Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, em viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas.
O que é este blog?
Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.
PRA: Não tenho a menor ideia de quem ou quais pessoas possam ter escrito esse manifesto, mas creio que reflete a posição de cidadãos preocupados com a credibilidade diplomática do Brasil.
*Manifesto pela Retirada do Apoio Brasileiro à Petição Sul-Africana Contra Israel*
“Prezado Presidente Luiz Inácio Lula da Silva,
Nós, cidadãos preocupados, expressamos nosso descontentamento com a decisão do governo brasileiro de apoiar a ação da África do Sul contra Israel na Corte Internacional de Justiça. Compreendemos a complexidade da situação em Gaza e o sofrimento da população local. No entanto, é imperativo avaliar todos os aspectos antes de endossar tal iniciativa, principalmente quando se trata da séria acusação de genocídio.
Genocídio, por definição, implica a intenção de exterminar pessoas com base em nacionalidade, raça, religião ou etnia. Não acreditamos que seja sua visão ou a percepção geral dos brasileiros que Israel tenha tal objetivo. Pelo contrário, reconhecemos que o conflito teve início com um ataque terrorista do Hamas, que declaradamente busca a eliminação de Israel e de seu povo.
O Hamas utiliza civis como escudos humanos e mantém reféns inocentes, o que contribui significativamente para a complexidade e gravidade da situação em Gaza. Ao apoiar o pedido da África do Sul, o Brasil pode inadvertidamente reforçar uma visão distorcida dos eventos, simplificando uma realidade complexa.
*Instamos, portanto, uma reconsideração desse apoio* e a adoção de uma abordagem justa e equilibrada. Enquanto buscamos aliviar o sofrimento em Gaza, é crucial pressionar não apenas Israel, mas especialmente o Hamas, para que cesse o uso de escudos humanos e liberte os reféns. A responsabilidade pela situação deve ser atribuída a todas as partes envolvidas, sem acusações infundadas, como a de genocídio praticado por Israel.
Apelamos por uma atitude que promova a verdade, a justiça e um ambiente propício para negociações de paz duradouras.”
Manifesto em defesa das eleições amplia pressão do PIB sobre Bolsonaro após ameaças
Metropoles, 6 de agosto de 2021
Manifesto em defesa das eleições amplia pressão do PIB sobre Bolsonaro após ameaças
Mais duro recado do PIB a Jair Bolsonaro diante das ameaças do presidente à realização de eleições em 2022, o manifesto de apoio ao sistema eleitoral e à ordem democrática assinado por empresários, banqueiros, intelectuais e outros nomes da sociedade civil recebeu adesões nesta quinta-feira (5).
Signatários disseram à reportagem que a reação desmonta a ideia de que “a elite financeira do país esteja indiferente” aos ataques à democracia e sinaliza que não dá para “assistir a isso calado”. A intenção, relatam, é demonstrar repúdio ao risco de rupturas e o desejo de estabilidade.
Um balanço parcial dos organizadores contava cerca de 6.000 novos subscreventes até o início da tarde desta quinta, mesmo dia em que o documento foi publicado na forma de anúncio em jornais, inicialmente com a assinatura de 267 pessoas. O texto está aberto para apoios na internet.
Somaram-se ao grupo personalidades ligadas ao setor financeiro, como Eduardo Mufarej, Guilherme Affonso Ferreira, José de Menezes Berenguer Neto e Reinaldo Pamponet, além do ex-chanceler Celso Amorim, dos acadêmicos José Álvaro Moisés e Lilia Moritz Schwarcz e do ex-jogador Raí.
Agentes de peso da área privada, como os empresários Luiza e Frederico Trajano, Jayme Garfinkel, Guilherme Leal, Horácio Lafer Piva e Carlos Jereissati Filho, e nomes ligados ao setor bancário, como Pedro Moreira Salles e Roberto Setubal (Itaú Unibanco), já compunham a lista original.
Políticos, economistas, líderes religiosos, ativistas do terceiro setor, artistas e centenas de pessoas envolvidas no debate público também estão engajados na mobilização. A divulgação da carta começou a ser discutida na terça-feira (3), em resposta à escalada autoritária no discurso de Bolsonaro.
Presidente do banco Credit Suisse no Brasil e um dos signatários do manifesto, José Olympio Pereira diz que a gota d’água para a reação foi “a escalada de uma crise institucional que não pode continuar”.
“A gente precisa se manifestar. Não dá para a gente assistir a isso calado. É ruim para o Brasil, para todo o mundo, inclusive para o governo. Está na hora de o governo rever a sua posição. Estamos vendo o princípio de uma recuperação econômica e queremos avançar”, afirma ele à reportagem.
Olympio critica o que chama de “leniência dos mercados” às sucessivas bravatas de Bolsonaro. “Essa escalada atingiu um nível que provocou essa reação. Vamos restabelecer o diálogo, a razoabilidade. Este país precisa mais de diálogo e menos de radicalização”, prega.
Para o dirigente do Credit Suisse, como a discussão sobre o voto impresso já está no Congresso, é hora de esperar e de respeitar a decisão que for tomada. “Temos mecanismos institucionais para resolver isso tudo. O Congresso decide, e acata-se a decisão. É a forma como se faz em uma democracia.”
Olympio diz esperar que “todos os envolvidos nisso prestem atenção” na carta e que o movimento “ajude a esvaziar esse posicionamento radical” e “a desmontar essa onda que está se formando”.
“Nós todos queremos o melhor para o país, queremos avançar e temos desafios enormes pela frente. Queremos voltar a crescer, queremos ver as crianças de novo nas escolas. Espero que essa reação da sociedade acabe com esse tipo de confronto e de escalada e que as coisas voltem à normalidade.”
Além de pedir respeito às eleições de 2022 e a garantia de realização do pleito, o documento “Eleições serão respeitadas” demonstra ainda confiança nas urnas eletrônicas e na Justiça Eleitoral, que são alvo do presidente, com ataques à credibilidade do sistema e a defesa de voto impresso.
O manifesto diz que “o princípio-chave de uma democracia saudável é a realização de eleições e a aceitação de seus resultados por todos os envolvidos”. E ressalta a confiança dos autores na Justiça Eleitoral, “uma das mais modernas e respeitadas do mundo”, e no voto eletrônico.
“A sociedade brasileira é garantidora da Constituição e não aceitará aventuras autoritárias. O Brasil terá eleições e seus resultados serão respeitados”, afirma o texto do informe publicitário, que também foi disponibilizado na página eleicaoserespeita.org.
Ainda que alguns dos signatários do manifesto tenham feito comentários em público sobre as razões do movimento, o objetivo geral é não personificar a mobilização. A intenção expressa nos bastidores é a de que o texto seja lido como resposta da sociedade civil, embora o foco no empresariado seja nítido.
Um dos artífices da iniciativa, o professor da FGV-Direito São Paulo Carlos Ari Sundfeld conta que “a razão específica da articulação rápida e contundente é que se tocou em uma linha que não pode ser ultrapassada”, a da ameaça de um governante à realização de eleições livres.
“Não existe uma ilusão na Faria Lima com as vantagens do autoritarismo. É o contrário. A elite financeira do país está associada à elite intelectual e defende a democracia. Quando as pessoas se manifestam, é porque sabem que inclusive seus próprios negócios não vão ter benefício se essa escalada seguir”, diz.
A parcela mais rica da população, que também detém poder político, é alvo de cobranças em diferentes setores por se omitir diante de posicionamentos de Bolsonaro. Segundo o Datafolha, o empresariado é a fatia que mais aprova o presidente (dentro do grupo, 49% consideram o governo ótimo ou bom).
Na opinião do docente da FGV-SP, “as pessoas se enganam achando que a elite financeira do país esteja indiferente por não estar se manifestando a cada ameaça ou que esteja apoiando esse tipo de atitude do presidente”.
“Existe uma movimentação, um desconforto enorme, e é algo que vem crescendo. Uma sensação de que esse caminho precisa ser cortado”, segue Sundfeld, que é associado do CDPP (Centro de Debate de Políticas Públicas), entidade privada voltada a pesquisas onde o texto foi gestado.
Do CDPP, a carta passou a circular em grupos que reúnem economistas com passagens pelo governo, agentes do mercado financeiro, investidores e outros formadores de opinião. Foram feitos ajustes (houve duas versões, segundo Sundfeld) e depois se viabilizou a publicação na forma de anúncio.
Para o professor, uma resposta tão enérgica não foi vista em momentos anteriores por falta de paciência de setores do topo da pirâmide financeira, mas a demora não deve necessariamente ser entendida como leniência ou apoio majoritário do empresariado aos posicionamentos de Bolsonaro.
“O presidente faz um programa de auditório permanente e nem sempre as pessoas têm paciencia de reagir a cada coisa. Mas existem limites até para o circo”, diz Sundfeld, para quem há pluralidade na lista de adesões.
“É difícil unir pessoas que são muito entusiasmadas com o PT e os críticos apoiando qualquer tipo de ideia política, ainda que não seja sobre questões partidárias. O manifesto mostrou que existem pessoas que dialogam, são plurais e defendem um caminho de equilíbrio e de estabilidade”, avalia.
O cientista político e fundador do Centro de Liderança Pública, Luiz Felipe d’Avila, outro subscrevente, reforça o discurso de que defender os pilares democráticos é estimular também, em boa medida, o desenvolvimento econômico.
“Uma atitude como essa, de um presidente que toda hora ameaça adotar medidas extraconstitucionais, afeta diretamente as empresas brasileiras, já tão prejudicadas pelo descrédito da política ambiental e por um ministro que diz que pode dar calote em precatórios [Paulo Guedes, da Economia]”, afirma.
“Isso aumenta demais a volatilidade política e econômica. Espero que as forças que defendem a democracia, como a sociedade civil, o mercado, o Judiciário e o Congresso, assumam a responsabilidade de blindar as instituições democráticas de ataques demagógicos”, acrescenta d’Avila.
O manifesto, com quatro parágrafos e linguagem objetiva, não cita nominalmente Bolsonaro nem evoca as ameaças à Justiça Eleitoral feitas por ele nos últimos meses. A opção por evitar pontos que causassem divergências tem facilitado a adesão de diferentes espectros ideológicos, segundo organizadores.
Economistas e profissionais de outras áreas que serviram a gestões de diferentes partidos nas últimas décadas referenderam o manifesto. Estão na lista ex-ministros e ex-assessores dos governos Fernando Henrique Cardoso (PSDB), Lula e Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB).
A mensagem fala também em acreditar no Brasil, mesmo em um “momento difícil” de crises sanitária, social e econômica, com mortes pela Covid-19 e desemprego. “Nossos mais de 200 milhões de habitantes têm sonhos, aspirações e capacidades para transformar nossa sociedade e construir um futuro mais próspero e justo. Esse futuro só será possível com base na estabilidade democrática.”
Para o investidor e empresário Eduardo Mufarej, que também é fundador da escola de formação de candidatos RenovaBR, “é absolutamente inaceitável” o país gastar “um minuto que seja com a discussão do voto impresso” enquanto “passa por uma de suas maiores crises na história.
“A mensagem que passa é que mais uma vez estão querendo desviar o foco do que é realmente relevante e urgente no país, como a ausência completa de uma política educacional e o desmonte da pauta de combate à corrupção, entre outros tantos assuntos abandonados”, diz o signatário.
Em março deste ano, uma mobilização semelhante à de agora uniu economistas, banqueiros e empresários em uma carta aberta que pedia medidas mais eficazes para o combate à pandemia do novo coronavírus no Brasil. Embora Bolsonaro não fosse mencionado, o alvo principal do texto era ele.
Parte dos apoiadores do novo manifesto também endossou na ocasião a carta, que superou as 1.500 assinaturas e foi divulgada em um momento de alta nos números de mortes pela doença. O documento também foi encaminhado aos representantes dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.
Creio que deve ser o primeiro manifesto de professores de universidades federais em favor do impeachment. Faltam centenas de outras dezenas, ou centenas, de outras faculdades das UFs:
Leia a íntegra do manifesto:
“As professoras e os professores da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná, diante dos diversos crimes de responsabilidade cometidos pelo presidente da República, manifestam-se pela abertura do processo de impeachment e de seu julgamento político. Desde que assumiu a presidência, Jair Bolsonaro vandaliza a Constituição de 1988 ao fragilizar nosso sistema democrático com ataques infundados às instituições, notadamente as de controle e investigação: Ibama, Funai, ICMbio, Coaf e Polícia Federal são os exemplos mais recentes e permanentes.
O presidente da República atenta expressa e publicamente contra o livre exercício dos demais Poderes, ataca a imprensa livre, e incentiva e apoia a perseguição a jornalistas e intelectuais que fazem um debate público e transparente sobre seu governo.
Com o advento da pandemia do novo coronavírus, Jair Bolsonaro passou a violar, individual e institucionalmente, o direito fundamental à saúde de todas e todos os brasileiros ao estabelecer uma política de governo e de Estado organizada pelo não combate à COVID-19.
Assim agindo, também prejudicou a diplomacia brasileira estratégica e comercialmente, tornando o Brasil um pária.
Há, diante de tudo isso, massivas violações a direitos humanos e evidentes e sucessivos crimes de responsabilidade que merecem, urgentemente, apuração, processamento e julgamento”.
Os 78 signatários do manifesto contra Celso de Mello não valem um ovo para quem ama a justiça e a democracia.
Não são apenas militares de pijama que assim o texto patético. Entre outras frases miseráveis, dizem:
“Nenhum Militar galga todos os postos da carreira, porque fez uso de um palavreado enfadonho, supérfluo, verboso, ardiloso, como um bolodório de doutor de faculdade.”
Vivandeiras e lambedores de botas de militares também endossaram o manifesto.
Um desses é o embaixador Marcos Henrique Camillo Cortes, que foi chefe do Centro de Informações do Exterior do Ministério das Relações Exteriores (Ciex), um órgão que espionava brasileiros no exterior, segundo apurou a Comissão da Verdade.
Segue o trecho do texto publicado pelo Senado à época:
Embaixadores monitoravam brasileiros considerados subversivos pelo regime. Comissão Nacional da Verdade revelou casos em relatório apresentado ao governo.
Um embaixador escondido atrás das pilastras do Hotel Bristol, em Paris, para observar os encontros da esposa do ex-presidente Juscelino Kubitschek, Sarah Kubitschek. Os estreitos laços entre a polícia política uruguaia e a embaixada brasileira em Montevidéu, que vigiavam os movimentos do então ex-deputado Leonel Brizola, exilado no país. O cônsul-geral de Santiago, no Chile, atento aos passos dos brasileiros que recebiam aulas de caratê em um clube da capital chilena. Essas são algumas das ações da rede de espionagem montada pelo Ministério das Relações Exteriores (MRE) durante a ditadura militar (1964-1985) e que estão descritas no relatório final da Comissão Nacional da Verdade (CNV).
A atuação do Itamaraty e a participação dos embaixadores é detalhada pelos pesquisadores da CNV, que tiveram acesso a documentos do MRE e do Arquivo Nacional. Com o levantamento, eles concluíram que “o Itamaraty desvirtuou suas funções a ponto de envolver-se diretamente com a violência ilegal e com a exceção”. Os postos do Itamaraty no exterior e os diplomatas nas embaixadas e nos consulados, segundo documentos obtidos pela CNV, foram instrumentos da política repressiva.
“Muitos diplomatas e funcionários de outras categorias do serviço exterior desempenharam funções de espionagem de brasileiros que se opunham ao regime: restringiram-lhes o exercício de direitos fundamentais, criaram embaraços à vida cotidiana deles nos países em que residiam, impediram seu retorno ao Brasil, mantiveram os órgãos repressivos informados de seus passos e atividades no exterior e chegaram a interagir com autoridades de outros países para que a repressão brasileira pudesse atuar além das fronteiras. Inegavelmente, o MRE funcionou, naqueles anos, como uma das engrenagens do aparato repressivo da ditadura”, aponta o relatório da CNV.
No organograma elaborado pela comissão sobre os órgãos de repressão, a pasta das Relações Exteriores estava no mesmo patamar dos ministérios do Exército, da Aeronáutica, da Marinha e da Justiça. O principal braço do Itamaraty era o Centro de Informações do Exterior do Ministério das Relações Exteriores (Ciex) . O relatório aponta, porém, que a atuação não se limitou apenas ao Ciex. Havia ainda, como nos outros ministérios civis, uma Divisão de Segurança Interna (DSI).
De acordo com o relatório da CNV, como a produção de informações ocorria, em muitos casos, clandestinamente, estava fora do campo de atuação tradicional do serviço diplomático. Vale destacar que, nas décadas de 1960 e de 1970, o Brasil não estava ligado ao mundo exterior por sistemas de comunicação como a internet e era essencial a utilização dos canais do serviço exterior brasileiro para a troca de informações.
“Dissimulação”
A CNV reuniu documentos e testemunhas de que o Ciex teve bases em Assunção, Buenos Aires, Montevidéu, Santiago, Paris, Lisboa, Genebra, Praga, Moscou, Varsóvia e na extinta Berlim Oriental. Há ainda indícios do funcionamento de bases do Ciex em La Paz, Lima, Caracas e Londres. O relatório da CNV traz, inclusive, provas documentais de que o Ciex fazia pagamentos em cheques de uma conta no Citibank, em Nova York, para informantes e conseguiu identificar alguns dos pseudônimos dos informantes.
O embaixador Marcos Henrique Camillo Cortes, o primeiro chefe do Ciex, sustentou, em depoimento à CNV, que o órgão jamais existiu. Porém, a comissão considerou a declaração “falaciosa”. Os pesquisadores consultaram 11.327 páginas dos documentos produzidos pelo Ciex, que tinha carimbos com a sigla da entidade e rubricas dos chefes, como Cortes. “Convém não esquecer que a dissimulação é uma das facetas mais características das atividades ligadas ao mundo da espionagem. No organograma do MRE, o Ciex abrigou-se sob denominações administrativas diversas, todas subordinadas diretamente à Secretaria-Geral ou ao gabinete do ministro de Estado”, assinala o texto do relatório da CNV.
Os pesquisadores recolheram provas contundentes da espionagem do Itamaraty, como no caso em que o embaixador brasileiro em Lisboa, Azeredo da Silveira, que, em 1974, remeteu um despacho telegráfico considerado “secreto” para a embaixada de Paris informando que havia decidido abrir uma base do Ciex diretamente subordinada a ele e pedindo que fosse mantido o “máximo de sigilo e segurança operativa no desempenho das tarefas de caráter especial”. Além dessa, o relatório da CNV traz a descrição de várias comunicações entre embaixadores e o MRE que evidenciam a espionagem feita a serviço da ditadura militar.
“Ações subversivas”
O Ciex foi criado em 1967, no auge da repressão do período da ditadura. Segundo um documento recolhido pela CNV, a motivação foi a necessidade de criar um órgão de informações, no âmbito do MRE, para monitorar as “ações subversivas” de brasileiros no exterior.
.x.x.x.
Abaixo, o texto que esse lambe-botas de milico assinou:
Ao Sr. José Celso de Mello Filho.
Ninguém ingressa nas Forças Armadas por apadrinhamento.
Nenhum Militar galga todos os postos da carreira, porque fez uso de um palavreado enfadonho, supérfluo, verboso, ardiloso, como um bolodório de doutor de faculdade.
Nenhum Militar recorre à subjetividade, ao enunciar ao subordinado a missão que lhe cabe executar, se necessário for, com o sacrifício da própria vida.
Nenhum Militar deixa de fazer do seu corpo uma trincheira em defesa da Pátria e da Bandeira.
Nenhum Militar é comissionado para cumprir missão importante, se não estiver preparado para levá-la a bom termo.
Nenhum Militar tergiversa, nem se omite, nem atinge o generalato e, nele, o posto mais elevado, se não merecer o reconhecimento dos seus chefes, o respeito dos seus pares e a admiração dos seus subordinados.
E, principalmente, nenhum Militar, quando lhe é exigido decidir matéria relevante, o faz de tal modo que mereça ser chamado, por quemo indicou, de general de merda.
Assinam o manifesto.
Lúcio Wandeck de Brito Gomes, Coronel da Aeronáutica;
Luís Mauro Ferreira Gomes, Coronel da Aeronáutica;
Luiz Sérgio de Azevedo Ferreira, Coronel da Aeronáutica;
Antoniolavo Brion, Professor;
Rodolfo Tavares, Presidente da FAERJ;
Alfredo Severo Luzardo, Coronel da Aeronáutica;
Napoleão Antonio Muños de Freitas, Coronel da Aeronáutica;
Airton Francisco Campos Tirado, Coronel do Exército;
Paulo Marcos Lustoza, Capitão de Mar e Guerra;
Marcos Coimbra, Economista;
Luiz Felipe Schittini, Tenente-Coronel PMERJ;
Mauro Roberto Granha de Oliveira, Engenheiro Civil;
Samuel Schneider Netto, Coronel da Aeronáutica;
Manoel Carlos Pereira, Major-Brigadeiro;
Paulo Frederico Soriano Dobbin, Vice-Almirante;
José Mauro Rosa Lima, Coronel da Aeronáutica;
Sílvio Potengy, Coronel da Aeronáutica;
Oswaldo Fagundes do Nascimento Filho, Capitão de Mar e Guerra;
Marcos Henrique Camillo Côrtes, Embaixador;
Aileda de Mattos Oliveira, Professora Doutora em Língua Portuguesa;
Hartman Rudi Gohn, Coronel da Aeronáutica;
Carlos José Pöllhuber, Coronel da Aeronáutica;
Reinaldo Peixe Lima, Coronel da Aeronáutica;
Walmir Campello, Capitão de Mar e Guerra;
Sérgio Tasso Vasquez de Aquino, Vice-Almirante;
Wilson Luíz Ribeiro, Coronel da Aeronáutica;
Justino Souza Júnior, Coronel da Aeronáutica;
Luiz Carlos de Almeida Ribeiro, Capitão de Mar e Guerra;
Sonia Maria Soares Almeida, Professora Ensino Superior;
Bertucio Gomes dos Santos, Coronel da Aeronáutica;
Marco Aurélio Erthal, Coronel da Aeronáutica;
Carlos Aureliano Motta de Souza, Coronel da Aeronáutica;
Fernando Almeida, Capitão de Mar e Guerra Reformado;
Herman Glanz, Engenheiro;
Celso Tavares, Coronel da Aeronáutica;
Henrique Rodrigues Vieira Filho, Coronel da Aeronáutica;
Hamilton Leda, Funcionário do Ministério de Ciência e Tecnologia;
Augusto Borborema, Médico;
Ney Martins de Lima, Engenheiro Civil;
Luiz Thomaz Carrilho Teixeira Gomes, Brigadeiro;
Aldo Langbeck Canavarro, Capitão de Mar e Guerra;
Acácio Moraes Garcia, Procurador Federal e Professor;
Antonio Luiz de Souza e Mello, Engenheiro Civil – Petrobrás;
Rui Murat dos Reis, Tenente-Coronel da Aeronáutica;
Sérgio Pedro Bambini, Tenente-Brigadeiro;
Jorge Ruiz Gomes, Tenente-Coronel da Aeronáutica;
Carlos Casado Lima, Coronel da Aeronáutica;
Sergio Chouin Varejão, Engenheiro Mecânico e de Segurança do Trabalho;
José Siqueira Silva, General de Brigada;
José Carlos Lusitano, Contra-Almirante;
Loretta de Queiroz Baltar, Fisioterapeuta;
Henrique Aronovich, Coronel da Aeronáutica;
Renato Tristão de Menezes, Coronel da Aeronáutica;
Sérgio Pedro D’Angelo, Tenente-Coronel da Aeronáutica;
Carlos Arthur Doherty Lassance, Contra-Almirante;
Paulo Sobreira da Silva, Brigadeiro;
Berilo de Lucena Cavalcante, Coronel da Aeronáutica;
Helio Gonçalves, Brigadeiro;
João Carlos Gonçalves de Sousa, Coronel da Aeronáutica;
Alberto Siaudzionis, Coronel da Aeronáutica;
Luiz Carlos Baginski Filho, Brigadeiro;
Frederico de Queiroz Veiga, Major-Brigadeiro;
Italo Regis Pinto, Brigadeiro;
Guilherme Sarmento Sperry, Brigadeiro;
Lúcio Valle Barroso, Coronel da Aeronáutica;
Nélson Zagaglia, Coronel da Aeronáutica;
Ivan Américo Gonçalves, Capitão do Exército;
José Lindenberg Câmara, Capitão de Mar e Guerra;
Mari de Souza Gomes, Funcionária do Itamaraty;
Paulo José Pinto, Coronel da Aeronáutica;
Mauro da Silva Amorim, Coronel da Aeronáutica;
Helius Ferreira Araújo, Major da Aeronáutica;
Carlos Claudio Miguez Suarez, Coronel do Exército;
Paulo Filgueiras Tavares, Coronel do Exército;
Jonas Alves Corrêa, Coronel da Aeronáutica;
João Carlos Fernandes Cardoso, Brigadeiro;
Carlos Rogerio Couro Baptista, Advogado;
Kleber Luciano de Assis, Almirante de Esquadra;
Aparecida Cléia Gerin, Professora;
A referência à “general de merda” se deve a um trecho do livro de memórias de Saulo Ramos, ex-ministro da Justiça e responsável pela indicação de Celso de Mello ao STF, no final do governo Sarney.
Saulo ficou insatisfeito com o voto de Celso de Mello contra uma causa de interesse do já ex-presidente, em 1990. Sarney se candidatou a senador pelo Amapá, Estado em que ele não morava.
Celso de Mello foi contra o registro da candidatura e depois, em um telefonema relatado por Saulo Ramos, foi chamado de “juiz de merda”.
O embaixador lambe-botas de milico e os milicos de pijama, bem como os demais signatários, odeiam magistrados independentes.
Mais um manifesto, e parece ter sido feito expressamente para contradizer, e chatear, o jurista Ives Gandra Martins, que sustentou que as FFAA poderiam atuar como Poder Moderador, e resolver as "pendências" ou fricções entre os poderes, que para ele são causadas por ILEGALIDADES do STF.
O grande jurista Ives Gandra escorregou feio nessa tese, e recebe pela frente um manifesto assinado por 170 outros juristas e profissionais do Direito.
Podia passar sem essa.
Paulo Roberto de Almeida
Manifesto jurídico rejeita intervenção das Forças Armadas e pede respeito a democracia
Texto é assinado por 170 profissionais do direito, incluindo advogados, professores e ex-ministros
Um manifesto assinado por 170 profissionais ligados ao direito, entre professores, advogados, procuradores, juízes e três ex-ministros da Justiça pede que as Forças Armadas respeitem a democracia e rejeita que elas tenham um suposto papel moderador.
O presidente Jair Bolsonaro participa de manifestação em frente ao quartel-general do Exército, em Brasília, em 19 de abril - Pedro Ladeira - 19.abr.2020/Folhapress
“Às Forças Armadas não se atribuem prerrogativas de poder constitucional, sendo instituições nacionais permanentes e regulares a serviço do Estado”, diz o texto.
Entre os signatários estão os ex-ministros da Justiça Miguel Reale Júnior (governo Fernando Henrique Cardoso), José Eduardo Cardozo (Dilma Rousseff) e Torquato Jardim (Michel Temer).
A presença de Reale, um dos autores do pedido de impeachment de Dilma, e de Cardozo, que defendeu a ex-presidente neste mesmo processo, exemplifica a amplitude ideológica da lista.
Também fazem parte, entre outros, o procurador-geral de Justiça do Estado de São Paulo, Mário Luiz Sarrubbo, o diretor da Faculdade de Direito da USP, Floriano de Azevedo Marques Neto, e a ex-representante do Brasil no no Tribunal Penal Internacional Sylvia Steiner. Entre advogados, há nomes como Antonio Claudio Mariz de Oliveira, Alberto Toron, Fabio Tofic Simantob, Flávia Rahal, Tecio Lins e Silva, Luiz Flávio Borges D’Urso e Eduardo Carnelós.
A intervenção das Forças Armadas em momento de crise vem sendo defendida por diversos aliados do presidente Jair Bolsonaro, como o ex-deputado Roberto Jefferson, além de ativistas digitais de direita.
Ela se baseia numa interpretação do artigo 142 da Constituição, que abriria margem para que os militares atuassem como uma espécie de força moderadora, o que é rejeitado pelos autores do manifesto.
“A nação conta com suas Forças Armadas como garantia de defesa dos Poderes constitucionais, jamais para dar suporte a iniciativas que atentem contra eles”, diz o texto.
Os pedidos de intervenção militar têm se acentuado nas últimas semanas, em razão de sucessivas derrotas que Bolsonaro tem sofrido por ação do Supremo Tribunal Federal.
Exemplos recentes foram o veto à nomeação de Alexandre Ramagem para dirigir a Polícia Federal e a divulgação praticamente na íntegra do vídeo da reunião ministerial de 22 de abril, contra a vontade do Planalto.
A temperatura subiu ainda mais na última quarta-feira (27), quando a PF, por ordem do ministro Alexandre de Moraes, fez ações de busca e apreensão contra apoiadores do presidente, no inquérito que apura a propagação de fake news.
Hamilton Mourão: Vice-presidente, é general da reserva do Exército - Pedro Ladeira - 13.dez.2019/Folhapress
Bolsonaro protestou contra a ação e ameaçou não cumprir mais decisões do Supremo. O manifesto defende que discordâncias sobre decisões judiciais são normais e podem ser contestadas, mas sempre seguindo os caminhos constitucionais.
“Eventuais insatisfações e contrariedades sobre decisões do STF são fenômenos comuns e compreensíveis no Estado democrático de Direito. Sua correção e ajustamento devem ser buscados no próprio texto constitucional, a Lei Maior, onde não há guarida para soluções com mobilização de força”, afirma o documento.
Leia a íntegra do manifesto:
*
As Forças Armadas e a Democracia
A Constituição de 1988 reservou às Forças Armadas papel fundamental como instrumento de defesa do Estado de Direito e das instituições democráticas (Título V), tendo como missão a defesa da pátria, a garantia dos poderes constitucionais --Poder Legislativo, Poder Executivo e Poder Judiciário (art. 2º) -- e, por iniciativa de qualquer deles, a defesa da lei e da ordem.
Os Poderes da República são o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, e somente estes!
Às Forças Armadas não se atribuem prerrogativas de poder constitucional, sendo instituições nacionais permanentes e regulares a serviço do Estado.
Nem agregam o papel de poder moderador entre os Poderes, quer porque assim não está expresso na letra constitucional, quer por não terem vocação para tal mister, em função de seu próprio caráter de força.
Ademais, careceriam de condições para exercer tal incumbência, dada sua vinculação hierárquica e disciplinar ao presidente da República, chefe do Poder Executivo.
Os Poderes, por mandamento constitucional, são independentes e harmônicos entre si (art. 2º), tendo sua organização, funcionamento e atribuições expressamente previstos na Constituição, que ainda define como responsável por sua guarda o Supremo Tribunal Federal (art. 102).
Eventuais insatisfações e contrariedades sobre decisões do STF são fenômenos comuns e compreensíveis no Estado Democrático de Direito, da mesma forma como ocorrem em relação a deliberações dos Poderes Executivo e Legislativo.
Sua correção e ajustamento devem ser buscados no próprio texto constitucional, a Lei Maior, onde não há guarida para soluções com mobilização de força.
A nação conta com suas Forças Armadas como garantia de defesa dos Poderes constitucionais, jamais para dar suporte a iniciativas que atentem contra eles.
Conclamamos todos ao encontro da obediência à ordem legal, do caminho da harmonia e do respeito aos Poderes, sob a crença de que, por meio do diálogo, eles continuem o esforço de consolidação de nossa democracia e a merecer os aplausos dos brasileiros.
Só assim o Brasil poderá enfrentar as crises --sanitária, econômica e política-- que corroem o ânimo nacional e reencontrar a chama da esperança tão aguardada por todas as camadas de nossa população.