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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

quarta-feira, 8 de abril de 2020

Economia brasileira: principais dados macroeconômicos - Ricardo Bergamini

Não entendo, como se pode apoiar um governo, sem  ajudar a divulgar as suas informações oficiais. Não há necessidade de notícias falsas, com o volume de informações divulgadas diariamente pelo governo. O Brasil é um manicômio amplo, geral e irrestrito (Ricardo Bergamini).

Prezados Senhores

Gostemos, ou não, não adianta tentarmos nos esconder atrás da própria sombra, mas quem vai decidir o futuro político do Brasil serão os 65,9 milhões de brasileiros degradados, sem lenço e sem documento, onde a esquerda é mestra na manipulação dessa massa de manobra. 

 

Indicadores macroeconômicos do Brasil, sem ideologia e sem coronavirus

 

Base: Fevereiro de 2020

1 - Efeito do Depósito Compulsório e dos Créditos Subsidiados na Taxa de Juros de Mercado (BCB).

Em fevereiro de 2020 a taxa SELIC divulgada pelo Banco Central era de 4,25% ao ano, e ninguém consegue explicar o motivo pelo qual a taxa média de mercado do crédito livre no mês de fevereiro de 2020 estava em 34,1% ao ano, ou seja: 8,02 vezes maiores. Ficando a impressão de que os bancos são os ladrões dessa fortuna, quando na verdade é o próprio governo.

2 - Estoque da Dívida Líquida da União (ME).

Em 2010 o estoque da dívida líquida da União (interna mais líquida externa) era de R$ 2.388,0 bilhões (61,46% do PIB). Em dezembro de 2018 era de R$ 5.671,4 bilhões (83,06% do PIB). Crescimento real em relação ao PIB de 35,14%. Em fevereiro de 2020 migra para R$ 6.182,6 bilhões (84,77% do PIB). Aumento real em relação ao PIB de 2,06%, comparativamente ao ano de 2018.

3 - Estoque da Divida Consolidada do Governo Geral – Governo Federal, o INSS e os governos estaduais e municipais (BCB). 

Em 2010 o estoque da dívida do governo geral consolidada era de R$ 2.011,5 bilhões (55,0% do PIB). Em dezembro de 2018 era de R$ 5.272,0 bilhões (76,7% do PIB). Crescimento real em relação ao PIB de 39,45%. Em fevereiro de 2020 migra para R$ 5.611,0 bilhões (76,5% do PIB). Praticamente estável, comparativamente ao ano de 2018.

4 - Taxa de Investimento (IBGE).

A taxa de Investimento em 2019 foi de 15,4% do PIB. Em 2013 era de 20,9% do PIB. Redução de 26,32% em relação ao PIB. 

 

5 - Taxa de Poupança (IBGE).

 

A taxa de poupança bruta em 2019 foi de 12,2% do PIB. Em 2007 era de 19,3% do PIB. Redução de 36,79% em relação ao PIB.

 

6 - IPCA (IBGE).

O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de fevereiro teve alta de 0,25%, depois de variar 0,21% em janeiro. Foi o menor resultado para um mês de fevereiro desde 2000, quando o índice foi de 0,13%. No ano, o IPCA acumulou alta de 0,46% e, nos últimos 12 meses, de 4,01%, abaixo dos 4,19% observados nos 12 meses imediatamente anteriores. Em fevereiro de 2019, a taxa havia sido 0,43%. 

 

7 - IPP (IBGE)

Os preços da indústria variaram 0,70% em fevereiro, número superior ao observado na comparação entre janeiro de 2020 e dezembro de 2019 (0,35%). O acumulado no ano atingiu 1,05%, contra 0,35% em janeiro/2020. O acumulado em 12 meses foi de 6,62%, contra 6,36% em janeiro/2020.

 

- IPP acumulado em doze meses até fevereiro de 2020 foi de 6,62%.

 

- IGPM acumulado em doze meses até fevereiro de 2020 foi de 6,84.

 

- IPCA acumulado em doze meses até fevereiro de 2020 foi de 4,01%

 

Estou ansioso para saber como o governo vai conseguir financiar a sua monstruosa dívida de 84,77% do PIB com juros SELIC de 3,75% ao ano, enquanto a inflação real de mercado está em torno de 6,8 % ao ano. 

 

8 - Saldo de Caixa em Moedas Estrangeiras (BCB).

Saldo de caixa em moeda estrangeira em fevereiro de 2020 era de US$ 362,5 bilhões, e a dívida externa bruta em moeda estrangeira de US$ 672,0 bilhões. Com saldo devedor de US$ 309,5 bilhões. 

 

Caso seja utilizado o saldo de caixa, aumentará a dívida líquida da União.

 

Cabe lembrar que em 2020 o custo de carregamento desse saldo de caixa está previsto em R$ 60,0 bilhões (remuneração média de aplicação no mercado internacional de 0,5% ao ano, menos custo da taxa Selic de 3,75%ao ano).

 

9 - Pesquisa Mensal de Comércio (IBGE).

 

Em fevereiro de 2020 o volume de vendas do comércio varejista ficou no patamar de 4,5% abaixo do recorde alcançado em outubro de 2014.

 

Em fevereiro de 2020 o volume de vendas do comércio varejista ampliado ficou no patamar de 7,2% abaixo do recorde alcançado em agosto de 2012.

 

10 - Variação do PIB (IBGE).

Em 2019, o PIB (Produto Interno Bruto) cresceu 1,1% frente a 2018, após altas de 1,3% em 2018 e 2017, e de retrações de 3,5% em 2015 e 3,3% em 2016. Houve altas na Agropecuária (1,3%), na Indústria (0,5%) e Serviços (1,3%). O PIB totalizou R$ 7,3 trilhões em 2019.

 

11 - Pesquisa Industrial Mensal (IBGE).

Em fevereiro de 2020, a produção industrial avançou 0,5% frente a janeiro de 2020, na série com ajuste sazonal. Em relação a fevereiro de 2019 (série sem ajuste sazonal), a indústria caiu - 0,4% em fevereiro de 2020. Assim, o setor industrial acumulou queda de -0,6% no ano. No acumulado em 12 meses, a atividade industrial também recuou (-1,2%). 

 

12 - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (IBGE).

 

No trimestre encerrado em fevereiro de 2020 a população fora da força de trabalho (65,9 milhões de pessoas) chegou ao seu maior nível na série histórica, iniciada em 2012, com alta de 1,3% (mais 815 mil pessoas) em relação ao trimestre móvel anterior e estabilidade em relação ao mesmo trimestre de 2019.

 

No trimestre encerrado em fevereiro de 2020 a taxa composta de subutilização da força de trabalho (23,5%) ficou estável em relação ao trimestre móvel anterior (23,3%) e teve redução de -1,1 p.p. em relação ao mesmo trimestre móvel do ano anterior (24,6%). Em relação ao mesmo período móvel de 2014 (15,3%), houve crescimento de 53,60%.

 

Essa massa de degradados não entende de política e ideologia, mas apenas que a situação atual do emprego está 53,60% pior do que o ano de 2014. O resto é debate de bêbados.

 

13 - Política Fiscal (BCB).

No acumulado em doze meses até dezembro de 2018, registrou-se déficit fiscal primário de R$ 108,3 bilhões (1,57% do PIB), No acumulado em doze meses até fevereiro de 2020 registrou-se déficit fiscal primário da ordem de R$ 58,5 bilhões (0,80% do PIB). Redução real em relação ao PIB de 49,04%, comparativamente ao acumulado em doze meses até dezembro de 2018. Nesse ritmo o Brasil vai levar, no mínimo, mais 1,2 anos para atingir resultado fiscal primário “zero”. 

 

No acumulado em doze meses até dezembro de 2018, os juros nominais alcançaram R$ 379,2 bilhões (5,52% do PIB). No acumulado em doze meses até fevereiro de 2020 os juros nominais alcançaram R$ 382,0 bilhões (5,21% do PIB). Redução real em relação ao PIB de 5,62%, comparativamente ao acumulado em doze meses até dezembro de 2018.

 

No acumulado em doze meses até dezembro de 2018, o déficit fiscal nominal alcançou R$ 487,5 bilhões (7,09% do PIB). No acumulado em doze meses até fevereiro de 2020 o déficit fiscal nominal alcançou R$ 440,5 bilhões (6,01% do PIB). Redução real em relação ao PIB de 15,23%, comparativamente ao acumulado em doze meses até dezembro de 2018.

 

14 - Política Monetária (BCB).

 

Em fevereiro de 2020 o volume de operações de crédito foi de R$ 3.491,1 bilhões (47,63% do PIB), sendo:

            

- 57,93% do total - R$ 2.022,4 bilhões (27,59% do PIB) com recursos livres com juro médio de 34,1% ao ano. 

 

- 42,07% do total – R$ 1.468,7 bilhões (20,04% do PIB) com recursos direcionados concedidos por bancos públicos (CAIXA, BB, BNDES) com juro médio de 7,6% ao ano. 

 

A taxa média de juros das operações contratadas em fevereiro de 2020 alcançou 23,0% a.a.

 

15 - Pesquisa Mensal de Serviços (IBGE).

 

Em fevereiro de 2020 o volume total de serviços se encontra 11,1 abaixo do alcançado em novembro de 2014.

 

Até fevereiro de 2020 o volume total de serviços se encontra 72,09% abaixo do alcançado até fevereiro de 2012.

 

16 - Balanço de Pagamentos (BCB).

Série história do saldo das transações correntes com base na média/ano foi como segue: Governo FHC (1995/2002) – déficit de US$ 23,4 bilhões = -3,31% do PIB; Governo Lula (2003/2010) – déficit de US$ 6,6 bilhões = -0,52% do PIB; Governos Dilma/Temer (2011/2018) – déficit de US$ 48,2 bilhões = -2,21% do PIB; Governo Bolsonaro (2019/FEV2020) - déficit de US$ 52,9 bilhões = - 2,91% do PIB, nos 12 meses encerrados em fevereiro de 2020. 

Resumo: Governo FHC déficit de transações correntes de -3,31% do PIB, Governo Lula déficit de -0,52% do PIB, governos Dilma/Temer déficit de -2,21% do PIB e, nos doze meses do governo Bolsonaro encerrados em fevereiro de 2020, déficit de -2,91% do PIB, ou seja, 31,67% maior do que o período de Dilma/Temer.

 

Estamos caminhando para uma grave crise cambial.

17 - Política de Privatização (ME).

No ano de 2016, existiam 228 estatais federais. No ano de 2018, existiam 209, ou seja: no governo Temer, o Brasil ficou livre de 19 lixeiras. Nesse ritmo o Brasil levaria, no mínimo, mais 20,0 anos para se livrar de todo o entulho.

 

Em setembro de 2019 existiam 203 estatais federais, ou seja: nos 9 meses do governo, o Brasil ficou livre de 6 lixeiras. Nesse ritmo o Brasil levaria, no mínimo, mais 24,6 anos para se livrar de todo o entulho. 

 

18 - Movimentações Financeiras das Contas Externas do Brasil (BCB).

 

De 1995 até 2002 (FHC) o Brasil gerou uma saída líquida (fuga) de US$ 22,2 bilhões; de 2003 até 2010 (Lula) o Brasil gerou uma entrada líquida (captação) de US$ 210,5 bilhões; de 2011 até 2018 (Dilma/Temer) o Brasil gerou uma entrada líquida (captação) de US$ 65,7 bilhões; de 2019 até fevereiro de 2020 (Bolsonaro) o Brasil gerou uma saída líquida (fuga) de US$ 49,5 bilhões. 

 

Ricardo Bergamini

Governo persegue conselheiro do Livres - entrevista em companhia de Marcelo Calero, com Paulo Roberto de Almeida


#LivresNotícia

Governo persegue conselheiro do Livres

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8 de abr. de 2020

O embaixador Paulo Roberto de Almeida, conselheiro do Livres, está sendo perseguido pelo chanceler Ernesto Araújo, inclusive com descontos salariais indevidos. Ex-diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais e servidor concursado no topo da carreira diplomática, Paulo Roberto não recebe missões oficiais desde o início do governo Bolsonaro. Caso simboliza a politização e a falta de profissionalismo que tem guiado a política externa brasileira. De segunda a sexta-feira, sempre às 8h, o jornalista Mano Ferreira comanda o #LivresNotícia, com os principais destaques do dia pra quem defende a liberdade por inteiro.

Governo persegue conselheiro do Livres”, Brasília, 6 abril 2020, entrevista gravada em vídeo com o jornalista Mano Ferreira do Livres, em companhia do Deputado Marcelo Calero, no You Tube (link: https://www.youtube.com/watch?v=33XiJPIEmKs&feature=youtu.be).


De segunda a sexta-feira, sempre às 8h, o jornalista Mano Ferreira comanda o #LivresNotícia, com os principais destaques do dia pra quem defende a liberdade por inteiro. _____MAIS INFORMAÇÕES NA DESCRIÇÃO_____ ► Gostou? Like ✔ / Quer mais? Inscreva-se ✔ ► Inscreva-se aqui: http://abre.ai/vem_ser_livres ► Acesse o nosso canal: https://www.youtube.com/channel/UC9OV... ★Seja um associado Livres★ https://associados.eusoulivres.org.br/ --------------------------------------­­---------------------------------------­------- ► Links informados no vídeo ◄ https://diplomatizzando.blogspot.com/...


Essa entrevista tem a ver com uma postagem anterior, já divulgada, com base em perguntas previamente enviadas pelo jornalista Mano Ferreira, como forma forma de preparar a entrevista gravada. Como sempre faço, preparei notas a ela, sem qualquer intenção de ler ou repetir o que escrevi, apenas como auto-esclarecimento e maior informação aos interessados. Eis o registro: 


3621. “O Itamaraty e a diplomacia brasileira em debate”, Brasília, 6 abril 2020, 7 p. Notas para entrevista concedida ao jornalista Mano Ferreira, do Livres, em companhia do deputado Marcelo Calero, sobre temas da política externa e da diplomacia do governo Bolsonaro. Divulgado previamente no blog Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2020/04/o-itamaraty-e-diplomacia-brasileira-em.html).


Transcrevo novamente esse texto: 


O Itamaraty e a diplomacia brasileira em debate

 

Paulo Roberto de Almeida

(www.pralmeida.orghttp://diplomatizzando.blogspot.compralmeida@me.com)

[Objetivo: entrevista ao Livres; finalidade: notas para desenvolvimento oral]

 

 

Notas para entrevista concedida ao jornalista Mano Ferreira, do Livres, sobre temas da política externa e da diplomacia do governo Bolsonaro.

 

1. Professor Paulo Roberto de Almeida, eu gostaria de começar expressando toda a nossa solidariedade, em nome do Livres, e pedindo que o senhor faça um relato da perseguição que vem sofrendo no Itamaraty.

 

PRA: O que está ocorrendo atualmente no Itamaraty é absolutamente inédito em sua história quase bissecular: não existem registros, em quaisquer épocas, que um chanceler tenha antagonizado tanto a Casa de Rio Branco quanto o faz atualmente aquele a quem eu chamo de chanceler acidental, Ernesto Araújo. Eu o chamo de chanceler acidental pois que ele conquistou esse cargo não por ter se distinguido, ao longo da carreira, por eminentes serviços prestados ao Itamaraty ou à política internacional do Brasil, tornando-o uma personalidade conhecida, capaz, portanto, de reunir ao apoio da maioria dos diplomatas ou de conhecidos especialistas em relações internacionais. Não, praticamente ninguém o conhecia, fora do ambiente restrito em que circulou na própria diplomacia.

Tanto é assim que, assim que ele foi anunciado, na tarde do dia 14 de novembro de 2018, um jornalista conhecido de uma grande revista nacional, telefonou-me para saber o que eu poderia falar acerca do desconhecido escolhido. Tive de recobrar-me, primeiro de minha surpresa, para confessar-lhe, em seguida, que eu não conhecia praticamente nada sobre o colega recém promovido a embaixador (em junho de 2018). Não tinha a menor ideia do que ele havia feito na carreira até ali; foi esse jornalista que me passou o nome e endereço do blog que Ernesto havia criado para apoiar a candidatura do capitão: Metapolítica 17: contra o globalismo. Ou seja, não pude ajudar em nada esse jornalista, e me desculpei por isso.

Foi só na noite do dia 14 de novembro, e durante toda a jornada do feriado de 15 de novembro que eu consegui penetrar na mente perturbada do desconhecido colega: fiquei estarrecido ao ler as postagens, carregadas do olavismo mais exacerbado, de um pensamento de extrema direta, bastante agressivo contra o suposto marxismo, do esquerdismo inaceitável que parecia grassar e abundar no Itamaraty, e que a intenção de sua turma era extirpar tudo isso do cenário político nacional. Foi só aí, também, que eu fui finalmente ler o artigo que ele havia publicado na revista que eu editava no IPRI, os Cadernos de Política Exterior, um ano antes, “Trump e o Ocidente”, uma assemblagem de ideias confusas, em nada condizente com o espírito e os objetivos da revista, mas que eu permiti que fosse publicado porque nunca fui de fazer censura sobre ideias alheias. Eu havia visto esse artigo muito por cima, concluído que ele sequer passaria por um Conselho Editorial, e tinha deixado de lado para ler coisas mais interessantes: os apelos religiosos, a visão messiânica me assustaram.

A partir dali tomei consciência de que as coisas iriam mudar muito no Itamaraty, e, prontamente, avisei meu assessor imediato, um conselheiro da mais alta qualidade intelectual, doutorando, como eu fui, pela Universidade de Bruxelas, que buscasse um novo emprego, pois, como disse a ele, a partir de 2 de janeiro, estaríamos desempregados. Demorou um pouco mais, provavelmente porque ainda não tinham quem colocar no meu lugar. Mas, desde o dia 2 de janeiro, congelaram o programa de trabalho que eu havia preparado em dezembro de 2018, ordenaram-me não fazer absolutamente nada até nova definição das “altas chefias” quanto a um novo programa para o IPRI, e até a designação de um novo presidente para a Funag. Tive de lutar para garantir a realização de duas ou três atividades já contratadas, uma com a embaixada da França, a outra com o próprio sogro do chanceler acidental, embaixador Luiz Felipe de Seixas Corrêa, duas vezes secretário geral do Itamaraty, uma outra em que eu mesmo participaria como palestrante, o que de toda forma era incerto.

Fui, portanto, forçado a uma inatividade forçada nos meses de janeiro e fevereiro, quando aproveitei o lazer involuntário para compor um novo livro sobre a política externa, mas que não tinha nada a ver com o governo que recém começava, Mas ele ainda não tinha título, eu só achei um apropriado depois que fui exonerado da direção do IPRIContra a corrente: ensaios contrarianistas sobre as relações internacionais do Brasil, 2014-2018 (Curitiba: Appris, 2019). A exoneração veio em pleno Carnaval, e de maneira bizarra. Noite adentro do domingo de Carnaval, em torno de 23hs, cai na minha tela mais um petardo do chanceler acidental na minha tela: uma resposta muito acerba a um artigo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso nessa mesma manhã, sobre a Venezuela, e a uma palestra do embaixador e ex-ministro Rubens Ricupero abordando a política externa de forma geral. 

Resolvi, então, juntar os três textos, fiz uma pequena introdução convidando os meus 18 leitores a um debate sobre a política externa brasileira e postei no meu blog: “A política externa brasileira em debate: Ricupero, FHC e Araújo”, Brasília, 4 março 2019, 18 p. Introdução, em 2 p., à transcrição de três textos relativos à política externa do governo Bolsonaro, de Rubens Ricupero (25/02/2019), de Fernando Henrique Cardoso (03/03/2019), e do chanceler Ernesto Araújo (3/03/2019). Postado no blog Diplomatizzando (4/03/2019; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2019/03/a-politica-externa-brasileira-em-debate.html). Já estávamos então na madrugada da segunda-feira de Carnaval, como registrado: “Postado por Paulo Roberto de Almeida às 01:14. Fui dormir uma hora depois, para ser acordado cerca de 8 horas da manhã, pelo chefe de gabinete do chanceler acidental, mas prefiro poupar meus leitores da conversa desagradável que ele manteve comigo. 

Pretendia dormir novamente, mas fui novamente despertado pela imprensa, que queria saber o que tinha acontecido naquela manhã de Carnaval. No início não pretendia fazer nenhuma declaração, e por isso fiz uma nota para informar sobre minha saída do IPRI: “Nota sobre minha exoneração como diretor do IPRI”, Brasília, 4 março 2019, 1 p. Explicando o que se passou. Divulgado no blog Diplomatizzando (4/03/2019; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2019/03/nota-sobre-minha-exoneracao-como.html). Nessa mesma postagem eu anunciava o título do meu livro, Contra a Corrente, que foi finalmente publicado cerca de um mês depois. A partir dali, e depois de uma semana atribulada, na qual fiquei dando entrevistas a vários periódicos, e até compareci no programa da Miriam Leitão, com o embaixador Roberto Abdenur, fui exercer o meu contrarianismo na Biblioteca do Itamaraty, meu habitual refúgio durante os anos de travessia do deserto durante o lulopetismo diplomático, quanto não tive nenhum cargo na Secretaria de Estado das Relações Exteriores, durante os treze anos e meio de duração do regime. 

No mês de maio seguinte, fui lotado na Divisão de Comunicações e Arquivo, mas apenas “formalmente”, como me disseram, e que eu não precisaria me preocupar com a catraca eletrônica, pois eu não estaria sendo controlado, pois eu não teria nenhuma função ali e poderia continuar tranquilamente na Biblioteca. Foi, portanto, o que fiz, mantive uma frequência regular à Biblioteca, apenas intercalada por compromissos de natureza acadêmica, alguns fora de Brasília, após os quais voltava ao meu labor solitário na Biblioteca. Disso resultou mais um livro, agora tratando diretamente da política externa do novo governo, pois eu dispunha de abundantes fontes primárias, declarações, artigos e entrevistas do próprio chanceler acidental, assim como as aventuras de Bolsonaro com seus grandes amigos, na verdade poucos, Trump e dois ou três líderes da extrema direita europeia. 

Em meados do ano ficou pronto este livro: Miséria da diplomacia: a destruição da inteligência no Itamaraty, primeiro em edição de autor, depois pela editora da UFRR, ambas disponíveis aos interessados (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2020/03/miseria-da-diplomacia-destruicao-da.html). Imagino que ele deva ter deixado o chanceler muito nervoso, mas não tive reflexos disso até o final de novembro, quando o Boletim de Serviço publicou 20 supostas faltas que eu teria perpetrado entre maio e agosto. Justifiquei cada uma delas no dia seguinte, mas sem qualquer efeito para a Administração: elas foram imediatamente indeferidas. Não preciso contar o resto, tanto porque já o fiz, numa das minhas postagens no Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2020/04/minhas-faltas-injustificadas-segundo-o.html). Resumo: continuaram contabilizando minhas faltas e me descontaram no contracheque de janeiro deste ano: recebi exatamente R$ 210,16. Em 13 de março de 2020, publicaram supostas dez faltas adicionais, que também justifiquei, mas que provavelmente serão mantidas numa próxima decisão da Administração do Pessoal. 

Quanto ao contexto geral da intimidação do Itamaraty contra mim, ela está explícita no artigo seguinte: “Kafka no Itamaraty” (1 abril 2020; blog Diplomatizzando; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2020/04/kafka-no-itamaraty-paulo-roberto-de.html), que pode ser complementado pela cronologia que estabeleci para todo o período 2003-2020 (https://diplomatizzando.blogspot.com/2020/04/uma-trajetoria-diplomatica-do-limbo-ao.html). A etapa mais recente cobre minha defesa contra as arbitrariedades do Itamaraty, mediante uma ação em justiça introduzida no dia 31 de março. A luta continua...

 

2. Embaixador, também é público que o senhor sofreu perseguições e permaneceu subaproveitado durante toda a gestão do PT a frente do governo federal, ou seja, sentiu na pele os desmandos da gestão petista e agora sente na pele os problemas da gestão bolsonarista. Há alguma diferença?

 

PRA: Governos autoritários ou ideologicamente marcados não gostam de mentes independentes, que eles equiparam a dissidentes, ou até mesmo a inimigos do regime. Entendo que eu possa ter sido assim considerado pelo regime lulopetista, pois antes mesmo da vitória de Lula nas eleições de 2002, eu já escrevia artigos analisando a postura do PT em matéria de política externa e relações internacionais. Continuei fazendo isso a despeito do início do governo em janeiro de 2003, e com isso fui vetado para exercer qualquer cargo ba Secretaria de Estado das Relações Exteriores. Passei anos e anos na Biblioteca do Itamaraty, mas não fui objeto de nenhuma punição formal: apenas não fui promovido até terminar o regime, e fiquei no limbo, sem cargos formais. 

Efetuei um relato sobre esses anos neste trabalho: “Auge e declínio do lulopetismo diplomático: um depoimento pessoal” (Brasília, 26/06/2016; blog Diplomatizzando; link: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2016/08/auge-e-declinio-do-lulopetismo.html). Esse depoimento foi incluído como apêndice ao livro Contra a corrente: ensaios contrarianistas sobre as relações internacionais do Brasil, 2014-2018 (Curitiba: Appris, 2019), mas também foi disponibilizado, em forma revista, na plataforma Academia.edu (27/11/2019; link: https://www.academia.edu/41084491/Auge_e_decl%C3%ADnio_do_lulopetismo_diplom%C3%A1tico_um_testemunho_pessoal). Uma coletânea de meus artigos sobre o lulopetismo diplomático é Miséria da diplomacia: apogeu e declínio do lulopetismo diplomático (link: https://www.researchgate.net/publication/323252005_Miseria_da_Diplomacia_apogeu_e_declinio_do_lulopetismo_diplomatico_2018), que foi complementada por uma nova introdução: “Fim do lulopetismo diplomático? Ou apenas o começo do fim?” (Brasília, 10/07/2018; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2018/07/fim-da-unasul-fim-do-lulopetismo.html).

Se existe alguma diferença entre o que eu passei sob o lulopetismo diplomático e o atual olavo-bolsonarismo diplomático ela está no ódio pessoal que o chanceler acidental parece ressentir contra mim, uma vez que, no seu irmão siamês ideológico, mas oposto, eu fui deixado no limbo, mas em paz, ou seja, pude me dedicar a meus estudos e pesquisas. O que a atual Administração inovou foi a punição financeira, por supostas “faltas injustificadas”, que pode ser um prelúdio a um eventual processo de demissão por “inassiduidade habitual”, com o objetivo de me privar de meus direitos. Nesse sentido, o Itamaraty do chanceler acidental é muito mais intimidante, num sentido mesquinho, do que o anterior, dos lulopetistas. 

 

3. O Itamaraty tem condições de conter os danos causados pelo bolsonarismo à nossa reputação? Qual seria o caminho para fortalecer o profissionalismo da nossa diplomacia?

 

PRA: A política externa tem, realisticamente, um papel secundário em face dos grandes problemas nacionais. A maior parte desses problemas são “made in Brazil”, e devem receber respostas e soluções puramente nacionais. O ambiente externo tem sido, na verdade, favorável ao crescimento dos países que souberam aproveitar os impulsos e as oportunidades externas para alavancar avanços internos. A política externa poderia ter um papel relevante na agenda nacional se o Brasil fosse mais aberto ao comércio internacional e bem mais receptivo aos investimentos estrangeiros e associações com os países mais avançados tecnologicamente, fatores relevantes para projetos nacionais de desenvolvimento. Uma comparação entre os países de mais alta renda per capita e seus respectivos coeficientes de abertura externa comprovam esta assertiva. Este deveria ser um argumento suficientemente convincente para justificar um processo de abertura comercial e de maior aproximação aos países líderes do desenvolvimento tecnológico e cultural no mundo. 

Uma política externa compatível com os interesses nacionais precisaria se concentrar numa agenda desse tipo. Pode o Brasil encarar, internamente, a ampliação de facilidades no comércio exterior, com o desmantelamento de entraves administrativos e sistêmicos a uma elevação dos fluxos de exportações e de importações? Tal processo teria de ser paralelo e coincidente com um processo de diminuição da carga tributária sobre as empresas, insuportável sob qualquer critério que se examine. 

Paralelamente seria iniciado um esforço de revisão completa das bases de funcionamento da união aduaneira do Mercosul, a começar pela alternativa entre: (a) unificação de suas regras de aplicação; ou (b) negociação de um protocolo adicional ao Protocolo de Ouro Preto (POP), introduzindo a possibilidade de negociação externa individual de novos acordos de liberalização, com preservação da cláusula de nação-mais-favorecida para dentro. Sob a segunda hipótese, o Brasil deveria negociar outros acordos comerciais, com a Aliança do Pacífico e até com os EUA, prevendo redução de tarifas, abertura a comércio de serviços, defesa de propriedade intelectual e regras estáveis para investimentos, abertos aos demais membros do Mercosul, se estes assim o desejassem. 

O acordo com a UE, concluído em junho de 2019, pode não entrar em vigor, não apenas devido aos problemas trazidos pela pandemia, mas desde o anos passado, em função das posturas anti-ambientalistas do próprio presidente: na época, o parlamento da Áustria, e o próprio executivo francês, sinalizaram que teriam dificuldades em apoiar um acordo com um país que não cumpre o mínimo estabelecido no Acordo de Paris sobre aquecimento global, ou que não respeita outros padrões ambientais e humanitários condizentes com o que se tem estabelecido como normas mínimas no contexto multilateral.

Por outro lado, não há muito que o Brasil possa fazer no plano das negociações comerciais multilaterais, seja no âmbito da Rodada Doha (paralisada e provavelmente moribunda). O que cabe, sim, é examinar os demais acordos plurilaterais existentes no sistema multilateral de comércio, verificar a compatibilidade com o processo (a ser conduzido) de reforma na política comercial nacional, e considerar a hipótese de aderir a esses outros instrumentos de abertura e facilitação.

A política industrial está intimamente relacionada à política comercial, e, na sua vertente externa, deveria dedicar-se a atrair o máximo possível de investimentos estrangeiros e incentivar associações com o que há de mais tecnologicamente avançado no mundo. Independentemente de o Brasil ser ou não membro da OCDE, caberia associar-se ao Comitê de Indústria dessa organização e passar a examinar todos os protocolos, códigos e demais normas voluntárias estabelecidas naquele âmbito, de maneira a colocar a indústria brasileira num contexto de plena conformidade com os padrões internacionais nessa área. Uma das primeiras tarefas internas seria retomar, reexaminar, eventualmente assinar ou renegociar todos os acordos bilaterais de proteção a investimentos, os APPIs, que foram sabotados pelos petistas antes mesmo de assumirem o governo em 2003. O Brasil descumpriu mais de uma dezena de acordos assinados com os mais importantes parceiros exportadores de capitais e de investimentos diretos. Deixou de oferecer um ambiente seguro e estável para esses investimentos, assim como deixa de oferecer um ambiente estável para os próprios empresários brasileiros do setor. Caberia trabalhar com a CNI e algumas federações estaduais mais ativas nessa área, com o objetivo de colocar o Brasil no mesmo patamar regulatório que os países mais avançados.

A política externa precisa retornar aos padrões habituais de profissionalismo e de isenção na análise técnica dos problemas que sempre estiveram afetos ao Itamaraty. Ambos, a política e a instituição, foram bastante deformados nos anos de lulopetismo diplomático, quando uma e outra foram submetidas e ficaram ao sabor das preferências e alucinações partidárias, quando não a serviço de outras causas que não o interesse nacional. A mesma realidade parece se reproduzir atualmente, sob o olavo-bolsonarismo diplomático, que possui muito mais deformações do que jamais tínhamos visto sob o lulismo. A ideologia é muito mais explicita, desde a origem e atualmente, o que torna a nossa política externa errática e altamente instável, pois as expressões equivocadas de políticas nessa área têm de ser corrigidas posteriormente pelos setores prejudicados, como o agronegócio, por exemplo.

O Itamaraty não terá nenhum problema em cumprir uma nova pauta na política externa, pois sempre foi muito disciplinado no cumprimento das diretrizes do chefe do executivo, mas ele necessita passar por reformas organizacionais, depois de mais de uma década de uma nefasta deformação em seus métodos de trabalho e de inversão vertical no processo decisório que sempre o caracterizou.

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 6-8 de abril de 2020








terça-feira, 7 de abril de 2020

O "imbecil" Weintraub (ele se chamou assim) e as relações Brasil-China - Comex

Declarações de Weintraub podem prejudicar da agroindústria à infraestrutura, dizem especialistas



Última atualização: 7 de Abril de 2020 - 10:52
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Da Redação (*)

Brasília  – “Num primeiro momento, a China não deverá impor retaliações ao Brasil, mas pode vir a adotar um distanciamento gradativo que poderá prejudicar importantes setores da nossa economia, do agronegócio à infraestrutura. . Em meio a uma crise sanitária, econômica e política, o Brasil não está em condições de dobrar a aposta e provavelmente trabalhará por uma reaproximação silenciosa. Ainda há muitos dentro do governo que entendem a importância da China para o avanço dos interesses brasileiros”.

A afirmação foi feita pelo professor de Política Internacional da Fundação Getulio Vargas (FGV), Guilherme Casarões, ao comentar publição, pelo ministro da Educação, Abraham Weintraub, no Twitter, com referias “rascistas” e “xenofóbicas”  associando a China à origem da COVID-19.

Para o professor de política internacional da Fundação Getulio Vargas (FGV), Guilherme Casarões, nunca um presidente brasileiro escolheu alvos internacionais tão claros para agressões sistemáticas.

“Parece haver uma estratégia nessas agressões que atende aos interesses de setores do governo. Externamente, vemos uma tentativa mal-acabada de mimetizar a retórica de Donald Trump, mais uma vez ignorando as assimetrias de poder entre o Brasil e a China, nosso principal parceiro comercial”, afirmou o professor.

Casarões lembrou que tal estratégia tem um fundo ideológico, característico do grupo do governo conhecido no Brasil como “olavista”, ligado ao astrólogo Olavo de Carvalho, do qual fazem parte os ministros da Educação Abraham Weintraub, e das Relações Exteriores Ernesto Araújo, entre outros integrantes do governo. Casarões explicou que para este grupo a China é vista como ameaça à civilização ocidental, e o atual vírus seria parte de uma conspiração.

Para o professor e diretor adjunto de Relações Internacionais da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Dawisson Belém Lopes, a tradição da diplomacia brasileira é acomodar-se às circunstâncias de forma inteligente.

“O Brasil hoje nas suas relações exteriores adotou um caminho de alinhamentos automáticos, sem levar em consideração interesses objetivos que estejam em jogo, o que tem guiado a relação com a China. No triângulo Brasil, Estados Unidos e China, existe um forte vetor ideológico que leva o Brasil a se aproximar dos EUA. Mas do ponto de vista material, o Brasil depende muito de suas exportações para a China. Curiosamente tem vencido um vetor mais ideológico”, avaliou Lopes.

Para o mestre em Política Chinesa na Universidade do Povo e mestrando em Economia na Universidade de Pequim, ambas na capital chinesa, Jordy Pasa, desde que o Brasil estabeleceu relações diplomáticas com a China, em 1974, a relação com Beijing foi de cordialidade. Ele lembra que a política externa brasileira é reconhecida pela regularidade e conteúdo de Estado, mesmo durante transições domésticas expressivas entre um governo e outro.

“A administração Bolsonaro, seja diretamente através do ministro das Relações Exteriores e seus subordinados ou do próprio presidente da República, seja indiretamente através de outros membros do governo e demais apoiadores, como é o caso de Weintraub e do deputado federal Eduardo Bolsonaro, representa uma ruptura e um dano inconsequente à essa tradição”, acredita Pasa.

China pede fim de acusações

A manifestação do ministro Weintraub recebeu dura resposta através de nota divulgaa na segunda-feira pela Embaixada da China em Brasilia, na qual a missão diplomática pediu que as acusações infundadas por parte de membros do governo fossem interrompidas. Ainda que, segundo Pasa, seja evidente que os ataques à China vêm de uma ala específica do governo e, reforça o pesquisador, a contragosto de outras, como a dos agropecuaristas e a dos militares, cabe ao Planalto garantir a unidade do governo.

“A Presidência é não somente responsável pelo comportamento de seus membros como também associada às declarações de seus aliados. Os danos infringidos aos laços com Beijing ainda não são irreparáveis. Entretanto, revertê-los exige que entendamos, de uma vez por todas, que nosso inimigo é o novo coronavírus, e não a China, nossa amiga, aliada de longa data, e que, portanto, merece ser tratada como tal. Para o Brasil, não há o que se ganhar com qualquer caminho que não esse”, indicou o pesquisador, também co-fundador do projeto Shumian, que analisa semanalmente os principais fatos relativos à China.

Para Lopes, trata-se de um governo disfuncional e sem coesão no Brasil, em que há uma ala ideológica que hoje é majoritária para assuntos de política externa.

“É uma forma que Bolsonaro encontrou de driblar dificuldades. Toda vez que alguém disse que no episódio envolvendo o filho Eduardo e China, que aquilo era uma afronta ao Estado chinês, o presidente poderá argumentar que não se trata de posição governamental, mas apenas da fala de um deputado. O mesmo vale para declarações de seus ministros. Então tal falta de coesão passar a ser conveniente”, avaliou o especialista.

Relações com a China

Para Casarões, o governo chinês reconhece a importância do Brasil como pilar de sua estratégia de segurança alimentar, além de agir com cautela no tabuleiro internacional.

“Não vejo retaliações diretas da China num primeiro momento, mas um distanciamento gradativo que poderá prejudicar importantes setores da nossa economia, do agronegócio à infraestrutura. Em meio a uma crise sanitária, econômica e política, o Brasil não está em condições de dobrar a aposta e provavelmente trabalhará por uma reaproximação silenciosa. Ainda há muitos dentro do governo que entendem a importância da China para o avanço dos interesses brasileiros”, avaliou o professor.

“Parece que (Jair) Bolsonaro se esforça para desqualificar o trabalho de seu ministro da Saúde, Henrique Mandetta, que já disse publicamente que a China é uma importante parceira no combate à COVID-19. Um efeito colateral dessas provocações é o risco ao agronegócio brasileiro, cujas exportações para a China ainda sustentam a economia brasileira”, afirmou Casarões.

Aos que se preocupam com o futuro das relações sino-brasileiras, segundo Pasa, resta esperar que a China identifique nestes desdobramentos recentes que estes são fruto de um governo fragmentado, em processo de enfraquecimento devido, dentre outros fatores, à resposta pífia à eminente crise com a pandemia da COVID-19.

“A China não está tremendamente incomodada pelas posições de alguém sem expressão internacional, como Weintraub, mas deixa um recado claro de respeito ao seu povo, a seu Estado e ao projeto de civilização que representa”, afirmou Lopes.

(*) Com informações da Xinhua


O Brasil de Jair Bolsonaro e a diplomacia errática - Jean-Jacques Kourliandsky

Conjuntura política

O Brasil de Jair Bolsonaro e a diplomacia errática

Observatório da Imprensa, Edição 1082

por Jean-Jacques Kourliandsky

7 de abril de 2020

http://www.observatoriodaimprensa.com.br/conjuntura-politica/o-brasil-de-jair-bolsonaro-e-a-diplomacia-erratica/

 

Um ano e alguns meses após a posse de Jair Bolsonaro na presidência do Brasil, o cenário da diplomacia coleciona bravatas, gafes e ações de subserviência deploráveis, incoerentes e contraditórias, que afetam decisivamente a imagem internacional do Brasil, como analisa Jean-Jacques Kourliandsky neste texto.

Um ano e pouco mais tarde, o que podemos dizer? Aqueles que se atrevem a comentar a diplomacia bolsonarista reconhecem sua dificuldade em tirar conclusões minimamente coerentes. “O choque do real”, relatou Eliane Oliveira, editorialista do jornal O Globo, em 3 de fevereiro de 2019, obrigou o governo Bolsonaro a “retificar a política externa”. Seu congênere de São Paulo, o Estadão, em 14 de março de 2019, dava um passo a mais ao falar em “diplomacia medíocre”. Alguns meses mais tarde, Nathalia Passarinho, jornalista da BBC, sem outra alternativa, relatava que a “política externa de Bolsonaro era uma política de risco”¹.

O programa do candidato Bolsonaro revelava a preferência por um mundo “livre” e bíblico, inspirado nos Estados Unidos, em Israel e nos dragões asiáticos. Fazia-se o anúncio, assim, de uma reorientação abrupta da participação

brasileira nas instituições regionais criadas pela soberania sul-americana nos anos 2003-2016, de uma revisão das relações com a China e com os países árabes, de uma ruptura com a política de colaboração Sul-Sul e de um distanciamento das instituições multilaterais, do Mercosul à COP².

Tudo isso foi vigorosamente reafirmado nos primeiros dias da posse da nova equipe presidencial. O presidente reservou ao primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, um acolhimento privilegiado após as cerimônias da posse, no 1º de janeiro de 2019. A transferência da embaixada brasileira de Tel-Aviv para Jerusalém foi relembrada em novo anúncio.

O ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo, no dia seguinte à posse, foi além daquilo que se esperava ao apresentar seu plano de atuação aos embaixadores atuantes em Brasília e ao pessoal do Ministério de Relações Exteriores. Ele expressou suas convicções sob a forma de uma pregação religiosa, seguindo a agulha da bússola evangélica de seu mentor.

Gnosesthe ten aletheian kai he eleutherosei humas/ E conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”, disse aos presentes, antes de entregar-se a uma longa exegese de São João, apresentada como fundamento de uma nova diplomacia “livre de influências ideológicas”…

Em Davos, diante da elite financeira e econômica mundial, Jair Bolsonaro, alguns dias mais tarde, em 22 de janeiro de 2019, também emitiu uma mensagem messiânica, acusando aberta e ostensivamente seus predecessores de esquerda de “corrupção ideológica”. Às Nações Unidas, no dia 24 de setembro seguinte, ele precisou seu pensamento da seguinte maneira: “Meu país esteve muito próximo do socialismo, o que nos levou a uma situação de corrupção”, e alvejou explicitamente Cuba e Venezuela, o Foro de São Paulo, mas também, indiretamente, a China. O Brasil anunciou, no dia 4 de janeiro de 2019, sua retirada do Pacto de Marrakech, relativo ao acordo mundial sobre as migrações internacionais, e renunciou à organização da COP 25/2019. Indicou pretender revisar sua presença no Mercosul e tudo o que mais ou menos visasse consolidar a política do multilateralismo.

A aliança com o “santo dos santos”, os Estados Unidos de Donald Trump, foi rapidamente confirmada, tanto em palavras como em atos. O alinhamento diplomático foi incondicional. O Brasil, pela primeira vez em sua história nas Nações Unidas, votou contra a resolução que condena o embargo dos Estados Unidos a Cuba. O Brasil votou contra todas as resoluções críticas a respeito do Estado de Israel. O Brasil associou-se à política de ruptura com o Irã defendida pelos Estados Unidos de Donald Trump. Participou de forma ativa em tudo que pudesse desestabilizar Nicolás Maduro na Venezuela, como no Grupo de Lima e na OEA (Organização dos Estados Americanos), no Tiar (Tratado Interamericano de Assistência Recíproca) e no Prosul (Fórum para o Progresso e Desenvolvimento da América do Sul)³.

As novas autoridades no governo também deram sinal verde para a cessão da joia tecnológica brasileira, a empresa Embraer, à norte-americana Boeing. A base de Alcântara, base espacial brasileira, foi aberta para a NASA. O canteiro de obras de submarinos construídos sob licença francesa recebeu a visita do chefe do comando sul dos exércitos norte-americanos e suas equipes.

Essa diplomacia ideologizada e de servidão voluntária em relação aos Estados Unidos tem mostrado, muito rapidamente, seus limites. Entre os principais parceiros do comércio exterior brasileiro, podemos destacar, com efeito, a China comunista, os países árabes e a Argentina novamente peronista. Os atores econômicos brasileiros assinalaram rapidamente que as intrigas religiosas aos moldes da guerra fria deveriam se restringir ao consumo interno, e que era preciso encontrar um comportamento realista em matéria de política externa.

A embaixada do Brasil em Israel ainda está em Tel-Aviv. O Brasil acolheu a China em Brasília em uma reunião da cúpula dos Brics. Jair Bolsonaro concordou em visitar a Índia entre os dias 26 e 28 de janeiro de 2020, a fim de reforçar os laços estabelecidos pelo governo Lula. O ministro das Relações Exteriores retomou o caminho da África, continente que ocupou um lugar notável tanto diplomaticamente quanto comercialmente nos anos 2006/2016.

Esse revisionismo costurado sob a pressão daqueles que facilitaram a vitória de Bolsonaro permanece efetivamente sob a forma de um bricabraque que se reforma diariamente. As relações com Israel permanecem centrais. No entanto, a incultura e os improvisos dos responsáveis, que mal conseguem sair de suas redes sociais, continuam a pregar peças na diplomacia Brasileira. Jair Bolsonaro, que em Israel classificou o nacional-socialismo hitleriano como uma ideologia condenável, por ser socialista e comunista, foi forçado a se retificar pela voz de seu vice-presidente. O que não impediu seu secretário da Cultura, alguns meses depois, de se referir aos ensinamentos de Joseph Goebbels, ministro da propaganda de Adolf Hitler, provocando com isso a ira de Israel e da comunidade judaica brasileira. O secretário foi obrigado a pedir demissão.

Com falta de poder, ou vontade, para instituir uma variante de regimes totalitários fascistas, Jair Bolsonaro e suas equipes se referem a um nacionalismo de circunstância, ao gosto do cliente. A relação com a Índia, construída por Lula, seria parte de um nacionalismo compartilhado pelos dois governos e mutuamente proveitoso. As agressões verbais contra a França, seu presidente e sua esposa seriam de um nacionalismo patriótico: o chefe de Estado francês agrediu verbalmente seu homólogo sem o uso de luvas diplomáticas. No entanto, Bolsonaro coloca seu nacionalismo no bolso quando se trata dos Estados Unidos, quaisquer que sejam os comentários e decisões de Donald Trump. Já é possível fazer um primeiro balanço diplomático dessas idas e vindas caóticas. O Brasil adquiriu uma respeitabilidade internacional inédita entre 2003 e 2016. Isso se deve, sem dúvida, às circunstâncias econômicas favoráveis, mas também à definição de uma política externa atenta aos interesses nacionais, mais cooperativa, articulada em numerosas iniciativas criadas e conduzidas por uma equipe excepcional, o presidente Lula da Silva, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, e o conselheiro diplomático, Marco Aurélio Garcia.

Jair Bolsonaro declarou, em 18 de março de 2019, em Washington, que a prioridade das prioridades seria não construir, mas desfazer o que existia antes, julgado por ele como ideológico e comunista. Essa ação de destruição foi levada a cabo com êxito, desde 1º de janeiro de 2019. Para o bem de quem? Nem do Brasil, relegado aos degraus inferiores da influência internacional, nem mesmo para o bem de Jair Bolsonaro, uma vez que ninguém o leva a sério nos fóruns internacionais – a tal ponto de, em 2020, ele ter decidido não participar do Fórum de Davos.

Celso Lafer, ex-ministro das Relações Internacionais de um presidente representante do establishment brasileiro, Fernando Henrique Cardoso, dispõe de um pequeno opúsculo que define da seguinte maneira como deve ser a política externa de um país: ela deve “traduzir necessidades internas em possibilidades externas para ampliar o poder de controle de uma sociedade sobre o seu destino”⁴. Mas a quem, no Brasil, além de São João e Donald Trump, referentes exteriores de Jair Bolsonaro, seria permitido “ampliar o poder de controle de uma sociedade sobre o seu destino”?

NOTAS

¹ BBC Brazil, 8 de outubro de 2019.
² NT.: COP – Sigla referente a Conferência das Partes. É o órgão internacional supremo decisório no âmbito da Convenção sobre Diversidade Biológica – CDB.
³ NT.: Em março de 2019, por meio de decreto presidencial, Bolsonaro dispensa americanos da obrigatoriedade de visto para entrar no Brasil, de forma unilateral, em contraposição à política anterior de reciprocidade quanto aos critérios e exigências de outorga de vistos.
⁴ Celso Lafer, A identidade internacional do Brasil e a política externa brasileira, São Paulo, Editora Perspectiva, 2007, p. 16.

Texto publicado originalmente em francês, em 4 de fevereiro de 2020, no site da Associação Nouveaux Espaces Latinos: Sociétés & Cultures de l’Amérique Latine & des Caraïbes, com sede em Lyon – França. Tradução de Joseane Bittencourt, Maísa Ramos e Luzmara Curcino.

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Jean-Jacques Kourliandsky é diretor do Observatório da América Latina da Fundação Jean-Jaurés, em Paris, e pesquisador junto ao IRIS – Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas, responsável pela cobertura e análise conjuntural geopolítica da América Latina e Caribe.