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sábado, 1 de setembro de 2018

Minhas resoluções de Ano Novo para 2003 - Paulo Roberto de Almeida

Um exercício de leitura, uma brincadeira séria, fruto dessas leituras amenas que mantenho, ao lado de livros mais áridos...
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 1 setembro de 2018

Treze resoluções de Ano Novo
(à maneira de Benjamin Franklin)

Paulo Roberto de Almeida
Washington, 1o. de janeiro de 2003.

Todo começo de ano (alguns preferem fazer no final do ano anterior) costumamos estabelecer para nós mesmos uma listas de coisas boas para realizar e outras más para evitar: deixar de fumar, começar aquele regime tão adiado, arrumar os velhos papéis de família, economizar para gastar em algum projeto especial, enfim, objetivos prosaicos mas valorizados pelo que eles representam de oportunidades perdidas. Trata-se de uma das boas manias tipicamente americanas que importamos no Brasil, com resultados variados, aqui e ao norte do hemisfério.
Não importa: melhor ser pragmático do que não ter nenhum novo objetivo ao iniciar um novo ano, razão pela qual eu também desejei fazer a minha pequena lista de resoluções para 2003. Fui buscar inspiração, para isso, naquele homem que, mais do que qualquer outro, encarna as típicas virtudes americanas do trabalho perseverante e do bom comportamento na vida diária (com um ou outro deslize ao longo de uma longa vida de realizações em favor de seu país). Refiro-me a Benjamin Franklin que tinha, como é sabido, uma vocação de “solucionador prático” (ele era grande espírito inventivo) e um sólido espírito moral, comprometido como sempre foi com o bem estar de sua sociedade e com a disposição de fazer o bem, para si mesmo e para todos os seus demais membros.
Lendo, no final de 2002, a biografia de Benjamin Franklin pelo historiador H. W. Brands, The First American: the Life and Times of Benjamin Franklin (New York: Anchor Books, 2000), deparei-me com vários aspectos de uma vida verdadeiramente singular, talvez a figura mais representativa dos chamados founding Fathersda República americana, o homem múltiplo que, tendo sido, sucessivamente e por vezes ao mesmo tempo, impressor, jornalista, tribuno, representante diplomático na Europa, inventor, homem do legislativo e do executivo, foi um dos redatores da Declaração de Independência e, como tal, um pouco mais tarde, o supremo organizador do consenso político que permitiu a emergência do conciso texto constitucional que (não considerando aqui suas emendas e adições) já cumpriu mais de dois séculos de existência continuada.
Não são contudo essas atividades eminentemente práticas, políticas e sociais, que me chamaram a atenção na impressionante biografia de Brands, a ponto de interromper sua leitura para redigir estas notas de reflexão sobre o novo ano que se inicia. Foi, de forma prosaica, uma simples lista de resoluções de caráter geral que Franklin decidiu, ainda bastante jovem, que deveriam passar a orientar sua ação pessoal. Como ele mesmo escreveu em sua auto-biografia, tomou a resolução de seguir um “vigoroso e árduo projeto de alcançar a perfeição moral”. Ele concebeu e redigiu, primeiro, doze “virtudes cardeais”, depois agregou uma décima-terceira (por acaso um número tabu para os americanos contemporâneos, a ponto de poucos edifícios terem o 13º andar), que vão aqui transcritas a título de ilustração sobre como concebia Franklin uma possível vida virtuosa:

1. Temperança: Não coma em excesso. Não beba a ponto de perder os sentidos.
2. Silêncio: Só fale o que puder beneficiar os outros ou a si mesmo. Evite conversas vazias.
3. Ordem: Faça com que cada coisa tenha o seu lugar. Faça com que cada parte de suas atividades tenha o seu tempo. 
4. Resolução: Decida cumprir aquilo que deve ser feito. Realize sem falhas aquilo que voce decidiu fazer.
5. Frugalidade: Faça unicamente despesas que resultem em benefício dos outros ou de si mesmo. Não desperdice nada.
6. Indústria: Não perca tempo. Esteja sempre ocupado com alguma coisa útil. Elimine todas as ções desnecessárias.
7. Sinceridade: Não decepcione ninguém. Pense de maneira inocente e justa, e se você falar, seja consistente. 
8. Justiça: Não prejudique ninguém, cometendo ofensas ou omitindo ações que constituem suas obrigações.
9. Moderação: Evite os extremos. Abstenha-se o quanto puder de sentir-se ofendido.
10. Limpeza: Não tolere falta de limpeza pessoal, em suas roupas ou lar.
11. Tranquillidade: Não fique perturbado com coisas menores ou com acidentes comuns ou inevitáveis.
12. Castidade: Recorra ao intercâmbio sexual para manter a saúde ou procriar – nunca em excesso, por fraqueza ou em prejuizo da reputação ou paz de alguém ou de si mesmo.
13. Humildade: Imite Jesus e Socrates. (Brands, op. cit., pp. 97-98; adaptação: PRA)

Como analisa Brands, “Franklin era um idealista de uma espécie bastante prática. Neste caso, sua praticidade guiou sua escolha das virtudes, que eram todas adaptadas aos êxitos na vida corrente que ele desejava alcançar; seu idealismo transparecia em sua crença de que o domínio dessas virtudes poderia ser facilmente realizado” (p. 99). Que ele logo tenha descoberto que tal tarefa não era de tão fácil implementação, como ele imaginava ao início, não nos deve preocupar, pois o essencial estava no conjunto de “virtudes” que Franklin concebia como princípios de ordem moral, para si mesmo, em primeiro lugar, para todos os demais concidadãos, de forma geral. O último nome da décima-terceira regra esclarece aliás sobre o exemplo de virtude moral no qual Franklin se inspirava: Sócrates, o modelo clássico de homem reto, disposto a sacrificar sua própria vida pela verdade. 
Cento e oitenta anos depois, as treze virtudes cívicas (ou éticas) de Franklin ainda suscitam admiração, como a condensação mesma do espírito prático americano, uma espécie de código moral que seu biógrafo Brands chamou de “ética protestante do trabalho sem o Protestantismo”.
Seria possível partir dessa lista do início do século XVIII e conceber um conjunto similar de preceitos morais adaptados a este início do século XXI? Seriam as virtudes “cardeais” contemporâneas tão diferentes daquelas pelas quais tentou se guiar (com um certo sucesso, reconheça-se) Benjamin Franklin?
Pode-se, por certo, tentar reincidir no jogo das virtudes, mas lembrando, em todo caso, que o básico não está tanto no contexto social, econômico ou tecnológico, mas simplesmente nos próprios princípios morais que devem guiar nossas ações, independentemente da época ou do meio social. Vejamos que lista de resoluções de ano novo eu seria capaz de conceber, pagando o devido copyright (ou pelo menos os “moral rights”) a Benjamin Franklin:

1. Auto-contenção: Não coma tanto a ponto de se sentir “cheio” e, sobretudo, com a idade, diminua a quantidade e os excessos “exóticos”. Se possível não beba, senão água, muito embora vinho com moderação possa ser saudável. Liberada porém a cervejinha com os amigos na sexta à noite, com um “nadinha” de linguicinha.
2. Silêncio: Fale apenas o que for necessário para entretar uma conversa agradável com os presentes, ou para esclarecer os curiosos sobre algo socialmente útil. “Jogar conversa fora” é permitido, desde que o ambiente o permita. Compre um desses mini-gravadores e se registre divagando sobre um assunto que considere importante: isso vai ajudá-lo a se manter calado da próxima vez.
3. Ordem: Não há desculpa para manter o seu próprio ambiente de trabalho ou lar em desordem, a não ser a preguiça e o desleixo. Respeite os outros e a si mesmo organizando seus papéis e objetos pessoais. Você perde um tempo precioso procurando papéis perdidos e velhos recados ou encomendas que ficaram para depois.
4. Resolução: Deve-se cumprir aquilo que se acordou fazer, consigo mesmo ou com outrém. Nos tempos modernos, se é pago para trabalhar, ainda que o desempenho muitas vezes deixe a desejar. Desde que Franklin formulou essa “resolução calvinista”, um outro “filósofo” americano aperfeiçou o comando com uma “lei do rendimentos descrescentes” no trabalho profissional, também conhecida por “Peter principle”: “toda pessoa acaba sendo elevada, por inércia, ao seu mais alto nível de incompetência no trabalho”. 
5. Frugalidade: Difícil de manter nestes tempos de consumismo barato e de shoppings convidativos.  Mas o princípio é sadio do ponto de vista dos orçamentos domésticos, sempre administrados no fio da navalha. Não jogue nada fora, mas aproveite para dar a camisa velha para as entidades de caridade pública.
6. Indústria: Franklin se referia às ocupações individuais, no sentido clássico da ética protestante no trabalho. Hoje a indústria está em baixa, como fonte de poluição que é, por isso a recomendação atual poderia ser: não polua a natureza, não dilapide os recursos naturais, sobretudo os não renováveis; tente deixar um planeta melhor do que você encontrou. Pratique o desenvolvimento sustentável, sobretudo em favor dos mais pobres e desprovidos de qualquer “indústria” ou capacidade individual.
7. Sinceridade: Seja aberto e transparente com todos, inclusive com os seus inimigos. Nada pode ser mais desarmante do que a verdade sendo dita em qualquer circunstância. Se tiver de mentir, que seja por caridade, para não ofender gratuitamente alguem fragilizado psicologicamente e também para fazer o bem a quem precisa (como elogiar os cabelos tingidos de alguém, por exemplo).
8. Justiça: Critério absoluto. Aplique-a sobretudo em defesa do bem público. Assim, se perceber algum político desonesto, não tenha medo de denunciá-lo à justiça, ou antes, exponha-o ao ridículo universal (já que a justiça é tarda e geralmente falha). 
9. Moderação: Evite os extremos e não seja radical, salvo na defesa da democracia, da honestidade intelectual e da verdade (ainda que seja quase impossível defini-la). 
10. Comprometimento: Eduque, ou contribua para educar, o maior número possível de crianças desprovidas de recursos. Doe livros para bibliotecas e escolas públicas. Faça da elevação espiritual do maior número um objetivo em si, não suficiente em si mesmo mas absolutamente imprescindível para a melhoria da vida em comunidade.
11. Tranquilidade: Persiga seus objetivos profissionais e pessoais com segurança e sem afoiteza. Fundamente seus progressos sociais no mérito e no trabalho exclusivamente. Não seja carreirista ou oportunista. Seja solidário com seus iguais e magnânimo com os mais humildes.
12. Castidade: Difícil de manter em tempos tão permissivos, mas recomendável em face da gravidez involuntária e de doenças graves como a Aids. A Igreja recomenda como único método contraceptivo e para prevenir enfermidades como essa, o que é plenamente aceitável e compreensível mas dificilmente implementável. Combine a abstenção com métodos mais práticos (mas não precisa discutir isso na confissão).
13. Humildade: Se possível, imite Jesus e Socrates, aos quais poderia ser agregada a companhia de Buda. Não seja vaidoso, a não ser para demonstrar que você consegue cumprir pelo menos a metade dos preceitos de Benjamin Franklin, o que é uma meta razoável para simples mortais como nós, sem pretensão ao papel de “pai fundador”.

            Voilà: eis minha lista de treze resoluções de ano novo, apropriada para os tempos que vivemos no Brasil. A conferir seu cumprimento dentro de um ano.

Paulo Roberto de Almeida
Washington, 1º de janeiro de 2003

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