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quarta-feira, 11 de maio de 2016

Arbitragem sobre o Mar do Sul da China: artigo do embaixador da China no Brasil (CB)

O embaixador da China no Brasil faz apelo à figura de Rio Branco para tentar justificar a posição de seu país sobre as ilhas do Mar do Sul que também são reivindicadas pelas Filipinas. A referência é genérica, e não permite estabelecer de fato os direitos da China, que se refugia em vagos argumentos históricos e à metodologia das negociações diretas para a solução dos problemas existentes.
As Filipinas estão recorrendo à arbitragem internacional para tentar defender seus interesses. Vamos acompanhar o caso.
Paulo Roberto de Almeida

Arbitragem sobre o Mar do Sul da China: farsa política sob capa jurídica

Li Jinzhang

Correio Braziliense, 10/05/2016


Em 23 de janeiro de 2013, as Filipinas solicitaram, unilateralmente, a arbitragem internacional sobre a questão do Mar do Sul da China. Nos últimos dias, o pedido de arbitragem vem despertando a atenção da comunidade internacional. Quem tem mais razão nessa controvérsia? — perguntam-me amigos brasileiros. Por que a China se opõe à arbitragem internacional? Nesse ensejo, gostaria de abordar o histórico dessa questão e as implicações do pedido de arbitragem, revelando e deixando os fatos falarem por si.
Quem vem agitando essas águas? As ilhas do Mar do Sul da China são território chinês desde a antiguidade. Os chineses foram os primeiros a descobrir, nomear, desenvolver e administrar essas ilhas. Ao longo da história, os governos da China afirmaram sua soberania e reforçaram sua gestão de maneiras diversas: definiram os designaram guarnições militares. Até a década de 1970, a soberania chinesa sobre as ilhas era amplamente reconhecida pela comunidade internacional, tanto que nenhum país apresentou qualquer tipo de objeção.
As fronteiras filipinas, por sua vez, foram claramente definidas por documentos internacionais como o Tratado de Paris de 1898, segundo os quais o território filipino é delimitado a oeste pelo meridiano 118ºE, situando-se as ilhas e recifes do Mar do Sul da China a oeste dessa linha. No entanto, após o descobrimento de abundantes recursos de petróleo e gás na região a partir do final da década de 1960, as Filipinas e outros países, ignorando suas demarcações territoriais, invadiram aos poucos os recifes das Ilhas Nansha e, com isso, deram origem às disputas.
Para tirar proveito da situação, a parte filipina acusou a China de empreender uma militarização que, na verdade, nada mais que a necessária disposição de instalações de defesa em seu próprio território. Manila aproveitou a oportunidade para levantar a questão, cortejou as forças de terceiros a fim de aumentar a presença militar na região e solicitou, unilateralmente, a arbitragem internacional sobre o assunto, sem levar em consideração a forte oposição da China. A parte chinesa tem amplas razões para dizer não a isso.
Em primeiro lugar, a não aceitação nem participação da China na arbitragem são justas. De acordo com lei internacional, a escolha dos meios para a resolução de litígios é direito soberano de cada nação envolvida. Por meio de documentos bilaterais e multilaterais, a China e as Filipinas definiram que recorreriam a negociação e consulta para solucionar os litígios em causa. O pedido unilateral de arbitragem de Manila contraria o consenso entre as duas partes e as obrigações internacionais das Filipinas para com a China, ao mesmo tempo que nega à China o direito à livre escolha do meio de resolução de litígio.
Em segundo lugar, a não aceitação nem participação da China na arbitragem são justas. A demanda das Filipinas, na essência, diz respeito à soberania territorial e à demarcação das águas territoriai, que enquadram-se, portanto, no escopo do direito internacional geral e não no da “Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar” (abaixo referida como a Convenção). Como signatária da Convenção, a China emitiu, em 2006, uma declaração, com base no artigo 298 da Convenção, que excluiu a utilização de procedimentos compulsórios como a arbitragem para resolver controvérsias como a demarcação de áreas marítimas. Mais de 30 países já produziram uma declaração semelhante, entre eles o Brasil, que também se reserva esse direito. Ao refutar o caso de arbitragem apresentado pelas Filipinas, o governo chinês é amparado pelo direito internacional e age em conformidade com as normas e práticas internacionais.
Por fim, a não aceitação nem participação da China na arbitragem é legítima. Manila abriu o processo com o intuito de encobrir a sua ocupação ilícita de ilhas da China, dando disfarce “jurídica” a suas ações ilegais. Para tanto, as Filipinas recorrem a uma série de mentiras: por um lado, recusam-se a negociar uma resolução conforme os consensos alcançados entre os dois países e, por outro, alegam ter se esgotado os recursos bilaterais; por um lado, afirmam que o pedido de arbitragem não diz respeito à soberania territorial ou à delimitação de zonas marítimas e, por outro, põem em discussão a soberania e a jurisdição marítima da China. Enquanto levantou o pedido de arbitragem, Manila nunca fez qualquer consulta ao lado chinês sobre a existência e extensão de “controvérsias relativas à interpretação e aplicação da Convenção”. Como disse o chanceler chinês Wang Yi, “uma arbitragem distorcida e desjeitada não merece a participação chinesa”.
No início do século 20, o ilustre Barão do Rio Branco, com sua extraordinária visão estratégica e pragmatismo, resolveu, de maneira pacífica, a demarcação territorial do Brasil com os países vizinhos, consolidando as fronteiras do país. Desde a fundação da República Popular, a China também persiste nos princípios de confiança, boa vizinhança e harmonia, e definiu 90% das fronteiras terrestres por meio de negociações e consultas. Da mesma maneira, a China, respeitando os fatos históricos, encontrará resoluções pacíficas para as controvérsias sobre interesses territoriais e marítimos. Agora, a bola está com as Filipinas. Instamos o lado filipino a suspender, o quanto antes, o processo judicial inconsistente e avesso ao direito internacional, voltar à via negociada para a resolução de disputas, que é o caminho apropriado, mostrar boa vontade e sinceridade para tratar as diferenças de forma adequada e salvaguardar, em conjunto, a paz e a estabilidade do Mar do Sul da China.

Li Jinzhang, Embaixador da China no Brasil

terça-feira, 10 de maio de 2016

Quem quer ajudar Carta Capital? Eles estao precisando de dinheiro...

Caro contribuinte compulsório do governo,
Você sabia que uma parte dos seus impostos vai para veículos mercenários?
Você sabia que você financia aqueles que defendem os corruptos, ineptos, mafiosos?
Não? Pois fique sabendo que nos últimos 13 anos e meio você financiou mesmo aqueles órgãos sabujos da imprensa marron que sustentaram aqueles que roubaram o Brasil durante todo esse tempo.
Agora, eles estão ficando sem dinheiro, e por isso fazem um apelo desesperado, como este que acabo de receber.
Será que é uma "doação legal", estilo PT?
Será que a Receita permite dedução no IRPF de 2017-1016?
Será que os tetos de dedução (para essas coisas, para médicos, etc.) terão correção pela inflação real, ou o próximo governo vai fazer novamente uma correção de mentirinha, cortando a correção a menos da metade?
Não pretendo contribuir para e com quem defende corruptos, mas pode ser que alguma alma piedosa queira ajudar na preservação de espécies ameaçadas de extinção...
Paulo Roberto de Almeida
PS.: como sempre disse, eu leio de tudo: do bom, do mau e do feio...

São Paulo, 10 de Maio de 2016               

Prezado(a) leitor(a) Paulo Roberto de Almeida,

A Carta Maior, com muito esforço, construiu uma história de 15 anos no campo da comunicação progressista de nosso país.
No ano de 2015, as contribuições de nossas leitores e leitores foram fundamentais para que mantivéssemos nosso trabalho independente e combativo.
Diante dos atuais obstáculos que a democracia brasileira enfrenta, é indispensável a contribuição engajada daqueles que estão comprometidos com a defesa da legalidade democrática.
Enviamos abaixo três propostas para você fazer parte desse esforço:
R$ 29,90 ao mês, ou R$ 299,90 ao ano;
R$ 49,90 ao mês, ou R$ 499,90 ao ano;
R$ 99,90 ao mês, ou R$ 999,90 ao ano;

Caso tenha qualquer dúvida, divergência ou sugestão, por favor nos envie um e-mail para xxxxxxxxx@cartamaior.com.br. Se preferir, envie um telefone e o horário mais conveniente para que possamos encontrar em contato.
Desde já, todos nós da Carta Maior agradecemos.
Joaquim Palhares
Diretor da Carta Maior

Google Alert: Politica Externa Comparada FHC e Lula (2004) - Paulo Roberto de Almeida

O Scholar Alert me avisa:
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Uma política externa engajada: a diplomacia do governo Lula
PR Almeida

Ensaio comparativo, contrastando as políticas externas das administrações Fernando
Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, com base em suas características gerais e
nas tomadas de posição em relação a um conjunto de temas da agenda internacional, ...

Comentário PRA, 10/05/2016:
Trata-se de um artigo muito preliminar, quando a diplomacia partidária ainda não tinha feito todas as bobagens que foram sendo perpetradas nos anos seguintes, que agora ressurge porque incluído numa base de dados da Fiocruz:

http://repo.bioeticaediplomacia.icict.fiocruz.br:8080/xmlui/bitstream/handle/123456789/425/Lula.pdf?sequence=1

A Primeira Mensagem do Novo Governo ao Congresso Nacional - Mensagem da Casa Civil


redução do número de ministérios

Origem: Presidência da República; Casa Civil
Departamento de Eliminação de Lixo Administrativo

Senhoras e Senhores parlamentares,
Ao iniciar-se este meu governo, para o qual espero contar com a colaboração de todos vocês, é com ampla satisfação que cumpro, neste momento, o meu dever de atender aos desejos da população, já expressos em manifestações maciças, e que repercutiram nas duas Casas deste Congresso Nacional, para, ao mesmo tempo em que empreendemos a tarefa de reconstrução do país, começar a propor medidas de natureza administrativa que têm por objetivo dotar o meu governo de melhores condições para efetuar as mudanças que hão de caracterizar a fase promissora de modernização e de racionalidade que se abre agora para o Brasil, ao mesmo tempo em que se cumpre o que as ruas demandam: redução das despesas do Estado, enxugamento da máquina pública, adequação dos serviços prestados pelo governo ao que realmente cabe no orçamento.
Nosso país esteve traumatizado, nos últimos meses, por uma profunda divisão, que opôs, de um lado, um governo absolutamente minoritário, sustentado por escassos partidos neste Congresso e algumas forças mercenárias sustentadas por esse mesmo governo, que se encarregavam de criar o caos nas ruas e estradas da nação, em total confronto com a lei e a ordem, e, de outro lado, a imensa maioria da população, que exprimiu em gigantescas manifestações o justo anseio por um governo simplesmente correto, consentâneo com os requerimentos de paz e normalidade institucional.
Pretendo reformular inteiramente as bases da governança neste país, depois de mais de treze anos de caos administrativo, de inchamento desmesurado do governo e de emissão de medidas que engessaram ainda mais a gestão pública e que converteram a administração das empresas privadas num inferno burocrático, paralisadas que foram por medidas contraditórias, por leis irracionais e por decretos irresponsáveis, que aumentaram exageradamente o chamado “custo Brasil”, mas que também minaram, do lado do setor público, a confiança dos brasileiros no Estado e em suas instituições. Não preciso mencionar os maiores escândalos de corrupção da história nacional, e também em escala mundial, que estão sendo devidamente esclarecidos pelo Ministério Público Federal e outras instâncias judiciárias e policiais, aos quais pretendo emprestar todo o meu apoio para a continuidade do esforço de limpeza e saneamento institucional. Meu empenho nessa direção, assim como o de meu governo, será total e incondicional.
Devo alertá-los desde já que meus esforços de reconstrução da nação, de sua economia e de seu sistema político, não serão concretizados sem a parceria do Congresso Nacional, uma vez que é minha intenção associar, se possível, cada uma das senhoras e cada um dos senhores às propostas de legislação que pretendo trazer para discussão nesta Casa. Minha disposição é a de recorrer o menos possível a medidas provisórias ou a decretos executivos, uma vez que entendo ser da responsabilidade desta Casa o debate aberto e esclarecedor sobre cada uma das propostas que pretendo e vou submeter-lhes. Começo justamente pela recomposição da estrutura do governo, na área que incumbe ao poder executivo.
Estão atualmente sob a responsabilidade do chefe do Executivo nada menos do que 39 ministérios ou secretarias de Estado com status de ministérios, numa estrutura de gestão pública que se afigura exagerada para qualquer padrão administrativo que se possa conceber. Esta foi uma das muitas heranças inconvenientes que recebemos dos governos anteriores, uma máquina superdimensionada de administração. Pretendo, com a colaboração das senhoras e dos senhores, reformulá-la com sentido de racionalidade.
Portanto, se este Congresso aprovar – e entendo que ele há de respeitar o direito do chefe do Executivo de definir a organização da administração direta que ele julga a mais adequada ao País –, pretendo trabalhar com o ministério seguinte:

1)    Justiça
2)    Defesa
3)    Relações Exteriores
4)    Fazenda
5)    Educação
6)    Saúde
7)    Indústria e Comércio
8)    Agricultura
9)    Ciência e Tecnologia
10) Trabalho
11) Transportes
12) Comunicações
13) Interior e Infraestrutura
14) Desenvolvimento Social
15) Minas e Energia
16) Planejamento
17) Previdência Social
18) Meio Ambiente
19) Casa Civil
20) Casa Militar

As seguintes áreas administrativas passam a ser vinculadas, enquanto secretarias de Estado, aos ministérios aqui especificados:

1)    Cultura e Esporte ao ministério da Educação;
2)    Integração Nacional ao ministério do Interior e Infraestrutura;
3)    Cidades ao ministério do Desenvolvimento Social;
4)    Turismo ao ministério da Indústria e Comércio;
5)    Desenvolvimento Agrário, Pesca e Aquicultura ao ministério da Agricultura;
6)    Advocacia-Geral da União e Controladoria-Geral da União à Casa Civil;
7)    Gabinete de Segurança Institucional à Casa Militar;
8)    Portos e Aviação Civil ao ministério dos Transportes;
9)    Assuntos Estratégicos ao ministério do Planejamento;

Ficam extintas as seguintes Secretarias de Estado com status de ministério, passando suas responsabilidades respectivas a serem exercidas pelas áreas que se indica:

1)    Comunicação Social, nomeando-se um Porta-Voz da Presidência da República, e encarregando-se a Casa Civil de dispor dos demais serviços;
2)    Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Políticas para as Mulheres e Direitos Humanos para o ministério da Justiça
3)    Micro e Pequena Empresa para o ministério da Indústria e Comércio;

Ficam extintas a Secretaria-Geral e a Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República, sendo as atribuições da primeira passadas para a Casa Civil. É restabelecida o Gabinete de Segurança Institucional, ao abrigo do qual trabalhará a Agência Brasileira de Inteligência, restabelecida plenamente em sua atividade de defesa do Estado, que ficou tremendamente descurada em tempos nos quais organizações ilegais e criminosas atacavam prédios públicos sem qualquer medida preventiva.
O Presidente do Banco Central do Brasil não mais terá status de Ministro de Estado, sendo de nomeação da Presidência da República após sua aprovação pelo Congresso, dispondo de mandato fixo e de autonomia administrativa e operacional, e passando a responder ao Congresso Nacional, no cumprimento das funções que lhe forem atribuídas pelo Conselho Monetário Nacional. Este é o primeiro passo para a plena autonomia do Banco Central, que deve ser objeto de decisão legislativa.
Meu governo não pretende dispor de comunicação institucional. Necessidades tópicas de informação de relevante interesse público serão afetas ao órgão interessado – como, por exemplo, campanhas de vacinação no âmbito da Saúde – abrindo-se amplo espaço para que a própria sociedade, através de empresas privadas de comunicações, cuide de sua informação, sem qualquer orientação ou aconselhamento do governo. Pretendo, assim, extinguir todos os órgãos de comunicação de governo, pois este pode dispor de uma imprensa extremamente vibrante, independente, que assume o encargo e toda a responsabilidade pela informação à sociedade do que for relevante aos poderes públicos comunicar em suas respectivas esferas. No mesmo movimento, pretendo extinguir alguns milhares de cargos de confiança, dando início a um processo amplo de profissionalização do serviço público e sua desconexão com possíveis interesses espúrios que teimam em se infiltrar no governo, em seus diversos níveis.
Meu governo seguirá o princípio de que cabe ao Estado regular apenas as áreas e atividades que lhe são precipuamente devidas, deixando todas as demais para a livre organização da sociedade. São extensas, incontáveis essas áreas e cabe, neste momento, solicitar ao Congresso que também colabore na imensa tarefa de enxugamento do Estado, com vistas a seu melhor funcionamento ao menor custo possível. Entendo que também seria conveniente pensar em retomar o processo de privatização de empresas públicas que, nos últimos anos, só se prestaram a desvios de funções, abrindo espaço para atividades corruptoras nunca antes vistas na história deste país. A Justiça há de abater com sua clava forte todos esses traficantes do dinheiro público e meliantes de colarinho branco que abusaram da boa fé dos brasileiros pagadores de impostos.
Novas propostas de reformas administrativas serão encaminhadas ao Congresso, sempre sob esta orientação geral: as atividades privadas vão se libertar da mão pesada do Estado, e os brasileiros reterão os frutos do seu trabalho na maior extensão possível. As prioridades do meu governo são as de reduzir o peso indevido do Estado sobre o setor privado, em todas as esferas. Dessa forma, construiremos um Brasil mais rico. 
Michel Temer
Presidente da República
 [Com a assessoria técnica de Paulo Roberto de Almeida (10/09/2016)]

Paulo Mercadante: uma redescoberta providencial - Olavo de Carvalho

Existem autores que nos marcam a trajetória intelectual, e que no entanto são fugídios.
Paulo Mercadante é um desses. Li o seu livro Consciência Conservadora no Brasil imediatamente após que regressei de um longo exílio na Europa, em 1977, portanto, e confesso que fiquei encantando pelo pensamento do autor.
Nunca mais vi o livro sendo reeditado, e suponho que não tenha sido, pois ele é tão extraordinário, que escapa ao universo mental restrito da nossa intelectualidade.
Agora, um amigo, Ricardo Wagner Roquetti, me faz referência a uma outra obra dele, que eu não conhecia em absoluto: Militares e Civis: a ética e o compromisso (publicado pela Zahar, em ano que ainda não pesquisei). Vou atrás dele.
Mas, ao simplesmente tentar localizar esse livro em algum sebo eletrônico, cai num prefácio do Olavo de Carvalho a um outro livro dele, que eu tampouco conhecia: A Coerência das Incertezas, tal como transcrito abaixo. Apresso-me a registrar essa introdução, que fala muito do Consciência Conservadora, e vou já buscar esses dois outros livros.
Buscar livros inteligentes para ler é o meu esporte favorito, infelizmente nem sempre contemplado devidamente no nosso universo gramscista de academia.
Vamos à luta pessoal, ou seja, aos sebos eletrônicos.
Paulo Roberto de Almeida

Addendum: Eis o que a Wikipedia tem sobre Paulo Mercadante:
 https://pt.wikipedia.org/wiki/Paulo_Mercadante
Paulo de Freitas Mercadante (Santa Luzia do Carangola, 23 de julho de 1923 - 20 de maio de 2013), ou simplesmente Paulo Mercadante, foi um jurista eescritor brasileiro.

Obras principais[editar | editar código-fonte]

  • A Consciência Conservadora
  • Tobias Barreto na Cultura Brasileira
  • Tobias Barreto, Estudos Alemães
  • Tobias Barreto, o feiticeiro da tribo
  • Os Sertões do Leste, Estudo de uma região: A Mata Mineira
  • Militares e Civis: a Ética e o Compromisso
  • Crônica de uma Comunidade Cafeeira, Carangola: o vale e o rio
  • A Constituição de 1988, o Avanço do Retrocesso
  • Graciliano Ramos, o Manifesto do Trágico
  • A ideação no direito autoral
  • Estudos de Filosofia
  • Portugal Ano Zero
  • Da Aventura Pioneira, ao Destemor à Travessia, Santa Luzia do Carangola
  • Introdução a Fazendas, solares da Região Cafeeira do Brasil Imperial
Este artigo sobre uma pessoa é um esboço. Você pode ajudar a Wikipédia expandindo-o.

Agora Olavo de Carvalho:
Texto de 5/11/2000, neste link: http://www.olavodecarvalho.org/textos/pmercadante.htm

Paulo Mercadante e a alma brasileira
Olavo de Carvalho
Introdução de A Coerência das Incertezas. Símbolos e Mitos na Fenomenologia Histórica Luso-Brasileira, publicado pela É Realizações.

Paulo Mercadante destacou-se entre os historiadores brasileiros sobretudo por um de seus primeiros livros, A Consciência Conservadora no Brasil. É obra tão essencial que, até certo ponto, justifica a relativa desatenção com que foram recebidos seus escritos posteriores. Tal é, aliás, o destino de muitos escritores brasileiros, vítimas de estréias felizes que obscurecem toda a sua produção subseqüente. 
Na área do pensamento e das ciências humanas, esse fenômeno é ainda mais marcante. Não lhe escapou nem o próprio Gilberto Freyre, enquadrado para sempre na imagem inicial moldada pelo sucesso de Casa Grande & Senzala.
Não há nisso, aliás, injustiça nenhuma: não se espera nem se exige que um pesquisador, tendo resolvido uma questão central da disciplina que o ocupa, faça novas descobertas mais decisivas em seguida. Mas às vezes ele de fato as faz, como as fez o Gilberto de Sociologia e de Além do Apenas Moderno, e como as faz Paulo Mercadante neste surpreendente e enigmático A Coerência das Incertezas. Quando essas descobertas passam despercebidas pelo público, o escritor, garantido por seu prestígio inicial, nada perde. Quem perde é o público, que, satisfeito com o antigo dom, se esquece de estender a mão para receber o novo.
Mas o que Paulo Mercadante dá aos leitores neste novo livro é ao mesmo tempo algo de precioso e de sutil, que não se entregará facilmente nem mesmo a quem estenda a mão. O que este livro tem a dar não é aquilo que a maioria dos interessados na nossa História está costumeiramente buscando. É a resposta a perguntas que só os mais atentos e os mais finos observadores chegaram a fazer. Os demais, mesmo que passem por aqui, talvez nem cheguem a perceber de que raio de coisa o autor está falando.
Para dar aos leitores uma idéia do que encontrarão nas páginas que se seguem, talvez seja bom voltar um pouco à Consciência Conservadora. O problema de que ali se trata é decerto o mais decisivo na história de qualquer país: o que pensam e por que assim pensam os homens que mandam. No jargão das ciências sociais, é “a ideologia da classe dominante”.     Mas o termo ideologia tem, desde seu inventor, Napoleão Bonaparte, a acepção de um discurso evanescente, ideal, irreal. Segundo Marx, esse véu de irrealidades, Ideenkleid, “vestido de idéias”, encobre a dura realidade da luta econômica. De outro lado, toda ideologia tende a organizar-se em sistema, a racionalizar-se e justificar-se mediante cadeias de argumentos, mobilizando exércitos de intelectuais e de educadores para que façam da cultura e do ensino a ampliação e reprodução desse sistema.
E aí já começavam, para o investigador da ideologia brasiliensis, os problemas cabeludos. De um lado, a nossa classe conservadora era muito pouco inclinada aos discursos e teorizações. Pragmática e imediatista, raramente fazia questão de elaborar justificativas meticulosas para o que fazia, contentando-se em apelar a algum pretexto convincente, para fins do imediato, e em contar com o esquecimento geral, a longo prazo. Assim, essa ideologia não podia ser constatada diretamente em textos e documentos: tinha de ser escavada como que do subconsciente, à maneira daqueles discursos silenciosos que um psicanalista desentranha das condutas mudas que os encobrem. Em segundo lugar, tão logo o conteúdo mais ou menos implícito do pensamento das nossas classes dominantes começava a mostrar-se aos olhos do investigador, não se parecia em nada com um vestido de idéias a encobrir uma realidade, mas bem ao contrário, era de certo modo o traslado mesmo dessa realidade, apreendida da maneira mais simples, direta e chã. A “consciência conservadora” era de fato um pragmatismo, um arranjo oportunista de soluções oportunas. Que esse arranjo, no mais das vezes, se compusesse de ideais teoricamente contraditórios, cuja acomodação resultaria escandalosa do ponto de vista das mentes mais apegadas à coerência discursiva, era coisa que não abalava no mais mínimo que fosse a classe dos senhores, mais interessada em viver do que em filosofar. Mais ainda, a coexistência de valores incompatíveis, longe de ser sinal de irrealismo ou de falta de sensibilidade, era muitas vezes a expressão a mais exata possível do quadro de circunstâncias, a equação certeira das forças econômicas e políticas em jogo. Por exemplo, o Brasil de 1822 não podia abdicar nem das idéias liberais que inspiravam o movimento de independência, absorvidas na Europa pelos filhos da nossa aristocracia que lá iam estudar, nem das bases econômicas, fundamentalmente agrícolas e escravistas, que davam a esses jovens os meios de ir lá estudar e adquirir essas idéias. A solução pragmática foi “conciliar, antes de tudo, a revolução nas relações externas de produção com o escravismo nas relações internas de produção”, “conciliar o instituto da escravatura e o liberalismo econômico”.[1]
Mas em 1822 não se tratava só de uma revolução, e sim da fundação de um país, da busca de um senso de unidade profunda, de um “instinto da nacionalidade”, para usar a expressão consagrada de Machado de Assis. A rebelião anticolonial, para justificar a existência do novo país, recorre ao discurso do romantismo, de Burke, Savigny e Adam Müller, reação conservadora aos excessos da razão iluminista. “Ao invés de considerar a sociedade e o Estado como resultante de relações contratuais, o romantismo os vê como unidade espiritual; prefere as mudanças imperceptíveis que se acumulam silenciosamente, repelindo as transformações violentas provocadas pelas rebeliões; coloca a superioridade dos costumes como sedimentação da consciência jurídica de um povo e em lugar de um Direito Natural comum a todas as épocas e a todas as latitudes estatui que todas as normas de comportamento se vinculam necessária e historicamente a cada nação.” Porém, ao mesmo tempo, o desejo mesmo de dar expressão jurídica à nacionalidade produz a tendência de “realizar-se através de uma unificação apelando para uma superestrutura jurídica que tudo abrangesse e justificasse”. Transplantado para a nação nova e emergente, o primado romântico do costume sobre a lei assume a figura paradoxal de um formalismo jurídico avassalador. Não menos paradoxalmente, os valores liberais eram afirmados como inspiração perfeitamente autêntica e sincera dos próceres da independência e, ao mesmo tempo, neutralizados pela sua absorção no aparato jurídico “que tudo abrangia”: “O próprio liberalismo econômico seria reduzido a preceito de direito público.”[2]
Conceitos como revolução, reação, liberalismo, nacionalismo, etc., foram criados na Europa para refletir as forças em jogo em diferentes fases de uma sucessão histórica, à medida que ela se desenrolava ante os olhos de seus intérpretes. Amoldá-los a uma situação na qual essas forças, sucessivas do outro lado do oceano, apareciam simultâneas e entremescladas, foi a grande realização ideológica das nossas classes conservadoras. Conciliação e adaptação têm sido, desde então, os instrumentos de uma sobrevivência que de outra forma seria inexplicável. Os arranjos e improvisos, requerendo de um lado uma extrema finura psicológica e um senso prático formidável, dificultavam, de outro lado, a elaboração teórica mais demorada, lançando uma névoa geral no campo das idéias ao mesmo tempo que, na prática, as coisas se resolviam de algum modo. Daí a pobreza teórica do nosso conservadorismo e a facilidade pragmática e quase cínica com que, no poder, ele absorve o discurso e os ideais da oposição progressista ou mesmo revolucionária, para realizar, na prática, o que seus inimigos sonharam em teoria.
Ter chegado a essa profundidade na sondagem das raízes da política nacional fez de A Consciência Conservadora no Brasil um clássico da “história das mentalidades”.
Mas, nos trinta e cinco anos que se passaram desde sua publicação, a curiosidade investigativa de Paulo Mercadante não só foi ampliando o horizonte de temas e problemas que interessavam à sua devoção científica (a mentalidade do homem regional, em Os Sertões do Leste; o confronto de duas éticas em Militares e Civis; a influência paralisante das doutrinas comunistas na cultura brasileira, em Graciliano Ramos), mas, graças aos estudos filosóficos a que se dedicou com intensidade crescente ao longo dos anos, foi observando as coisas desde um ponto de vista cada vez mais profundo e mais pessoal. Em A Consciência Conservadora, movíamo-nos ainda num terreno que, malgrado a originalidade do ponto de vista, era ainda o da tradição historiográfica e sociológica brasileira. A partir de um certo ponto da sua carreira, Mercadante desembocou em questões que escapavam formidavelmente ao horizonte de consciência dos nossos cientistas sociais em geral -- limitado por um materialismo e um imediatismo superficial que muito têm a ver com a formação da mentalidade das nossas classes conservadoras -- e abriam um campo totalmente novo de investigações. A partir daí, ironicamente, o investigador se tornou um outsider precisamente no momento em que se viu dotado de seu mais fino instrumental analítico. Por uma infeliz coincidência, isso se deu contemporaneamente à tomada dos meios de comunicação cultural por um movimento político que, na ideologia, é herdeiro direto daquele do qual Mercadante, com toda uma geração de intelectuais de esquerda, se desligou quando da revelação do célebre Relatório Kruschev de 1956, e, na psicologia, é um fruto do irracionalismo sociopático infundido na intelligentzia esquerdista do Terceiro Mundo pela crescente influência da New Age, do ecologismo e da apologia marcusiana do lumpenproletariado.  O pensamento de Mercadante se tornava mais sutil e mais profundo justamente na hora em que a vida intelectual neste país sacrificava tudo no altar do simplismo e se reduzia cada vez mais à obsessiva repetição de slogans e cacoetes. Concomitante ao florescimento geral do imbecil coletivo, a individualização da forma mentis de um grande espírito resultou num isolamento monástico imposto pelas circunstâncias. Seus trabalhos, muitos da mais alta relevância para todos os estudiosos da área, como por exemplo a monumental edição anotada das obras de Tobias Barreto, em dez volumes, passaram a ser recebidos com o silêncio sepulcral que, na falta de coragem para a difamação direta, é a reação-padrão da esquerda brasileira às realizações valiosas de seus desafetos.
Mercadante é um dos homens mais humildes, bondosos e ternos que já habitaram esse planeta. Além disso, é inteligente demais para esperar que cretinos o compreendam, e foi dotado pela Providência com um senso de humor que lhe permite sair incólume das mais deprimentes situações mediante um sorrisinho irônico e um gracejo. Admiradores seletos, entre os homens mais cultos do país, – um Roberto Campos, um Vamireh Chacom, um Meira Penna – nunca lhe faltaram. Dos outros ele nada tinha a receber, e, se não recebiam o que lhes dava, eles é que perdiam.
Esse mesmo isolamento contribuiu, decerto, para que as meditações do estudioso fossem tomando um rumo cada vez mais peculiar, mais distante das preocupações (ou meras ocupações) dos nossos cientistas sociais acadêmicos.
Quando levada às suas últimas conseqüências, a história das mentalidades desemboca na história do subconsciente, que é, a fortiori, o subconsciente da história. Por baixo das ideologias, começa a se revelar a camada mais decisiva e misteriosa dos nexos sutis entre a história linear e o tempo cíclico do mundus imaginalis, a esfera dos símbolos, mitos e imagens primordiais que, desaparecendo e aparecendo à superfície dos fatos com regularidade assustadora, parecem constituir algo como o quadrante onde se movem os ponteiros da história. A partir dos anos 60, esse domínio, que mui apropriadamente recebeu o nome de meta-história, foi despertando a atenção de notáveis pesquisadores em todo o mundo. Henry Corbin, Jean-Charles Pichon, Eric Voegelin, Raymond Abellio mostraram que as relações entre história e mito não se explicavam pela mera distinção grosseira da infra-estrutura material e da superestrutura ideal a que as tinha reduzido a mistura de marxismo e positivismo, dominante nos meios acadêmicos desde o século passado e hoje, felizmente, moribunda. Muitas vezes, os mitos pareciam prefigurar a história, determinando de algum modo o seu curso: longe de ser puras criações dos homens históricos, eles tinham uma força criadora e determinante por si próprios. Sua presença ativa, encoberta pela sucessão dos fatos político-sociais, revelava-se de tempos em tempos pela recorrência dos mesmos símbolos, das mesmas imagens, que, emoldurando o imaginário dos personagens,  determinava invisivelmente o curso dos seus pensamentos e das suas decisões. Foi ao estudo dessa ordem de coisas que Mercadante, isolado da tagarelice ambiente, se dedicou cada vez mais.
Porém, a essa ciência misteriosa e desafiadora, Mercadante acrescentou uma ênfase nova e pessoal, derivada dos estudos de ciência física que, desde a juventude, o ocuparam apaixonadamente. Isso permitiu que ele se integrasse, como portador de uma contribuição bastante original, numa linha de investigações que, no mundo, é ainda nova e mal compreendida e, no Brasil, é radicalmente ignorada pelo establishmentuniversitário.
Vamos defini-la. À medida que no campo das ciências humanas se desmoralizavam as noções de progresso linear e de causalidade predominante, dissolução similar sofria, na ciência física, o determinismo mecanicista. A constatação desse duplo fracasso abriu para alguns estudiosos um campo de trabalho que é hoje o mais promissor de todos: a investigação das analogias entre causalidade física e causalidade histórica, ambas compreendidas segundo uma matriz quântica e indeterminista.
Tal é o tema das investigações que, referidas especificamente à fenomenologia histórica luso-brasileira, Paulo Mercadante nos apresenta neste livro extraordinário.
Nesse campo, os símbolos, surgidos do impacto das percepções sensíveis sobre a memória e a imaginação, aparecem como condensados de experiências e de expectativas, formando como que o substrato imaginativo da inteligência racional. Assim, no domínio da ação coletiva, qualquer idéia, qualquer decisão, remetem sempre a um fundo simbólico que as emoldura, limita e, até certo ponto, determina.
Os símbolos pairam sobre a história como possibilidades de concepção que, em certos momentos, “descem” e se convertem em possibilidades de ação. O que determina sua descida e seu retorno, seu aparecimento e desaparecimento no cenário da história, parece ser um fator tão misteriosamente individual e irredutível como aquele que, em física subatômica, determina os movimentos de uma partícula singular. Na escala humana, porém, essa irredutibilidade não pode ser explicada como “irracional”: o indivíduo que apreende o nexo simbólico e o converte em ação deliberada opera, como bem percebeu Weber, de maneira estritamente racional. O irracional, o imprevisível, está somente no acaso que, em certos momentos, fornece ou sonega às forças históricas em conflito o personagem individual decisivo, a mente consciente capaz de apreender o novo sentido de velhos símbolos e, articulando-os com a situação presente, inaugurar uma nova possibilidade e um novo estilo de ação histórica. À análise desse personagem, o líder articulador como o chama Paulo Mercadante, são dedicadas algumas das páginas mais luminosas deste livro. Entre o encadeamento das ações pretéritas, a recorrência cíclica dos símbolos, o acaso que produz ou não produz o líder articulador e por fim a interferência do indivíduo consciente que interpreta a situação à luz dos símbolos e desencadeia novas ações, a rede de ligações é sutil e incerta demais para poder condensar-se num determinismo, ainda que atenuado, porém ao mesmo tempo é coerente demais para que nela nada se veja além de uma sucessão de casualidades furiosas. Daí o título: A Coerência das Incertezas. Trata-se de apreender um nexo de sentido onde não é possível (ainda) falar de uma conexão causal direta.
Os capítulos de teoria estão, decerto, entre os mais interessantes deste livro. Mas a passagem à ilustração concreta, à fenomenologia dos símbolos e de sua recorrência na história luso-brasileira mostra que a especulação teórica não trabalhou no terreno das meras hipóteses. O tecido de símbolos no qual nossa história nacional se move mostra aqui, pela primeira vez, seu padrão, sua forma, sua figura. Nossa vida coletiva já não é uma “história contada por um idiota”. De maneira ainda obscura, mas firme e decisiva, ela expressa um fundo de sentido sobre o qual os indivíduos, seja como líderes articuladores, seja como simples particulares, podem projetar o sentido de suas vidas pessoais, seguros de se integrar num projeto histórico já quase milenar. Após ler o livro de Paulo Mercadante, dissolve-se, como num exorcismo, muito da impressão de gratuidade, de absurdo e de inutilidade que infecta e debilita a experiência de ser brasileiro. De fato, essa experiência tem sido, muitas vezes, a de viver jogado num aglomerado caótico de átomos errantes ou a de tentar vencer o absurdo mediante o apelo – e o apego -- a algum mito arbitrário, sem raiz, escolhido pela força da moda ou pela invencionice individual, um arremedo de sentido da vida. É só quando se descobre o nexo de mito e história que a unidade do sentido ideal pode encontrar, na multiplicidade dos fatos, o terreno fértil onde consiga passar da potência ao ato, realizar-se não como ficção histericamente reiterada, mas como vida autêntica.
Sob esse aspecto, este livro de Paulo Mercadante tem, sobre a alma brasileira, um efeito nitidamente curativo.
Não que esse efeito seja fácil de obter. A leitura deste livro é por vezes árdua, tantas são as alusões e subentendidos que entremeiam a exposição, e que, como os símbolos históricos mesmos, requerem um leitor capaz daquela apreensão criativa sem a qual a mágica não se realiza.
Mas o esforço será amplamente recompensado. Pois aqui já não se trata somente de história, nem mesmo de história mítica e simbólica, mas sim de, através dessas disciplinas, abrir uma passagem para o sentido da vida.
Este é, pois, para quem o saiba ler, um livro de sabedoria.
São Paulo, 5 de Novembro de 2000


[1] A Consciência Conservadora no Brasil, Rio, Saga, 1965, pp. 249-250.
[2] Id., p. 252.

O Itamaraty, segundo Cesar Maia

Cesar Maia, 9/05/2016


O ITAMARATY: ONTEM, HOJE E AMANHÃ!
      
(Embaixadores A, B, C...) 
1. Nos últimos 13 anos, a política externa brasileira padeceu de uma excessiva ideologização, que comprometeu os interesses nacionais e a posição do Brasil no cenário internacional. O alinhamento automático com regimes populistas e autoritários, o distanciamento de parceiros tradicionais e a negligência de áreas prioritárias, como a diplomacia econômica e comercial, resultaram no atual quadro de isolamento, paralisia e perda de liderança, sobretudo no entorno regional. Além desse aspecto substantivo, os anos PT também causaram danos significativos ao Itamaraty, como instituição. O Ministério está desprestigiado, seu orçamento degradado (tomado em termos proporcionais), seus funcionários desmotivados. Embaixadas estão ameaçadas de despejo e as dívidas do Brasil com organismos internacionais vêm fazendo com que o país chegue ao ponto de perder direito a voto. A tanto chegamos. 

2. A perspectiva de impeachment da Presidente Dilma Rousseff abre a possibilidade para que se façam as necessárias e urgentes correções de rumo. Dada a natureza da transição, não haverá tempo para improvisos e tentativas de acerto. Para tanto, será necessária uma liderança corajosa e com clareza de propósito à frente do Itamaraty. Uma liderança dotada de uma visão mais pragmática, moderna, liberal e democrática sobre posição do Brasil no mundo. Em sua gestão, o ex-Ministro Celso Amorim executou verdadeiro expurgo entre seus pares e promoveu a posições de chefia uma nova geração de diplomatas leais à sua liderança. 
      
3. Nesse período, deixaram o Itamaraty os Embaixadores Rubens Barbosa e Sérgio Amaral, dois nomes que contam com o respeito dos colegas. E, nesse período, surgiram, sob a égide da dupla Celso Amorim-Samuel Pinheiro Guimarães, secundados pelo prof. Marco Aurélio Garcia, a nova geração de chefes da Casa, devidamente alinhados com a ideologia do partido de turno: Antonio Patriota (Nova York), Guilherme Patriota (Genebra), Mauro Vieira (Ministro de Estado), Rui Pereira (Venezuela), Antonio Simões (Madri), José Antonio Marcondes de Carvalho (Subsecretário de Meio Ambiente e Energia), Paulo de Oliveira Campos (Paris) e Everton Vargas (Buenos Aires), entre outros.
       
4. Essa política reflete-se na dificuldade, hoje, de se identificar, na Casa, diplomatas independentes, com “signority” e que tenham tido a oportunidade de exercer funções de relevo que lhes confiram as credenciais necessárias a ocupar o cargo de Ministro. Uma rara exceção é o atual Embaixador na OMC, Marcos Galvão. Talvez, no atual momento, uma liderança de fora, com perfil elevado e peso político próprio, poderia melhor atender as necessidades políticas e institucionais da política externa brasileira. Essa liderança, além de projetar nossos interesses com maior efetividade, poderia devolver prestígio ao Itamaraty, preservando-o como instituição. O Itamaraty é uma das burocracias do Estado brasileiro mais preparadas para o desempenho de suas funções. Seu alto grau de profissionalização é um patrimônio que deve ser preservado e valorizado.