Renúncia de Dilma, melhor que impeachment
Correio do Brasil, 2/3/2015 15:00
Por Celso Lungaretti, de São Paulo
Colunista comenta a hipótese de uma renúncia da presidenta Dilma seguida de novas eleições
A situação política brasileira assumiu feições de crise
grave, no fim-de-semana, com a denúncia do advogado Modesto Carvalhosa,
de que a presidenta Dilma e seu governo tentam proteger as empreiteiras
envolvidas na corrupção e delitos revelados pela Operação Lava Jato.
Quase ao mesmo tempo, o ex-secretário de imprensa durante a presidência
de Lula, o jornalista Ricardo Kotscho no seu blog, num texto virulento
pergunta se o governo Dilma está no fundo do poço ou se esse poço é sem
fundo, depois de já ter escrito estar o governo Dilma caminhando para a
autodestruição.
Diante desse clima que se deteriora, agravado pela
tendência da bancada petista de rejeitar os ajustes fiscais propostos
pela presidenta, o sociólogo Demétrio Magnoli se pronuncia contra o
impeachment, prejudicial para a imagem do Brasil, e defende uma renúncia
da presidenta e do vice-presidente para serem realizadas novas
eleições. Seria a oportunidade do retorno de Lula, mesmo porque na atual
situação ninguém pode imaginar como se chegará até 2018.
Seguem as apreciações do colunista Celso Lungaretti, do Direto da Redação, o Editor.
Dilma seria levada a renunciar como Jânio?
Muito perdem os internautas ditos de esquerda ao
desqualificarem, com intolerância extrema, personagens como o jornalista
e sociólogo Demétrio Magnoli, que está longe de ser “um dos novos
trombones da direita” (como o qualificou a revista
IstoÉ), embora defenda posições questionáveis sobre o movimento estudantil e sobre as cotas raciais, por exemplo.
Exigir que todos se verguem a um pensamento único é coisa dos tempos
de Stalin e de Hitler. Magnoli também dá estocadas contra a direita, e
algumas delas são certeiras. Por que, simplesmente, não refletirmos
sobre cada uma de suas posições, aceitando algumas e divergindo das
outras?
Seu artigo
A hora e a história é um interessante
meio-termo entre a pregação direitista do impeachment de Dilma Rousseff e
a defesa incondicional de um governo que, salta aos olhos, perdeu o
controle da situação e está condenado (condenando-nos) a uma lenta
agonia, ou coisa pior.
Ele rechaça o impedimento (“para não transformar o Brasil
num imenso Paraguai”, retrocedendo “do estatuto de moderna democracia
de massas ao de uma democracia oligárquica latino-americana”, e também
porque “na nossa democracia, a hipótese de impeachment só se aplica
quando há culpa e dolo”), mas, assim como eu, percebe os perigos que
corremos, sendo golpe de estado o maior deles, caso continuemos
submetidos ao “dilmismo, essa mistura exótica de arrogância ideológica,
incompetência e inoperância”, que “o país não suportará mais quatro
anos”.
Como alternativa, Magnoli propõe que, ao invés de pregarem o
impeachment, os descontentes lancem a Dilma o repto “Governe para todos —
ou renuncie”:
“No atual estágio de deterioração de seu governo, a
saída realista para Dilma é extrair as consequências do fracasso,
desligando-se do lulopetismo e convidando a parcela responsável do
Congresso a compor um governo transitório de união nacional. O Brasil
precisa enfrentar a crise econômica, definir a moldura de regras para um
novo ciclo de investimentos, restaurar a credibilidade da Petrobras,
resgatar a administração pública das quadrilhas político-empresariais
que a sequestraram. É um programa e tanto, mas também a plataforma de um
consenso possível…
“…Se a presidente, cega e surda, prefere persistir
no erro, resta apontar-lhe, e a seu vice, a alternativa da renúncia, o
que abriria as portas à antecipação das eleições
“.
DILMA-2 ESTÁ SENDO “CENÁRIO DE TERRA ARRASADA”,
AVALIA RICARDO KOTSCHO
Um
dos maiores jornalistas brasileiros das últimas décadas, quatro vezes
vencedor do Prêmio Esso, Ricardo Kotscho sempre foi identificadíssimo
com o PT e com Lula, a quem serviu como secretário de Imprensa e
Divulgação da Presidência da República.
O jornalista Ricardo Kotscho é amigo de Lula e conhece os bastidores da política
Então,
só um quadro político de extrema gravidade o levaria a escrever um
artigo tão contundente como o que postou no seu blogue neste sábado, 28,
vindo ao encontro dos meus alertas no mesmo sentido: desde a
redemocratização, o Brasil nunca esteve tão ameaçado de uma volta ao
totalitarismo. Leiam e reflitam.
PARA ONDE VAMOS, DILMA:
FUNDO DO POÇO OU POÇO SEM FUNDO?
Um
clima de fim de feira varre o país de ponta a ponta apenas dois meses
após a posse da presidente Dilma Rousseff para o seu segundo mandato.
Feirantes e fregueses estão igualmente insatisfeitos e cabisbaixos,
alternando sentimentos de revolta e desesperança.
Esta é a realidade. Não adianta desligar a televisão e deixar de ler
jornais nem ficar blasfemando pelas redes sociais. Estamos todos no
mesmo barco e temos que continuar remando para pagar nossas contas e
botar comida na mesa.
Nunca antes na história da humanidade um governo se desmanchou tão
rápido antes mesmo de ter começado. Para onde vamos, Dilma? Cada vez
mais gente acha que já chegamos ao fundo do poço, mas tenho minhas
dúvidas se este poço tem fundo.
“O que já está ruim sempre pode piorar”, escrevi aqui mesmo no dia 5
de fevereiro, uma quinta-feira, às 10 horas da manhã, na abertura do
texto “Governo Dilma-2 caminha para a autodestruição”.
“Pelo
ranger da carruagem desgovernada, a oposição nem precisa perder muito
tempo com CPIs e pareceres para detonar o impeachment da presidente da
República, que continua recolhida e calada em seus palácios, sem mostrar
qualquer reação. O governo Dilma-2 está se acabando sozinho num
inimaginável processo de autodestruição”.
Pelas bobagens que tem falado nas suas raras aparições públicas,
completamente sem noção do que se passa no país, melhor faria a
presidente se continuasse em silêncio, já que não tem mais nada para
dizer.
Três semanas somente se passaram e os fatos, infelizmente,
confirmaram minhas piores previsões. Profetas de boteco ou sabichões
acadêmicos, qualquer um poderia prever que a tendência era tudo só
piorar ainda mais.
Basta ver algumas manchetes deste último dia de fevereiro para
constatar o descalabro econômico em que nos metemos. Cada uma delas já
seria preocupante, mas o conjunto da obra chega a ser assustador:
“Dilma sobe tributo em 150% e empresas preveem demissões”.
“País elimina 82 mil empregos em janeiro, pior resultado desde 2009″.
“Conta da Eletropaulo sobe 40% em março”.
“Bloqueio de caminheiros deixa animais sem ração — Na região sul,
aves são sacrificadas em granjas, porcos ficam sem alimento e preço do
leite deve subir”.
“Indicadores do ano apontam todos para a recessão”.
“Estudo da indústria calcula impacto de racionamento no PIB — Queda
de 10% no abastecimento de gás, energia e água levaria à perda de R$
28,8 bi”.
As imagens mostram estradas que continuam bloqueadas por
caminheiros, depois de mais de uma semana de protestos, agentes da Força
Nacional armados até os dentes avançando sobre os manifestantes,
produtores despejando nas ruas toneladas de latões de leite que ficaram
sem transporte. O que ainda falta?
Enquanto isso, parece que as principais lideranças políticas do
país ainda não se deram conta da gravidade do momento que vivemos, com a
ameaça de uma ruptura institucional.
De um lado, o ex-presidente Lula, convoca o “exército do Stédile” e
é atacado pelo Clube Militar por “incitar o confronto”; de outro, os
principais caciques tucanos, FHC à frente, fazem gracinhas e se divertem
no Facebook. Estão todos brincando com fogo sentados sobre um barril de
pólvora. É difícil saber o que é pior: o governo ou a oposição. Não
temos para onde correr.
A esta altura, só os mais celerados oposicionistas defendem o
impeachment de Dilma e pregam abertamente o golpe paraguaio, ainda
defendido por alguns dos seus aliados na mídia, que teria um final
imprevisível.
O governo Dilma-2 está cavando a sua própria cova desde que resolveu
esnobar o PMDB, e não adianta Lula ficar pensando em 2018 porque, do
jeito que vamos, o país não aguenta até 2018.
Nem Dilma, em seus piores pesadelos, poderia imaginar este cenário
de terra arrasada — ou não teria se candidatado à reeleição, da qual já
deve estar profundamente arrependida.
DILMA PROTETORA DAS EMPREITEIRAS?
O advogado
Modesto Carvalhosa, 82 anos, esteve sempre ao lado das boas causas, a
ponto de haver sido preso três vezes pela ditadura no período 1969/71,
como “membro auxiliar” da ALN e VPR.
O advogado Modesto Carvalhosa, 82 anos, militou contra a ditadura militar e foi preso como membro da resistência
Também se destacava por suas posturas e atitudes constestatórias, na
linha da contracultura; liderou a primeira greve de professores e
funcionários do ensino superior contra o regime militar, em 1977; teve
participação destacada nas lutas pela anistia e pela preservação da
natureza; e foi o organizador e coordenador d’
O livro negro da corrupção (Paz e Terra, 1995 – leia o e-book
aqui).
Então, é chocante a acusação frontal que, como especialista em
Direito Econômico e mercado de capitais, faz à presidenta Dilma
Rousseff, de estar querendo “proteger as empreiteiras” corruptoras cujos
delitos vêm sendo devassados pela Operação Lava-Jato.
Quando leio coisas deste tipo, lembro-me da campanha simplista que
outrora era feita contra brinquedos inspirados em filmes de
bangue-bangue: “Hoje mocinho, amanhã bandido”. Pior ainda, na minha
opinião, seria “hoje guerrilheira, amanhã amiguinha das empreiteiras”.
Celso Lungaretti, jornalista e escritor, foi resistente à
ditadura militar ainda secundarista e participou da Vanguarda Popular
Revolucionária. Preso e processado, escreveu o livro Náufrago da Utopia.
Tem um ativo blog com esse mesmo título.
Direto da Redação é um fórum de debates editado pelo jornalista Rui Martins.