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sábado, 1 de setembro de 2018

Um dialogo sobre A Grande Mudança (fev. 2003) - Paulo Roberto de Almeida

A única resenha efetuada do meu livro foi no Diário de S. Paulo, mas eu não disponho dela neste momento em formato digital. Registrei apenas meu diálogo com o jornalista, respondendo suas muitas perguntas, como registrado aqui: 

1011. “Um diálogo sobre A Grande Mudança”, Washington 21 fevereiro 2003, 9 p. Respostas a questões colocadas por Pablo Pereira, da Editoria de Política do Diário de São Paulo). Matéria publicada sob o título “Livro propõe fim do salário-mínimo para novo país”, Diário de São Paulo (domingo, 16/03/2003). 

O texto é amplamente elucidativo sobre minhas muitas propostas naquele livro.
Paulo Roberto de Almeida 
Brasília, 1 de setembro de 2018

Um diálogo sobre “A Grande Mudança”

Paulo Roberto de Almeida
Washington, 21 de fevereiro de 2003.

Respostas a questões colocadas por Pablo Pereira – 
Editoria de Politica – Diário de São Paulo

            Meu caro Pablo,
            Retomando o dialogo eletronico desta tarde, pretendo responder, na maior extensão e detalhamento possiveis, as questões que voce me colocou e que entendo devem servir de subsidio a uma materia sobre o meu livro.
            Gostaria, antes de mais nada, de agradecer sua atenção em relacao a esse livro que se destina ao publico em geral e de forma especifica a todos aqueles interessados em manter uma discussão bem informada sobre os problemas enfrentados hoje pelo Brasil para a continuidade de seu processo de modernização economica e social.
            Vou retomar uma a uma suas questoes e procurar responde-las da maneira mais concisa possivel.

> 1-O senhor aconselha o novo presidente a se afastar da "elite pensante" e promover reuniões abertas e seminários para determinar prioridades nacionais. O Governo Lula criou o Conselho Nacional de Desenvolvimento Econômico para trilhar este caminho, e foi atacado. Estaria querendo substituir o Congresso, o que ele e o secretário Tarso Genro negam, claro. O senhor acredita que o caminho mais curto para solução das mazelas está na democracia direta, e não na democracia representativa?
            PRA: Não existe caminho curto para a solução das mazelas estruturais e conjunturais do Brasil. As primeiras eu sintetizaria como sendo a educação e qualificação profissional da população brasileira, condição essencial para o aumento dos indicadores de produtividade, unica maneira de elevar a renda e diminuir a desigualdade existente. As conjunturais estão relacionadas à manutenção da estabilidade macroeconômica, sem a qual seria impossível o crescimento sustentado, e portanto o aumento da renda e a diminuição da desigualdade.
            Eu vejo com muitos bons olhos a criação e funcionamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Econômico, na medida em que ele, se adequadamente representativo da sociedade, pode atuar como: (a) câmara de ampliação e sistematização das demandas da sociedade para a continuidade das reformas de que ainda necessita o Brasil; (b) “filtro” da miríade de propostas forçosamente contraditórias e opostas que dividem a sociedade em torno de algumas questões cruciais e que são difíceis de serem resolvidas rapidamente num Parlamento, objeto de pressões corporativas e de lobbies setoriais; no Conselho esses interesses diversos também existem, mas terão de ser necessariamente harmonizados se o Conselho quiser apresentar resultados; (c) compatibilização dessas demandas com as possibilidades concretas da sociedade civil, já que o Conselho não se encontra ainda “cristalizado” como corpo dotado de existência independente, uma vez que emergiu da sociedade civil há muito pouco tempo.
            O Conselho de forma alguma representa a democracia direta, pois que não detém funções legislativas ou executivas; ele é sim, mais uma instância da democracia representativa.


> 2-Como montar no Brasil uma maioria no Congresso para fazer as reformas sem distribuir doces?
> 
            PRA: Introduzindo um novo estilo de fazer política: o de falar de modo sincero, claro, direto e objetivo com os parlamentares e mostrar a ncessidade de determinadas reformas sociais, políticas e econômicas e institucionais. O Brasil está preparado para esse tipo de prática e a mudança nas eleicões se deu precisamente em função disso.
> 3-O senhor fala que não existe o conceito de aliança alimentar, que o problema é de distribuição. Ocorre que exatamente isso virou primeira bandeira do Governo Lula .O foco do Governo está errado?
            PRA: Falei que não existe insegurança alimentar no Brasil, e de fato, examinando os dados da produção e a capacidade adaptativa da agricultura brasileira, chega-se exatamente a essa conclusão: o Brasil está totalmente capacitado para alimentar todos os brasileiros e exportar grandes volumes de alimentos. Podem existir pequenos bolsões de insuficiência alimentar em virtude da ocorrências episódicas de rupturas nas condições geoclimáticas (seca no interior do Nordeste, por exemplo), que colocam populações rurais recuadas ante o espectro da falta de alimentos, durante uma estação ou duas. São ocorrências que se combatem com assistência temporária. Mas, nem nas favelas das cidades existe insegurança alimentar, dado que o problema não é de abastecimento e sim de condições de aquisição do alimento, que se encontra disponível poucas quadras adiante.
O problema, portanto, é o de distribuição, o que se traduz, de fato, num problema de renda, que reverte a ser, por sua vez, um problema de emprego ou de “empregabilidade” da população brasileira. O Brasil, como já se disse várias vezes, não é um país pobre, mas um país com muitos pobres. Entendo que o governo deseje minorar o sofrimento dessas camadas pobres que podem enfrentar, sim, desnutrição endêmica (não por insegurança alimentar, repito, mas por ausência de renda) e a esse título o Programa Fome Zero é um catalizador importante de programas sociais, podendo mobilizar setores inteiros da máquina governamental e estimular energias para combater um problema real: o de que muitos brasileiros que não têm condições de se alimentar adequadamente por carências sociais absolutas. 
Como entendo, porém, que o problema é de renda, a melhor solução para a questão da fome no Brasil seria a criação de empregos, via crescimento econômico. Mas isso, obviamente, é muito mais difícil e lento do que o atendimento imediato de carências alimentares por insuficiência de renda.

> 4-O senhor defende o fim do salário mínimo. O que poria no lugar?
> 
            PRA: O salário mínimo é uma “invenção” relativamente recente na história econômica mundial e corresponde a uma tentativa de correção das desigualdades sociais e da “ super-exploração da mão-de-obra” que cumpriu o seu papel no itinerário das políticas públicas. Como toda invenção humana, sua introdução gera outras distorções sociais, como essa da rigidez no mercado de trabalho, funcionando de modo negativo para aqueles que não têm qualificações de qualquer tipo e que acabam sendo substituídos por outros processos produtivos poupadores de mão-de-obra. 
            Por que a livre negociação seria totalmente negativa do ponto de vista da oferta de empregos? Existem países onde não existe salário minímo, ou onde ele não é obrigatório. Em geral, os países com menores exigências legais em termos contratuais são também os menor índice de desemprego. Estou pensando, obviamente, na situação das camadas mais miseráveis da população, que são também os sem qualificação, que não conseguem se empregar nem pelo salário mínimo.

> 5-Sua reforma trabalhista mexe no artigo 7º da Constituição. Como fazer para mudar a lei?
            Esse dispositivo constitucional não é imune a reforma ou emenda, como já ocorreu com tantos outros (monopólios estatais, por exemplo). Pode-se até conservar o princípio do salário mínimo, mas ele não precisaria ser fixado em lei, ou ser nacionalmente unificado, num país com diferentes dotações produtivas como é o Brasil regionalmente diverso, e com tal variedade de índices de produtividade. 

> 6-Um presidente inovador, revolucionário deveria esforçar-se  para  reduzir a necessidade do estado de crédito para forçar os banqueiros a irem à planície lutar  em busca de clientes. Como fazer para deixar banqueiros ao relento?
> 
            PRA: Extremamente simples: o dia em que o Estado não precisar recorrer ao crédito público para prover operações correntes ou renovar empréstimos anteriores, ele terá deixado de concorrer com empresários e o público em geral pela demanda de dinheiro. Os banqueiros serão então obrigados a fazer aquilo que eles fazem em qualquer país normal: disputar clientes no mercado de crédito, deixando de ser “gigolôs” do Estado. Os juros irão baixar simultaneamente.

> 7-Não é injusto acabar agora com a Comunicação Social do Governo logo depois de um período de 8 anos no qual esse foi um dos pilares de sustenção da imagem do ex-presidente FHC?
            PRA: Minha posição contra a chamada “comunicação social” do governo é filosófica e independe do governo em vigor. Serei contra esse tipo de “propaganda institucional” também no próximo governo, qualquer que seja ele. Entendo que o governo deva disponibilizar informações e os meios de comunicação se encarregam de divulgá-la, na medida exata do interesse público. Se houver campanhas de interesse social ou alertas importantes a fazer à população, ele pode mobilizar redes de rádio e TV como já faz atualmente. Campanhas educativas devem ficar a cargo dos ministérios setoriais (saúde, educação, meio ambiente, etc).

> 8-É possível acabar com os direitos adquiridos na Previdência? Fazer por decreto?
            PRA: Não, não é possível fazer isso por decreto, na medida em que vários dispositivos foram constitucionalizados ou se encontram consagrados na legislação infra-constitucional. Não existe, porém, direitos adquiridos absolutos, que se coloquem contra os interesses da sociedade de modo eterno, tanto porque esses “direitos” foram ali colocados em algum momento, geralmente por esperteza ou mobilização de grupos de interesse restrito.
            Não há nenhum problema em regular direitos (ou expectativas) menores para os novos entrantes no sistema previdenciário. Quanto aos atuais e futuros beneficiários, pode-se fazer emendas constitucionais, inclusive uma prevendo a convocação temporária de um congresso dotado de poderes constituintes ou habilitado a fazer reformas constitucionais, de maneira a estabelecer novos patamares de direitos. 
            Nenhuma sociedade é imóvel e eu dou um exemplo: alguns anos atrás, a população suíça, por referendo, aprovou a elevação legal (de 62 a 65 anos, se bem me lembro) da idade mínima da aposentadoria, justamente para corrigir a defasagem entre receitas e despesas do sistema previdenciário.

> 9-O que foi exatamente o Consenso de Washington?
            PRA: Trata-se de uma mera codificação, ex post, de uma série de princípios banais de boa gestão econômica, que deveriam existir em qualquer circunstância no caso de políticas dotadas de bom senso: orçamentos equilibrados, câmbio flexível, concorrência, mercados abertos (mas regulados), respeito aos contratos, etc. Não existe nada de absolutamente demoníaco nessas regras de boa governança e elas são totalmente compatíveis com qualquer regime econômico funcionando em bases sadias.

> 10-O senhor acha que  a equipe de Palocci repete uma ditadura liberal-intervencionista?
> 
            PRA: Ditadura liberal-intervencionista existiu nos tempos da ditadura militar do Brasil. O Brasil não conhece esse tipo de situação há quase 20 anos e não creio que esteja perto de retornar a ela. 

> 11-O que é o neoliberalismo?
            PRA: O conceito tem muitas acepções, algumas absolutamente contraditórias com a realidade histórica ou o simples bom senso. Certas pessoas costumam chamar de neoliberais políticas ou medidas que são absolutamente intervencionistas, como o PROER, por exemplo, que foi feito para evitar uma crise do sistema bancário caso houvesse a quebra de uma ou duas casas do setor. Não poderia haver medida mais autoritariamente intervencionista do que essa: salvar um banco privado (ainda que submetendo-o a controle publico) para evitar a contaminação do setor. Neoliberal, por exemplo, foi o governo inglês, que deixou uma casa centenária como o Barings Bank quebrar, depois de operações arriscadas conduzidas em 1994-95 por um corretor fraudulento em Hong Kong, que deixaram o banco a descoberto em vários milhões de dólares. O governo inglês poderia ter intervido para salvar o banco, como o tinha feito cem anos antes, numa primeira crise do Barings (aliás provocada por um default da Argentina). Ele preferiu deixar o banco quebrar e este foi comprado por uma casa holandesa, o ABN Amro.
            Conceitualmente, o neoliberalismo constitui apenas a aplicação atual de velhas receitas liberais na área econômica. Poucos governos são liberais hoje em dia, e de toda forma o nosso governo, nos últimos cem anos, nunca foi liberal, em qualquer época e sob qualquer governo. Continuamos tão intervencionistas como desde os tempos da colônia. 


> 12-Um livro é sempre o resultado das inquietações do autor. Por que o senhor não publicou antes? O que o senhor acha da lei da mordaça, adotada no Itamaraty nos últimos anos do Governo?
> 
            PRA: O livro não foi publicado antes por falta de oportunidade ou porque ele simplesmente não existia. Se trata de uma coleção de artigos que fui escrevendo ao longo de 2002, todos, com uma única exceção, antes das eleições de outubro. Terminadas as eleições, constatando que eu tinha sido de certa forma premonitório, resolvi juntá-los num livro. Ele sai agora por conveniência ou possibilidades do editor.
            A chamada “lei da mordaça” na verdade sempre existiu no Itamaraty: por sermos funcionários públicos, lidando com informações sensíveis e posições do governo, é natural, de certa forma, que sejamos adstritos a certos controles absolutamente legítimos do ponto de vista do método e da substância: não podemos, por exemplo, discutir questões relativas à formulação ou execução da política externa sem autorização superior, o que eu acho absolutamente normal, assim como não podemos utilizar informações a que tenhamos tido acesso fora do âmbito estrito do trabalho diplomático. O que ocorreu recentemente foi a introdução de controles preventivos, substituindo de certa forma a responsabilidade individual (a posteriori) pela consulta preliminar, o que foi por alguns considerado como censura prévia. Pode ser também considerado um expediente destinado a estimular a criatividade mental e a aumentar a responsabilidade social dos diplomatas. Talvez tenha desvendado algumas vocações.

> 13-É possível hoje ser Governo sem ser keynesiano?
            PRA: Todos os governos são um pouco keynesianos, hoje em dia, no sentido em que a maior parte deles intervem no domínio econômico e utilizam mecanismos indutores da demanda agregada ou corretores de desequilíbrios temporários (medidas de estímulo, por exemplo, para preservar empregos e renda). Mas, o keynesianismo clássico foi testado e encontrou limites nas crises de estagflação dos anos 70 e início dos 80, dando lugar, precisamente, a políticas de tipo hayeckiano, mais próximas do mercado. Hayeck e Friedman, por exemplo, são liberais clássicos, opostos à maior parte dos instrumentos keynesianos que hoje são lugar corrente em qualquer ministério da economia. Existem graus variados de keynesianismo ou de liberalismo nas políticas econômicas dos países desenvolvidos, com governos mais intervencionistas (como o francês, por exemplo, que ainda preserva monopólios estatais em alguns serviços públicos) e menos intervencionistas, como os dos EUA e Grã-Bretanha, que privatizou a maior parte das empresas estatais nacionalizadas no imediato pós-Segunda Guerra.

> 14-O senhor acha que as idéias liberais foram contaminadas pelos cartórios existentes no país, criando aí uma vertente própria, um neoliberalismo de bananas, como sugere a capa do livro?
> 
            PRA: O Brasil sempre foi um país de cartórios, desde a dominação portuguesa e a instalação de um Estado bacharelesco que funciona exatamente ao contrário dos princípios liberais clássicos. Nas sociedades anglo-saxãs, por exemplo, a iniciativa particular pode se exercer em todos os setores de atividade econômica onde não exista uma proibição expressa da autoridade pública. Na tradição cartorialista portuguesa, ao contrário, qualquer atividade econômica só podia ser exercida se amparada num alvará régio, num decreto legal, numa autorização dada por alguma autoridade. Num caso, portanto, tudo o que não é proibido, é permitido, no outro, só o que é expressamente autorizado pode funcionar.
            Não me parece que o Brasil seja um neoliberalismo de bananas, não há nada escrito nesse sentido no livro, e não creio que a capa contenha qualquer alusão nesse sentido. Qualquer um pode fazer sua leitura interpretativa de uma capa “banal” (e não bananal), mas não me parece que ela seja indicativa de qualquer mensagem subliminar. Não conheço o artista e não fiz qualquer tipo de sugestão. Ele trabalhou de modo independente, e não creio que tenha lido o livro para oferecer a capa.

> 15-O senhor diz que a posição dos antialcalinos é uma questão de falta de (in)formação. Um dos principais críticos da Alca nos últimos anos foi o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães Neto, hoje secretário-geral do Itamaraty. É um homem mal-informado sobre o tema?
> 
            PRA: Meu texto sobre o tema remete diretamente a um “manifesto” (cuja fonte está referida nesse ensaio) de um grupo de pessoas manifestamente mal informadas sobre o que representa a Alca, o que não é absolutamente o caso do atual secretário-geral do Itamaraty, a quem prezo muito, com quem já trabalhei e aprendi a respeitar por suas posições econômicas em favor da integração subregional. Ele é extremamente bem informado sobre a Alca e tocou, em alguns de seus escritos, em todos os pontos relevantes para uma discussão bem informada por parte da sociedade. 
            O texto que é objeto de minhas críticas adota uma posição de tipo preventiva, que condena sem exame e sem debate, sem qualquer qualificação mais elaborada.

> 16-O senhor acha que da gestão Fernando Henrique Cardoso, para a qual o senhor trabalhou como diplomata?
            Sou diplomata de carreira desde o período final do regime militar no Brasil, a partir de 1977, e sou portanto um servidor do Estado, mais do que de governos, não tendo, incidentalmente, trabalhado em nenhum cargo de confiança para qualquer governo até o dia de hoje O que eu acho da gestão FHC encontra-se expresso em texto que publiquei no ano passado, infelizmente apenas em francês até agora: “Une histoire du Brésil: pour comprendre le Brésil contemporain” (Paris: Harmattan, 2002), mas estou preparando uma edição atualizada desse livro para publicá-lo no Brasil, provavelmente sob o título de “Uma introdução ao Brasil contemporâneo”. Se me permito um “julgamento” antecipado sobre a gestão FHC, creio que ela passará para a história do Brasil como um momento de transição, uma fase de intensa mudança institucional, um momento de recriação do Estado (não mais empreendedor, mas gestor) e dos instrumentos modernos de administração pública no Brasil, tão importante quanto o foi, historicamente, a criação do moderno estado empresarial (ou empreendedor) na era Vargas. Mas, isso não tem nada a ver com o meu papel de diplomata (que, repito, serviu ao Estado, não ao governo); trata-se apenas de uma avaliação de tipo sociológica. 

> 17- O que faz um iconoclasta na arte do Barão do Rio Branco?
> 
            PRA: As pessoas privadas e mesmo os funcionários públicos têm direito a ostentarem suas preferências filosóficas ou ideologias particulares, desde que isso não interfira na execução ou no desempenho das suas funções. A Casa de Rio Branco já abrigou, e ainda abriga, as mais diversas vocações: prosadores, poetas, artistas diversos, matemáticos, engenheiros e sociólogos, como este que escreveu o livro “A Grande Mudança”, cujo conteúdo expressa exatamente o que eu penso enquanto pessoa privada, não enquanto funcionário público. O próprio Barão foi um iconoclasta, pois que casou (com uma artista de espetáculos) à margem das convenções sociais da sua época e nunca hesitou em romper hábitos arraigados na velha diplomacia burocrática e quase estagnada que a República herdou da monarquia, produzindo uma das maiores revoluções institucionais que o Itamaraty já conheceu, revolucionando métodos de trabalho e a própria substância da diplomacia brasileira. Ser iconoclasta constitui por vezes uma qualidade para empreender mudanças que podem ser historicamente necessárias. 

Washington, 21 de fevereiro de 2003.


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            Compreendo inteiramente e respeito seu ponto de vista e forma de abordagem. Mas, veja, ate por uma questao de ser coerente, nao pretendo responder as suas perguntas na forma como voce as formulou, como seu estivesse querendo dar licoes a alguem, corrigir politicas praticas do atual govereno, opinar sobre medidas que vem sendo adotadas.
            Repito: meu livro se coloca no plano conceitual e se situa no mesmo estilo das grandes discussoes socraticas: interrogar a realidade, ver quais evidencias empiricas existem para determinadas politicas e depois seguir o caminho da logica e da racionalidade.
            Nao me cabe dizer a quem quer que seja como o Brasil deve ser governado: eu alias nao fui eleito para qualquer cargo e nao tenho portanto legitimidade intrinseca para comecar a julgar politicas e emitir opinioes. Estou apenas formulando posicoes de principio como convem a um cidadao bem informado.
            Se voce quiser, pode colocar que o livro se situa no amago dos problemas que vem sendo enfrentados pelo atual governo, mas ele nao se dirige a este governo, de fato, mas a governos em geral, pois como disse e repito, a quase totalidade dos textos foi escrita antes mesmo de serem conhecidos os resultados do primeiro turno.
            No mais, depois volto as suas questoes concretas, mas pretendo responder genericamente, como alertei antes e agora.

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Paulo R. de Almeida
pralmeida@mac.com   palmeida@unb.br


-----Original Message-----
From: Pablo Pereira - Editoria de Politica - DIARIO [mailto:PabloP@diariosp.com.br
Sent: Friday, February 21, 2003 13:55
To: 'Paulo Roberto de Almeida'
Subject: RES: livro/perguntas




Professor, obrigado pelo retorno.

Eu entendi perfeitamente o livro, professor. Mas a idéia do meu texto é apresentar o livro ao leitor do Diário de S.Paulo; não fazer uma crítica ou resenha da obra. Achei melhor provocar novos comentários do autor, que escreveu num outro momento (ainda de quadro eleitoral indefinido), ligando-o à conjuntura que, aliás, reproduz várias das projeções (?) encontradas no texto. Mas não pretendo fazer uma crítica da obra, repito, e sim mostrar o que pensa o autor à luz das novidades sobre temas abordados no livro. Cabe a cada leitor da obra fazer a própria reflexão. Por isso as questões foram colocadas assim: o autor e a conjuntura. 

Aguardo seu retorno.
Obrigado
Pablo





-----Mensagem original-----
De: Paulo Roberto de Almeida [mailto:pramre@earthlink.net] Enviada em: sexta-feira, 21 de fevereiro de 2003 15:06
Para: Pablo Pereira - Editoria de Politica - DIARIO
Cc: Paulo Roberto de Almeida
Assunto: Re: livro/perguntas


    Pablo,
    Agradeco suas perguntas e interesse pelo meu livro. Espero poder responder com um certo grau de detalhe assim que puder, mas provavelmente apenas na noite de hoje, pois me encontro trabalhando agora.
    Se ouso entretanto fazer desde ja um comentario seria o seguinte. Voce esta tentando fazer uma leitura orientada do meu trabalho, com perguntas topicas sobre questoes especificas e a tentativa de obter respostas concretas a problemas correntes da agenda governamental.
    Nao creio que essa seja a leitura correta de meu livro, que se dirige mais a questoes conceituais, quase filosoficas, de diretrizes gerais de politicas publicas, do que a problemas concretos da agenda governamental corrente.
    Se voce ler o meu livro atentamente, verá que, a despeito de eu discutir todos os grandes problemas de politicas publicas, ele nao se dirige a este ou aquele encarregado de tal ou qual setor da administracao. Nao ha uma unica expressao que se refira ao Lula ou ao PT e essas palavras sequer figuram em meu livro. A despeito de eu ter uma "carta ao proximo presidente", trata-se de uma discussao ampla da agenda nacional, feita num momento em que sequer se tinha ideia de quem poderia ser concretamente o presidente do Brasil (era uma fase que Ciro Gomes e Garotinho estavam em alta, se voce verificar a data em que foi redigido esse texto).
    Por isso, nao pretendo dar respostas direcionadas a essas questoes concretas que voce coloca, pois meu livro representa, como disse, um conjunto de reflexoes pessoais para um dialogo social, colocando principios, mais do que politicas.
    Ele nao se dirige a pessoas especificas ou a responsaveis governamentais. Ele se destina a questionar atitudes mentais e grandes opcoes de politicas publicas. Nao foi feito para duelar com ninguem e sim para estabelecer quais os principios e valores que me guiam pessoalmente em meu trabalho de reflexao sociologica.
    Volto ao contato.
-- 
Paulo Roberto de Almeida
pralmeida@mac.com  palmeida@unb.br

> From: Pablo Pereira - Editoria de Politica - DIARIO 
> <PabloP@diariosp.com.br>
> Date: Fri, 21 Feb 2003 14:22:45 -0300
> To: "'pralmeida@brasilemb.org'" <pralmeida@brasilemb.org>, "'palmeida@unb.br'"
> <palmeida@unb.br>
> Subject: livro/perguntas
> Professor Paulo Roberto de Almeida
Envio-lhe algumas perguntas com questões que acho relevantes para um  texto que preparo sobre seu livro A Grande Mudança. Poderia, por gentileza respondê-las de forma suscinta?
Pablo Pereira
Diário de S.Paulo
> 1-O senhor aconselha o novo presidente a se afastar da "elite  pensante" e promover reuniões abertas e seminários para determinar  prioridades nacionais. O Governo Lula criou o Conselho Nacional de  Desenvolvimento Econômico para trilhar este caminho, e foi atacado. 
> Estaria querendo substituir o Congresso, o que ele e o secretário 
> Tarso Genro negam, claro. O senhor acredita que o caminho mais curto 
> para solução das mazelas está na democracia direta, e não na 
> democracia representativa?
> 2-Como montar no Brasil uma maioria no Congresso para fazer as 
> reformas sem distribuir doces?
> 3-O senhor fala que não existe o conceito de aliança alimentar, que o 
> problema é de distribuição. Ocorre que exatamente isso virou primeira 
> bandeira do Governo Lula .O foco do Governo está errado?
> 4-O senhor defende o fim do salário mínimo. O que poria no lugar?
> 5-Sua reforma trabalhista mexe no artigo 7º da Constituição. Como 
> fazer para mudar a lei?
> 6-Um presidente inovador, revolucionário deveria esforçar-se  para 
> reduzir a necessidade do estado de crédito para forçar os banqueiros a 
> irem à planície lutar  em busca de clientes. Como fazer para deixar 
> banqueiros ao relento?
> 7-Não é injusto acabar agora com a Comunicação Social do Governo logo 
> depois de um período de 8 anos no qual esse foi um dos pilares de 
> sustenção da imagem do ex-presidente FHC?
> 8-É possível acabar com os direitos adquiridos na Previdência? Fazer 
> por decreto?
> 9-O que foi exatamente o Consenso de Washington?
> 10-O senhor acha que  a equipe de Palocci repete uma ditadura 
> liberal-intervencionista?
> 11-O que é o neoliberalismo?
> 12-Um livro é sempre o resultado das inquietações do autor. Por que o 
> senhor não publicou antes? O que o senhor acha da lei da mordaça, 
> adotada no Itamaraty nos últimos anos do Governo?
> 13-É possível hoje ser Governo sem ser keynesiano?
> 14-O senhor acha que as idéias liberais foram contaminadas pelos 
> cartórios existentes no país, criando aí uma vertente própria, um 
> neoliberalismo de bananas, como sugere a capa do livro?
> 15-O senhor diz que a posição dos antialcalinos é uma questão de falta 
> de (in)formação. Um dos principais críticos da Alca nos últimos anos 
> foi o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães Neto, hoje secretário-geral 
> do Itamaraty. É um homem mal-informado sobre o tema?
> 16-O senhor acha que da gestão Fernando Henrique Cardoso, para a qual 
> o senhor trabalhou como diplomata?
> 17- O que faz um iconoclasta na arte do Barão do Rio Branco?
> fim

Minhas resoluções de Ano Novo para 2003 - Paulo Roberto de Almeida

Um exercício de leitura, uma brincadeira séria, fruto dessas leituras amenas que mantenho, ao lado de livros mais áridos...
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 1 setembro de 2018

Treze resoluções de Ano Novo
(à maneira de Benjamin Franklin)

Paulo Roberto de Almeida
Washington, 1o. de janeiro de 2003.

Todo começo de ano (alguns preferem fazer no final do ano anterior) costumamos estabelecer para nós mesmos uma listas de coisas boas para realizar e outras más para evitar: deixar de fumar, começar aquele regime tão adiado, arrumar os velhos papéis de família, economizar para gastar em algum projeto especial, enfim, objetivos prosaicos mas valorizados pelo que eles representam de oportunidades perdidas. Trata-se de uma das boas manias tipicamente americanas que importamos no Brasil, com resultados variados, aqui e ao norte do hemisfério.
Não importa: melhor ser pragmático do que não ter nenhum novo objetivo ao iniciar um novo ano, razão pela qual eu também desejei fazer a minha pequena lista de resoluções para 2003. Fui buscar inspiração, para isso, naquele homem que, mais do que qualquer outro, encarna as típicas virtudes americanas do trabalho perseverante e do bom comportamento na vida diária (com um ou outro deslize ao longo de uma longa vida de realizações em favor de seu país). Refiro-me a Benjamin Franklin que tinha, como é sabido, uma vocação de “solucionador prático” (ele era grande espírito inventivo) e um sólido espírito moral, comprometido como sempre foi com o bem estar de sua sociedade e com a disposição de fazer o bem, para si mesmo e para todos os seus demais membros.
Lendo, no final de 2002, a biografia de Benjamin Franklin pelo historiador H. W. Brands, The First American: the Life and Times of Benjamin Franklin (New York: Anchor Books, 2000), deparei-me com vários aspectos de uma vida verdadeiramente singular, talvez a figura mais representativa dos chamados founding Fathersda República americana, o homem múltiplo que, tendo sido, sucessivamente e por vezes ao mesmo tempo, impressor, jornalista, tribuno, representante diplomático na Europa, inventor, homem do legislativo e do executivo, foi um dos redatores da Declaração de Independência e, como tal, um pouco mais tarde, o supremo organizador do consenso político que permitiu a emergência do conciso texto constitucional que (não considerando aqui suas emendas e adições) já cumpriu mais de dois séculos de existência continuada.
Não são contudo essas atividades eminentemente práticas, políticas e sociais, que me chamaram a atenção na impressionante biografia de Brands, a ponto de interromper sua leitura para redigir estas notas de reflexão sobre o novo ano que se inicia. Foi, de forma prosaica, uma simples lista de resoluções de caráter geral que Franklin decidiu, ainda bastante jovem, que deveriam passar a orientar sua ação pessoal. Como ele mesmo escreveu em sua auto-biografia, tomou a resolução de seguir um “vigoroso e árduo projeto de alcançar a perfeição moral”. Ele concebeu e redigiu, primeiro, doze “virtudes cardeais”, depois agregou uma décima-terceira (por acaso um número tabu para os americanos contemporâneos, a ponto de poucos edifícios terem o 13º andar), que vão aqui transcritas a título de ilustração sobre como concebia Franklin uma possível vida virtuosa:

1. Temperança: Não coma em excesso. Não beba a ponto de perder os sentidos.
2. Silêncio: Só fale o que puder beneficiar os outros ou a si mesmo. Evite conversas vazias.
3. Ordem: Faça com que cada coisa tenha o seu lugar. Faça com que cada parte de suas atividades tenha o seu tempo. 
4. Resolução: Decida cumprir aquilo que deve ser feito. Realize sem falhas aquilo que voce decidiu fazer.
5. Frugalidade: Faça unicamente despesas que resultem em benefício dos outros ou de si mesmo. Não desperdice nada.
6. Indústria: Não perca tempo. Esteja sempre ocupado com alguma coisa útil. Elimine todas as ções desnecessárias.
7. Sinceridade: Não decepcione ninguém. Pense de maneira inocente e justa, e se você falar, seja consistente. 
8. Justiça: Não prejudique ninguém, cometendo ofensas ou omitindo ações que constituem suas obrigações.
9. Moderação: Evite os extremos. Abstenha-se o quanto puder de sentir-se ofendido.
10. Limpeza: Não tolere falta de limpeza pessoal, em suas roupas ou lar.
11. Tranquillidade: Não fique perturbado com coisas menores ou com acidentes comuns ou inevitáveis.
12. Castidade: Recorra ao intercâmbio sexual para manter a saúde ou procriar – nunca em excesso, por fraqueza ou em prejuizo da reputação ou paz de alguém ou de si mesmo.
13. Humildade: Imite Jesus e Socrates. (Brands, op. cit., pp. 97-98; adaptação: PRA)

Como analisa Brands, “Franklin era um idealista de uma espécie bastante prática. Neste caso, sua praticidade guiou sua escolha das virtudes, que eram todas adaptadas aos êxitos na vida corrente que ele desejava alcançar; seu idealismo transparecia em sua crença de que o domínio dessas virtudes poderia ser facilmente realizado” (p. 99). Que ele logo tenha descoberto que tal tarefa não era de tão fácil implementação, como ele imaginava ao início, não nos deve preocupar, pois o essencial estava no conjunto de “virtudes” que Franklin concebia como princípios de ordem moral, para si mesmo, em primeiro lugar, para todos os demais concidadãos, de forma geral. O último nome da décima-terceira regra esclarece aliás sobre o exemplo de virtude moral no qual Franklin se inspirava: Sócrates, o modelo clássico de homem reto, disposto a sacrificar sua própria vida pela verdade. 
Cento e oitenta anos depois, as treze virtudes cívicas (ou éticas) de Franklin ainda suscitam admiração, como a condensação mesma do espírito prático americano, uma espécie de código moral que seu biógrafo Brands chamou de “ética protestante do trabalho sem o Protestantismo”.
Seria possível partir dessa lista do início do século XVIII e conceber um conjunto similar de preceitos morais adaptados a este início do século XXI? Seriam as virtudes “cardeais” contemporâneas tão diferentes daquelas pelas quais tentou se guiar (com um certo sucesso, reconheça-se) Benjamin Franklin?
Pode-se, por certo, tentar reincidir no jogo das virtudes, mas lembrando, em todo caso, que o básico não está tanto no contexto social, econômico ou tecnológico, mas simplesmente nos próprios princípios morais que devem guiar nossas ações, independentemente da época ou do meio social. Vejamos que lista de resoluções de ano novo eu seria capaz de conceber, pagando o devido copyright (ou pelo menos os “moral rights”) a Benjamin Franklin:

1. Auto-contenção: Não coma tanto a ponto de se sentir “cheio” e, sobretudo, com a idade, diminua a quantidade e os excessos “exóticos”. Se possível não beba, senão água, muito embora vinho com moderação possa ser saudável. Liberada porém a cervejinha com os amigos na sexta à noite, com um “nadinha” de linguicinha.
2. Silêncio: Fale apenas o que for necessário para entretar uma conversa agradável com os presentes, ou para esclarecer os curiosos sobre algo socialmente útil. “Jogar conversa fora” é permitido, desde que o ambiente o permita. Compre um desses mini-gravadores e se registre divagando sobre um assunto que considere importante: isso vai ajudá-lo a se manter calado da próxima vez.
3. Ordem: Não há desculpa para manter o seu próprio ambiente de trabalho ou lar em desordem, a não ser a preguiça e o desleixo. Respeite os outros e a si mesmo organizando seus papéis e objetos pessoais. Você perde um tempo precioso procurando papéis perdidos e velhos recados ou encomendas que ficaram para depois.
4. Resolução: Deve-se cumprir aquilo que se acordou fazer, consigo mesmo ou com outrém. Nos tempos modernos, se é pago para trabalhar, ainda que o desempenho muitas vezes deixe a desejar. Desde que Franklin formulou essa “resolução calvinista”, um outro “filósofo” americano aperfeiçou o comando com uma “lei do rendimentos descrescentes” no trabalho profissional, também conhecida por “Peter principle”: “toda pessoa acaba sendo elevada, por inércia, ao seu mais alto nível de incompetência no trabalho”. 
5. Frugalidade: Difícil de manter nestes tempos de consumismo barato e de shoppings convidativos.  Mas o princípio é sadio do ponto de vista dos orçamentos domésticos, sempre administrados no fio da navalha. Não jogue nada fora, mas aproveite para dar a camisa velha para as entidades de caridade pública.
6. Indústria: Franklin se referia às ocupações individuais, no sentido clássico da ética protestante no trabalho. Hoje a indústria está em baixa, como fonte de poluição que é, por isso a recomendação atual poderia ser: não polua a natureza, não dilapide os recursos naturais, sobretudo os não renováveis; tente deixar um planeta melhor do que você encontrou. Pratique o desenvolvimento sustentável, sobretudo em favor dos mais pobres e desprovidos de qualquer “indústria” ou capacidade individual.
7. Sinceridade: Seja aberto e transparente com todos, inclusive com os seus inimigos. Nada pode ser mais desarmante do que a verdade sendo dita em qualquer circunstância. Se tiver de mentir, que seja por caridade, para não ofender gratuitamente alguem fragilizado psicologicamente e também para fazer o bem a quem precisa (como elogiar os cabelos tingidos de alguém, por exemplo).
8. Justiça: Critério absoluto. Aplique-a sobretudo em defesa do bem público. Assim, se perceber algum político desonesto, não tenha medo de denunciá-lo à justiça, ou antes, exponha-o ao ridículo universal (já que a justiça é tarda e geralmente falha). 
9. Moderação: Evite os extremos e não seja radical, salvo na defesa da democracia, da honestidade intelectual e da verdade (ainda que seja quase impossível defini-la). 
10. Comprometimento: Eduque, ou contribua para educar, o maior número possível de crianças desprovidas de recursos. Doe livros para bibliotecas e escolas públicas. Faça da elevação espiritual do maior número um objetivo em si, não suficiente em si mesmo mas absolutamente imprescindível para a melhoria da vida em comunidade.
11. Tranquilidade: Persiga seus objetivos profissionais e pessoais com segurança e sem afoiteza. Fundamente seus progressos sociais no mérito e no trabalho exclusivamente. Não seja carreirista ou oportunista. Seja solidário com seus iguais e magnânimo com os mais humildes.
12. Castidade: Difícil de manter em tempos tão permissivos, mas recomendável em face da gravidez involuntária e de doenças graves como a Aids. A Igreja recomenda como único método contraceptivo e para prevenir enfermidades como essa, o que é plenamente aceitável e compreensível mas dificilmente implementável. Combine a abstenção com métodos mais práticos (mas não precisa discutir isso na confissão).
13. Humildade: Se possível, imite Jesus e Socrates, aos quais poderia ser agregada a companhia de Buda. Não seja vaidoso, a não ser para demonstrar que você consegue cumprir pelo menos a metade dos preceitos de Benjamin Franklin, o que é uma meta razoável para simples mortais como nós, sem pretensão ao papel de “pai fundador”.

            Voilà: eis minha lista de treze resoluções de ano novo, apropriada para os tempos que vivemos no Brasil. A conferir seu cumprimento dentro de um ano.

Paulo Roberto de Almeida
Washington, 1º de janeiro de 2003

A Grande Mudanca (2003) - livro Paulo Roberto de Almeida

Esta foi uma apresentação que eu fiz à distância – em Washington – para o lançamento, no Brasil, de meu livro mais revelador de minha postura política e econômica até então, ao início do regime companheiro, no qual eu depositava fundadas esperanças de transformação real no sistema político e nas grandes orientações econômicas do país – sem grandes ilusões, porém – e que suponho nunca foi divulgada em qualquer veículo, pois disso não tenho registro em minhas listas de trabalho. A ficha comporta unicamente esta informação: 

994. “A economia política da mudança no Brasil: um livro de reflexões”, Washington, 1 jan. 2003, 3 p. Considerações a respeito da maneira como foi concebido e escrito meu livro A Grande Mudança: consequências econômicas da transição política no Brasil (São Paulo: Editora Códex, 2003), em lançamento em janeiro de 2003 no Brasil. 

Transcrevo, portanto, provavelmente pela primeira vez, esta Apresentação, apenas como registro, no exato primeiro dia do início do regime companheiro no Brasil, sem sequer imaginar que eu enfrentaria, a partir daí, um "segundo exílio", uma longa travessia do deserto que durou todos os 13 anos e meio do regime companheiro.
Paulo Roberto de Almeida 
Brasília, 1 de setembro de 2018


A economia política da mudança no Brasil: um livro de reflexões

Paulo Roberto de Almeida
Washington, 1 janeiro 2003

Este meu livro de reflexões sobre a economia política da mudança no Brasil, A Grande Mudança: consequências econômicas da transição política no Brasilestá chegando às suas mãos por gentil cortesia de meu editor em São Paulo, Alberto Quartim, da Editora Códex. Sua publicação oferece-me a oportunidade de tecer algumas considerações sobre seu objeto próprio, assim como sobre a conjuntura vivida pelo Brasil, neste momento histórico de transição. Este livro de ensaios, pela primeira vez em muitos anos, não trata das relações internacionais, do processo de integração regional, da política externa do Brasil ou de sua diplomacia econômica em perspectiva histórica, que foram os temas nos quais me concentrei na última década.
Na verdade, ele representa uma espécie de retorno às origens, ao início de meu aprendizado intelectual enquanto cidadão preocupado com o Brasil e a sociedade ainda injusta à qual pertenço. De fato, o livro me remete ao início dos anos 1960, quando eu me ensaiava nas primeiras leituras de economia, de sociologia e de política do Brasil, tentando descobrir por que vivíamos uma condição tão desigual do ponto de vista social. De certa maneira, ele também pode ser visto como uma continuidade das discussões travadas em meu primeiro livro de ensaios, Velhos e novos manifestos: o socialismo na era da globalização (São Paulo: Juarez de Oliveira, 1999), que retomava aquelas leituras da juventude e fornecia novas respostas tentativas, já numa perspectiva “revisionista” à que eu tinha simplisticamente formulado mais de três décadas antes. 
A Grande Mudança é uma obra de economia política, no sentido clássico da palavra, uma coleção de ensaios não abstratos, mas altamente reflexivos sobre o processo de transformações em curso na presente conjuntura brasileira, ainda que ele não comporte qualquer menção direta a figuras ou entidades concretas que se situam no centro da atual maioria política e social. O livro não pretende descrever esse processo de mudanças, nem aspira ensinar ninguém sobre o que acaba de se passar na política brasileira (com o que ele conformaria uma “crônica dos eventos correntes” da atualidade política). Ele discute, contudo, algumas implicações das transformações em curso do ponto de vista da ação governativa e tenta tirar alguns ensinamentos válidos num contexto e numa perspectiva mais ampla, que podem ser caracterizados como de pós-Guerra Fria e de pós-socialismo.
Ele não é didático, mas é auto-didático e condensa, por assim dizer, opiniões pessoais, considerações políticas e econômicas e reflexões “filosóficas” sobre um dos movimentos “transformistas” mais importantes que o Brasil já conheceu em toda a sua história, pelo menos potencialmente. Quando digo, talvez ambiciosamente, que ele se situa na tradição da economia política dos clássicos não pretendo, obviamente, que ele constitua um novo manual para uso dos poderosos, mas tão simplesmente um guia de reflexões para aqueles que estão engajados no movimento transformador, tendo de abandonar algumas das antigas certezas sobre o processo de mudanças e adotar novas perspectivas sobre os limites dessas transformações.
Adam Smith, na introdução ao quarto “livro”, sobre os “sistemas de economia política”, de sua obra de 1776 sobre a riqueza das nações, assim definia seu objeto de estudo: “A economia política, considerada como um ramo da ciência de um homem de Estado ou de um legislador, se propõe dois objetos distintos: primeiro, prover uma renda abundante ou a subsistência do povo, ou mais apropriadamente, habilitá-lo a prover essa renda ou essa subsistência por ele mesmo; em segundo lugar, prover o Estado ou a sociedade de uma renda suficiente para os serviços públicos. Ela se propõe enriquecer tanto o povo como o soberano” (cf. Adam Smith, An Inquiry into the Nature and Causes of the Wealth of Nations; 6ª ed.: London: Strahan and Cadel, 1791, vol II, p. 138). Trata-se, obviamente, de duas tarefas bastante concretas para os homens públicos, mas isso não caracteriza o objeto da disciplina enquanto tal, o que nos remete à ambiguidade da obra e da própria condição de Adam Smith, ao mesmo tempo um supervisor de alfândegas e um professor de “filosofia moral”. 
O presente livro talvez esteja submergido na mesma “ambiguidade construtiva” daquele manual clássico de economia política, sem pretender, obviamente, chegar-lhe aos pés. Ele aspira, tão somente, chamar a atenção do leitor, em especial daquele interessado nos fundamentos econômicos das transformações políticas em curso, para um conjunto de temas centrais da ação governativa, podendo assim conformar uma espécie de introdução a um “novo manual de economia política” nas condições concretas em que passa a trabalhar o Brasil e sua nova maioria política. Não se pretende, está claro, dar a receita de como aumentar a renda do cidadão ou de como agregar mais um tanto à do Estado, mas de levar o homem de Estado e o legislador, ou os aspirantes a tais, a considerar certos limites impostos pelas “forças econômicas” à vontade transformista no campo político. Não é um livro de um ator ou sequer de um formulador das condições dessa mudança, mas é uma obra de reflexão que se coloca naquela perspectiva aroniana bem conhecida do “espectador engajado”. 
Se o livro não comporta, portanto, nenhum fervor militante, nem adere a nenhum credo econômico ou agrupamento político particulares, ele ostenta a mesma paixão do engajamento nas causas públicas pela transformação do Brasil que parece ter marcado a geração a que pertenço, a dos que estudaram, trabalharam e atuaram na segunda metade do século XX, quando o País deixou de sera sociedade agrária que era até então mas não logrou transformar-se (ainda) na democracia industrial avançada e socialmente justa a que todos aspiramos como cidadãos. Como espectador privilegiado dessa conjuntura histórica de mudanças incompletas, tanto no Brasil como, de forma intermitente, no exterior (no último quarto de século), espero ter podido agregar meus elementos de reflexão sobre um processo ainda inacabado de transformação da Nação. Se ouso retomar antigas lições marxistas, posso dizer que ele foi concebido no espírito da décima-primeira tese sobre Feuerbach, ainda que ele não aspire, absolutamente, transformar o mundo (no caso, o Brasil), mas tão somente interpretá-lo de maneira correta. 



A Grande Mudança
Consequências econômicas da transição política no Brasil

Paulo Roberto de Almeida

São Paulo: Editora Códex, 2003

Índice


Como e por quê sou e não sou diplomata

Primeira Parte

Imaginando um novo tipo de política para o Brasil

1. Carta aberta ao próximo presidente
2. Dez coisas que eu faria se tivesse poder
3. A indiscutível leveza do neoliberalismo no Brasil: avaliação da era neoliberal

Segunda Parte
As conseqüências econômicas da vitória
4. Companheiros, muita calma: trata-se agora de não errar!
5. Administrando as relações econômicas internacionais do Brasil
6. Preparado para o poder?: pense duas vezes antes de agir
7. Consequências econômicas da derrota: identificando vencedores e vencidos

Terceira Parte

Sinais trocados no cenário internacional

8. A globalização e as desigualdades: quais as evidências?
9. O boletim do império
10. Camaradas, agora é oficial: acabou o socialismo
11. Democratização do poder mundial: possível, realizável, imaginável, desejável?
12. Sinais trocados na Alca: teria a esquerda deixado de ser progressista?

Posfácio: 
O que sou então?

Notas sobre os trabalhos
Nota sobre o autor