas suas instituições e pelo conjunto de leis e normas que regulam a ação de seus agentes permanentes, mas se expressa de modo muito mais afirmado enquanto ator de primeiro plano em suas roupagens de governo e de coalizão de forças a serviço dos partidos e dos grupos de interesse representados e ocupando suas instituições dotadas de vontade política.
Nessa condição, o Estado deixa de ser abstrato para passar a representar interesses políticos, econômicos e projetos tangíveis e intangíveis vinculados aos líderes políticos que ocupam temporariamente suas alavancas de comando. Isto é básico e elementar, conhecido de qualquer estudante de graduação que tenha lido seus manuais de ciência política ou debruçado-se sobre a obra de Max Weber. Aliás, até mesmo Marx, nas páginas muito rudimentares do Manifesto Comunista, ou naquelas melhor elaboradas do 18 Brumário, já tinha detectado essa captura do Estado por forças políticas ou por personagens excepcionais – nem todos representando as “elites” tradicionais – que se movimentam no grande palco das lutas pelo poder.

Uma interpretação marxista dos embates eleitorais no Brasil de 2010
Justamente, se Marx fosse chamado a reescrever suas obras políticas mais conhecidas – como os já citados Manifesto e 18 Brumário, acrescidos do Luta de Classes na França – adaptando-as ao cenário do Brasil atual, eis o que ele talvez redigisse, como síntese da campanha eleitoral em curso e da própria conjuntura.
Se considerarmos o estado atual da luta de classes no Brasil, depois de anos e anos de afirmação de uma liderança cesarista e carismática, o que se pode dizer é que todas as classes se renderam ao Bonaparte do momento. Não ocorreu, para todos os efeitos, qualquer golpe na trajetória política recente do país, algo inesperado como um raio caído de um céu azul. Não; tudo foi o resultado racional-legal da lenta ascensão de classes pouco trabalhadoras ao pináculo do poder, o produto final da lenta acumulação de forças pelo partido da reforma conservadora. O final lógico desse teatro de lutas contra os burgueses liberais nos últimos anos já era o esperado: o manto imperial caiu, finalmente, nos ombros do pequeno Bonaparte, sem sequer algum gesto dramático, menos ainda com qualquer sinal de tragédia. Foi, assim, um triunfo de comédia.
Todas as classes, com exceção de uma fração extremamente reduzida de ideólogos da pequena burguesia libertária, se renderam ao líder aclamado; a minoria que o ataca não tem qualquer força social atrás de si para contestar o seu domínio completo sobre a sociedade. A máquina burocrático-sindical já estava ganha desde o início, pois foi dela mesmo que o novo Cesar emergiu para uma ascensão lenta, mas irresistível. Os movimentos desorganizados do lumpesinato e do proletariado não sindicalizado foram os que convergiram em segundo lugar, pois eles encontraram no Tesouro da República a justa compensação pela escolha judiciosa que fizeram. Não foi preciso repetir a história, sequer como farsa, no caso da grande burguesia industrial e dos representantes da alta finança: eles já tinham sido convencidos, desde antes da ascensão do imperador, de que seus interesses de classe seriam regiamente compensados, como de fato o foram, pela fidelidade demonstrada ao novo esquema de poder. Todos eles foram colocados na mesma categoria de apoiadores, meras figuras decorativas na urna de votos do novo Cesar, como se fossem simples unidades indistintas de um grande saco de batatas.
O fato é que até mesmo o antigo partido da reforma conservadora foi parar nesse saco de batatas, e virou o partido da Ordem, submisso como todos os outros ao poder do chefe supremo. As bases de seu poder são relativamente transparentes, pois basta seguir o itinerário do dinheiro que escorre dos cofres públicos – isto é, dos bolsos da burguesia e da pequena burguesia, dos grandes proprietários fundiários, dos caixas das empresas da burguesia industrial, e até mesmo dos parcos tostões do proletariado e seus aliados menores. Temos, em primeiro lugar, a plutocracia financeira, aquela que sempre se opôs ao partido da reforma, quando este era desestabilizador, mas que logo se acomodou, ao constatar que o grande líder propunha, na verdade, uma coalizão diferente para manter o mesmo esquema de poder real; ela foi contemplada, como sempre, com os juros da dívida pública, sem precisar fazer qualquer esforço no mercado de capitais ou na busca de clientes para seus empréstimos extorsivos. A grande burguesia das fábricas e dos negócios comerciais também soube encontrar o seu nicho no novo esquema de poder: um mercantilismo renascido com um Estado ainda mais forte, capaz de dispensar empréstimos facilitados, isenções fiscais, tarifas protetoras e toda sorte de prebendas e subsídios que tinham uma existência mais modesta na antiga República neoliberal.
Vem em seguida a nova aristocracia sindical, que já não era operária havia anos, provavelmente a décadas; sua fração burocrática converteu-se em parte integrante da nomenklatura estatal, a nova classe privilegiada, que alguém já chamou de “burguesia do capital alheio”. A maior parte, porém, continuou nas corporações sindicais, agora locupletando-se de fundos públicos, que lhe são repassados sem qualquer controle. Junto com os militantes do antigo partido da reforma, eles constituem os elos mais relevantes do novo peronismo em construção, uma nova força política que é puro movimento, sem qualquer doutrina ou construção teórica mais elaborada. Os aliados da academia, que poderiam fornecer uma base intelectual para o partido da reforma, os universitários gramscianos, estes parecem singularmente estéreis na produção de novas idéias, pois ficam repetindo velhos slogans do socialismo do século 19, sem qualquer originalidade ou refinamento. São tão atrasados, e alienados, esses acadêmicos repetitivos, que terminaram por ver num coronel golpista, de notórias tendências fascistas, um líder progressista do novo socialismo; o êmulo de Mussolini pretende que o seu socialismo seja do século 21, quando este nada mais constitui senão uma confusão mental e uma construção estatal digna do que havia de pior no sovietismo esclerosado.
Outros componentes do mesmo saco de batatas são os funcionários públicos, alguns verdadeiros mandarins, a maioria simples beneficiários da prodigalidade estatal, que, na média, recebem o dobro do que ganhariam na iniciativa privada, para níveis de produtividade que são, na média, menos da metade daquelas do setor privado. Figuram ainda no saco, finalmente, os recipientes do maior programa social do mundo, que vem a ser, também, um grande curral eleitoral: o lumpesinato, de forma geral, e os vários lumpens urbanos, em particular, com alguns pequeno-burgueses espertalhões aqui e ali. Não se deve esquecer, tampouco, tubérculos igualmente vistosos, como os beneficiários de bolsas para diversas categoriais sociais ou as cotas para os representantes do Apartheid em formação, os promotores do novo racismo oficial.
Ficam de fora do saco de batatas apenas e tão somente 3 ou 4% do eleitorado, representado politicamente por figuras teimosas, que recusam inexplicavelmente o mito do demiurgo e que pretendem continuar o combate de retaguarda, sem qualquer esperança de reverter o curso do processo político no futuro previsível. Esses novos mencheviques intelectuais também fazem sua própria história, mesmo se eles ainda não têm consciência disso: eles não podem, contudo, esperar fazer sua revolução a partir de um passado já enterrado; apenas em direção ao futuro, embora o caminho seja longo e os resultados muito incertos.
O que parece certo é que a mistura de pequeno Napoleão com um Perón improvisado também terá um dia sua estátua derrubada do alto da coluna Vendôme, não tanto como resultado de uma nova luta de foices e martelos, mas como o produto de uma lenta evolução educacional. Esta é a revolução mais difícil de ser provocada, mas constitui, legitimamente, o único processo revolucionário de que o Brasil necessita.

Zhengzhou, 24.08.2010; Shanghai, 26.08.2010

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A frase bonapartista:

'Ainda tenho caneta para fazer miséria neste País', diz Lula

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

A frase da semana, da campanha eleitoral

Não sei exatamente quem formulou a frase, mas merece o prêmio do ano:

O horário político eleitoral é o único momento em que os bandidos estão em cadeia nacional.