Apenas reproduzo, sem condições, no momento, de fazer qualquer comentário.
Gráficos e tabelas, localizar nas publicações originais.
Paulo Roberto de Almeida
Reinaldo Azevedo, 14/10/2013
O Brasil é a única democracia do mundo que não tem um partido conservador — se quiserem, “de direita” — viável. Única quer dizer exatamente isto: é uma experiência que não se repete em nenhum outro lugar. Todos os partidos se dizem de esquerda ou centro-esquerda ou, como tem virado moda, coisa nenhuma. Entrou para o anedotário político o PSD de Gilberto Kassab, que não é “nem de direita, nem de esquerda, nem de centro”. A Rede, de Marina, repete essa mesma ladainha, mas aí naquele plano etéreo em que ela flana com suas metáforas sobre sustentabilidade: “nem de situação nem de oposição, mas posição”. O que isso significa? Nada, ora essa! Mas parece ser uma coisa danada de profunda.
Há, sim, no Brasil políticos conservadores — que seriam classificados como “de direita” na Europa, nos EUA e até no Chile, aqui bem perto. Estão em todos os partidos — até no PT. Se a gente fosse botar as coisas na ponta do lápis, Antonio Palocci, como gestor público, certamente tomou mais medidas “de direita” — ou “conservadoras” — do que o tucano José Serra, que continua a ser, no entanto, alvo dos furiosos do PT. A salada partidária no Brasil é grande. E a indefinição ideológica também. Em artigo recente sobre os 25 anos da Constituição, publicado pela Folha, Serra, aquele que os petistas dizem ser “de direita”, mas que sempre esteve mais à esquerda, escreveu algo interessante ao se referir aos confrontos ideológicos na Constituinte:
“Não por acaso, os dois “lados” – esquerda e direita – , com a cumplicidade de sucessivos governos, foram e continuam sendo integrantes ativos do mais consolidado de todos os partidos brasileiros: a Fuce – Frente Única Contra o Erário e a favor das corporações de interesses especiais. Ninguém é mais falsamente de esquerda do que ela. Ninguém é mais falsamente de direita do que ela. Ninguém, a exemplo dela, é tão objetivamente contra os interesses do Brasil e dos brasileiros. Aliás, não é esse o partido mais consolidado e hegemônico do Congresso, 25 anos depois?”
Retomo
Acho a observação boa. O que se convencionou chamar de “direita” no Brasil adora um cartório e uma “Bolsa BNDES”, não é mesmo? O tema é vasto. Faço essas considerações porque a Folha desta segunda traz
reportagem sobre pesquisa feita pelo Datafolha identificando a ideologia dos brasileiros. Em seguida, cruzam-se esses dados com a possível opção de voto em 2014. Vejam isto.
Como se vê, o Brasil tem uma maioria relativa de pessoas que se identificam com a centro-direita ou com a direta. Os claramente de direita são quase o triplo dos claramente de esquerda. Não é mesmo impressionante que não exista um partido que vocalize seus valores? Por que não? Ainda se escreverá muito a respeito aqui. Vejam agora como votam essas correntes de opinião.
Como se nota, a variação é pequena. Como se explica? Cuidaremos disso ao longo dos dias.
Critérios
Quais são os critérios para identificar a ideologia? A reportagem do jornal explica:
Para identificar e fazer os agrupamentos ideológicos dos eleitores, o Datafolha faz um conjunto de perguntas envolvendo valores sociais, políticos e culturais, como a influência da religião na formação do caráter das pessoas e o entendimento sobre as causas da criminalidade. As questões com opiniões mais divididas foram a que tratava da hipótese de pena de morte e a que avaliava a importância dos sindicatos. Metade dos entrevistados (50%) respondeu que não cabe à Justiça matar alguém, mesmo que a pessoa tenha cometido um crime grave, posição mais associada a valores de esquerda.Outros 46% disseram que a pena de morte é a melhor punição para crimes graves, ideia mais ligada à direita. Sobre os sindicatos, 48% responderam que eles servem mais para fazer política do que para defender os trabalhadores (direita). Já para 47%, eles são importantes para defender os interesses dos trabalhadores (esquerda).
Comento
O critério é válido, sim, mas não é perfeito. A esmagadora maioria dos conservadores católicos que conheço se opõe, por exemplo, à pena de morte, que é, como se sabe, aplicada com dedicação e método em países oficialmente comunistas. Nessas horas, há sempre o risco de se identificar o humanismo como um fundamento da esquerda, o que é uma afronta aos fatos.
Em todo caso, creio que a distribuição ideológica no Brasil obedece mais ou menos a esse padrão. É o que se vê e se ouve nas ruas. Vale dizer: há muitos anos, parte considerável do eleitorado brasileiro é órfão de representação. O eleitorado de direita e centro-direita vota na esquerda e na centro-esquerda porque, afinal de contas, não tem em quem votar. De resto, é preciso ser um rematado idiota para considerar que o PSDB é um partido “de direita”. Pode até ser que, sem opção, muitos eleitores de direita acabem escolhendo o mal menor, já que não encontram na política aquela que seria a sua representação natural.
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Reinaldo Azevedo, 14/10/2013
Vamos falar mais um pouquinho sobre direita e esquerda. Nesta manhã, escrevi um post sobre a pesquisa Datafolha. A versão online do jornal publicou as perguntas que permitiram fazer a classificação que vai da esquerda à direita. Vejam. Volto em seguida (se preciso, clique na imagem para ampliá-la e facilitar a leitura).
Retomo
Há, já observei, o risco — nesse questionário e em qualquer outro que busque quantificar a população segundo a ideologia — o risco de se confundirem as pessoas generosas com a esquerda, e as mais, digamos assim, severas com a direita. Huuummm… Há uma possibilidade, nesta vereda que abro, de haver um pouco mais de “conservadores” — de direitistas — no Brasil do que aponta a pesquisa. Por quê?
Peguemos as afirmações sobre a posse de armas:
Este seria o primado da esquerda:
Devem ser proibida, pois ameaça a vida de outras pessoas.
Este seria o primado da direita?:
Arma legalizada deve ser um direito do cidadão para se defender
Notem: a arma, qualquer que seja o contexto e o pretexto, efetivamente ameaça a vida de outras pessoas. Esta condição é imanente ao objeto. A rigor, ela existe para isso mesmo. Tendo a achar que essa obviedade deita sua sombra sobre a questão, e a pessoa que responde a questão acaba expressando mais o seu bom sentimento e o seu cuidado do que a suja opinião. Vamos a um exercício? E se a definição da direita fosse esta?
“Arma legalizada deve ser um direito do cidadão; o que é preciso é proibir a arma ilegal”.
Penso que o resultado seria outro. Aliás, o resultado já foi outro. E quem tomou a decisão foi o eleitorado brasileiro. Em 2005, realizou-se o referendo das armas, lembram-se? O que se perguntava? Literalmente:
“O comércio de armas de fogo e munição deve ser proibido no Brasil?”.
A campanha começou, e o “Sim” era acachapante. Nunca antes tantas celebridades e tantos decolados se reuniram e favor de uma causa. Bastou ao “não” lembrar que a proibição, por óbvio, acabaria retirando a arma das mãos dos não-bandidos, já que o bandido, por definição, não se preocupa com a legalidade da arma. Diante dessa evidência e dada a incompetência do Estado para impedir a POSSE ILEGAL DE ARMAS, o “não” virou o placar espetacularmente. Saldo final: 59.109.265 rejeitaram a proposta (63,94%), contra 33.333.045 (36,06%) que a aprovaram.
A questão da proibição de armas, portanto, quando aplicada à realidade, quando vista nas suas consequências práticas, empurrou a maioria — quase dois terços — para o que seria uma posição “de direita”. Se é de direita ou não, é preciso ver. Uma coisa é certa: era apenas matéria de bom senso. Ou desarmar os não-bandidos altera a condição dos bandidos?
Tome-se um outro tema espinhoso, como o da migração. A resposta obviamente simpática, “humanista”, é a de que ela contribui para o desenvolvimento e a cultura. Perguntem, no entanto, aos moradores de Brasiléia, no Acre, que sofre uma verdadeira invasão de haitianos em situação ilegal, para ver qual é a opinião. Aposto que a esmagadora maioria dirá que “pobres que migram acabam criando problemas para as cidades”. Isso nada tem a ver com xenofobia, racismo ou discriminação de qualquer natureza. Trata-se apenas de um fato.
O mundo como fato e o mundo como ideia
Chama-se, muitas vezes, de “pensamento de direita” ou “pensamento conservador” o que é nada além de bom senso. Nesse sentido, ideologia, esta sim, é a engenharia social a que se dedicam as esquerdas, ao tentar impor um ponto de vista ancorado em convicções e crenças que insistem em desafiar a realidade. Uma questão, para mim, é emblemática: a criminalidade
Viés de esquerda:
“A maior causa é a falta de oportunidades iguais para todos (36%)”
Viés de direita
“A maior causa é a maldade das pessoas (61%)”
Não gosto da palavra “maldade”. Ela me parece reducionista em excesso. E se as respectivas formulações fossem estas?
Viés de esquerda
“A pessoa não pratica crime porque quer, mas porque não teve melhores oportunidades”
Viés de direita
“Praticar crime é uma escolha; mesmo com uma vida difícil, o certo é se esforçar para vencer na vida”.
Corto a mão — a direita, que é a melhor — se a alternativa “de direita” não chegar a uns 90%. Notem, no entanto, que a opinião “de direita”, mesmo na formulação dada, é amplamente majoritária. A razão é simples, gente! O salário médio pago no Brasil é inferior a R$ 1.800. O pago a universitários (só 17% da mão-de-obra) é de R$ 4.135,06. O dos não-universitários (82,9%) é de R$ 1.294,70. Este pode ser um país rico, mas composto de uma esmagadora maioria de pobres. Onde mora o sujeito que recebe menos de R$ 1.300 por mês? Os esquerdistas do complexo PUCUSP podem não saber — a maioria só conhece pobre de ouvir falar —, mas esse trabalhador sabe que a delinquência é uma escolha, EM QUALQUER CLASSE SOCIAL, não uma necessidade. E sabe porque ELE PRÓPRIO DECIDIU SER DECENTE, APESAR DAS DIFICULDADES.
Estou sustentando que a afirmação de que a pobreza induz a criminalidade é, ela sim, ideologia — uma construção artificial que busca, num primeiro momento, explicar a realidade, tentando, em seguida, substituí-la. Já a afirmação de que é criminoso quem quer, quem decide ser (não se trata de “maldade”), não é um artifício para explicar o mundo: é um dado da experiência.
“O Reinaldo está afirmando que ser direitista não é ideologia, que isso é uma tendência normal das pessoas, e que que ideologia mesmo é só a esquerda?” Não! Se o Reinaldo quisesse afirmar isso, ele afirmaria isso — ainda que o mundo gritasse o contrário. Estou afirmando, sim, que há uma tendência para demonizar como “coisa de direita” — o que é tomado como sinônimo de anti-humanismo — certas evidências dadas pela experiência.
Encerro com a questão sobre drogas. As esquerdas — no Brasil ao menos — tendem a afirmar que as drogas devem ser liberadas porque, como se lê no questionário, é o usuário que arca com as consequências (George Soros também acha isso…). Ora, basta circular no centro das grandes cidades para saber que a conta é paga por toda a sociedade — e é uma conta crescente, à medida que cresce o discurso da medicalização do problema, com essa mesma sociedade sendo chamada a arcar com os custos das “opções” feitas pelos “usuários” que se tornaram “doentes”.
Se a ideologia ainda é uma espécie de jogo de ocultamento, em que um pensamento, orientado por algum ente de razão — partido, por exemplo —, tenta se sobrepor à evidência dos fatos, então as opiniões da esquerda, com raras exceções, é que merecem essa denominação. Aquelas que são atribuídas “à direita”, na maioria das vezes, são apenas matéria de bom senso. Não fosse assim — e por exemplo, a criminalidade fosse uma consequência das carências sociais —, o Brasil não teria 50 mil homicídios por ano, mas 200 mil. Nos últimos anos, a Região Nordeste cresceu a taxas superiores às do resto do Brasil. Relativamente, ficou menos pobre. E a violência cresceu estupidamente. A afirmação de que a carência induz a violência é ideologia. A constatação de que isso é falso está no mundo dos fatos.