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quarta-feira, 27 de abril de 2016

A destruicao dos mitos desenvolvimentistas pela economia aloprada dos petistas - Leandro Roque (Mises)

O legado humanitário de Dilma - seu governo foi um destruidor de mitos que atormentam a humanidade
por , quarta-feira, 27 de abril de 2016



Presd.-Dilma-Foto-Roberto-Stuckler.jpgO governo Dilma Rousseff está morto.  Porém, como ele ainda não foi enterrado, é de bom tom fazer um merecido panegírico ao cadáver insepulto. Sim, há elogios a serem feitos. 
Se, de um lado, o governo Dilma foi assombrosamente eficiente em destruir a economia brasileira, de outro, ele também apresentou uma surpreendente eficácia em destruir praticamente todos os mitos rotineiramente propagandeados por economistas keynesianos e desenvolvimentistas como verdades incontestáveis.
Tão logo seja sepultado o governo Dilma, keynesianos e desenvolvimentistas terão de caprichar na retórica e no poder de persuasão para conseguir ludibriar pessoas que agora já estão vacinadas contra seus engodos.
Eis os cinco grandes mitos keynesianos e desenvolvimentistas que foram aniquilados pelo governo Dilma.

Primeiro mito: um pouquinho mais de leniência com a inflação gera mais crescimento econômico
Esse passou a ser o mantra desde que Guido Mantega substituiu Antônio Palocci no Ministério da Fazenda em março de 2006.
Segundo os petistas da ala mais radical, Palocci e sua equipe econômica tinham uma "preocupação neurótica" com a inflação — o que exigia um orçamento mais equilibrado e taxas de juros mais altas —, e isso atrapalhava o crescimento econômico. 
Consequentemente, se uma inflação um pouco mais alta — leia-se: acima da meta de 4,50% ao ano — fosse tolerada, o crescimento econômico seria robusto.
Esse lema foi levado ao paroxismo durante o governo Dilma.  A inflação de preços não apenas jamais fechou qualquer ano dentro da meta de 4,50%, como também, e para piorar, se manteve frequentemente acima de 6,50%, que é o teto da meta.
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Gráfico 1: IPCA acumulado em 12 meses durante o governo Dilma (a partir de 2011).  Na maior parte do tempo, acima de 6,50%, que é o teto da meta
Observe no gráfico que, a partir do início de 2013, 6% torna-se o piso não-oficial da carestia.
Como consequência dessa leniência para com a inflação, os investimentos produtivos (Formação Bruta de Capital Fixo) entram em contração justamente a partir do segundo trimestre 2013 — ano em que, vale lembrar, a taxa SELIC teve o menor valor da sua história — e desabam a partir de 2014:
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Gráfico 2: evolução da formação bruta de capital fixo. Os investimentos estão em contração desde o segundo trimestre de 2013
É fácil entender por que a inflação — ao contrário do que pregam os desenvolvimentistas — inibe os investimentos produtivos.
Quando um empreendedor faz um investimento voltado para o longo prazo, o mínimo que ele tem de saber é como será o poder de compra da moeda no futuro. Sem isso, se ele não tem ideia de quanto valerá a moeda lá no futuro, ele não consegue estimar quais serão são custos e suas receitas.  Consequentemente, não conseguirá nem sequer estimar se terá lucro ou prejuízo. 
Planejar para o longo prazo tendo em mente uma inflação futura de 3% ao ano é totalmente diferente de planejar tendo em mente uma inflação futura de 10% ao ano.  Os tipos de investimentos que são lucrativos em cada um desses cenários são totalmente distintos.
Se você prevê uma inflação continuamente alta no futuro, então você irá se concentrar em projetos de curto prazo; projetos que visam ao futuro mais imediato.  Você não irá fabricar máquinas e equipamentos; não irá ampliar suas instalações industriais.  Você irá se dedicar a fabricar pirulitos e chicletes, que dão retorno mais imediato.  Com inflação em alta, fazer investimento de longo prazo torna-se extremamente arriscado. 
No mais, nesse cenário, a maior preocupação de investidores e empreendedores passa a ser a de se proteger da perda do poder de compra da moda.  Torna-se mais sensato dedicar mais tempo especulando no mercado financeiro e comprando títulos do governo indexados pela inflação.  Consequentemente, os investimentos caem.
E aí o crescimento econômico vai junto.
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Gráfico 3: evolução do PIB (trimestre sobre o mesmo trimestre do ano anterior).  Estamos em contração crescente desde o segundo trimestre de 2014.
O governo Dilma, portanto, de maneira cirúrgica, exterminou empiricamente o mito de que mais inflação gera mais crescimento econômico.

Segundo mito: mais gastos governamentais geram mais crescimento econômico
Este mito é um complemento ao primeiro.  Enquanto Guido Mantega acreditava na inflação como impulsionadora do crescimento, Dilma era ela própria a apóstola dos gastos estatais como condutores da economia.
Segundo ela, "despesa corrente é vida" e qualquer tentativa de limitar o crescimento dos gastos do governo é uma ideia "rudimentar".
E assim ela o fez.
Quando Dilma assumiu o governo, os gastos mensais do governo federal eram de aproximadamente R$ 60 bilhões.  Em novembro do ano passado, já estavam em R$ 100 bilhões, um aumento de módicos 66%.
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Gráfico 4: evolução das despesas mensais do governo, excluindo juros (aquela disparada em dezembro de 2015 foi a quitação da dívida das pedaladas fiscais; e a de setembro de 2010 foram as despesas com o Censo).
Para quem acredita na tese de que uma elevação nos gastos do governo aciona o multiplicador keynesiano, que então aditiva o crescimento econômico, um aumento de 66% deveria ter feito a economia bombar.  Mas ela, ao contrário, brochou.
E a explicação também é simples. 
Em primeiro lugar, se o governo está gastando cada vez mais, isso significa que sua burocracia, suas regulamentações e seu quadro de funcionários estão inchando.  O peso da burocracia estatal está aumentando.  E isso, por definição, leva a uma redução da participação do setor privado na economia. 
Mais burocratas, mais burocracia e mais regulamentações não são exatamente estimulantes ao crescimento econômico. Com mais burocracia e com mais regulamentações onerosas, há menos facilidade para o empreendedorismo e, consequentemente, menos geração de riqueza.
Isso, por si só, é totalmente contrário à ideia de estimular o crescimento econômico.
Em segundo lugar, governo que gasta cada vez mais, acaba gastando mais do que recolhe em tributos.  Isso implica déficits orçamentários crescentes e endividamento acelerado. 
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Gráfico 5: evolução do déficit orçamentário nominal do governo federal em porcentagem do PIB. Dilma elevou o déficit de 2,4% do PIB para 10,4%.

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Gráfico 6: evolução da dívida brutal do governo federal.  Quando Dilma assumiu a dívida bruta era de R$ 2 trilhões.  Hoje está em R$ 4 trilhões. (Aumento de 100%)

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Gráfico 7: evolução da dívida bruta do governo em relação ao PIB. Dilma a elevou de 51,77% para 66,23% do PIB
Esse total descontrole da dívida levou a uma fuga dos investidores estrangeiros (receosos de o governo dar o calote), à perda dos três graus de investimentos concedidos pelas agências de classificação de risco, e a uma forte desvalorização cambial, o que ajudou a acelerar a aceleração da inflação de preços.
Compare os gráficos 4, 5, 6 e 7 com o gráfico 3. 
E aí, o aumento dos gastos do governo ajudou no crescimento econômico?
Outro mito que Dilma destroçou.

Terceiro mito: déficits orçamentários ajudam a sair de recessões
Esse é um corolário do segundo mito.  Há keynesianos e desenvolvimentistas que até aceitam orçamento equilibrado e gastos mais restritos durante períodos de crescimento econômico; porém, quando há recessão, aí não tem conversa: gastos e déficits devem ser elevados para aditivar a demanda agregada e com isso tirar a economia da recessão.
Tudo o que foi dito acima sobre os gastos do governo se aplica ipsis litteris também a este mito.  Mas alguns adendos sobre os déficits são necessários.
Em primeiro lugar, vale enfatizar que os déficits orçamentários do governo são financiados pela emissão de títulos do Tesouro, os quais são majoritariamente comprados pelos bancos por meio da criação de dinheiro. Déficits são, portanto, uma medida inerentemente inflacionária.  E inflação de preços, como já comprovado, não estimula economia.
Adicionalmente, quando o governo pega dinheiro emprestado para financiar seus déficits, sobra menos crédito disponível para financiar empreendimentos produtivos.  As pessoas e empresas preferem comprar títulos no Tesouro Direto a comprar debêntures de empresas.  Com menos crédito disponível, há menos investimentos produtivos.  E menos investimentos produtivos não ajudam na recuperação da economia.
Por fim, um aumento dos déficits e do endividamento significa que o governo muito provavelmente aumentará impostos no futuro. Contas desarranjadas não duram por muito tempo.  Se o orçamento do governo está uma bagunça, o empreendedor sabe que o ajuste futuro muito provavelmente será via aumento de impostos. Sempre chega o momento do rearranjo.  E quando essa necessidade de ajuste fiscal se impõe, as medidas adotadas — alta de impostos e abolição de isenções — geram custos adicionais às empresas e mudam totalmente o cenário no qual elas basearam seus planos de investimentos.
Empresas planejam a longo prazo. Investimentos produtivos são investimentos de longo prazo.  Aumentos de impostos geram custos adicionais no longo prazo e alteram totalmente o cenário no qual as empresas inicialmente basearam seus planos de investimentos.  Como investir quando não se sabe nem como serão os impostos no futuro? 
Elementos como previsibilidade, facilidade de empreender e custo tributário são cruciais.  Mudanças abruptas que afetam a previsibilidade, que elevam a complexidade, que geram mais incertezas, e que aumentam o custo da tributação alteram todo o planejamento das empresas e inibem seus investimentos.
Déficits, portanto, geram inflação, reduzem o crédito disponível para investimentos produtivos, e geram incertezas e imprevisibilidades quanto ao ambiente empreendedorial futuro. Carestia, crédito sugado pelo governo, e possibilidade de aumentos de impostos são custos que alteram todo o planejamento das empresas.
Nesse cenário, é quase impossível empreender, investir e gerar empregos de qualidade. 
Como isso pode ser bom para uma recuperação econômica?
O gráfico abaixo mostra a evolução (ou regressão) da confiança dos empresários do setor industrial, que é justamente o que planeja a mais longo prazo.
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Gráfico 8: evolução do índice de confiança do empresário do setor industrial
Se não está fácil para o grande industrial, imagine então para o pequeno empresário.  Eis a evolução do seu índice de confiança.
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  Gráfico 9: evolução do índice de confiança do pequeno empresário
Com todas essas façanhas, como podem dizer que déficits ajudam a sair de recessão?
Mais um mito que Dilma chacinou.

Quarto mito: mais inflação ajuda a combater o desemprego
Este talvez seja o mito favorito. 
Durante as eleições, Dilma afirmou que "não combateria a inflação à custa do emprego", pois levar a inflação para a meta de 4,50% aumentaria o desemprego.  Na mente dela, mais inflação diminui o desemprego, e menos inflação aumenta o desemprego.
Dilma não queria nem mais inflação e nem mais desemprego.  Produziu ambos.
Os gráficos falam por si.
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Gráfico 10: IPCA acumulado em 12 meses a partir de 2012

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Gráfico 11: evolução da taxa de desemprego mensurada pela PNAD. (Os dados disponíveis começam apenas em 2012)
Após todas as explicações anteriores, creio não haver qualquer motivo remanescente para crer que a inflação, que inibe investimentos produtivos e afeta o crescimento, possa gerar empregos.
Acreditar que inflação estimula o emprego é o equivalente a dizer: "Puxa, ano que vem meu custo de vida estará 10% maior.  Exatamente por isso vou contratar uma faxineira, uma cozinheira, um motorista e um professor particular para meus filhos".
Tem lógica?
Dilma, nossa heroína, colocou esse mito para hibernar.

Quinto mito: desvalorização cambial estimula as indústrias e impulsiona exportações
De todos, este é o mais espetacularmente refutado pela prática.  As evidências empíricas são tão explicitamente contrárias a ele, que é realmente espantoso ainda ver economistas que acreditam nesta falácia.
Segundo os desenvolvimentistas, uma desvalorização cambial gera dois efeitos benéficos para a economia: ela encarece os preços dos bens estrangeiros, o que reduz suas importações e diminui a concorrência sobre a indústria nacional; e faz com que os bens nacionais fiquem mais baratos para os estrangeiros, o que aumentaria as exportações.
Como efeito colateral, as importações mais caras fariam com que a população nacional passasse a consumir mais produtos produzidos nacionalmente, o que aumentaria duplamente as vendas das indústrias nacionais.
A teoria acaba aí.  Agora vem a prática para desmoralizá-la.
Em primeiro lugar, os efeitos de uma desvalorização não podem ser completamente isolados do resto da economia.  Uma moeda desvalorizada significa, por definição, uma moeda que perdeu poder de compra.  E uma moeda com menos poder de compra significa preços mais altos e renda menor para a população.  E renda menor significa que a demanda por bens de consumo diminui.  E isso, também por definição, irá afetar todo o setor industrial e atacadista.  Afeta toda a cadeia produtiva, que entra em contração e gera o efeito contrário ao imaginado pelos desenvolvimentistas.
Portanto, uma moeda desvalorizada não pode, ao contrário do que afirmam os desenvolvimentistas, estimular o consumo interno e impulsionar as indústrias nacionais.
Mas há outra encrenca.
No mundo globalizado em que vivemos, vários exportadores são também grandes importadores.  Para fabricar, com qualidade, seus bens exportáveis, eles têm de importar máquinas e matérias-primas de várias partes do mundo.  E elas também têm de comprar, continuamente, peças de reposição.
Se a desvalorização da moeda fizer com que os custos de produção aumentem — e irão aumentar —, então o exportador não mais terá nenhuma vantagem competitiva no mercado internacional.
Portanto, uma desvalorização afeta a demanda interna pelos bens industriais e afeta também os custos de produção da indústria.  Difícil imaginar uma combinação pior.
Como exemplo, a própria indústria automobilística veio a público admitir que a desvalorização cambial — ao contrário do que pregam os economistas desenvolvimentistas — não apenas está encarecendo a produção, como também está gerando incertezas para o setor.
A seguir, a evolução do câmbio, das exportações e da produção industrial durante os últimos 13 anos:
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Gráfico 12: evolução do preço do dólar em reais desde janeiro de 2003
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Gráfico 13: evolução das exportações
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Gráfico 14: evolução da produção da Indústria de Transformação (linha vermelha), da Indústria de Bens de Capital (linha azul), e da Indústria de Bens de Consumo Duráveis (linha verde)
Como mostra a empiria — que apenas comprova a teoria —, a desindustrialização no Brasil chegou ao auge justamente no período em que a moeda mais se desvalorizou.  A desindustrialização está ocorrendo é justamente agora, quando temos uma moeda fraca, inflação alta e, para completar, as maiores tarifas protecionistas da história do real.
Exatamente ao contrário do que defendem os economistas desenvolvimentistas, é justamente quando o câmbio está se apreciando (como ocorreu de 2003 a 2008, e de 2010 a 2011) que as exportações aumentam e a indústria se expande.  E é justamente quando o câmbio se desvaloriza (2009, e 2012 em diante), que as exportações caem e a indústria encolhe.
Neste mito em específico, a dupla Dilma e Lula nos forneceu uma aula completa.

Conclusão
Aumento de gastos, aumento da inflação, aumento dos déficits e desvalorização do câmbio.  Tudo isso feito simultaneamente.  E gerando contração dos investimentos, disparada do desemprego, desindustrialização, queda das exportações, recessão e encolhimento de todos os setores da economia.  Exatamente o contrário do que os desenvolvimentistas falaram que iria ocorrer.
Mas não deixe seu fígado afetar seu discernimento.  Embora seja, disparada, a pior presidente da história do real, não podemos negar a Dilma o estupendo mérito de ter destruído cinco mitos que tantos infortúnios trouxeram à humanidade.  Se cuidarmos bem de seu legado, novas desgraças econômicas poderão ser evitadas.
Por esse serviço homérico, e por esse inestimável legado à humanidade, Dilma merece louvores.
Obrigado, querida.
Leandro Roque é o editor e tradutor do site do Instituto Ludwig von Mises Brasil.

sábado, 3 de outubro de 2015

O cerebro desenvolvimentista (mas tem mesmo cerebro?) - Monica de Bolle

O cérebro ‘desenvolvimentista’
Às vezes, a demanda cresce acima da oferta, mas o governo não deixa o mercado se ajustar, represando os preços
por Monica de Bolle
O Globo, 01/10/2015

Não há meio-termo, tampouco conciliação. No Brasil pós-Lula, quase pós-PT, ou se é uma coisa ou outra. Desenvolvimentista ou neoliberal? O sujeito liberal não pode gostar de “desenvolvimento”, é o “rico”, o representante da “elite”, o “rentista”. Já o “desenvolvimentista” é aquele que sabe do que não gosta, mas não entende aquilo que defende de modo implícito e apaixonado. O cérebro do desenvolvimentista é peculiar, inflacionista.
Exemplos neurolinguísticos reveladores das características do cérebro desenvolvimentista abundam na imprensa brasileira. O córtex, área responsável pelo pensamento e pela ação, é comandado por reflexões que remetem obsessivamente às profundezas insondáveis da nova matriz econômica. A nova matriz, aquela que nos trouxe à situação calamitosa que atualmente atravessamos. À travessia, nas palavras da própria presidente da República.
O corpo caloso do cérebro desenvolvimentista é composto por tipo de complexidade peculiar. As estruturas que conectam os dois hemisférios, a lógica, de um lado, a criatividade, de outro, são incapazes de conectar salários que crescem acima da produtividade com a inflação galopante que assola o país. Termos como “inflação de custos” proliferam entre aqueles que se autodenominam defensores do crescimento, inimigos dos neoliberais que querem… Bem, eles não sabem articular o que os ignóbeis neoliberais querem. Sabem apenas acusá-los de serem “contra o povo”, “a favor dos bancos”. “Inflação de custos” é expressão para lá de enganosa. Se os custos sobem pressionando preços, é porque em algum lugar a demanda cresce acima da capacidade de oferta. Às vezes, a demanda cresce acima da oferta, mas o governo não deixa o mercado se ajustar, represando os preços. Tal atitude desarranja o balanço das empresas e o papel dos preços como sinalizadores de abundância e escassez, situação insustentável. Mais dia menos dia, os tais dos custos têm de ser corrigidos, levando à escalada inflacionária que hoje testemunhamos. O cérebro desenvolvimentista, entretanto, não faz a conexão entre um lado e o outro. O sistema límbico, a parte mais primitiva do cérebro, responsável pelas emoções, reage de modo visceral no cérebro desenvolvimentista. Incandesce quando processa palavras como “capitalismo”, “mercado”, “expectativas”. Acalma-se apenas quando o tronco encefálico, a estrutura mais simples do cérebro, pulsa com os axônios do “endividar-se para crescer” e o “expandir o crédito público para impulsionar o investimento”.
O cérebro desenvolvimentista não processa que o déficit público brasileiro está em quase 9% do PIB, que a dívida não comporta qualquer manobra para fingir que é possível crescer sem fazer as reformas necessárias para restaurar a higidez fiscal. O cérebro da inflação de custos tampouco entende que suas pregações apaixonadas levam apenas a um resultado: a alta da inflação.
Vá lá que muitos cérebros desenvolvimentistas tenham se formado depois da longa travessia, a verdadeira travessia, a do combate inflacionário. Mas, fica a pergunta: é razoável que economistas de boa formação abandonem os preceitos básicos de sua profissão para apregoar o indefensável? O cérebro humano exibe plasticidade única na natureza. Talvez seja possível crer que o cérebro desenvolvimentista passe por transformações súbitas após testemunhar o desastre da economia brasileira. A esperança, afinal, a esperança.

Monica de Bolle é economista e pesquisadora do Peterson Institute for International Economics
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sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Os vicios do desenvolvimentismo - Sergio Lazzarini (OESP)

Os vícios do desenvolvimentismo


Em 7/11/2011, eu e meu colega Carlos Melo publicamos neste jornal um artigo chamando a atenção para as consequências do que denominamos “empoderamento desenvolvimentista”. À época, com respaldo da presidente Dilma, multiplicaram-se subsídios, benefícios tributários e iniciativas diversas de apoio setorial centrados na trinca ministerial da Fazenda, Desenvolvimento e Ciência e Tecnologia. Ao final do artigo, alertamos: “A presidente Dilma diz querer rigor no controle inflacionário, mas não vê com maus olhos medidas, como essas, que podem encarecer os produtos no Brasil e/ou aumentar gastos”.
Deu no que deu. Não só essas iniciativas falharam em salvar a indústria, como a inflação se acelerou e caminhamos para um progressivo descontrole fiscal. Para esconder os custos do projeto desenvolvimentista, o governo recorreu a maquiagens e pedaladas fiscais cuja conta pagamos até hoje. O aumento do crédito público elevou a dívida bruta do país – contribuindo para a recente perda do grau de investimento – ao mesmo tempo que a taxa de investimento pouco mexeu do patamar de 16% sobre o PIB.

Para esconder os custos do projeto desenvolvimentista, o governo recorreu a maquiagens e pedaladas fiscais cuja conta pagamos até hoje

Esse fracasso resulta de dois vícios graves do desenvolvimentismo. O primeiro é a sistemática desconsideração sobre os custos e benefícios das suas propostas. Muito raramente se analisa o quanto uma iniciativa de proteção custa aos cofres públicos e se esse dinheiro não poderia ser mais bem empregado em áreas de maior efeito sistêmico na economia. Cada centavo de apoio a um dado setor poderia ser usado para apoiar uma estrada num local remoto, um novo projeto de saneamento ou um novo hospital.
Alguns desenvolvimentistas chegam até mesmo a minimizar a importância dessas análises, por considerá-las estáticas ou sujeitas a incerteza. Para eles, é melhor o país seguir uma “missão” de desenvolvimento. Mas, sem algum tipo de análise, a missão escolhida será geralmente aquela apoiada por grupos de interesse bem conectados e influentes. Não é de estranhar, assim, que o discurso desenvolvimentista agrade a grupos que só fazem buscar mais proteção. O cômputo de custos e benefícios ajuda justamente a impor disciplina na escolha de ações refletindo o melhor interesse público.
O segundo vício do desenvolvimentismo é não atentar para a execução das políticas propostas. A moderna literatura de política industrial propõe que devem ser estabelecidas metas de desempenho e que os benefícios devem continuar se, e somente se, essas metas forem cumpridas. Aqui, fazemos o contrário. Em artigo escrito no “Valor Econômico” em 23/11/2010, um alto executivo do BNDES escreveu que a maioria das metas do plano de desenvolvimento estabelecido à época não seria cumprida. Segundo ele, “não cumpri-las não significa necessariamente um insucesso, mas impõe novos esforços de avaliação e planejamento”. Por fim, emendou: “A política deve ter um norte, mas ser flexível e adaptável às circunstâncias”. É exatamente esse tipo de discurso que abre espaço para que mais e mais grupos clamem por proteção justificando “circunstâncias” que nada mais são que desculpas mascarando interesses particulares.
A situação à qual chegamos requer uma orientação radicalmente distinta. Não se propõe, aqui, eliminar estruturas de suporte público, e, sim, evitar os vícios que nos levaram a políticas custosas e pouco efetivas. Toda nova proposta de apoio deve ser acompanhada de uma criteriosa análise de custos e benefícios, preferencialmente realizada ou validada por terceiras partes livres de conflitos de interesse. Uma vez aprovada a proposta, devem ser colocadas metas claras, acompanhadas por órgãos de controle independentes e com o compromisso de cessar o benefício caso as metas não sejam cumpridas. Se existe alguma missão que o desenvolvimentismo deveria agora encampar para o bem do país, é a busca de maior critério e disciplina no uso de recursos públicos.

domingo, 26 de julho de 2015

Celso Furtado: uma critica ao seu pensamento, 1 - Marcos Henrique Martins Campos

Primeira parte da revisão crítica do pensamento daquele que ainda hoje é consuderado o guru do desenvolvimentismo no e do Brasil. Como são frágeis as bases intelectuais desse pensamento e como é notável a ausência de senso crítico dos supostos intelectuais brasileiros. Sempre me pareceu que o prebischianismo, o cepalianismo e o furtadismo eram uma adaptação mal feita do keynesianismo vulgar, ou seja, a transposição de algumas prescrições anticíclicas para o estatuto de política econômica, o que já é um exagero. Mas na América Latina o keynesianismo foi alçado à categoria de "teoria do desenvolvimento ". Só podia dar errado.
Paulo Roberto de Almeida 

SOBRE O AUTOR

Instituto Liberal

Instituto Liberal

O Instituto Liberal é uma instituição sem fins lucrativos voltada para a pesquisa, produção e divulgação de idéias, teorias e conceitos que revelam as vantagens de uma sociedade organizada com base em uma ordem liberal.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Neoliberais e desenvolvimentistas: um falso debate - Mansueto Almeida

Um texto de três semanas atrás, mas sempre atual:
Paulo Roberto de Almeida

Valor Econômico – 30 de setembro de 2011
Por Mansueto Almeida
É comum encontrar nas páginas de jornais e em artigos acadêmicos um embate entre os chamados economistas neoliberais e os desenvolvimentistas. Em linhas gerais, os neoliberais são taxados de “cabeças de planilha”, que acreditam ingenuamente em um mercado que se autorregula, na abertura comercial, na liberalização do fluxo de capital e dão importância excessiva aos fundamentos econômicos.
Os desenvolvimentistas seriam aqueles que acreditam no papel regulador do Estado, na proteção do mercado para fomentar a indústria doméstica, defendem a redução da taxa de juros e não veem restrições ao crescimento que não sejam a falta de ação do governo. A preocupação com os fundamentos econômicos é secundária, inclusive com a inflação, pois esse grupo acha irrelevante a discussão se a inflação será, por exemplo, de 6,45% ou 6,75% – a casa decimal pouco importa e, às vezes, nem mesmo o número inteiro.
O debate, quando colocado dessa forma extrema, até faz sentido do ponto de vista acadêmico, mas é pouco construtivo para o debate econômico atual e vários dos economistas que insistem em caracterizar de maneira caricatural seu suposto oponente sabem disso.
Um bom exemplo é o debate em relação à inflação. Em vez da discussão daqueles que defendem uma inflação de 0 a 3% ao ano, neoliberais, e aqueles que não se importam com a inflação, desenvolvimentistas, o debate atual é muito mais sutil e complicado. O que se discute hoje é a velocidade de convergência para a meta de inflação de 4,5% ao ano e as medidas necessárias para que essa convergência ocorra.
Alguns economistas acham que o Banco Central (BC) exagerou no seu cenário catastrófico da economia mundial, outros acham que o cenário do BC é cada vez mais provável e há sim uma chance real de o Brasil reduzir os juros. Mas há um quase consenso que esse esforço de redução do juros só será bem sucedido se acompanhado de maior responsabilidade fiscal e aumento da poupança pública. Essa tese é defendida por economistas que se identificam com as duas correntes.
Outro exemplo é em relação ao crescimento dos gastos sociais. Quando algum economista identificado com a ala neoliberal sugere o controle do crescimento dos gastos sociais como forma de reduzir o crescimento do gasto público, economistas desenvolvimentistas afirmam que seu colega neoliberal está propondo o fim do estado de bem estar social. Novamente, o debate é mais complicado. No Brasil, os gastos sociais crescem quase que continuamente desde a Constituição de 1988, mas é cada vez mais questionável a eficácia distributiva desses gastos e os desenvolvimentistas sabem disso.
Há, por exemplo, claras distorções nos gastos com pensão por morte e com seguro-desemprego, independentemente do debate se o eleitor quer mais ou menos política distributiva. Acho questionável que o eleitor entenda e queira que uma pessoa de 80 anos de idade se case com outra de 20 anos de idade e que esse ou essa jovem usufrua de uma renda vitalícia quando seu parceiro morrer. Da mesma forma, não é comum que os gastos com seguro-desemprego cresçam mesmo quando o desemprego diminui como acontece no Brasil. Racionalizar esses gastos tem adeptos nas duas correntes e, novamente, nenhuma relação com o embate entre neoliberais e desenvolvimentistas.
Em relação à falta de recursos para aumentar os investimentos em infraestrutura, saúde e educação, muitos acham que tudo pode ser “resolvido” com mais carga tributária. Mas aqueles que defendem essa proposta são grupos cuja renda depende mais do seu poder de lobby do que da sua produtividade. O problema é que mais carga tributária, para um país de renda média como o Brasil, fatalmente comprometerá o crescimento da economia. Novamente, neoliberais e desenvolvimentistas se colocam, em geral, contra novos aumentos da carga tributária.
Por fim, a última edição do índice de competitividade global do World Economic Forum mostra, mais uma vez, que os maiores problemas de competitividade do Brasil quando comparado com outros 141 países são: 1) a baixa qualidade da nossa infraestrutura; 2) elevada carga tributária, 3) excesso de regulação; 4) baixa qualidade da educação primária, 5) rigidez no mercado de trabalho; 6) burocracia na abertura de novos negócios, e 7) dívida e spread bancário elevados. Aumentar o investimento em infraestrutura e melhorar a qualidade da educação, por exemplo, não tem absolutamente nenhuma relação com o debate estéril entre desenvolvimentistas e neoliberais.
O que precisamos saber, por exemplo, é como reduzir o spread bancário, aumentar a eficiência do estado na execução de obras públicas, melhorar a eficácia dos gastos sociais, que já são elevados, reduzir as distorções dos gastos com pensão por morte e as regras de concessão do seguro desemprego. No mundo real, o governo é mais pragmático e busca a aprovação do eleitor. Se a elevação da inflação reduzir o índice de aprovação do governo, este voltará a ser mais “neoliberal”. Por outro lado, se a ousadia do Banco Central se mostrar correta, o governo será mais desenvolvimentista. É “simples” assim, mas há ainda economistas supostamente maduros que não se cansam de brincar do bem contra o mal ou da batalha estéril entre desenvolvimentistas e neoliberais.