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segunda-feira, 12 de outubro de 2015

Reconstruindo o Japao: lei das consequencias involuntarias - Michael Schaller (Delanceyplace)



A relação entre os EUA e o Japão no segundo pós-guerra evoluiu da submissão e da subserviência militar para a equiparação econômica e, ao cabo, na supremacia da manufatura japonesa sobre a americana, em praticamente todos os setores, com base nos próprios ensinamentos americanos em matéria de organização industrial, controle de qualidade e marketing. Ou seja, os japoneses aprenderam com os americanos -- inclusive se apropriando de tecnologias valiosas -- como fazer os mesmos produtos, mas melhor e mais baratos, inclusive compactando os bens, de rádios a automóveis, e portanto tornando-os mais econômicos e de design avançado.
Houve época em que se achava que toda a indústria americana estava condenada a desaparecer, sob pressão da competição japonesa nos mesmos setores, e que o próprio país ficaria sob dependência japonesa em determinadas tecnologias -- como circuitos integrados, por exemplo, essenciais para a indústria de defesa --, o que realmente arriscou acontecer no setor automobilístico, por exemplo.
Depois dos dois choques consecutivos do petróleo, em 1973 e 1979, os carros japoneses ameaçaram simplesmente arrasar com os grandes da indústria automobilística americana: GM, Ford, Chrysler, etc. Elas só foram salvas com protecionismo americano, contenção bilateral das exportações e muitos subsídios governamentais dados a essas indústrias.
O excerto deste livro trata mais das questões de segurança, mas o substrato econômico está presente.
Paulo Roberto de Almeida 

Today's selection -- from Altered States by Michael Schaller.
In the years after World War II, the Allies were concerned that the fragile economies of Germany and Japan would cause them to fall under the influence of the Soviet Union or Communist China. As a result, they took extraordinary steps to assist these economies -- for example, from 1947 to 1953, the U.S. and its Allies forgave essentially all of Germany's external debt, an amount estimated at 280% of Germany's GDP. Similarly, the U.S. gave Japan preferential status in trade and economic support, a strategy that worked so well that by 1970s, the U.S. considered Japan an economic threat and sought to open its doors to China as a counterbalance:

"Since the United States restored Japan's sovereignty in 1952, relations between the two nations have evolved in mostly unforeseen ways. For more than a decade after the signing of the San Francisco peace treaty, American policymakers worried that Japan's feeble economy required massive foreign assistance to prevent Tokyo from reaching an accommodation with China or the Soviet Union. The underlying concern, as John Foster Dulles, peace treaty negotiator and, later, secretary of state, often remarked, was that 'unless Japan worked for us ... it will work for the other side.' Unfortunately, Dulles believed, Japanese products had 'little future ... in the United States' since they were just 'cheap imitations of our own goods.' Survival as a member of the free world required that Japan limit trade with China and develop markets in 'underdeveloped areas such as Southeast Asia' under American protection. Much of what follows examines how this nexus of beliefs -- some accurate, some distorted -- fostered cooperation between the United States and Japan while leading to conflict with China, Korea, and Vietnam.


Prime Minister Yoshida Shigeru signs the bilateral security treaty with the United States on September 8, 1951. Secretary of State Dean Acheson (right) and special ambassador John Foster Dulles stand directly behind him.

"Throughout the 1950s and 1960s, the United States urged Japan to play a more forceful role in the cold war, such as expanding its armed forces and assisting American military efforts in Korea and Vietnam. Yet, the more Washington pushed, the more determined to resist these demands Tokyo remained. The ruling Liberal Democrats as well as their Socialist opponents stressed the constitutional prohibition on armed forces, their fear of revived militarism, Japan's economic weakness, and the danger of being dragged into conflict with China or the Soviet Union as reasons for going slow. Despite divisions over domestic priorities, the Liberal Democrats and Socialists forged a tacit alliance to resist American pressure.

"As Yoshida Shigeru, Japan's pivotal postwar prime minister, put it in the early 1950s, rearmament would come some day 'naturally if our livelihood recovers.' It was best to 'let the Americans handle [our security] until then.' Yoshida considered it Japan's 'god-given luck that the constitution bans arms.' He noted the irony that the American-inspired document provided him 'adequate cover' to deflect Washington's demands. Yoshida dismissed politicians who wanted to amend the constitution as 'oafs.' During the past half-century, nearly all Yoshida's successors shunned an activist foreign policy in favor of economic nationalism and commercial expansion made possible by the cold war.

"Takeshita Noboru, a conservative power broker who served as prime minister in 1988-89, remarked that throughout the cold war the 'Liberal Democrats had used the possibility of criticism by the Socialists to avoid unpleasant demands by the United States, such as taking a more active role internationally.' In that sense, 'there was a sort of burden sharing between' the rival parties that Takeshita characterized as 'cunning diplomacy.' And so it was.

"By the early 1970s, the economic pendulum had swung so far in the other direction that American political and business leaders considered Japan's export-driven economy a threat to U.S. security. A member of the Nixon cabinet complained in 1971 that 'the Japanese are still fighting the war,' with the 'immediate intention ... to try to dominate the Pacific and then perhaps the world.' Uncertainty over how to respond to Japan's trade onslaught, along with a desire to enlist Chinese power to contain the Soviet Union and end the war in Vietnam, prompted President Richard Nixon's journey to the People's Republic in 1972. In a remarkably nimble reversal of twenty years of cold war rhetoric, Nixon told Mao Zedong that the United States-Japan Security Treaty protected China from both Soviet and Japanese threats."

Altered States: The United States and Japan since the Occupation
Author: Michael Schaller
Publisher: Oxford University Press
Copyright 1997 by Oxford University Press
Pages 3-4

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Jose Guilherme Merquior: uma entrevista de 1981 sobre cultura, academia e coisas afins

Agradeço ao colega de academia e de lista no Facebook Alexandre Hage, a transcrição desta entrevista, que não tenho certeza de ter lido na época (provavelmente não, pois eu me encontrava no exterior, intensamente ocupado com bebê recente, e uma tese renascida, e não tinha acesso a muito material do Brasil, numa época em que internet ainda não existia).
Como foi ele quem a postou, na lista "Comunidade de Internacionalistas", e reincide no "crime" dois anos depois de uma postagem inicial, cabe começar pela sua introdução necessária, como abaixo.
 Paulo Roberto de Almeida

Alexandre Hage
October 12 at 12:14am

Esta postagem não é de RI, conforme sugere as regras da comunidade. Mas se trata de uma entrevista em que o autor versa a respeito daquilo que na qual se produz os estudos de relações internacionais, a universidade e a esfera da cultura. Por isso, a conveniência de exibi-la aqui.

JOSE GUILHERME MERQUIOR: MAIS UMA VEZ

Mais uma vez porque eu havia posto aqui esta providencial entrevista do diplomata, feita em 1981, há uns dois anos. Muitas pessoas solicitaram minha amizade virtual (algumas devem ter me excluído, não as culpo). Por isso, a conveniência de reapresenta-la aos interessados.

Em tempo de grande dificuldade com as instituições que deveriam chamar para si a responsabilidade sobre uma ideia de país acredito que é crível botar aqui mais uma vez o que pensava Merquior sobre uma série de coisas: o papel da universidade que já estava em situação complicada em 1981, como ele fez questão de comentar; certo desprezo pela cultura que hoje se denomina elitista; por outro lado o apego às vezes demagógico e incauto a posturas desqualificadas de cultura que boa parte dos intelectuais endossa. Tudo isso que estava em gestação há trinta anos hoje já é o pantagruel de nossos tempos.

http://perspectivaonline.com.br/2015/06/03/merquior/
    Entrevista com José Guilherme Merquior em 1981
perspectivaonline.com.br
Entrevista de José Guilherme Merquior, concedida à revista VEJA em 1981. Original aqui. Quarta-feira...


Ciências Humanas

Entrevista com José Guilherme Merquior em 1981


Entrevista de José Guilherme Merquior, concedida à revista VEJA em 1981.
Original aqui.
Quarta-feira passada, jantando com autoridades brasileiras na Granja do Ipê, residência oficial do chefe do Gabinete Civil da Presidência da República, o ex-secretário do Estado americano Henry Kissinger foi saudado pelo ministro João Leitão de Abreu num discurso encastoado com finas citações de Platão e Aristóteles. Como Platão e Aristóteles não costumam freqüentar banquetes em Brasília, sua presença foi logo identificada como sinal da chegada ao governo de José Guilherme Merquior – diplomata de carreira, crítico literário e ensaísta com treze livros publicados que, em agosto, Leitão importou da embaixada brasileira em Montevidéu para compor sua equipe no Palácio do Planalto. Ali, uma das incumbências de Merquior é melhorar os discursos do governo.
O conselheiro Merquior, carioca de 40 anos, é um personagem um tanto exótico na paisagem cultural brasileira – e isso não só por ter passado boa parte de sua carreira em postos tranqüilos e refinados, ideais para buquineiros, na Europa. Sua maior singularidade é ter um temperamento polêmico numa terra em que a crítica literária só costuma ser implacável com best-sellers estrangeiros. Seu novo livro, “As Idéias e as Formas”, uma coleção dos artigos que escreveu para jornais nos últimos três anos, lançado este mês pela Editora Nova Fronteira, é um bom exemplo: lança farpas contra marxistas e liberais, a psicanálise, modismos culturais e os costumes da intelectualidade brasileira – que, a seu ver, está formando uma república das letras de vocação despótica.
Ainda ficaram fora do livro dois momentos extremos de sua contundência: a crítica em que acusa a professora paulista Marilena Chauí de plagiar o filósofo francês Claude Lefort e um ruidoso debate, pelos jornais, com o jornalista Paulo Francis, cujo romance “Cabeça de Papel” Merquior anunciou como treino para uma futura autobiografia intitulada “Cabeça de Vento”. Outro bom exemplo da desenvoltura com que Merquior fala de seus temas preferidos é esta entrevista concedida a VEJA na semana passada.

VEJA – Há um ano, o crítico Eduardo Portella deixou o Ministério da Educação convencido de que este governo não é lugar para intelectuais. O senhor acha que é?
MERQUIOR – Eu acho é que esse assunto merece ser tratado de forma desmitificadora. Cada vez que é discutido de maneira extremista, unilateralizada, o resultado é que se cria um mito. Na França, por exemplo, Régis Debray escreveu há dois anos um livro dizendo que intelectual, quando serve ao poder, é sempre como áulico ou absolutista. Mas veio o governo socialista de François Mitterrand e Debray está no Palácio Eliseu. A meu ver, uma atitude intelectualmente séria é não tratar com categorias maniqueístas: não se pode sacralizar a pureza do intelectual nem demonizar o poder do Estado, que não é um mal em si.
VEJA – Não há no Brasil uma desconfiança recíproca entre o Estado e os intelectuais?
MERQUIOR – É impressionante o número de intelectuais brasileiros que está dentro do Estado e faz de conta que não vê. O que está dando pretexto a tanta retórica ideológica sobre essa questão é apenas uma concepção vulgar de Estado, que só vê seu ramo executivo. Ora, essa não é uma concepção correta, nem jurídica, nem historicamente, nem para o Direito, nem para as ciências sociais. O Estado não é só o governo. Fica muito engraçado ver tantos intelectuais encastelados em posições universitárias, comportando-se como vestais críticas do poder do Estado. Estão fazendo tudo isso dentro do Estado e não sabem.
VEJA – O senhor antipatiza com a sociedade civil?
MERQUIOR – Antipatizo com o mito da sociedade civil, que me parece ter duas origens. Uma, brota da esquerda. Até 1970, certamente durante todos os anos 60. O pensamento marxista ou marxistizante na América Latina, preso ao conceito leninista de imperialismo, que era uma espécie de projeção da luta de classes para a política internacional, fez o resgate ideológico do Estado.
VEJA – Resgate ideológico?
MERQUIOR – Isso mesmo. Pela tradição marxista, o Estado sempre foi sinônimo do mal, de instrumento de opressão. Mas, de repente, através da transposição de que eu falava, os marxistas, tomados de fervor nacionalista, passaram a ver o Estado como denominador comum das classes contra a opressão internacional. Isso foi na era leninista. Agora, os marxistas brasileiros estão em plena era de devoção ao pensador italiano Antonio Gramsci, o que num certo sentido implica a volta às matrizes marxistas que sempre viram no Estado um instrumento de opressão. Essa é a origem esquerdista do mito da sociedade civil.
VEJA – Existe a origem direitista?
MERQUIOR – Claro. Os neoliberais brasileiros – que, aliás, andam precisando de correção semântica, pois na verdade são paleoliberais – juntaram-se à esquerda nessa festa de rejeição do Estado. Porque num país como o nosso o Estado é, ou pelo menos deve ser, um promotor de progresso, do equilíbrio social. Mas os paleoliberais rejeitam essa função do Estado e por isso se juntaram aos gramscianos na criação do mito da sociedade civil, chamada a resolver os problemas brasileiros sem a interferência do Estado ou contra ela. Isso é uma bobagem.
VEJA – Mas rendeu muito debate.
MERQUIOR – Uma das características defeituosas do nosso debate intelectual – quando ele ocorre, pois a outra característica é que ele é muito subdesenvolvido e raramente ocorre – é a tendência à imediata ideologização. Os problemas são sempre apresentados de maneira abstrata, principista e apriorista. Portanto, o coeficiente de análise empírica, de exame concreto de realidades verificáveis, é muito pequeno. O inglês Oscar Wilde dizia que os patrões falam de coisas e os criados de pessoas. No debate político e intelectual brasileiro, há muito pouca gente falando de coisas ou pessoas. Fala-se de noções abstratas.
VEJA – Com que resultado?
MERQUIOR – O resultado, em outras palavras, é que se restaurou no Brasil o estilo escolástico de debate. Uma das melhores definições de escolástica como estilo retórico diz que ela era uma maneira precisa de falar de coisas vagas. Para ver como isso funciona na prática, basta acompanhar a discussão sobre democracia: quase ninguém discute os mecanismos reais de representação. E o resultado é que o debate, político e intelectual, ficou muito chato no Brasil, pois a discussão sobre coisas concretas é sempre muito mais remuneradora que a discussão sobre princípios.
VEJA – Qual seria o remédio?
MERQUIOR – Pessoalmente, há muitos anos eu me espanto com a irresponsabilidade de alguns intelectuais que tendem a minimizar, em nome de uma vesga modernice, o problema do ensino básico, da alfabetização, de dotar as pessoas com o instrumental mínimo do pensamento articulado, que é a capacidade de falar e escrever corretamente. Fala-se mal, escreve-se mal, pensa-se mal no Brasil.
VEJA – Quem escreve mal?
MERQUIOR – Os cientistas sociais, os críticos literários, os políticos e, enfim, mas não por último, os escritores.
VEJA – São problemas de estilo?
MERQUIOR – Há problemas de estilo, sim. No caso dos cientistas sociais, por exemplo, existe o problema do jargão, uma certa resistência a escrever em português. Mas, antes disso, na base disso, há uma coisa pior: a dificuldade sintática, a penúria vocabular, a insuficiência gramatical. Aqui estamos falando de escrever errado mesmo.
VEJA – Escrever mal é pecado grave para um cientista social?
MERQUIOR – Até o fim dos anos 40, os cientistas sociais que tinham importância e prestígio no Brasil escreviam admiravelmente bem – gente como Sérgio Buarque de Hollanda e Gilberto Freyre. Eles renovaram o estilo literário das ciências sociais brasileiras, que estava ainda muito preso ao modelo de Euclides da Cunha. Agora, o estilo oficial dos cientistas sociais é o das teses universitárias.
VEJA – O senhor tem má vontade para com teses?
MERQUIOR – Teses não são necessariamente feitas para ser publicadas. Na Inglaterra, que tem excelentes costumes acadêmicos, encontram-se intelectuais notáveis, reputadíssimos, que aos 60 anos, com uma carreira acadêmica plenamente realizada, têm dois ou três livros publicados. Mas são livros de verdade
VEJA – Cite livros malfeitos.
MERQUIOR – Eu lembro “A Ideologia da Cultura Brasileira”, do professor Carlos Guilherme Motta, como um livro bem ruim. Não por ser propriamente mal escrito. Ele não tem distinção literária, mas também não é especialmente mal escrito. Ele é mal pensado, com uma arbitrariedade muito grande. Por exemplo, ao analisar o Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB). Naquela fase, começo dos anos 60, não se pode negar que o ISEB fosse um grupo de intelectuais de esquerda pensando o Brasil com um certo grau de sofisticação filosófica, com leituras existencialistas, orteguianas. Carlos Guilherme Motta tratou esse movimento considerando apenas um artigo para jornal de Hélio Jaguaribe. O livro é bairrista. Tudo gira em torno da Universidade de São Paulo.
VEJA – Outro exemplo.
MERQUIOR – Cito um livro muito rico em informações, único do gênero, de consulta obrigatória, que eu mesmo tenho usado freqüentemente: “A História da Inteligência Brasileira”, de Wilson Martins. É muito mal estruturado. O método de organizar autores por ordem cronológica é um equívoco. O importante é a tendência literária, não a cronologia.
VEJA – Na sua opinião, quem escreve bem no Brasil?
MERQUIOR – O memorialista Pedro Nava escreve magnificamente. Os poetas Armando Freitas Filho e Mauro Gama, também. Há uma recuperação dos padrões de elegância na ensaística mais recente, em cientistas sociais, como Bolívar Lamounier. Estou citando, é claro, as novidades.
VEJA – E entre os escritores de vanguarda, algum nome merece destaque?
MERQUIOR – A vanguarda brasileira anda muito quieta, tão quieta que não a estou notando, ou se dissolveu – e não sou eu quem vai botar luto por isso. A última vanguarda fecunda no Brasil foi a de 1922, a geração modernista.
VEJA – Não está acontecendo nada de novo na cultura brasileira?
MERQUIOR – Literariamente, o único fenômeno que noto é a febre do memorialismo, uma tendência tão forte que já chegou até aos jovens, como o best-seller Fernando Gabeira. Gabeira, aliás, escreve bem. Pelo menos, escreve com graça, que é uma virtude que se exilou da literatura brasileira. Só li dele o primeiro livro, “O Que É Isso, Companheiro?”, mas chego a me perguntar se uma parte do sucesso que vem fazendo não é simplesmente porque escreve com graça.
VEJA – Como é o intelectual brasileiro?
MERQUIOR – No Brasil, há uma intelectualidade, mas não uma intelligentsia. A diferença entre uma coisa e outra é a mesma que distingue o gênero da espécie. A intelligentsia é um tipo de intelectualidade, um tipo cujo modelo histórico foram os intelectuais da Europa oriental no século passado, sobretudo no império czarista. O que a caracteriza é a separação em que os intelectuais vivem em relação à sociedade. São párias, até pela situação de sua renda e seu status. Os intelectuais brasileiros mais radicais não são párias de nossa sociedade, nem pela renda nem pelo status. Se disserem que são, eu respondo com uma gargalhada. Eles se beneficiaram do progresso econômico, subiram socialmente nos últimos anos como o resto da classe média. Por isso, têm uma retórica muito radical. Fingem que são uma intelligentsia. Mas, na prática, se comportam como um setor do salariado, têm impulsos corporativistas.
VEJA – O senhor quer dizer que os intelectuais são muito ciosos de seus interesses de classe?
MERQUIOR – Basta ver a prática da excomunhão em meios universitários, como se cassam mandatos intelectuais no Brasil. O AI-5 intelectual nunca foi revogado. É a classe se organizando em corporação. É típica a maneira como se reage no país à polêmica. Quando um intelectual no Brasil se sente incomodado por um crítico, ele não contra-ataca as idéias do crítico, ataca o próprio crítico. Foi o que aconteceu comigo, na polêmica com a professora Marilena Lefort…
VEJA – Quem?
MERQUIOR – Aliás, Marilena Chauí, que em seu último livro psicografou trechos inteiros do francês Claude Lefort. Quando eu denunciei isso em artigo, as pessoas que vieram em defesa da Marilena procuraram desqualificar minha pessoa, a pretexto de que eu trabalho para o governo. Eu me refiro a Maria Sylvia Carvalho Franco, conhecida patrulheira ideológica paulista. Há exceções, felizmente. Eu também critiquei Carlos Nelson Coutinho, porque não me convenceu sua tentativa de provar que leninismo e democracia são compatíveis. Ele entendeu que se tratava de uma discussão de idéias. Respondeu com seus contra-argumentos marxistas. Quando isso acontece, há polêmica. Do contrário, o que se tem é um bom exemplo do clero intelectual agindo como seita. É uma das características de toda seita é o puritanismo, a intransigência no plano da conduta e o dogmatismo.
VEJA – Aonde esse comportamento pode levar?
MERQUIOR – Está levando a uma grafocracia. Criticam-se muito as várias cracias, mas não a grafocracia, termo cunhado pelo marxista austríaco Karl Renner, depois da II Guerra, para designar essa vocação moderna do intelectual para exercer o poder através do que ensina ou escreve. O mal da grafocracia é que, com ela, o humanismo deixa de ser um movimento intelectual para se transformar numa ideologia, no sentido marxista da palavra, isto é, um sistema que reflete os interesses de uma camada intelectual que se comporta como clero.
VEJA – O filósofo Claude Lévi-Strauss, depois de ensinar na USP, escreveu que no Brasil todos querem ser eruditos, mas não têm a vocação nem o mérito. O senhor se considera um erudito?
MERQUIOR – Como categoria neutra, sem dar à palavra conotações de bem ou mal, admito que em alguns trabalhos realizei um certo esforço de erudição. Mas a minha preocupação com a erudição é instrumental, quero equipar-me com ela para tratar de determinados problemas. Mas essa conversa do erudito que leu o último livro é uma bobagem. Ninguém leu o último livro. Essa época acabou na Renascença, quando as grandes bibliotecas tinham 500 volumes. A minha tem 7 000 volumes e não tem o último livro. Por outro lado, a erudição também vai ganhando um ar pejorativo serve para descartar certas idéias, um certo tipo de pensamento a pretexto de que “são coisas de erudito”. A insinuação é de que existe outro saber, por graça infusa, que dispensa seus iluminados do trabalho de serem eruditos. Basta estar na posição “correta”. Eu gostaria de saber quem dá esse atestado de dispensa.
VEJA – Entre a esquerda e a direita, onde é que o senhor fica?
MERQUIOR – Alguém definiu admiravelmente bem as pessoas de minha posição ideológica. Foi o polonês Leszek Kolakowski, num texto que é uma pérola – “Como ser conservador, liberal e socialista”. No fundo da visão conservadora, existe um elemento muito positivo, que consiste em acreditar que nem todos os males humanos têm causas sociais, sendo portanto elimináveis através de mudanças sociais. Do lado liberal, a idéia básica, também verdadeira, é que a finalidade do Estado é dar segurança, sem esclerosar a sociedade com um sistema demasiado refratário à iniciativa individual. Enfim, o socialismo tem de válida a idéia de que o pessimismo antropológico, por trás da posição conservadora, não deve ter o poder absolutista de evitar as reformas sociais citadas pelo reformismo esclarecido.
VEJA – Trocando em miúdos…
MERQUIOR – …Eu me sinto um pouco um iluminista. Tenho confiança no progresso, acredito no progresso pela racionalidade. Essa crença já foi característica dos socialistas, mas hoje os socialistas mais sofisticados abandonaram seu compromisso histórico com o evolucionismo, direita e esquerda ficaram muito parecidas nesse aspecto: o repúdio aos tempos modernos. Adorno, que se proclamava neomarxista, chamou nossa época de satânica. No século XVIII, quem acreditava no progresso eram os filósofos. Atualmente, intelectual que acredita no progresso é coisa rara. Hoje em dia, quem acredita no progresso, felizmente, são as massas.

Dez medidas contra a Corrupcao: assine o documento

Aqui: http://www.combateacorrupcao.mpf.mp.br/10-medidas

Agora, a sociedade é chamada a apoiar e defender as medidas, conclamando o Congresso para que promova as alterações estruturais e sistêmicas necessárias para prevenir e reprimir a corrupção de modo adequado. Mesmo que algum parlamentar proponha as medidas, as assinaturas são importantes como manifestação de apoio à aprovação no Congresso. Essa iniciativa não tem qualquer vinculação partidária.

Smiley face

ATENÇÃO: pela legislação, as assinaturas para os Projetos de Lei de iniciativa popular devem ser encaminhadas fisicamente, não por meio digital. O nome completo deve ser preenchido, sem abreviações. Se estiver sem o título de eleitor, esse campo pode ser deixado em branco. Se quiser consultar o número do seu título de eleitor, clique aqui. Após impressão e preenchimento, o formulário deve ser entregue em uma das unidades do MPF ou remetido fisicamente para: Procuradoria Geral da República - 5ª Câmara de Coordenação e Revisão - SAF/SUL Quadra 04 Conjunto C - Bloco B – 3ª Andar, Sala 305 - CEP: 70050-900 Brasília/DF.