por MARCOS HENRIQUE MARTINS CAMPOS*
Há alguns dias recebi de um amigo, por e-mail, um link para um vídeo do Youtube, que se chama “PENSANDO COM CELSO FURTADO”. Eu, sinceramente, pouco conhecia este senhor, mas pelo que este amigo me disse, trata-se de um influente economista, reconhecido no meio como “um dos maiores economistas brasileiros de todos os tempos”.
Interessado, comecei a assistir ao vídeo despreocupadamente. Mas a despreocupação, de imediato, se transformou em apreensão profunda: eis que surge, logo nos segundos iniciais, um orgulhosamente exibido logotipo do Ministério da Cultura. Bem, como todos nós sabemos, nosso Governo Federal não financia nada que não lhe seja útil. Apesar deste susto inicial, segui bravamente e assisti ao vídeo até o fim. Durante a abertura do vídeo, constatei que este se trata de um documentário, pertencente a um projeto chamado “Série Realidade Brasileira”, produzido pela TV E-Paraná, pela Escola Florestan Fernandes, e pela Fundação Darcy Pinheiro. A descrição do vídeo afirma que os organizadores contaram com a participação de “diversos atores sociais, estudantes e lideranças de diversos movimentos sociais” – tudo financiado com dinheiro público. Em breve pesquisa, pude ler, em alegações dos produtores, que os documentários da série se propõem a retratar o pensamento e a obra de “grandes pensadores brasileiros, que marcaram o século XX”, além de declararem ainda a pretensão de “fomentar o debate e a pesquisa sobre a produção intelectual de grandes pensadores”. O documentário contou com os depoimentos de ministros, ex-ministros, políticos, proeminentes economistas, professores de renomadas instituições de ensino, o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, etc, louvando e cultuando a obra de Celso Furtado. Enfim, só gente boníssima…
Depois de intensa exposição a uma quantidade incomensurável de absurdos e tolices, apresentados e defendidos pela apresentadora do documentário, tudo devidamente corroborado pelas falas sonsamente consensuais dos entrevistados, a única conclusão aceitável da parte de alguém minimamente informado, consciente e atento, é a de que Celso Furtado não passa de um “bom” e velho marxista enrustido, e de que o documentário não é nada mais, nada menos, que uma “enxurrada” de doutrinação marxista (in)disfarçada, do tipo exato que o governo faz questão de financiar com o dinheiro dos nossos impostos.
Ao retornar à superfície da realidade, depois de um mergulho profundo em um poço aparentemente sem fundo de cumpliciosa dissimulação (ou, possivelmente, genuína ignorância, no caso da fala de alguns dos depoentes), não pude fazer outra coisa senão organizar e redigir a “contra-enxurrada” de pensamentos que me veio à mente, em resposta praticamente automática às falas da apresentadora e dos entrevistados do documentário. Recomendo aos interessados que assistam ao vídeo antes de lerem minhas considerações. Aviso de antemão que não será uma experiência nada agradável, mas sim ultrajante, e quase que fisicamente dolorosa em determinados momentos. Mas apenas a experiência de ver com os próprios olhos, e ouvir com os próprios ouvidos o que eu vi e ouvi, lhes permitirá, assim como ocorreu comigo, constatar o quão deturpada se encontra a visão da realidade, dominante no ambiente acadêmico, e compreender o estágio degradado em que se encontra a percepção de valores desta mesma academia, que leva acadêmicos a julgamentos completamente equivocados acerca do tipo de profissional que pode ser considerado como “um dos maiores economistas brasileiros de todos os tempos”. Com toda a certeza, este documentário lhes fará sentir a mesma ojeriza que eu senti, e que me motivou a redigir estas breves considerações.
Apesar do fato de deste documentário ter despertado em mim o senso de urgência em “contra-atacar”, existe um fator muito mais preocupante a se levar em consideração (e que foi meu motivador principal) do que ter ciência da mera degradação das consciências de acadêmicos: é saber que a visão unifocal (e desfocada) apresentada no documentário, visão esta que representa apenas o estreito ponto de vista progressista, que é o consenso acadêmico, já ultrapassou há muito os limites da academia, e hoje rege hegemonicamente o senso comum de toda a sociedade brasileira, servindo como pressuposto unânime – uma espécie de “ponto de partida” – para todo e qualquer debate de ideias. Sendo a visão unifocal um princípio básico universalmente aceito, todos os indivíduos são, invariavelmente, guiados a enveredar por uma singular e estreita linha de raciocínio pré-concebida por ideólogos vigaristas, em que ideias resultantes de automatismo mental são mais valorizadas e, portanto mais relevantes, do que ideias baseadas em raciocínio lógico e crítico, mas que fujam minimamente que seja ao lugar-comum dominante.
Pois bem… Selecionei alguns trechos em que a apresentadora do documentário cita falas, e expõe sínteses do pensamento do Celso Furtado. Vou transcrevê-los abaixo, e deixar meus comentários:
Trecho 1 – “Para ele ‘A pobreza não se justifica no baixo grau de desenvolvimento das forças produtivas dos países na periferia do capitalismo‘.”
Comentário – Nesta sentença, Celso Furtado dispõe de um artifício tácito para induzir quem o lê, ou ouve, a chegar a uma conclusão que lhe é cara, mas a qual ele não pode declarar abertamente. Ao empregar o termo “periferia do capitalismo”, ele trata como pressuposto universalmente admitido a tese de que a economia brasileira é essencialmente “capitalista”, e esta é uma estratégia frequentemente utilizada por intelectuais progressistas para imputar as responsabilidades por toda e qualquer mazela econômica exclusivamente a este sistema. E esta claramente é a intenção de Furtado. Neste trecho do documentário, a apresentadora sintetiza o pensamento de Furtado acerca da situação do Brasil. O que não é mencionado – pelo contrário, é propositadamente desprezado e omitido –, é que o Brasil, historicamente (desde a instauração da República), sempre foi administrado por governos excessivamente intervencionistas, paternalistas, e assistencialistas (incluídos todos os governos militares), o que, por definição, descredencia a economia brasileira da perspectiva de ser classificada na condição de “economia capitalista”, no sentido liberal clássico do termo; ou, no mínimo, a enquadra em uma condição de “capitalismo de estado”, visto que é notória a vigorosa oposição ao capitalismo laissez-faire vigente no Brasil, por parte da quase totalidade dos seus governos. Desta forma, só se pode admitir que o Brasil se encontra na “periferia do capitalismo”, se esta definição for usada em alusão à inadequação dos diversos modelos econômicos já instituídos no Brasil frente ao padrão capitalista liberal clássico. E assim sendo, não se pode de forma alguma classificar o subdesenvolvimento brasileiro tão somente como o resultado de um sistema capitalista.
(conclui na próxima parte)
*Marcos Henrique Martins Campos é estudioso e defensor incansável do liberalismo econômico e do conservadorismo cultural, Acadêmico de engenharia, técnico químico e gerente de produção em uma grande indústria nacional.”