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sábado, 5 de janeiro de 2013

A decadencia moral do Brasil - Ferreira Gullar, Nelson Motta e os companheiros

O Brasil atravessa uma fase de decadência moral inacreditável. As explicações para isso são fáceis: tivemos a ascensão de uma nova classe, de uma nova elite, segundo as teorias da circulação das eleites de Gaetano Mosca e de Vilfredo Pareto. A que ascendou é essa que estamos vendo: a nova nomenklatura, pouco educada, mas extremamente ávida de benesses, privilégios, consumo conspícuo. A ela segue-se uma legião de mercenários a soldo e de voluntários da causa que contribui para degradar a níveis extremamente baixos o debate político no país, convertido numa vingança dos ratos magros contra os ratos gordos que nos governavam. Apenas que os ratos gordos já se uniram aos ratos magros na tarefa de degradar ainda mais o ambiente intelectual no Brasil (mas creio que o adjetivo não se aplica).
Tendo constatado, tanto quanto Nelson Motta, na coluna abaixo que discorre sobre os comentários ao artigo de Ferreira Gullar, que a fúria da malta se torna irracional e extremamente agressiva nesses casos de crítica ao supremo guia genial dos povos, só posso concluir quanto à erosão completa dos valores da civilidade e do debate cortês no Brasil.
Estamos recuando, cada vez mais, infelizmente.
Paulo Roberto de Almeida

Artigo de Ferreira Gullar:

Me engana que eu gosto

Folha de S.Paulo, 30/12/2012 

 Muitos de vocês, como eu também, hão de se perguntar por que, depois de tantos escândalos envolvendo os dois governos petistas, a popularidade de Dilma e Lula se mantém alta e o PT cresceu nas últimas eleições municipais. Seria muita pretensão dizer que sei a resposta a essa pergunta. Não sei, mas, porque me pergunto, tento respondê-la ou, pelo menos, examinar os diversos fatores que influem nela.
Assim, a primeira coisa a fazer é levar em conta as particularidades do eleitorado do país e o momento histórico em que vivemos. Sem pretender aprofundar-me na matéria, diria que um dos traços marcantes do nosso eleitorado é ser constituído, em grande parte, por pessoas de poucas posses e trabalhadores de baixos salários, sem falar nos que passam fome.
Isso o distingue, por exemplo, do eleitorado europeu, e se reflete consequentemente no conteúdo das campanhas eleitorais e no resultado das urnas. Lá, o neopopulismo latino-americano não tem vez. Hugo Chávez e Lula nem pensar.
Historicamente, o neopopulismo é resultante da deterioração do esquerdismo revolucionário que teve seu auge na primeira metade do século 20 e, na América Latina, culminaria com a Revolução Cubana. A queda do Muro de Berlim e o fim da União Soviética deixaram, como herança residual, a exploração da desigualdade social, já não como conflito entre o operariado e a burguesia, mas, sim, entre pobres e ricos. O PT é exemplo disso: nasceu prometendo fazer no Brasil uma revolução equivalente à de Fidel em Cuba e terminou como partido da Bolsa Família e da aliança com Maluf e com os evangélicos.
Esses são fatos indiscutíveis, que tampouco Lula tentou ocultar: sua aliança com os evangélicos é pública e notória, pois chegou a nomear um integrante da seita do bispo Macedo para um de seus ministérios. A aliança com Paulo Maluf foi difundida pela televisão para todo o país. Mas nada disso alterou o prestígio eleitoral de Lula, tanto que Haddad foi eleito prefeito da cidade de São Paulo folgadamente.
E o julgamento do mensalão? Nenhum escândalo político foi tão difundido e comprovado quanto esse, que resultou na condenação de figuras do primeiro escalão do PT e do governo Lula. Não obstante, o número de vereadores petistas aumentou em quase todo o país.
E tem mais. Mal o STF decidiu pela condenação de José Dirceu, José Genoino e Delúbio Soares, estourava um novo escândalo, envolvendo, entre outros, altos funcionários do governo, Rose Noronha, chefe do gabinete da Presidência da República em São Paulo e pessoa da confiança e da intimidade de Lula.
Em seguida, as revelações feitas por Marcos Valério vieram demonstrar a participação direta de Lula no mensalão. Apesar de tudo isso, a última pesquisa de opinião da Datafolha mostrou que Dilma e Lula continuam na preferência de mais de 50 % da opinião pública.
Como explicá-lo? É que essa gente que os apoia aprova a corrupção? Não creio. Afora os que apoiam Lula por gratidão, já que ele lhes concedeu tantas benesses, há aqueles que o apoiam, digamos, ideologicamente, ainda que essa ideologia quase nada signifique.
Esse é um ponto que mereceria a análise dos psicólogos sociais. O cara acha que Lula encarna a luta contra a desigualdade, identifica-se com ele e, por isso, não pode acreditar que ele seja corrupto. Consequentemente, a única opção é admitir que o Supremo Tribunal Federal não julgou os mensaleiros com isenção e que a imprensa mente quando divulga os escândalos.
O que ele não pode é aceitar que errou todos esses anos, confiando no líder. Quando no governo Fernando Henrique surgiu o medicamento genérico, os lulistas propalaram que aquilo era falso remédio, que os compridos continham farinha. E não os compravam, ainda que fossem muito mais baratos. Esse tipo de eleitor mente até para si mesmo.
Não obstante, uma coisa é inegável: os dirigentes petistas sabem que tudo é verdade. O próprio Lula admitiu que houve o mensalão ao pedir desculpas publicamente em discurso à nação.
Por isso, só lhes resta, agora, fingirem-se de indignados, apresentarem-se como vítimas inocentes, prometendo ir às ruas para denunciar os caluniadores. Mas quem são os caluniadores, o Supremo Tribunal e a Polícia Federal? Essa é uma comédia que nem graça tem.
Ferreira Gullar Ferreira Gullar é cronista, crítico de arte e poeta. Escreve aos domingos na versão impressa de "Ilustrada".

Artigo de Nelson Motta:

Coices e relinchos


Nelson Motta
O Estado de S.Paulo, 04 de janeiro de 2013
A maneira mais estúpida, autoritária e desonesta de responder a alguma crítica é tentar desqualificar quem critica, porque revela a incapacidade de rebatê-la com argumentos e fatos, ideias e inteligência. A prática dos coices e relinchos verbais serve para esconder sentimentos de inferioridade e mascarar erros e intenções, mas é uma das mais populares e nefastas na atual discussão política no Brasil.
A outra é responder acusando o adversário de já ter feito o mesmo, ou pior, e ter ficado impune. São formas primitivas e grosseiras de expressão na luta pelo poder, nivelando pela baixaria, e vai perder tempo quem tentar impor alguma racionalidade e educação ao debate digital.
Nem nos mais passionais bate-bocas sobre futebol alguém apela para a desqualificação pessoal, por inutilidade. Ser conservador ou liberal, gay ou hétero, honesto ou ladrão, preto ou branco, petista ou tucano, não vai fazer o gol não ser em impedimento, ser ou não ser pênalti. Numa metáfora de sabor lulístico, a política é que está virando um Fla-Flu movido pelos instintos mais primitivos.
Na semana passada, Ferreira Gullar, considerado quase unanimemente o maior poeta vivo do Brasil, publicou na Folha de S. Paulo uma crônica criticando o mito Lula com dureza e argumentos, mas sem ofensas nem mentiras. Reproduzida em um "site progressista", com o habitual patrocínio estatal, a crônica foi escoiceada pela militância digital.
Ler os cento e poucos comentários, a maioria das mesmas pessoas, escondidas sob nomes diferentes, exigiria uma máscara contra gases e adicional de insalubridade, mas uma pequena parte basta para revelar o todo. Acusavam Gullar, ex-comunista, de ter se vendido, porque alguém só pode mudar de ideia se levar dinheiro, relinchavam sobre a sua idade, sua saúde, sua virilidade, sua aparência, sua inteligência, e até a sua poesia. E ninguém respondia a um só de seus argumentos.
Mas quem os lê? Só eles mesmos e seus companheiros de seita. E eu, em missão de pesquisa antropológica. Coitados, esses pobres diabos vão morrer sem ter lido um só verso de Gullar, sem saber o que perderam.

terça-feira, 3 de abril de 2012

O Brasil a caminho da... indefinicao? - Ferreira Gullar

De fato, como diz o poeta -- que se revela excelente analista político e econômico, o presidente Lula fez aquilo que em navegação se chama de "navegação à vista", ou "a olho", ou seja, vai levando o barco, sem nevoeiro, sem arrecifes, sem atol ou bancos de areia.
As condições tinham sido dadas pela política econômica anterior -- E DESAFIO QUALQUER COMPANHEIRO A ME PROVAR QUE LULA INOVOU QUALQUER COISA NA POLITICA ECONOMICA -- e o governo só fez piorar o quadro, no plano fiscal e na falta absoluta de qualquer planejamento de médio prazo.
O governo atual já está tendo de navegar entre escolhos e bancos de areia, e não sabe para onde levar o navio, apenas quer evitar algum desastre. Pior que o anterior, já não tem muita folga fiscal, e talvez o ambiente externo -- que ofereceu crescimento de graça ao governo anterior -- se deteriore sensivelmente nos próximos meses.
Paulo Roberto de Almeida

O alerta do poeta Ferreira Gullar

Em sua coluna na 'Folha de S. Paulo', Ferreira Gullar adverte que, em breve, a falta de um projeto estratégico para o país vai custar caro ao governo Dilma. Por Luiz Alberto Machado

2/04/2012 
Em sua coluna semanal ao jornal Folha de S. Paulo, o poeta Ferreira Gullar revela-se um grande analista econômico e um brilhante cientista político, alertando para o agravamento da situação brasileira que caminha, a passos mais largos do que a maior parte da população consegue perceber, para um quadro preocupante.
No plano econômico, Ferreira Gullar afirma que o sucesso do presidente Lula deveu-se, acima de tudo, pela manutenção da espinha dorsal da política econômica concebida nos governos de seus antecessores Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso. Foi graças a essas medidas que o Brasil se livrou da inflação crônica que inviabilizava o crescimento da produção e consumia o valor dos salários. A abertura da economia e a conquista da estabilidade, tantas vezes criticadas por Lula e pelo PT, somadas ao prolongado crescimento da economia mundial permitiram que Lula adotasse seus programas assistencialistas e concedesse aumentos salariais que beneficiaram o crescimento da população mais pobre. Isso foi feito, como bem observa o ex-presidente do Conselho Federal de Economia, Carlos Roberto de Castro, “sem que Lula tivesse um programa de governo nem muito menos um projeto estratégico para o país”.
No plano político, Ferreira Gullar observa que “desde que o petismo assumiu o governo, nenhuma medida foi tomada para atender às novas condições criadas pelo próprio crescimento da economia. De fato, o que se fez foi onerar os setores produtivos, ampliar a máquina estatal e aumentar as despesas públicas. O número de ministros subiu de 27 para 39 – ou 40, já nem sei – e, com eles o número de funcionários concursados e não concursados”.
A combinação da melhora do padrão de vida de ampla camada da população brasileira e o aumento considerável do consumo foi suficiente para que o país passasse sem grandes traumas pela crise financeira internacional. Isso, por sua vez, foi essencial para que Lula deixasse o governo com índices de aprovação jamais vistos na história da República e conseguisse eleger Dilma Rousseff para sucedê-lo na presidência.
Como adverte o poeta, o preço para conseguir isso, porém, foi alto, e a hora de pagar a fatura está chegando. Estará Dilma Rousseff preparada e, acima de tudo, disposta a pagar o preço?

domingo, 26 de junho de 2011

De volta a uma vergonha nacional: o caso Battisti (Ferreira Gullar)

Razões que a razão desconhece
FERREIRA GULLAR
Folha de S.Paulo, 26/06/2011

Afinal, quem é Cesare Battisti para merecer o amparo especial de nossas autoridades e instituições?

O CASO Cesare Battisti parece exigir reflexão, tal o impacto que causou a decisão do Supremo Tribunal Federal ao confirmar a do presidente Lula, negando-lhe a extradição.
Como se sabe, a extradição foi pedida pelo governo italiano, conforme os termos do tratado assinado pelos dois países. Battisti havia sido condenado, na Itália, à pena de prisão perpétua pelo assassinato de quatro pessoas.
De acordo com aquele tratado, a extradição pode ser negada em caso de crime político. Sucede que os homicídios por ele cometidos se caracterizavam como crimes comuns, o que foi reconhecido pelo STF, em 2009, autorizando sua extradição para a Itália. No entanto, nessa mesma ocasião, admitiu caber ao presidente da República consumar ou não a extradição.
Pois bem, Lula ficou com o processo até o último dia de seu governo para, só no derradeiro momento, negar a extradição do italiano. A todos nós surpreendeu o ato do presidente da República, contrariando uma decisão de alta corte de Justiça do país. Em que se funda tal arbítrio, se aquela corte reconheceu que os crimes cometidos justificavam o pedido de extradição?
A principal alegação do procurador-geral de Justiça foi que Battisti, se devolvido a seu país, estaria sujeito a tratamento arbitrário e vingativo, argumento destituído de lógica, uma vez que a Itália vive sob regime democrático. O mais incompreensível de tudo isso é que o STF, ao apreciar a decisão de Lula, contrária a seu julgamento anterior, voltou atrás, aceitou a permanência de Battisti no Brasil e mandou soltá-lo.
Acresce o fato de que, tendo entrado clandestinamente no Brasil portando documentos falsos, não pode ser aceito como visitante legal ou imigrante. Tampouco pode ser admitido como refugiado político, já que não foi nessa condição que entrou no país. Teria que ser expulso, mas, como esta é a terra do jeitinho, logo um jeito se deu para legalizar-lhe a situação à margem da lei.
Mas, afinal de contas, quem é de fato Cesare Battisti, para merecer o amparo especial de nossas autoridades e instituições? O que faz dele um personagem importante a ponto de levar o presidente da República e o STF a porem em risco nossas relações com um país cujo povo faz parte de nossa história?
Cesare Battisti, depois de militar no Partido Comunista Italiano, dele se afastou para ingressar em organizações que desejavam chegar ao poder pelas armas. Praticou atentados, assaltou cidadãos e terminou condenado a seis anos de prisão.
Na cadeia, conheceu o teórico de uma organização terrorista, chamada Proletários Armados pelo Comunismo. Isso no final da década de 1970, quando a Itália vivia sob regime democrático e quando qualquer cidadão poderia candidatar-se e disputar o poder pelo voto.
Mas aqueles "revolucionários" -que não tinham voto algum e, por isso, jamais chegariam ao poder democraticamente- queriam alcançá-lo pela força das armas. Como também não eram mais que um pequeno grupo de cretinos sectários, voltaram-se para os atentados e assaltos, a fim de roubar o dinheiro dos cidadãos e comprar armas.
Foi assim que Battisti matou quatro pessoas: uma porque a considerava fascista; outra que era chofer da penitenciária onde estivera preso, e as outras duas -um joalheiro e um açougueiro-, para lhes roubar dinheiro.
O resultado dessa série de atos criminosos e irresponsáveis foi a prisão de seus autores e o fim da tal organização. Battisti então fugiu para a França, de onde, ao ter sua extradição decretada, fugiu para o Brasil. Foi então que escreveu um livro onde dizia renunciar à conquista do poder pela violência e passou a usar esse argumento para não pagar pelos crimes cometidos.
Mas de que vale essa renúncia feita depois que sua organização havia sido desmantelada pela repressão e ele mesmo já não podia viver em seu país? Iria fazer revolução armada na França ou no Brasil? E a vida das pessoas que ele matou, quem paga por ela? Com a palavra o ex-presidente Lula e os ministros do STF, que lhe garantiram a impunidade.
Resumo da ópera: o cara matou quatro pessoas inocentes, foi condenado à prisão perpétua, fugiu, entrou no Brasil ilegalmente mas, ainda assim, obteve o apoio de nossas autoridades para aqui viver livre e impune.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Esquerda e direita: uma discussao anacronica

Apenas uma pessoa obtusamente de "esquerda" -- entre aspas, pois o termo não se aplica, ele não significa nada -- consegue catalogar uma outra, que não tenha as suas posições, de "direita", o que é obviamente uma farsa.
No Brasil, ninguém que eu conheça -- talvez um ou outro apenas -- se classifica como sendo de direita. Reparem que seria normal, até esperado, que, existindo pessoas de "esquerda", outras, que pensam de maneira totalmente oposta, pudessem se classificar como sendo de "direita".
Não no Brasil, onde ser de direita passa por um pecado mortal, algo próximo de ser um doente de peste, contagioso, nocivo, pedófilo, assassino contumaz, enfim, as piores coisas que se possam imaginar.
Ninguém quer ser de direita no Brasil. E, no entanto, qualquer pesquisa de opinião, revelaria que a média da população está mais próxima de posições de "direita" -- com respeito à propriedade, à organização econômica, às liberdades individuais, à religião, etc. -- do que de posições supostamente de "esquerda", que seriam as próximas do socialismo, da propriedade coletiva ou estatal dos meios de produção, do ateismo militante, dos controles sobre bens, fluxos de capitais, movimento de pessoas, dos meios de comunicação, enfim, as conhecidas restrições à liberdade para garantir uma tal de "justiça social", "igualdade", direitos sociais e outras coisas do gênero. Já nem menciono a questão do partido único e do monopólio do poder por um grupo, pois a coisa é tão aberrante que nenhum militante de "esquerda" hoje em dia defende a ideia. Eles apenas acham que Cuba é obrigada a manter essas restrições por causa dos ataques do imperialismo, do embargo e outras bobagens.
O que eles fazem, em primeiro lugar é ofender a nossa inteligência.
Pois bem, já escrevi também algo a respeito, mas deixo vocês aqui com uma entrevista de Ferreira Gullar, que soube evoluir, com os fatos, com as evidências, o que outros indivíduos esclerosados não souberam fazer.
As perguntas devem ter sido pautadas por essa dicotomia entre esquerda e direita, daí a insistência do poeta na questão.
Posto aqui, graças ao meu amigo blogueiro Orlando Tambosi.
Paulo Roberto de Almeida

Ferreira Gullar: "Lula comprou os pobres do Brasil"
Blog do Tambosi, 26.10.2010

Longa entrevista com o poeta Ferreira Gullar no jornal Público, de Portugal. Ainda bem que nem todos os artistas estão cegos diante da realidade. A entrevistadora certamente é do Grotão lulista e, como quase todos os jornalistas reféns de ideologias retardatárias, apoia a bolivariana Dilma, confundindo democracia com socialismo (ainda presa, a coitada, à lenga-lenga "esquerda/direita") . Cito alguns trechos:

O escritor Ferreira Gullar vota José Serra. Vê Dilma como “uma marionete” e Lula como um “ignorante”, “mentiroso”, com “fome de poder”, que é “a vergonha do Brasil”.
(...)
Todo o mundo conhece o José Serra no Brasil. Ele tem quase 50 anos de vida pública, e nunca foi acusado de ser corrupto, safado, de se apropriar de dinheiro público, de entrar em falcatruas. Será que isso não é um crédito?
(...)
A Dilma de esquerda? Mas o PT não é de esquerda. É um partido corrupto. O PT de esquerda já acabou há muito.
O comunismo chegou ao fim. Nós todos, que participámos dessa aventura, somos obrigados a reconhecer isso. Cumpriu a sua tarefa, mudou o mundo, a relação de trabalho, as conquistas dos trabalhadores, tudo foi consequência de uma luta que começou com o Manifesto Comunista, de 1848. E esgotou a sua tarefa. Então se acabou a URSS, alguém sonha que vai fazer socialismo no Brasil? Só piada. Só o Hugo Chávez.
(...)
O PSDB se caracteriza por ser um partido pacífico. Não é que sejam santos. É que não é o estilo deles. No caso do PT, não. O PT é isto. Vem dos sindicatos, que são dominados por gangues. O Lula pertencia a um deles. São gangues, que ocupam as instituições, a máquina do Estado. A Petrobras hoje está infiltrada de gente do PT e dos sindicatos.
(...)
Eu tenho uma empresa. Porque o meu tio me disse que Maria é competente, sem ela nunca ter gerenciado nada, vou entregar a ela? Não entrego. Compreende? Essa é a situação. Não estou dizendo que o Serra é perfeito. O Serra tem mais que mostrar do que ela. Eu tenho mais confiança nele porque ele tem trabalho feito, e ela nenhum! A Maria da Conceição e o Chico Buarque só votam nessa coisa porque têm nostalgia da esquerda! Têm de abrir a cabeça para um mundo novo! O comunismo já era, acabou! Sem contar que foi uma besteira. O que é que é Cuba? Eu defendi Cuba, fiz poemas sobre Cuba. É um fracasso completo! Como podem defender uma sociedade em que as pessoas não têm o direito de sair de lá? Em troca de quê? Terá por acaso riqueza lá? Não. É miséria, subdesenvolvimento económico e falta de liberdade. Eu não vou defender isso, meu Deus. Quero ter o direito, se acho que o país é uma merda, de sair daqui na hora que eu quiser. Compro uma passagem e vou para Lisboa! Agora! Não tenho de pedir licença a ninguém! E o Chico e a Maria da Conceição defendem isso! Que moral têm essas pessoas para defender alguma coisa justa? Aí fica o Serra de direita? É de direita porque não concorda com isso. Ser de esquerda é o quê? Achar que as pessoas não têm o direito de sair do seu país quando quiserem? É isso que é ser de esquerda? Isso é uma besteirada. Tem de acabar com essa conversa. Eles têm medo de serem chamados de direita. Eu não tenho. Porque eu não sou. Tenho a certeza absoluta da minha entrega a uma luta a favor das pessoas, de uma sociedade melhor. Não tenho de dar explicação a ninguém. Mas o Chico tem medo de parecer que é de direita. Problema deles.
Quando é que o Serra foi de direita? Um cara que teve de ser exilado, que lutou contra a ditadura, que sempre defendeu posições a favor de uma sociedade mais justa, medidas a favor das pessoas mais pobres, e tomou medidas efectivamente. Quando o Serra conseguiu introduzir os genéricos, a minha mãe, estava em São Luís do Maranhão, doente. E sabe o que é que o PT espalhou? Que o genérico era falso, que era só farinha e terra, não era remédio. Eu mandava dinheiro para comprar remédio para minha mãe, e falei: “Comprem genérico.” E o meu irmão falou: “Ah, não, genérico é terra. O PT já nos explicou.” Isso é o PT . (Continua).

P.S. [Orlando Tambosi]: a propósito da dicotomia "esquerda/direita" - que aqui sempre grafei entre aspas -, chamo para um velho artigo meu: a democracia é o divisor de águas. À "direita" ou à "esquerda", só restam o autoritarismo ou, pior, e o totalitarismo. A realidade nos ensinou que não há alternativa ao mercado senão as ditaduras (e não falo no fim do Estado, não). Democracia é respeito às liberdades - todas!
(Gracias, CFE, sempre atento).

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Saude: um sistema perfeito de atendimento - segundo o presidente

Um pequeno retrato do Brasil...

Empresa sem o dono
FERREIRA GULLAR
Folha de S.Paulo, 10.10.2010

Há um desinteresse da parte das autoridades de saúde e dos médicos por cumprir suas obrigações

EDMILSON É um cidadão carioca que vive com dificuldade, ganhando pouco, tendo que sustentar um filho inválido de 12 anos que não fica em pé e nem mesmo consegue sentar-se. Haja força para levá-lo ao banheiro, banhá-lo e vesti-lo.
Edmilson, de poucos músculos e fumante inveterado (deixou de fumar faz pouco), não goza de boa saúde, de modo que, frequentemente, procura médico em algum hospital público e nada consegue, claro.
Faz alguns meses, sentindo dificuldade de respirar, uma dor no peito, decidiu ir a um hospital público relativamente próximo de sua casa, que fica em Anchieta, zona oeste do Rio. Entrou na fila às oito da manhã, recebeu um número e esperou pacientemente até ser chamado.
Isso ocorreu às três da tarde, ou seja sete horas depois. Informaram-lhe de que não podia ser atendido porque o médico cardiologista estava de férias. Voltou para casa assustado, certo de que sofreria um infarto a qualquer momento.
Ao tomar conhecimento disso, perguntei-me se o serviço público de saúde está entregue a sádicos que têm prazer de torturar o paciente. Do contrário, por que deixá-lo na fila de espera durante horas e horas, sabendo que não há médico para atendê-lo? Isso, de um lado; de outro, como pode o cardiologista de um hospital público entrar de férias sem que se providencie outro médico para substituí-lo?
Pois bem, isso foi há muitos meses, mas, agora, há pouco mais de uma semana, Edmilson, sentindo dor num dos ouvidos, foi aconselhado a buscar um serviço médico de emergência porque poderia ter contraído uma infecção ou até mesmo estar com um tumor no ouvido.
A opção pelo serviço de emergência veio porque, se fosse a um hospital público normal, dificilmente seria atendido, como já se viu. E o caso era urgente.
Saiu de casa bem cedo para não ter que esperar o dia todo e, de fato, não esperou muito; aliás, não esperou nada, pois logo soube que ali, naquela emergência, não havia médico otorrino. "E a senhora pode me dizer em que emergência há médico otorrino?", perguntou à funcionária, que lhe disse desconhecer alguma emergência com esse tipo de médico. E Edmilson voltou mais uma vez para casa sem ser atendido pelo serviço médico do Estado que sustentamos com nossos impostos. E o que vai ser dele, tendo um enfisema no pulmão e um tumor no ouvido?
Edmilson é apenas um entre milhões de brasileiros que não têm atendimento médico, embora, agora mesmo, durante a campanha eleitoral, os políticos tenham dito que o Brasil tenha um dos melhores serviços de saúde pública do mundo. É muita cara de pau!
Claro que eles mesmos não acreditam nisso e não desejam tomar conhecimento do que efetivamente ocorre nessa área. Há, sem dúvida, carência de meios para atender à demanda de cem milhões de pessoas ou mais.
Não é fácil dar atendimento satisfatório a tanta gente, mas o que se observa é que, afora a carência de meios, há também um desinteresse da parte das autoridades de saúde e dos médicos mesmo por cumprir suas obrigações, o que se traduz em ausência de espírito público.
O chefe, em vez de exigir dos servidores o cumprimento de suas tarefas, dá mole, faz vista grossa para suas faltas e sua displicência.
Isso ocorre no serviço público de modo geral e também, claro, na área da saúde, em que assume maior gravidade. Fazer cumprir as normas, ao que tudo indica, é visto hoje como uma atitude autoritária e o que impera é o espírito de camaradagem, que termina por anular a autoridade dos que têm por função gerir a coisa pública.
Soube recentemente do caso de um médico que, nas noites de plantão, tranca-se num dos quartos do hospital e dorme a sono solto, morra quem morrer.
Não admite ser acordado, já que a noite foi feita para dormir. E fica por isso mesmo, já que pega mal denunciar um colega...
Isso ocorre por muitas razões e talvez a principal delas seja mesmo o fato de que o serviço público é uma empresa, cujo dono, o povo, está ausente e os que estão ali para representá-lo, os diretores e chefes de serviço, ou não têm consciência disso ou, como os demais, aproveitam a ausência do dono para usá-lo em função de seu próprio interesse. É a casa da mãe joana.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Insulto a inteligencia - Ferreira Gullar

A crônica abaixo do conhecido intelectual Ferreira Gullar ilustra em grande medida o clima da atual campanha eleitoral.
O que eu poderia acrescentar como comentário?
O ambiente atual, dentro e fora da campanha eleitoral -- e eu me coloco apenas como um observador acadêmico do processo -- apenas confirma o que vem acontecendo com a chamada "inteligência" brasileira (que alguns já chamaram de "burritsia"): ela demonstra uma adesão acrítica ao governo atual, em especial à sua política econômica (da qual o governo se apropriou, desonestamente, depois de acusar uma "herança maldita" que nunca existiu) e à sua política externa, um tanto esquizofrênica e megalomaníaca, além de estar objetivamente a serviço de causas de não são exatamente as nacionais.
Caminhamos, infelizmente, para mais um período de desmantelamento das instituições públicas, uma nova fase de mediocrização geral de nossas universidades, e eu até diria de fascistização da vida cívica de maneira geral, com elementos neobolcheviques comandando a um processo de decadência mental do Brasil.
Estou seguro de que vamos pagar um alto preço por isso, que não é só o resultado de uma causa e de um partido, mas que, em parte, também é o resultado da incapacidade dos verdadeiros social-democratas e dos (pouquíssimos) liberais brasileiros em encaminhar adequadamente (quando podiam, ou quando estavam no poder) os problemas da pobreza e da desigualdade, que são reais, no Brasil. Não o fizeram, seja por que não tiveram capacidade ou por falta de oportunidade (concentração de esforços na estabilização, preocupações de outra ordem, impacto de crises externas, etc). Agora, por um conjunto de circunstâncias que lhes foram favoráveis, em especial a liderança carismática -- falsa e mentirosa, mas liderança mesmo assim -- temos os gramscianos de estilo fascista (sim, essa contradição nos termos existe e está atuando) comandando o processo político e deformando a economia brasileira, tanto quanto a própria moral pública e a ética política. Enfim, uma deterioração geral do que se esperava para o Brasil: progressos na cultura, na política, na economia, na vida social.
Em médio prazo, ou seja, entre dez e vinte anos, a sociedade brasileira vai, espero, corrigir esses traços regressivos de carater político e econômico, mas isso vai custar mais atraso relativo, mais deformações de caráter, mais algum tempo de máfias se apropriando dos recursos públicos, mais medíocres ensinando nossos jovens nas escolas e nas universidades.
Infelizmente para os concientes -- eles são uma elite, por mais que se tenha preconceito contra essa palavra -- eu vejo assim nosso processo político nos próximos anos. Tento compreender, mais do que lamentar.
Cada um que se considera pertencer a uma comunidade de homens de boa vontade e de pessoas dignas, todo e qualquer cidadão de caráter, a todos esses cabe resistir, sempre apontando os erros, os equívocos, as falhas de caráter daqueles que pretendem nos representar e nos dirigir, como nação, sempre denunciando a mentira e a falcatrua (e elas tendem visivelmente a crescer), mas também tendo a consciência de que estamos em absoluta minoria e que levamos um combate de retaguarda, de resistência, uma luta de quilombo contra os assaltos à razão, contra a mediocrização ainda maior do que ainda existe como instituições públicas.
Nosso dever é persistir, mesmo contra toda esperança de mudanca rápida na situação.
É o que farei nas trincheiras que são as minhas: o ensino universitário, a escrita sempre presente, a participação cidadã nos debates públicos.
Paulo Roberto de Almeida (21.09.2010)

Quebra de sigilo e outras bossas são coisas nossas
FERREIRA GULLAR
Folha de S Paulo 19/09/2010

É da natureza do PT -do ruim sindicalismo- valer-se de todo e qualquer meio para atingir seus objetivos

A SOCIEDADE brasileira assiste hoje à despudorada manipulação da opinião pública, que é a campanha de Dilma Rousseff para a Presidência da República. Até alguns petistas não conseguem esconder seu constrangimento diante dos escândalos que surgem a cada dia e, sobretudo, do descaramento com que, de Lula a Dutra, os petistas pretendem, mais uma vez, passar por vítimas, quando são de fato os vilões.
O PT não se cansa de jogar sujo. É de sua natureza sindicalista -do ruim sindicalismo- valer-se de todo e qualquer meio para atingir seus objetivos. E isso vai da falsificação dos fatos e a violação de sigilos fiscais à agressão física e a eliminação do inimigo, ainda que esse inimigo seja companheiro de partido.
É o caso, por exemplo, de Celso Daniel, então prefeito de Santo André, que foi assassinado, ao que tudo indica, por não compactuar com a corrupção dentro do partido. Lula e a alta cúpula petista jamais se empenharam na apuração do crime.
O mesmo procedimento se repete agora com o escândalo da quebra de sigilo fiscal de Eduardo Jorge, vice-presidente do PSDB, de outros membros do partido e da filha de José Serra, por gente do PT. Revelada a falcatrua, a Receita Federal calou-se e a direção petista sugeriu que se tratava de um factoide, mas a imprensa foi para cima, a coisa virou escândalo. A Receita tentou desclassificar a denúncia até o ponto em que não dava mais. Foi então que o secretário geral da Receita Federal, Otacílio Carpaxo, veio a público para, constrangido, garantir que não havia na quebra de sigilo qualquer propósito político.
Era o prosseguimento da burla, conforme a dramaturgia petista: primeiro, negam o fato; confirmado, tratam de desqualificá-lo. Sucede que quem praticou a violação eram petistas, o que também foi logo negado, numa nota em que o PT afirmava que aquela gente não pertencia a seus quadros. Como, porém, é mais fácil pegar um mentiroso que um cocho, a mentira foi posta à mostra: tanto Atella quanto Amarante eram do PT, o primeiro desde 2003 e o segundo desde 2001.
É fácil perceber por que os acessos aos dados fiscais foram feitos em cidades do interior de SP e MG, por petistas de confiança e sem projeção. Sempre haverá um Cartaxo, num cargo de chefia, para salvar a face dos verdadeiros vilões, mentores da campanha de Dilma. Mas mesmo ele não consegue explicar -se não havia propósito político na violação do sigilo- por que as vítimas da violação são dirigentes do partido de Serra, sua filha e genro.
Não há por que nos surpreendermos com isso, uma vez que agir à revelia da ética e da lei é um antigo hábito do Partido dos Trabalhadores. Os fatos o comprovam. Alguém duvida de que aquela montanha de dinheiro que a polícia flagrou, em 2006, com os "aloprados", num quarto de hotel em São Paulo, era para comprar um dossiê anti-Serra? Embora os implicados fossem todos petistas próximos a Lula (um deles, o churrasqueiro do presidente), nem ele nem ninguém do PT sabia de nada, porque, como sabemos nós, são todos gente íntegra, defensores da ética na política; a ética petista, bem entendido.
Outro exemplo dessa ética foi o mensalão que, num país sério, teria levado ao impeachment de Lula.
Já aqui, pode ser até processado quem atribua a ele -que nunca sabe de nada- qualquer responsabilidade pela compra daqueles nobres deputados. Aliás, como em certas ocasiões, voto de deputado vale ouro, é até vantagem comprá-lo em reais.
Tem razão, portanto, Lula, em se indignar com mais essa acusação infundada contra seu partido. Por isso, com a fina ironia que o caracteriza, pulando e berrando num palanque, indagou: "Cadê esse tal de sigilo, que ninguém vê?".
A graça é besta, mas ele sabe muito bem para quem fala. Por isso mesmo, quando a situação complica, como agora, põe a Dilma de lado e entra em cena, para confundir ou ameaçar, conforme lhe convenha.
Meu consolo é saber que, em menos de três meses, ele deixará a presidência. Garantiu que até lá vai fazer "muita miséria". Disso, não duvido, mas, após dezembro, não terei que vê-lo todos os dias na televisão, insultando a nossa inteligência.