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segunda-feira, 11 de julho de 2022

Samuel Pessoa analisa criticamente Celso Furtado - Conjuntura Econômica

 Samuel Pessoa demorou para chegar a esses argumentos críticos: Douglas North, no início dos anos 1960, e Carlos Manuel Pelaez, logo em seguida, detectaram erros fundamentais na “economia literária” de Celso Furtado. Sua tolerância com a inflação e o prebischianismo exacerbado causaram enormes equívocos nas políticas econômicas do Brasil, dos anos 1950 à era Lula. Já era sem tempo.

Paulo Roberto de Almeida 

"Celso Furtado é nosso melhor e nosso pior"

Samuel Pessôa, pesquisador associado do FGV IBRE

Por Claudio Conceição e Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Um dos projetos recentes de Samuel Pessôa, pesquisador associado do FGV IBRE, autor da coluna Ponto de Vista da Conjuntura Econômica, é transformar suas décadas de leitura da obra de Celso Furtado em uma contribuição à literatura dedicada ao autor de Formação Econômica do Brasil, desta vez, sob o olhar ortodoxo. Na Conjuntura de julho, Pessôa contou de seu projeto, avaliando que os principais erros de Furtado foram “achar que microeconomia não tem papel, que eficiência alocativa é desimportante; e não tratar a educação de qualidade com a ênfase que deveria”. Leia, abaixo, trechos dessa entrevista:

O que o levou a escrever sobre Celso Furtado?

Leio Celso Furtado há mais de 20 anos. De três anos para cá, comecei a fazer isso de forma sistemática: reli toda a obra dele, fazendo anotações, buscando produzir uma construção de seu pensamento. Por que Furtado? Celso Furtado é o economista mais influente que a gente tem. Não tenho aqui números precisos, mas acho que Formação Econômica do Brasil ainda vende mais de 10 mil cópias por ano. O livro foi publicado há 63 anos e a vitalidade do texto impressiona muito.

Mas quem escreve sobre Furtado em geral é de seu campo ideológico, compartilha sua visão de mundo, e naturalmente o festeja muito. Minha avaliação é de que faltava alguém de fora de sua área, mas que se dedicasse à sua obra, dando a importância que ela merece, para fazer uma análise à luz da teoria econômica padrão. E fizesse uma crítica respeitando sua grandeza, sem caricaturas. Esse é o meu objetivo: construir, a partir de um ponto de vista ortodoxo, um retrato intelectual de nosso economista maior, que é o pai de toda uma tradição gigantesca do pensamento econômico brasileiro, que é o pensamento econômico heterodoxo.

Deu trabalho. Tive que me dedicar para ter empatia e buscar entendê-lo a partir do mundo em que foi criado, tentar reconstruir seu pensamento para então fazer minha crítica. Se eu começasse pela crítica, não ia entender por que foi tão vitorioso. Formação Econômica do Brasil é um livro lindo mesmo. E estava na fronteira do conhecimento, no sentido do uso da teoria econômica moderna para entender fenômenos históricos. Roberto Fogel, que foi Prêmio Nobel, estava fazendo isso para os Estados Unidos na mesma época. Arthur Lewis, que é o grande macroeconômico básico que Furtado usou para estudar o subdesenvolvimento do Brasil, ganhou Nobel por seu estudo de desenvolvimento econômico, e Furtado chegou a alegar que o modelo de Lewis tinha sido criado por ele também. Será que Furtado não deveria ter compartilhado esse prêmio? Acho que a alegação procede.

O fato é que não há outro economista que tenha pensado o Brasil como ele. Há sociólogos, historiadores, mas não economistas que o tenham feito e tenham ganhado os debates nos quais Furtado se envolveu. O diagnóstico que fez do subdesenvolvimento econômico brasileiro foi adotado por todas as nossas elites, seja de direita, seja de esquerda. Mas acho que esse diagnóstico estava errado. Minha avaliação é que Celso Furtado não entendeu o fenômeno do subdesenvolvimento. Agora, o fato de Furtado ser nosso profissional de economia mais importante de todos os tempos significa que não foi ele quem entendeu errado. Fomos todos nós. Não sabemos o que é o subdesenvolvimento, e não sabemos qual o caminho para gerar desenvolvimento econômico. Costumo chamar o erro de Furtado como o erro da sociedade brasileira toda.

Por que discorda do diagnóstico de subdesenvolvimento, entre outros pontos da obra de Furtado? 

Furtado tinha uma visão do desenvolvimento econômico que considero mecânica. Para ele, desenvolvimento econômico era essencialmente acumulação de capital e transposição de trabalhadores desqualificados do setor tradicional para o setor moderno da economia. Ele achava que isso bastava para o trânsito de uma economia de subdesenvolvimento para a de desenvolvimento. O que faltou aí? Eficiência econômica. Furtado tinha uma desconfiança imensa com a microeconomia, e acho que esse é o grande pecado dele. 

No texto que estou escrevendo, elenco ao menos cinco citações – entre Formação Econômica do Brasil e Um Projeto para o Brasil (1968) –, em que Furtado mostra acreditar que o Brasil está a um passo de ter as condições dadas para que o desenvolvimento seja uma questão de tempo e acumulação. Mas se observarmos, por exemplo, que naquela época metade das crianças estava fora da escola, é estranho achar que é possível haver desenvolvimento econômico sem educação. Claro que essa visão não era só dele, era do momento. Mas veja o exemplo de Eugênio Gudin. Mesmo nos anos dourados de 1950, em que toda a elite brasileira achava que estávamos a caminho do desenvolvimento, Gudin olhava para aquilo e dava risada, pois sempre teve a certeza de que isso não aconteceria facilmente. Porque Gudin tinha cabeça de microeconomista, que via o crescimento como uma questão de produtividade e eficiência alocativa, e não uma questão quantitativa. E, em questão de desenvolvimento econômico, ter qualidade é mais importante que ter quantidade. Não faz muito tempo, vimos o exemplo do esforço imenso para se reconstruir uma indústria naval, acumular capital num setor moderno, mas com incentivos todos errados, regras mal desenhadas, sem eficiência. Dessa forma, o setor moderno não é moderno; é fonte de desperdício, de perda de dinheiro público. 

O que Furtado fez foi olhar o desenvolvimento econômico, que é algo mais complicado, com os óculos da macroeconomia de Keynes. Nem tenho certeza se Keynes aprovaria a transposição que foi feita de sua visão de mundo, construída para discutir ciclo econômico de curto prazo, para o debate de crescimento de longo prazo. Mas Furtado pertencia a essa tradição, portanto, olhou o desenvolvimento econômico a partir dela. Furtado nasceu em 1920. O trabalho clássico de Keynes que revolucionou a economia é de 1936, quando Furtado tinha 16 anos. Então, a formação dele como economista aconteceu na cheia keynesiana, que vai do final dos anos 1960 até meados dos anos 1970. E parte das limitações dele é por não conseguir transcender esse universo em que ele se formou. Pois, como disse, acho que sua ideia de subdesenvolvimento está totalmente equivocada.

Em resumo, diria que os dois grandes erros de Furtado foram achar que microeconomia não tem papel, que eficiência alocativa é desimportante, com uma visão mecânica do crescimento. E nessa visão mecânica, não tratar a educação de qualidade com a ênfase que deveria. Costumo dizer que Furtado é nosso melhor e nosso pior.

Sua avaliação é de que Furtado não dava o braço a torcer. Acha que essa característica prejudicou o debate em torno de suas teorias?

Eugenio Gudin foi o principal contraponto a Furtado, mas em um debate surdo que ocorreu nos anos 1950 e início dos anos 1960, pois Furtado desconsiderava olimpicamente qualquer crítica contra ele. Gudin era 36 anos mais velho que Furtado, e foi o polo do pensamento ortodoxo brasileiro até pelo menos meados dos anos 1960. Furtado e Gudin chegaram inclusive a trabalhar na FGV na mesma época, na breve passagem de Furtado pelo IBRE, entre 1948 e 1949. Gudin escreveu várias colunas, publicadas no jornal O Globo, criticando os posicionamentos de Furtado quando este foi ministro do Planejamento do governo João Goulart (1961-64). Lendo-as, considero-as bem fundamentadas, com números. Uma das críticas de Gudin era de que Furtado era mais literato que técnico. E Furtado nunca se preocupou em responder. Ele era uma pessoa educada, fina, absolutamente correta com a coisa pública, mas nunca dialogou com a divergência. Acho isso ruim, e acho que Furtado estabeleceu um padrão que é seguido pela heterodoxia brasileira. Ele não só não dialogava com a divergência como não testava as próprias teorias. Para Furtado, o simples fato de haver um argumento racionalmente lógico que ia ao encontro de seus pontos de vista era suficiente para ser uma teoria aceita. Nunca passava pela cabeça dele que deveria buscar, a partir da teoria, alguns experimentos que pudessem colocar à prova sua visão de mundo.

Como seu empenho de revisita ao pensamento de Furtado com um olhar ortodoxo pode contribuir para o debate econômico de hoje? 

Acho, como disse, que é preciso ter claro que desenvolvimento econômico não é uma questão quantitativa, mas qualitativa, associada à governança, à qualidade das instituições do país, e que escolarização da população é o item mais importante de todos. Falamos de capital, e o capital mais importante e mais escasso no Brasil é o capital humano. Disparado, mais que o físico. 

Leia a íntegra desta entrevista na Conjuntura Econômica de julho. O acesso é gratuito.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

sexta-feira, 14 de maio de 2021

A correspondência intelectual de Celso Furtado, por Rosa Freire d’Aguiar (BBC)

Correspondência intelectual de Celso Furtado nesta matéria da BBC, sobre o livro organizado por Rosa Freire d’Aguiar. 

Como diplomata, tendo também vivido, em etapa anterior ,um exílio voluntário durante a ditadura militar, mas dispondo felizmente de passaporte, constrange-me especialmente transcrever este trecho de suas palavras na entrevista:

“"As cartas do exílio são muito pungentes, dolorosas de ler. Expõem os dramas vividos pelos exilados. Seus problemas eram incontáveis: de saúde, financeiros, familiares... As embaixadas, por sua vez, dificultavam ao máximo suas vidas: negavam vistos, não concediam passaportes, entre outras pequenas maldades".”

Como as ditaduras, os regimes intolerantes, em geral, podem ser tão crueis com os seres humanos, os concidadãos? 

Durante a ditadura, o Itamaraty colaborou sim com o regime. Sabemos do colaboracionismo da maior parte dos franceses durante a ocupação nazista do país: por mais que existam “explicações”, ou justificativas, é sempre vergonhoso reconhecer. 

Saber que as ditaduras militares do Cone Sul cooperaram entre si na repressão a seus próprios nacionais, em alguns casos levando-os à morte, é algo pungente de descobrir, quando alguém se torna, como no meu caso, membro da corporação, depois de ter enfrentado o exílio, ainda que voluntário (era aquilo ou expor-se a uma possível prisão). 

O Itamaraty teve sua cota de colaboracionistas, alguns entusiastas da ditadura por obsessiva ideologia anticomunista, outros por oportunismo dos mais abjeto, outros simplesmente por falta de coragem. Tentei fazer a minha parte durante a ditadura, antes e depois de me tornar diplomata, o que um dia relatarei.

Paulo Roberto de Almeida

Cinquenta e cinco anos de História do Brasil em 300 cartas: a correspondência do economista Celso Furtado

  • André Bernardo
  • Do Rio de Janeiro para a BBC News Brasil

terça-feira, 29 de dezembro de 2020

Crescimento nem sempre é tudo: o paradoxo dos quatro "d"s - Paulo Roberto de Almeida (OESP, 1994)

 Acho que não preciso acrescentar mais nada no que já escrevi em 1994, em Paris, lendo a imprensa econômica francesa, dentro de minhas atribuições como chefe do setor econômico da embaixada do Brasil. O curioso é que na mesma edição do excelente jornal de negócios Les Echos eu tive quatro matérias diferentes, mas cada uma focalizando um aspecto da realidade econômica internacional. Cada uma reproduzia um problema que parecia exatamente do Brasil: só que não era.

Acho que isso destrói um pouco a famosa teoria do Celso Furtado sobre o desenvolvimento, cujas características seriam diferentes nos países ricos e nos países em desenvolvimento. Sempre fui contra isso, dentro dos meus parcos conhecimentos de economia – sou da tribo dos sociólogos – e achava que apenas os resultados eram diferentes, mas que processos, mecanismos e ferramentas do crescimento econômico eram fundamentalmente os mesmos, provocando DESENVOLVIMENTO, e alguns casos, e POUCO desenvolvimento, em outros.

Os nossos desenvolvimentistas rezam pela cartilha furtadiana, o que eu nunca fui, ainda que admirando sua capacidade analítica e explicativa. Mas, como sempre pratiquei o CETICISMO SADIO, sempre mantive um pé atrás em qualquer argumento sociológico e até ECONÔMICO.

Fica aqui o artigo de 1994, para conferir se alguma realidade ou problema mudou, no Brasil e em outros países.

Paulo Roberto de Almeida

Brasilia, 29/12/2020

Crescimento nem sempre é tudo

 

Paulo Roberto de Almeida

O Estado de São Paulo, 11/09/1994, Opinião, p. 2.

 

Desenvolvimento, desigualdade, desemprego e desequilíbrio: esses quatro “d”s podem apresentar-se como paradoxos no caso de uma economia em crescimento, como a do Brasil.

Comecemos pelo editorial de um jornal econômico: “É lógico que dirigentes ressaltem dados que demonstram o sucesso de sua política. Os indicadores convergem: o desemprego baixa, a inflação está controlada, o produto bruto está em alta. Mas, eles divulgaram também uma pesquisa sobre a renda das famílias. Descobre-se que um quarto das famílias e uma criança em três vivem hoje na pobreza. Seus recursos não alcançam o limite mínimo fixado pelas autoridades. A renda média progrediu 36% em 15 anos, mas os 20% mais pobres nunca foram beneficiados. Quanto aos 10% mais pobres, a renda média real baixou em 17%. Tal contradição obriga a perguntar qual o sentido da noção de desenvolvimento: esse agravamento das desigualdades traz o risco de uma explosão social sobre a qual os índices de crescimento não dão a mínima ideia”.

Brasil? Não! Trata-se da Grã-Bretanha, que passou à frente dos demais países europeus em crescimento e redução do desemprego. Mas, a combinação de crescimento e de aumento das desigualdades sociais e da concentração de renda apresenta um curioso aspecto “brasileiro”.

Vejamos outra citação: “Se a produtividade de nossos trabalhadores fosse a mesma de seus homólogos americanos, o produto interno bruto poderia ser realizado com uma população ativa de apenas 40 milhões de pessoas, contra 60 milhões atualmente. Ou seja, nós teríamos 20 milhões de trabalhadores sobrando”.

Brasil, novamente? Não, trata-se do Japão. A “Nikkeiren”, federação patronal, publicou uma pesquisa que traz a angustiosa conclusão de que os progressos da produtividade no país podem condenar 1/3 da população economicamente ativa ao desemprego. É apenas uma ameaça, mas ressalta a necessidade de controlar a alta de preços e dos salários para manter a competitividade externa. Os japoneses estão preocupados: a alta do yen e as deslocalizações industriais podem acarretar o fenômeno relativamente desconhecido, para eles, do desemprego.

Terminemos pela luta entre o poder central e governos estaduais para “racionalizar” a divisão da receita: “A divisão proposta entre a União e os estados, visando aumentar os recursos do Governo central, ainda não foi aceita por vários governadores. Os dois estados mais ricos recusam-se a seguir as recomendações do Governo central ou contribuir em favor dos estados mais pobres. Mesmas dificuldades para a reforma das estatais no limite da falência e mantidas graças a subsídios. Todo mundo sabe que será preciso, mais cedo ou mais tarde, desfazer-se dessas empresas, que custam muito caro para o Estado. Mas, todos temem as consequências sociais dessas falências”.

Ah, agora trata-se do Brasil ! Ainda não... Trata-se da China, esse fenômeno mundial. Ela vem passando por altas taxas de crescimento, mas os desequilíbrios regionais vêm acentuando-se a ponto de colocar em risco a unidade política do país. E, claro, nenhum governador quer ceder recursos para o Governo central, que tem a seu encargo algumas pesadas estatais ávidas por subsídios públicos.

Desenvolvimento, desigualdade, desemprego e desequilíbrio: quatro fenômenos paradoxais, ilustrados com exemplos diversos, mas que demonstram, de maneira angustiante, que o crescimento e a produtividade não resolvem problemas de emprego e de bem-estar social.

Esses paradoxos não são exclusivos de países pobres, já que a Grã-Bretanha e a França estão descobrindo agora o fenômeno da exclusão social (que é a pobreza do Norte). A economia pode ir bem e a riqueza aumentar, deixando ao mesmo tempo uma parte da população nos limites da precariedade. O Japão precisa enfrentar os dilemas da produtividade e do pleno emprego. O caso da China, por outro lado, indica que toda reforma econômica é sempre difícil, pois ela implica redistribuir recursos escassos, nem sempre com o assentimento de quem está ficando rico. Em tempo: todos os casos e citações foram retirados da mesma edição do jornal econômico francês Les Echos (22/08/1994). 

 

Paulo Roberto de Almeida é mestre em economia internacional e doutor em ciências sociais pela Universidade de Bruxelas. 

 

450. “O Paradoxo dos 4 ‘d’s”, Paris, 23 agosto 1994, 2 p. Artigo com base em notícias econômicas sobre desigualdade, desemprego e desequilíbrio em outros países. Encaminhado por Alberto Tamer. Publicado, sob o título “Crescimento nem sempre é tudo”, em O Estado de São Paulo (11 setembro 1994, p. 2). Relação de Publicados n. 160.

 

segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Alexandre Rands Barros e as origens do atraso economico brasileiro: livro em ingles

Economista explica o atraso no desenvolvimento do Brasil

Alexandre Rands Barros, que foi consultor de Eduardo Campos, demonstra em livro como o baixo capital humano significou um obstáculo ao crescimento econômico

 

Por volta de 1820, pouco antes da Independência, o Brasil era mais rico do que a Austrália e quase tão rico quanto a Suécia. Passados três séculos, australianos e suecos lideram os rankings de desenvolvimento humano e vivem em sociedades que estão entre as mais avançadas do mundo. No Brasil, o desenvolvimento ficou pela metade. Pelo critério do PIB per capita (a divisão do total produzido anualmente no país divido pelo número de habitantes), o país ocupa uma posição intermediária. Isso sem falar que, além de relativamente pobre, o Brasil permanece profundamente desigual.
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Por que o Brasil ficou para trás? Por que não enriqueceu como os Estados Unidos, um país também de passado colonial escravocrata? Tais questões, há anos, ocupam o trabalho de historiadores, economistas e sociólogos. A teoria mais popular, formulada pelo economista Celso Furtado, é a de que a economia brasileira especializou-se na produção de mercadorias básicas, por isso industrializou-se tardiamente.
Na avaliação do economista Alexandre Rands Barros, entretanto, a especialização em produtos minerais e agrícolas explorados em grandes propriedades latifundiárias foi consequência, e não a verdadeira causa do atraso. A verdadeira causa da pobreza brasileira em relação a europeus e americanos foi o atraso no desenvolvimento do capital humano. É isso que o autor demonstra, de maneira convincente, no livro Roots of Brazilian Economic Backwardness, lançado recentemente, apenas em inglês, pela editora Elsevier.
Uma síntese de suas ideias pode ser vista em artigo publicado na Revista de Política Econômica no ano passado. Um exemplo das informações apresentadas: na segunda metade do século XIX, enquanto a alfabetização foi tornada obrigatória nos Estados Unidos, na Suécia e em muitos países europeus, o Brasil era um mar de analfabetos. A educação era algo exclusivo da elite. Suécia e Estados Unidos tinham 80% da população alfabetizada em 1870; no Brasil, mais de 80% dos homens e mulheres livres não sabiam ler nem escrever – e isso sem falar nos escravos. A baixa escolaridade representou um obstáculo ao desenvolvimento. Os trabalhadores eram incapazes de realizar trabalhos mais elaborados. Pesou também para o atraso o fato de o Brasil ter recebido um influxo de europeus mais preparados, ao contrário do que ocorreu nos Estados Unidos. Os imigrantes foram e continuam sendo uma fonte essencial de transferência de conhecimentos e tecnologia. Segundo as estimativas apresentadas pelo autor, o diferencial na qualidade do capital humano dos imigrantes explica praticamente toda a diferença de renda per capita entre americanos e brasileiros no início do século XX.
Alexandre Rands Barros, que foi consultor econômico do candidato à presidência Eduardo Campos, é um grande estudioso do desenvolvimento. No seu livro anterior, Desigualdades Regionais no Brasil (2011), mostrou como o atraso de Norte e Nordeste em relação ao Sul e Sudeste também decorre do diferencial na educação e do atraso no desenvolvimento do capital humano de maneira geral.
Apesar de muita gente ainda acreditar nas análises de Furtado e em seus derivados, como a teoria da dependência, para Rands, isso é um equívoco que custou caro: fez o país investir muito em políticas de desenvolvimento baseadas em incentivos e subsídios para a instalação de indústrias, o que não impediu o Nordeste de seguir pobre e atrasado. Por quê? O foco deveria ter sido no desenvolvimento do capital humano.
Rands Barros conversou com VEJA sobre o seu novo livro.
Livro - Roots of Brazilian Relative Economic Backwardness
Roots of Brazilian Relative Economic Backwardness – Alexandre Rands Barros (Heitor Feitosa/VEJA.com)
Como surgiu a hipótese, demostrada muito bem no livro, de que foi a defasagem no capital humano que explicou o atraso no desenvolvimento brasileiro? As escolas de economia vivem de modismos. Hoje existe uma vasta literatura acadêmica que enfatiza o capital humano como o fator que melhor explica o desenvolvimento dos países. Esse é o motor do crescimento econômico e, portanto, do desenvolvimento. Faltava, entre os pesquisadores brasileiros, uma aplicação aprofundada desse conceito. A ideia em si já é bastante consolidada na teoria econômica. No Brasil, ainda estamos demasiadamente presos à explicação de Celso Furtado (1920-2004) para o atraso brasileiro. Essa teoria fala da especialização econômica em produtos primários como a causa para a industrialização retardatária. Os economistas já deixaram de lado a teoria de Furtado e seguem a teoria dominante que enfatiza a importância do capital humano. Resolvi aplicar essa teoria para analisar as razões do atraso brasileiro.
E que fatores contribuíram para o atraso no capital humano? Procurei mostrar com a formação da sociedade brasileira, a origem de seus povos, influenciou no acúmulo de capital humano.
Celso Furtado e seguidores da teoria da dependência não enfatizam a questão do capital humano. O atraso no capital humano, quando muito, parece ser tratado como consequência do baixo desenvolvimento, e não sua causa. É isso mesmo? Realmente, o capital humano é um aspecto relegado ao terceiro plano. Para Furtado, quando houvesse a industrialização, naturalmente haveria o investimento em capital humano, como uma consequência, portanto, do desenvolvimento. Na verdade, a lógica é inversa. É o capital humano que, tendo sido construído e acumulado, vai determinar qual será a especialização.
Furtado usava também o exemplo do sucesso dos Estados Unidos para justificar a defesa de medidas protecionistas como maneira de incentivar a indústria. Mas os americanos tiveram políticas protecionistas por um período relativamente breve, e depois de a sua economia já ser uma das maiores do mundo, correto? As políticas protecionistas são irrelevantes para explicar o desenvolvimento dos Estados Unidos. Isso nem arranha a casca. O desenvolvimento ou não da indústria e a especialização produtiva de um país são consequência, e não causas.
Falando em modismos, o modelo mais aceito para o desenvolvimento é o institucional. Os países são o fruto da qualidade de suas instituições. Esse modelo explica o atraso brasileiro em capital humano? Essa visão é muito forte hoje entre os economistas brasileiros. O atraso institucional brasileiro herdado de Portugal é tido como a razão para o atraso econômico. Essa hipótese, na minha avaliação, carece de uma análise mais aprofundada. Eu, no meu trabalho, inverto um pouco essa lógica. Para mim, é a luta de classes que determina as instituições e que leva ao fim ao acúmulo de capital humano. Não coloca as instituições como fonte de equilíbrio na sociedade. É a luta de classes que gera um determinado equilíbrio e a partir desse equilíbrio as instituições são formadas.
O seu trabalho enfoca também o papel determinante da imigração no acúmulo de capital humano e no desenvolvimento. Esse é outro aspecto pouco ressaltado nas análises tradicionais sobre o atraso brasileiro. Quão importante foi a imigração? Os dados que exponho no livro mostram que a diferença na imigração, ou seja, no capital humano dos imigrantes, explicar praticamente toda a diferença de renda que havia entre o Brasil e os Estados Unidos em 1900. Os dados, para mim, foram impressionantes. Fiquei surpreso com o poder da imigração para explicar o atraso relativo do Brasil. Apenas a diferença na composição dos imigrantes entre os dois países explica 95% da diferença da renda per capita registrada ao redor do ano 1900. Os dados que exponho no livro mostram que a diferença na imigração, ou seja, no capital humano dos imigrantes, explicar praticamente toda a diferença de renda que havia entre o Brasil e os Estados Unidos em 1900.
Recentemente, houve um avanço em matrículas, mas a qualidade do ensino tem ficado a desejar. O Brasil está recuperando o atraso no que diz respeito à educação? Houve uma melhora do governo Fernando Henrique em diante, não podemos negar. Com a estabilização da democracia, a parte da sociedade menos privilegiada passou a ter mais força política. Hoje o investimento brasileiro em educação, como proporção do PIB, é maior do que na maioria dos países europeus. No passado, as populações mais pobres tinham pouco poder de mobilização. Não conseguiam pressionar o poder público. A elite brasileira foi muito esperta. Instituiu o ensino superior privado gratuito para os seus filhos, mas não investiu no ensino público básico. Para deixarmos de ser um país atrasado, precisamos desmontar esse tipo de privilégio.
Entre os historiadores paulistas, existe uma tradição, desde o trabalho de Caio Prado Júnior (1907-1990), de apontar a estrutura fundiária, particularmente os latifúndios, como um determinante do atraso brasileiro. Concorda? Mais uma vez, considero os latifúndios uma consequência, não a origem do atraso brasileiro. A realidade é que os latifúndios eram uma estrutura de exploração eficiente, dado o nível de organização dos produtores. É bom lembrarmos que o Brasil tinha fronteiras agrícolas abertas. Mas por que na margem, onde havia fronteira aberta, as pessoas não se instalavam ali e exploravam a terra de maneira eficiente? Na verdade, as pessoas que se instalavam nessas áreas possuíam um baixíssimo capital humano. Não tinha condições de explorar a terra de maneira competente. Esses historiadores afirmam que os latifúndios impediram a formação de uma classe média rural. Ora, essa classe média rural não se formou por causa da deficiência no capital humano daqueles agricultores. Como os fazendeiros não dispunham de infraestrutura adequada, as propriedades consequentemente tinham de ser extensas para prosperar. São Paulo, no passado, era composto por grandes latifúndios cafeeiros. Quando chegaram os imigrantes mais qualificados, eles conseguiram fazer arranjos para adquirir propriedades.
A longo prazo, qual sua avaliação para o país? Vivemos uma crise série, motivada pelo fato do governo ter imaginado que o estado pode tudo. Mas, quando sairmos da crise, há uma forte mais forte dos segmentos tradicionalmente excluídos. Esses setores se libertaram de uma hegemonia de elites locais e votam com maior consciência. Saúde e educação serão questões importantes. São exigências dessa população. A qualidade do ensino será certamente uma das grandes demandas da sociedade. Mas é importante os governantes compreender que para desenvolver o país não é necessário violentar as leis de mercado, ao contrário da visão pregada por Celso Furtado. É preciso atuar em outras áreas, para que as leis de mercado contribuam para o desenvolvimento.