Blog Brasil, Economia e Governo, Instituto Fernand Braudel, 01/07/2013
Em dezembro de 2010, com a publicação da Lei nº 12.351, a Petrobras tornou-se protagonista na exploração do petróleo situado na camada do pré-sal. Aquela Lei, além de instituir o regime de partilha, conferiu várias prerrogativas para a empresa, onde se pode destacar ter-se tornado operadora única de todos os campos licitados, com participação mínima de 30% nos consórcios, e a possibilidade de receber o direito de exploração de áreas sem necessitar passar por processos de licitação.
Também em 2010, a Lei nº 12.276 cedeu onerosamente à Petrobras o direito de explorar 5 bilhões de barris de óleo equivalente (boe), no âmbito do processo de capitalização da empresa.
Não se sabe ao certo o tamanho do pré-sal. As reservas provadas já atingem 15 bilhões de boe, mas as estimativas mais pessimistas apontam para um mínimo de 30 bilhões de boe, e as mais otimistas dizem que pode chegar a 100 bilhões de boe. Em qualquer cenário, trata-se de uma imensa riqueza, que, para ser explorada, exige muito investimento.
A Petrobras, operadora única de todo o pré-sal, terá fôlego para tanto? É difícil responder a essa pergunta, mas, mantido o quadro atual, o mais provável é que não.
Alguns indicadores de rentabilidade da Petrobras mostram uma deterioração de sua situação financeira. A margem operacional, medida pela relação entre o resultado operacional (que desconsidera o resultado financeiro e o pagamento de imposto de renda) e a receita líquida, era de 29,6% no início de 2006. Depois caiu para 21,3% no final de 2007, recuperou-se para 24,9% no final de 2009 e, a partir daí, vem caindo continuamente, chegando a 10,3% no 1° trimestre deste ano.
Outro indicador de rentabilidade, o retorno sobre o capital investido (ROIC, na sigla em inglês), que consiste da relação percentual entre o resultado operacional e o valor do capital investido na empresa, caiu de 29,2%, no início de 2006, para 18%, no início de 2009, 10,5%, no início de 2011, e 4,8%, no 1° trimestre deste ano. O ROIC de 4,8% é preocupante, pois indica que o retorno dos investimentos feitos na empresa está menor que seu custo de captação.
Gráfico 1 – Indicadores de rentabilidade da Petrobras
Outro indicador financeiro que piorou nos últimos anos foi o nível de endividamento. Entre 2008 e 2012, a dívida líquida triplicou, apesar de a empresa ter levantado dezenas de bilhões de reais na sua operação de capitalização em 2010. Ou seja, mesmo tendo feito uma venda bilionária de ações, a empresa ainda teve que ampliar seu endividamento.
Quando se compara o nível de endividamento com o EBITDA1 (que é o resultado antes do pagamento de impostos, depreciação e custos financeiros), a dívida líquida passou de 0,8 vezes o EBITDA do ano, em 2008, para 2,8 vezes, em 2012. A própria Petrobras considera que um nível confortável de endividamento seria de 2,5 vezes o EBITDA.
A perda de rentabilidade da empresa nos últimos anos refletiu-se no preço de suas ações. A Tabela 1 mostra que, desde 2008, as ações da Petrobras vêm rendendo menos que o Ibovespa. Já em relação a seus pares, medido pelo Amex Oil Index, a Petrobras somente teve desempenho melhor em 2009. Destaque-se que, desde 2010, enquanto o preço médio das ações das empresas petrolíferas vem aumentando, o valor das ações da Petrobras só tem caído. Em junho de 2013, a cotação da ação da Petrobras encontra–se nos níveis mínimos verificados desde a crise de 2008, cerca de 53% abaixo da cotação do final de 2009.
Tabela 1: Evolução da cotação das ações da Petrobras, do Ibovespa e do Amex Oil Index (variação %)
Identificamos quatro motivos que explicam essa deterioração das finanças da empresa:
i) Capitalização da empresa que gerou novas obrigações de exploração;
ii) Defasagem dos preços internos e externos de derivados de petróleo;
iii) Obrigatoriedade de investimentos em refinarias;
iv) Políticas de conteúdo local mínimo.
A seguir, descreveremos sucintamente cada um desses problemas.
I – A capitalização da Petrobras
Em 2009, o Poder Executivo enviou ao Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 5.941, que tinha por objetivo autorizar a capitalização da Petrobras. Tal capitalização era necessária dentro da lógica de estatização da exploração do pré-sal. Afinal, como a Petrobras passava a ser responsável por, no mínimo, 30% da exploração do pré-sal, teria de ser capaz de obter recursos para os investimentos necessários. Para tanto, a capitalização traria dois benefícios: i) aumentaria de imediato o caixa da Petrobras; e ii) reduziria a relação endividamento/patrimônio líquido, o que facilitaria a contratação de novos empréstimos pela estatal.
Ocorre que, em vez de a União simplesmente aportar capital na empresa, o que aumentaria o endividamento do setor público, optou-se pelo mecanismo de cessão onerosa. A União, proprietária de todas as riquezas do subsolo, cederia onerosamente o direito de exploração de cinco bilhões de barris e receberia, em troca, ações da empresa.
O contrato de cessão onerosa foi firmado em 3 de setembro de 2010. A Petrobras pagou R$ 74,8 bilhões pelo direito de explorar os cinco bilhões de barris, sendo o pagamento feito por meio de ações. No total, a Petrobras emitiu 2.369 milhões de ações ordinárias e 1.901 milhões de ações preferenciais, o que lhe rendeu R$ 120,25 bilhões e se transformou na maior capitalização que já houve em todo o mundo. Tendo em vista que quase R$ 75 bilhões foram gastos para a compra do direito de exploração, a capitalização rendeu, em caixa para a empresa, um total de R$ 45,5 bilhões.
Há motivos para questionar se a capitalização cumpriu o objetivo de aumentar a capacidade de investimento da Petrobras. Isso porque, em primeiro lugar, somente R$ 45 bilhões dos R$ 120 bilhões de aumento de capital social se transformaram em caixa da empresa. Em segundo lugar, porque, na operação a Petrobras adquiriu o direito/obrigação de explorar cinco bilhões de boe. Assim, parte significativa do caixa gerado pode ser suficiente apenas para explorar essas novas áreas, não acrescentando recursos novos para explorar os campos para os quais já haviam sido firmados contratos de concessão e, principalmente, para novos campos na área do pré-sal.
De fato, considerando somente o caixa, a operação de capitalização foi inútil: de acordo com o Plano de Investimentos para o período 2013-2017, a área de cessão onerosa irá requerer investimentos de US$ 27,6 bilhões, ou R$ 60,7 bilhões, utilizando a cotação de R$ 2,20 por dólar. Se fossem corrigidos pela Selic, os R$ 45 bilhões arrecadados em 2010 valeriam, atualmente, R$ 58,6 bilhões. Ou seja, todo o caixa gerado pelo processo de capitalização da Petrobras sequer seria suficiente para financiar os investimentos na área de cessão onerosa durante o período 2013-2017.
Mas a capitalização, ao aumentar o capital social, também permite maior contratação de empréstimos, tendo em vista que os credores tendem a emprestar mais para empresas com maior patrimônio líquido. Nesse sentido, a capitalização gerou folga adicional de cerca de R$ 35 bilhões na capacidade de financiamento da estatal. Apesar de ser um número elevadíssimo, é bem abaixo de suas necessidades de recursos. O Plano de Negócios e Gestão (PNG) da empresa prevê investimentos de US$ 236,5 bilhões para o quadriênio 2012-2016, ou US$ 47,3 bilhões por ano.
Tendo em vista o grau de endividamento e o caixa da empresa, pode-se concluir que a capacidade de investimento da Petrobras na área do pré-sal encontra-se severamente limitada.
É importante esclarecer que o processo de capitalização da empresa poderia ser feito de outra forma, o que liberaria mais recursos para a Petrobras investir nas áreas já contratadas e em futuras áreas de partilha. Como o governo não pretendia lançar títulos públicos, o que aumentaria seu endividamento, os recursos necessários para capitalizar a empresa poderiam ser obtidos via leilão da área da cessão onerosa. Esse mecanismo, inclusive, reduziria a probabilidade de o direito de exploração ser vendido abaixo do preço justo, o que é algo a não ser descartado, tendo em vista a divergência de cálculos apresentados entre as empresas certificadoras.
II – A defasagem de preços internos e externos de derivados do petróleo
A principal causa da queda de rentabilidade da Petrobras foi a defasagem entre os preços dos derivados de petróleo no Brasil e no exterior, que levou ao prejuízo da atividade de refino de petróleo e venda de derivados.
Segundo estimativas da própria Petrobras, desde 2010, os preços dos derivados do petróleo no Brasil têm se situado entre 10% e 20% abaixo dos cobrados no mercado internacional. Os números mais recentes, referentes a março deste ano, mostram defasagem de cerca de 10%, após os reajustes de preço da gasolina e do diesel ocorridos no início deste ano. Como desde então a cotação do dólar subiu cerca de 12% e a do petróleo caiu aproximadamente 4%, a defasagem estaria agora (junho de 2013) em cerca de 18%, ou seja, a cotação média dos derivados no Brasil é cerca de 82% da cotação no exterior. Assim, o reajuste necessário para equalizar os preços seria de aproximadamente 22%.
O resultado dessa política de contenção de preços é uma queda substancial na lucratividade da Petrobras. Em 2011, a área de abastecimento da empresa (responsável pelo refino) gerou prejuízo de R$ 10 bilhões. Em 2012, o prejuízo aumentou para R$ 23 bilhões. O mau desempenho da área de abastecimento foi o principal fator explicativo da queda de R$ 12 bilhões no lucro líquido e de R$ 8 bilhões no EBITDA da Petrobras entre os dois anos.
As consequências do controle de preços dos derivados não podem ser menosprezadas. O governo, ao fixar preços muito baixos para os derivados, estimula o consumo, o que exige da Petrobras aumentar as importações de petróleo. Isso aumenta o prejuízo da empresa, reduzindo o lucro e o EBITDA. A redução do lucro, por sua vez, reduz o interesse dos acionistas em fazer futuros aportes de capital na empresa. Já o menor EBITDA reduz o acesso a novos financiamentos ou os torna mais caros. Devido à política de fixação do preço dos derivados abaixo do preço internacional, quanto maior for a importância do setor de abastecimento na Petrobras, menor será a capacidade de investimento em outras áreas, com destaque para a exploração do pré-sal.
É interessante avaliar por que o governo intervém no preço dos derivados que saem da refinaria, mas não intervém no preço da bomba de gasolina, que é o que afeta diretamente o bolso do consumidor e, portanto, a inflação. A razão provavelmente está na estrutura de mercado.
Ao contrário da extração e comercialização, em que há vários participantes, a Petrobras detém praticamente o monopólio de refino do petróleo no Brasil, respondendo por cerca de 98% da produção. Gera-se então um círculo vicioso: a União, controladora da empresa, pode determinar o preço que bem entender para o derivado, ainda que esse preço não seja lucrativo. Isso gera incerteza para os investidores privados, que, dessa forma, não irão investir em refinarias. Com a ausência de investidores privados, o monopólio da Petrobras se reforça e o governo se sente mais à vontade para controlar o preço no refino.
É interessante comparar a situação do refino com a comercialização final, um mercado bem mais competitivo, em que a Petrobras detém participação de 38%. Nesse caso, o controle sobre o preço final da gasolina ao consumidor, fixando-o abaixo do custo de produção, além de gerar inevitáveis questionamentos judiciais por parte das empresas privadas que atuam no setor, levaria também ao desabastecimento no médio e longo prazos. Isso porque, com o setor privado saindo da atividade de comercialização, a Petrobras (ou outra empresa estatal) teria de providenciar a oferta dos 62% de mercado que o setor privado atualmente provê, o que pode ser inviável.
III – Obrigatoriedade de investimentos em refinarias
Vimos anteriormente que, em decorrência de uma política governamental de fixação de preços, a atividade de refino vem sendo deficitária. Entretanto, mesmo na ausência de intervenção do governo, seria de se esperar que a atividade de refino tivesse menor lucratividade do que a de extração.
De acordo com a teoria econômica, quando há barreiras à entrada, reduz-se a competição no setor e surge oportunidade de se auferirem lucros extraordinários, acima daqueles que normalmente se obtém. Aplicando esses conceitos à indústria do petróleo, a barreira à entrada é a licença de exploração. Não basta uma empresa querer extrair petróleo do fundo do mar, é necessário, antes, obter uma licença para explorá-lo. Como essa licença não é concedida para todos os que a desejarem2, cria-se uma barreira à entrada de novos concorrentes. Já para o refino, qualquer empresa com capacidade técnica e financeira, pode ser autorizada a atuar no setor, tornando-o mais competitivo que a extração.
Os números parecem confirmar a teoria. Nos Estados Unidos, de janeiro a maio de 2013, a margem bruta3 média das refinarias foi de 18%4. Registre-se que, em 2013, as refinarias têm obtido maior margem do que em anos anteriores devido ao aumento da demanda, via exportações. De acordo com a Petrobras5, a margem líquida das principais companhias de petróleo na atividade de exploração era em torno de 25%. Para a Petrobras, a margem era ainda maior, acima de 40%!
Dos resultados acima, pode-se inferir que, se a Petrobras fosse uma empresa privada, provavelmente iria dirigir todos os seus esforços para as atividades de exploração e produção. Ocorre que seu controlador, a União, impõe investimentos também em refinarias, que vêm gerando déficits em função do controle de preços. De qualquer maneira, mesmo na melhor das hipóteses, se o mercado de gasolina fosse livre, o retorno das refinarias tenderia a ser mais baixo do que o da atividade de exploração e produção.
O plano de investimentos da Petrobras para o período 2013-2017 prevê que, dos US$ 236,7 bilhões a serem investidos, 27,4% (ou seja, US$ 64,8 bilhões) serão direcionados para as atividades chamadas de downstream. Desse total, US$ 33,2 bilhões serão aplicados diretamente na expansão da capacidade de refino. Obviamente, todos esses recursos a serem investidos nas atividades dowstream poderiam ser aplicados nas atividades de exploração e produção, mais lucrativas.
Da forma como o mercado se encontra estruturado, não resta opção para o controlador exceto a de impor a construção de refinarias para a Petrobras. O ideal, entretanto, seria viabilizar maior participação do capital privado no refino, mas, para tanto, seria necessário que o governo desse garantias para potenciais interessados de que não regularará o preço da gasolina ou de que permitirá às empresas exportar livremente os derivados. Se o governo entender que é necessário baratear o preço da gasolina ou de outros derivados, deve fazê-lo por meio de subsídios. É a forma mais transparente de regular preços, fazendo com que toda a sociedade, por meio do Congresso Nacional quando da discussão do orçamento, possa avaliar o melhor uso dos recursos públicos, comparando as vantagens de reduzir o preço da gasolina e de outros derivados do petróleo frente a outros gastos públicos, como educação, saúde, infraestrutura ou gastos sociais.
IV – Exigência de conteúdo local mínimo
Desde a abertura da atividade de exploração do petróleo ao setor privado em 1997, tem havido uma preocupação em garantir um conteúdo local (CL) mínimo. Essa preocupação é usualmente justificada de duas formas. Em primeiro lugar, existe o argumento no nível macroeconômico, de que a demanda por insumos e equipamentos produzidos no Brasil sustenta a demanda agregada doméstica, além de evitar que a riqueza do petróleo se esvaia para outros países. Do ponto de vista microeconômico, as políticas de CL seriam essenciais para o desenvolvimento de uma indústria nacional tecnologicamente avançada, o que, no médio prazo, em decorrência das externalidades positivas geradas, repercutiria favoravelmente sobre a produtividade da indústria como um todo.
Não cabe aqui discutir a pertinência dos argumentos pela defesa de CL mínimo. Vale, contudo, alertar que estão longe de serem consensuais. Do ponto de vista macroeconômico, o que sustenta a demanda agregada são as políticas monetária e fiscal. Os recursos alocados na produção de equipamentos para a indústria petroleira, na ausência de políticas protecionistas, estariam empregados em outros setores, sustentando a demanda agregada da mesma forma. Em relação ao desenvolvimento tecnológico, cabe questionar nossas vantagens comparativas em produzir itens com alto conteúdo tecnológico e, principalmente, qual a melhor política. Muito provavelmente, uma política de subsídios (que poderiam ser financiados com o aumento da arrecadação governamental, conforme argumentaremos à frente) seria mais eficiente.
Mesmo que a exigência de CL mínimo seja defensável, não podem ser ignorados seus impactos negativos sobre a Petrobras, pelo menos no curto e médio prazos, que se traduzem em maior custo de aquisição de insumos e equipamentos. Esse custo parece ser ignorado pela própria empresa, talvez refletindo mais os interesses de seu controlador (a União).
Por exemplo, em maio de 2012, o blog da Petrobras “Fatos e Dados” publicou matéria enaltecendo a entrega do navio João Cândido – o primeiro construído no Nordeste para o Programa de Modernização e Expansão da Frota (PROMEF) – para a Transpetro, subsidiária da Petrobras responsável pelo transporte do petróleo. Na reportagem, destaca-se o investimento de R$ 10,8 bilhões do Promef, o elevado índice de conteúdo local do navio (70%, ante uma meta inicial de 65%) e a geração de 60 mil empregos nos estaleiros6. Não houve qualquer menção ao custo que a Petrobras incorreria se tivesse adquirido o navio de um fornecedor estrangeiro.
Mas há fortes evidências de que a política de CL mínimo impõe custos não desprezíveis para o setor. Em fevereiro deste ano, a Petrobras solicitou à Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) o relaxamento dos rígidos critérios de conteúdo local. Em seu pedido, argumentou que em 34 itens relacionados à exploração onshore eoffshore não havia oferta local disponível.
O maior risco é de não haver fornecedor nacional capaz de oferecer o equipamento ou serviço demandado pela empresa petroleira com preço, prazo e qualidade adequados. Esse risco torna-se maior diante do forte aumento da demanda. Em 2005, por exemplo, o investimento da Petrobras foi de US$ 6 bilhões. Para 2016, a demanda estimada, considerando CL de 55%, é de US$ 18 bilhões.
A Organização Nacional da Indústria do Petróleo (Onip) contratou a empresa de consultoria Booz & Co. para avaliar a competitividade dos fornecedores nacionais para a indústria de petróleo. As conclusões do estudo mostram que a competitividade da indústria nacional é muito baixa, elevando o custo da política de CL. Em relação aos países em desenvolvimento, temos desvantagens no que diz respeito ao custo da matéria-prima e componentes básicos, ao custo de mão de obra e aos impostos. Já em relação aos países desenvolvidos, perdemos na produtividade do processo de
manufatura (incluindo tecnologia e capacitação de mão de obra), no custo de capital, nos impostos e na escala.
Em consequência de nossa baixa competitividade, o fornecedor nacional tem um custo mais elevado. Por exemplo, uma caldeira naval brasileira custa 48% a mais que uma chinesa e uma bomba sea water lift nacional é 49% mais cara do que a equivalente norte-americana. Ao fazerem cotações de jaqueta, módulo deck e esteiras e condutores, observou-se que o produtor nacional pedia preços 80%, 20% e 200% maior que do concorrente estrangeiro! Adicionalmente, enquanto as cotações de fornecedores estrangeiros apresentaram dispersão de 8%, as dos fornecedores nacionais tiveram dispersão de 110%! De acordo com o estudo, o custo adicional de contratar um fornecedor nacional variou de 188% a 456%.
Não encontramos qualquer avaliação que explicitasse os custos, mas há fortes evidências de que eles não são nada desprezíveis. Se considerarmos que as compras de fornecedores locais por parte da Petrobras atingirão US$ 18 bilhões a partir de 2016, e que tais compras custam 50% a mais do que as realizadas no exterior, estamos falando em um custo adicional de US$ 6 bilhões anuais. Ou seja, a Petrobras poderia despender US$ 12 bilhões, em vez dos US$ 18 bilhões programados. Essa diferença de US$ 6 bilhões poderia ser utilizada para expandir mais rapidamente a produção. Poderia também ser distribuída na forma de lucros, o que renderia ao governo e ao BNDES algo em torno de US$ 2,8 bilhões anuais (correspondente à participação de 46% que detêm no capital social da empresa). Esses recursos, por sua vez, poderiam ser empregados em programas que tivessem maior retorno social ou financeiro, inclusive em subsídios para as empresas aplicarem em ciência e tecnologia.
Conclusão
Em síntese, as diversas intromissões que vêm sendo impostas pelo governo têm criado sérias dificuldades para a Petrobras manter lucratividade adequada e, com isso, dispor de recursos para investir no pré-sal na velocidade que seria desejável. Destaque-se, entretanto, que, independentemente dos problemas que enfrenta, dificilmente a Petrobras – como, de resto, qualquer empresa – teria musculatura suficiente para se responsabilizar por, pelo menos, 30% do pré-sal, conforme previsto em Lei. As constantes intervenções nos negócios da Petrobras constituem-se, dessa forma, em um problema adicional para outro que já estava criado: a Petrobras ter se tornado operadora única de todas as áreas do pré-sal a serem partilhadas.
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1 Sigla para “Earnings Before Interest, Taxes, Depreciation, and Amortization”.
2 A exigência de uma licença,
per si, não implica barreiras à entrada. Por exemplo, para se abrir um restaurante, é necessário obter uma licença das autoridades sanitárias. Nesse caso, qualquer empresa que satisfaça os requisitos impostos pela autoridade sanitária obterá o direito de abrir o restaurante. No caso do petróleo, a licença não está condicionada somente ao preenchimento de determinados pré-requisitos, mas a uma limitação no número de empresas que podem operar em determinada área. Por exemplo, em cada bloco licitado, somente poderá atuar um operador.
3 A margem bruta corresponde à diferença entre o preço de venda da refinaria e o custo do óleo bruto. Assim, a margem bruta incorpora os custos de processamento do petróleo.
4 Os valores podem ser acessados no seguinte site:
http://energyalmanac.ca.gov/gasoline/margins/.
5 Ver apresentação “Petrobras at a Glance”, disponível em:
http://www.investidorpetrobras.com.br/en/presentations/petrobras-at-a-glance.htm.
6 A reportagem está disponível em:
http://fatosedados.blogspetrobras.com.br/2012/05/25/primeiro-navio-petroleiro-construido-no-nordeste-inicia-operacoes/.
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Ailton Braga e Paulo Springer de Freitas: Consultores Legislativos do Senado Federal. A opinião dos autores não expressa a opinião do Senado Federal.
Alguns comentários:
Os que acham que artigo com fatos é “oposicionista” ou “pessimista”: estão errados os fatos? Está errada a interpretação? “Acerto” ou “erro” é coisa de goleiro de futebol. A Petrobrás tem condições de fazer o que o governo quer? O governo ajudou o está afundando a Petrobrás? Os mercados estão errados quando precificam as ações da companhia? Ela está ótima e só o Velho do Restelo não entende? Vamos lá, senhores, contestem com argumentos. Não vão conseguir, pois o que está escrito acima é incontestável. O governo do PT está arruinando a empresa. Ela foi aparelhada com sindicalistas incompetentes (os resultados provam). Sindicalista não serve para tocar empresa alguma. Se servisse, fundava a própria empresa. Estatal não representa interesses do país. Representa apenas os interesses dos donos do poder. E quem são os donos do poder em Brasília e na Petrobrás? Sindicalistas incompetentes.
Prezados,
ObrigAdo pelos comentários e críticas. Gostaria de esclarecer, em primeiro lugar, que nada é neutro. Então, é mesmo natural que o que escrevemos não seja neutro. Mas, para deixar as coisas claras (e aqui é só minha opinião, não necessariamente do Ailton), acho que a lei da partilha foi um grande erro. A lei praticamente restaurou o monopólio da Petrobras, o que já seria péssimo em condições normais, torna-se ainda pior com os apertos que o governo vem fazendo. É claro que os problemas que levantamos podem ser vistos pelo lado positivo. Nós até levantamos alguns: menor inflação e geração de empregos nos setores beneficiados;só não acho que o custo para o País compense. Por fim, o texto pode até ser visto como uma defesa da Petrobras, pois mostra que os problemas que vem enfrentando não se devem à incompetência da própria empresa. Abraços,
Paulo
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