O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

domingo, 18 de fevereiro de 2024

O Alienista ensina: “a loucura dos grandes precisa ser vigiada” - José Roberto de Castro Neves

O Alienista ensina: “a loucura dos grandes precisa ser vigiada”

José Roberto de Castro Neves

(Recebido de Maurício David, em 18/02/2024, a quem agradeço)

 

Até o final da década de setenta do século XIX, Machado de Assis publicara romances bem escritos e bem-comportados, como A mão e a luva, Helena, Iaiá Garcia. Seguiam um padrão, uma estética própria das novelas de amor. No final de 1878, Machado tem um problema grave na sua vista, fica incapacitado de ler e é obrigado a se cuidar. Ele e Carolina, sua mulher, passam uma temporada em Nova Friburgo, região serrana do Rio de Janeiro, onde permanecem até março de 1879. 

Naquele período de cegueira, Machado vê algo diferente. Enquanto se curava, Machado elabora O alienista – um conto? Uma novela ou um pequeno romance? – e inicia a redigir Memórias póstumas de Brás Cubas. Em 1881, publica Memórias póstumas. No ano seguinte, 1882, O alienista é incluído, com outros contos, em Papéis avulsos. 

Machado havia cruzado uma ponte. Mergulhou no realismo. Mais do que isso, mergulhou o Brasil no realismo. O alienista é uma obra-prima do sarcasmo. O médico e cientista Simão Bacamarte – o alienista – desfruta enorme reputação. Depois de estudar na Europa, volta consagrado para o Brasil, estabelecendo-se na vila de Itaguaí. É um protegido das cortes. Bacamarte se entende como devoto adorador da ciência. Para ele, a ciência cura todos os males. Casa-se com a jovem viúva Dona Evarista, “não bonita nem simpática”. Faz isso por acreditar que Dona Evarista reunia boas condições fisiológicas – num equívoco do médico, pois sua mulher não lhe rendeu os esperados herdeiros. Simão Bacamarte consegue construir, com dinheiro público obtido por meio de impostos (passou-se a tributar os penachos utilizados pelos cavalos nas carruagens fúnebres), um monumental nosocômio, que denominou sanatório da Casa Verde, por conta das cores de suas janelas. O hospital seria dedicado a cuidar dos desprovidos de sanidade mental. Cabia a Bacamarte diagnosticar o louco. Em seguida, mandava retê-lo no sanatório. 

O cientista estava aficionado em suas pesquisas e teorias. Rapidamente, instaura-se o terror em Itaguaí. Sem critério objetivo, o alienista Bacamarte determinava a reclusão das mais diversas pessoas. Costa, um sujeito boa praça e estimado na cidade, foi levado ao hospital por emprestar sem cobrar juros, o que acabou por lhe trazer a ruína econômica. Um outro foi também preso no sanatório por gostar de observar as flores. Um rapaz teve sua reclusão ordenada por fazer um poema em homenagem à Dona Evarista. 

Bacamarte identifica um sem-fim de loucuras e transtornos. O número de internados cresce exponencialmente. Ninguém estava a salvo. Era o terror. A comunidade de Itaguaí se rebelou contra os desmandos do alienista. O barbeiro Porfírio, munido de aspirações políticas, lidera o movimento contra Bacamarte e as prisões arbitrárias no hospício, no que ficou conhecido, nos anais da cidade, como a Revolta dos Canjicas – a partir do apelido do barbeiro. 

A guarda real, os “Dragões”, teve que intervir, protegendo a Casa Verde da destruição pela gente da cidade. No momento crucial da Revolta, quando o capitão dos Dragões exige a rendição dos insurretos, o barbeiro responde heroicamente ao capitão: “Não nos dispersaremos. Se quereis os nossos cadáveres, podeis tomá-los; mas só os cadáveres; não levareis a nossa honra, o nosso crédito, os nossos direitos, e com eles a salvação de Itaguaí.” 

Machado qualifica essas palavras, naquele momento, como imprudentes. “Era a vertigem das grandes crises”. Entretanto, a resistência reverberou. Alguns Dragões mudaram de lado. Rapidamente, deu-se uma reviravolta. O capitão se rendeu, entregando sua espada ao barbeiro, líder do movimento. O barbeiro Porfírio toma o poder da vila. Faz isso alegadamente em benefício do Rei. Passa a se qualificar como o “Protetor da Vila em nome de Sua Majestade e do povo”. 

O poder de Porfírio dura pouco. Como o barbeiro tinha aspirações políticas, tentou compor com Simão Bacamarte, que seguiu no comando do hospício. As internações não cessam. O barbeiro perde credibilidade e apoio. Outro barbeiro, João Pina, inicialmente partidário de Porfírio, volta-se contra ele. Há a deposição do Canjica. O comando público se esgarça. 

Quando boa parte da cidade estava internada no hospício, o alienista Bacamarte, de forma surpreendente, acaba por rever suas verdades. Muda de orientação. Logo adiante, mudará outra vez, entendendo que sua teoria anterior estava equivocada. Liberta todos os “loucos”, e ele próprio se interna na Casa Verde. Ele passa a ser o objeto de seus estudos. 

Pouco mais de um ano se passa e Bacamarte morre, “sem ter podido alcançar nada”. O alienista precede a Interpretação dos sonhos, de Sigmund Freud, lançado em 1900. 

Quase uma década antes, Machado de Assis já escrevia que seu Simão Bacamarte “estudava por todos os lados uma certa ideia arrojada e nova, própria a alargar as bases da psicologia”. O alienista impõe a seguinte discussão: quem é o louco? Ainda: quem pode dizer onde está a loucura? Entre as fraquezas humanas, a dificuldade da autocrítica ganha destaque. Somos péssimos juízes de nós mesmos e, ao mesmo tempo, os melhores juízes, segundo nossa convicção, do resto dos semelhantes. Os loucos são os outros. 

Talvez a lição de O alienista – se é que Machado estava preocupado em dar lições – é a de que Simão Bacamarte, ao fim, reconhece ser ele próprio o grande mentecapto. Nossa busca pelo aprimoramento pessoal deveria passar por essa fase, na qual nós mesmos nos internamos para estudar nossas “loucuras”. Desde os primórdios da filosofia, o autoconhecimento serve como pressuposto da vida saudável. 

Há uma pureza de propósito em Simão Bacamarte que assombra. O cientista tem convicções. Machado coloca em oposição o “honesto” Bacamarte e o “oportunista” barbeiro Porfírio, que assume uma causa, mas faz tudo em função de uma agenda oculta. Os propósitos honestos, por mais disparatados que sejam, têm resiliência. 

O conto traz um segundo tema de reflexão. Um tema sinistro. Esse julgamento alheio, que fazemos mesmo por instinto, ganha maior repercussão na exata medida do poder do julgador. A capacidade de Simão Bacamarte identificar a loucura nos demais não teria grandes consequências se ele não tivesse o poder de mandar prender as pessoas no hospício à medida em que encontrava o que considerava um transtorno. O arbítrio reluz quando se concentra na mesma pessoa o papel de acusador e juiz. O alienista detinha o poder de qualificar e definir o que se considerava a doença, indicar o louco e mandar prendê-lo. A sua opinião bastava. Esse poder não convivia com o contraditório, nem tampouco com recurso. O alienista, independentemente de seus propósitos “puros”, tornou-se um tirano. Como adverte o Rei Cláudio – um usurpador e assassino – em Hamlet, “a loucura dos grandes precisa ser vigiada.” 

Machado de Assis deixou aqui outra fundamental lição, agora não mais relacionada à nossa relação consigo próprio, mas relativa à vida em sociedade: não há Estado saudável quando os homens concentram o poder em excesso. Num plot twist que só um gênio poderia conceber, O alienista de Machado de Assis incute-nos humildade para ser mais indulgentes com a nossa loucura e, de outro lado, mais críticos com quem exerce o poder. Faz parte do amadurecimento como ser humano reconhecer nossas fraquezas e dominar o desejo egoísta – e infantil – de controlar as pessoas ao nosso redor. O alienista percebe que o louco é ele. Assim começa a verdadeira cura. 

Clássico, como se sabe, é aquilo que resiste ao tempo. O alienista prova sua longevidade, sua força como obra, quando conseguimos vê-lo claramente como uma fábula contemporânea. Vivemos um período no qual a polarização política, infelizmente dominante, alimenta essa cultura de que “os loucos são os outros”. Isso virou normal (mas não é e não deveria ser). Pior, tal como no conto de Machado, o poder se concentra perigosamente. Viramos a Vila de Itaguaí? 

 

José Roberto de Castro Neves é sócio do Ferro, Castro Neves, Daltro & Gomide Advogados (FCDG)

 

Diezmada, la oposición rusa tiene pocas opciones para desafiar a Vladimir Putin - Luisa Corradini (La Nación)

Diezmada, la oposición rusa tiene pocas opciones para desafiar a Vladimir Putin

Tras la muerte en prisión del principal opositor Alexei Navalny el viernes, otras figuras que le hacen frente al mandatario ruso dudan sobre los próximos pasos a seguir para enfrentar al jefe del Kremlin

LA NACION, 18/02/2024

https://www.lanacion.com.ar/el-mundo/diezmada-la-oposicion-rusa-tiene-pocas-opciones-para-desafiar-a-vladimir-putin-nid18022024/

PARÍS.– En los 24 años que ha dirigido Rusia con mano de hierro, Vladimir Putin consiguió aniquilar casi totalmente las voces disidentes. Mostrando su verdadera naturaleza de dictador sin escrúpulos, el autócrata del Kremlin fue eliminando uno a uno cada uno de aquellos que intentaron ponerse en su camino con todos los recursos a su alcance.

Hoy, los últimos opositores realmente mediáticos se encuentran casi todos en el exilio o en prisión. Mientras la oposición propiamente dicha, dividida afuera y amordazada dentro del país, espera una nueva figura providencial, capaz de remplazar al desaparecido Alexei Navalny y provocar un sobresalto democrático. 

Todos aquellos que estamos en la oposición no sabemos muy bien lo que deberíamos hacer ahora. Toda nuestra vida de oposición giró siempre en torno a Alexei Navalny”, reconoció este fin de semana Maxim Katz, 39 años, influencer en YouTube y excampeón de póker, basado actualmente en Israel.

Como él, toda una generación de jóvenes rusos debe su despertar democrático a través de las redes sociales a Navalny, fallecido el viernes en una prisión rusa del círculo polar. Según YouTube Analytics, el canal de Katz recibió cerca de 10 millones de visitas únicas en los últimos tres meses, 60% de las cuales provenían del interior de Rusia.

Pero, ¿acaso las principales figuras de la oposición podrían reemplazar a Navalny en el futuro? ¿Tal vez formando una alianza que aumente sus pesos políticos individuales?

La alternativa siempre fue desechada por Navalny y por su equipo, explicando que el tiempo y el esfuerzo gastado en administrar alianzas políticas debía ser utilizado en denunciar a Putin. “Seré directo: vete al demonio con tus coaliciones”, escribió Navalny en respuesta al llamado de Katz a formar una alianza electoral.

No es esa la posición de otra gran figura de la oposición en exilio, el múltiple campeón de ajedrez Garry Kasparov. “Siempre defendí la idea de una coalición porque, entre otras razones, sabía cuán vulnerables son los líderes opositores. Una coalición es mucho más estable como sistema, porque si una persona desaparece, quedan otras, y otras más”, afirma.

La solución a esos interrogantes no se producirá en forma inmediata. Putin sabe muy bien que, en el exterior, ninguna disidencia tiene demasiadas chances de éxito. En cuanto a aquellos opositores que aún quedan en el país, solo basta condenarlos al silencio, como lo demuestra la siguiente lista.

Vladimir Kara-Mourza, encarcelado por “alta traición”.

Reconocido culpable en 2023 de “alta traición”, difusión de “falsas informaciones” sobre el Ejército ruso y trabajo ilegal para una organización “indeseable” en Rusia, Vladimir Kara-Mourza, 42 años, purga una pena de 25 años de cárcel en una colonia penitenciaria de Siberia. Recientemente escribió haber sido colocado en aislamiento por lo menos durante cuatro meses. Padre de tres hijos, fue detenido en la primera boreal de 2022, cuando regresó a Rusia.

Experiodista galardonado en 2022 con el premio Vaclav-Havel de los derechos humanos, Kara-Mourza afirma haber sido víctima de dos intentos de envenenamiento, en 2015 y 2017, que atribuye al poder ruso. Como consecuencia, hoy padecería de polineuropatía y patología neuromuscular.

El opositor Vladimir Kara-Mourza
El opositor Vladimir Kara-Mourza

Ruso de nacimiento, Kara-Mourza también es ciudadano del Reino Unido, país donde se instaló con su madre cuando tenía 15 años. Ya adulto se acercó a la oposición rusa, en particular a Boris Nemtsov, asesinado de cuatro balazos a dos pasos del Kremlin en 2015. Antes de ser encarcelado, en 2021, estimaba no tener la intención de dejar Rusia a pesar de los riesgos: “Somos hombres políticos rusos, nuestro lugar es en este país”, afirmaba, agregando que “el mayor regalo” que los opositores podían hacerle a Putin era “abandonar y escapar”.

Kara-Mourza fue presidente de la ONG Open Russia, fundada en 2001 por Mikhail Jodorkovski, exoligarca en exilio y opositor del Kremlin, y vicepresidente del partido opositor liberal Parnas.

Illia Yashim, encarcelado después de criticar la ofensiva Rusia contra Ucrania

Por haber criticado en directo en YouTube la invasión rusa a Ucrania, Illia Yashim fue condenado a ocho años y medio de prisión en diciembre de 2022. Una pena ratificada en apelación en abril de 2023. Yashim había denunciado “el asesinato de civiles” en la ciudad ucraniana de Bucha, donde el Ejército ruso cometió terribles exacciones, negadas hasta hoy por el Kremlin.

El político de 40 años fue juzgado por violar la ley “sobre los fake news”, pasible de una pena de hasta 15 años de cárcel para todo aquel que “desacredite” o publique “falsas informaciones” sobre las fuerzas armadas rusas.

Illia Yashim
Illia Yashim

Oleg Orlov, confundador de la disuelta ONG Memorial, podría ir a la cárcel durante cinco años.

Considerado en Rusia como un “agente del extranjero”, Oleg Orlov, de 70 años, es juzgado desde el viernes pasado por haber denunciado en varias oportunidades el asalto ruso contra Ucrania. Cofundador de Memorial, Orlov se ha negado a declarar durante ese proceso que podría llevarlo hasta cinco años a la cárcel. Las próximas audiencias han sido fijadas para el 21 y el 26 de febrero.

Una ONG rusa que fuera pilar de la lucha contra las represiones en la Rusia contemporánea, guardiana de la memoria de las víctimas del Gulag y laureada con el premio Nobel de la Paz 2022, Memorial fue disuelta por la justicia rusa en 2021.

El activista de derechos humanos Oleg Orlov
El activista de derechos humanos Oleg Orlovpicture alliance - picture alliance

Mikhail Jodorkovski, el exoligarca exiliado

Exmillonario de 60 años, el que fuera alguna vez el hombre más rico de Rusia gracias a su empresa petrolera, Yukos, fue detenido en octubre de 2003 en su jet privado, inmovilizado en la pista del aeropuerto de Novossibirk, en Siberia. Fue inculpado por el régimen de estafa en gran escala, evasión fiscal y malversación. La Justicia rusa lo condenó a 14 años de prisión y redujo después su pena en apelación. Putin lo indultó diez años después, en 2013, y le permitió exiliarse. Actualmente reside en Londres.

Tras su liberación, Jodorkovski había prometido no aventurarse en política. Pero en 2013 lanzó Open Russia, destinada a reunir fuerzas proeuropeas en Rusia, con vistas a las elecciones parlamentarias de 2016. La respuesta del Kremlin no se hizo esperar. En 2015, la Justicia lanzó un mandato de arresto internacional por “organización de asesinato e intento de asesinato contra dos personas y más”, hechos que habrían sucedido en 1998.

Ya en 2001, Jodorkovski había fundado una primera versión de Open Russia, aquella vez con carácter humanitario, que financió liceos para huérfanos de guerra y ayudó a desarrollar internet en las escuelas.

Mikhail Jodorkovski, el exoligarca exiliado que está en la mira del Kremlin
Mikhail Jodorkovski, el exoligarca exiliado que está en la mira del KremlinMatt Dunham

Evgueni Roizman, el exalcalde de Ekaterimburgo que logró escapar de la cárcel de milagro.

A los 61 años, Evgueni Roizman es un hombre libre. Pero logró escapar de milagro a la prisión. En marzo de 2023, el emblemático exalcalde (2013-2018) de Ekaterimburgo, la cuarta ciudad más importante del país, situada en los Urales, fue condenado a 14 días de prisión por haber compartido en las redes sociales un video que llevaba el logo de la Fundación Anticorrupción de Alexei Navalny, organización juzgada de “extremista”.

En mayo del mismo año, fue juzgado por haber “desacreditado” al Ejército ruso en otro video difundido en YouTube, donde criticaba la ofensiva contra Ucrania. Veredicto: una multa de unos 3000 euros.

Evgueni Roizman
Evgueni Roizman

Garry Kasparov, excampeón mundial de ajedrez exiliado

No se puede negociar con un cáncer. Como un cáncer, Putin y sus elites deben ser arrancados de cuajo”, declaró en 2015 ante el Senado de Estados Unidos el opositor Garry Kasparov, cinco días después del asesinato de Nemtsov en Moscú. A los 60 años, el séxtuple campeón del mundo de ajedrez vive exiliado en Estados Unidos, donde preside la Fundación de Derechos Humanos (HRF).

El político y cofundador del Foro Rusia Libre Garry Kasparov asiste a la sesión pública del 'Foro Rusia Libre' el 1 de diciembre de 2022 en Vilna, Lituania
El político y cofundador del Foro Rusia Libre Garry Kasparov asiste a la sesión pública del 'Foro Rusia Libre' el 1 de diciembre de 2022 en Vilna, LituaniaOleg Nikishin - Getty Images Europe