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sábado, 1 de setembro de 2018

O que reformar no Itamaraty (2003) - Sugestões Paulo Roberto de Almeida

No início da nova administração companheira, em fevereiro de 2003, a Secretaria Geral, liderada pelo embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, formulou uma consulta a todos os diplomatas da Casa, por meio de uma circular postal. Registro aqui a comunicação recebida:

SG:
* PARTICIPAÇÃO - Foi criado, em caráter experimental, o endereço eletrônico participe@mre.gov.br para receber os comentários e sugestões dos funcionários do MRE acerca da formulação e execução da política externa em todas suas vertentes, inclusive as ações administrativas. Voltado para ampliar a participação e interlocução internas, esse endereço receberá, exclusivamente, mensagens de até 3 (três) páginas provenientes de endereços de correio eletrônico @mre.gov.br.

Transcrevo a seguir a minha resposta, enviada por correio eletrônico, em 1o. de março de 2003: 


Sugestões sobre Formulação e Execução da Política Externa

Paulo Roberto de Almeida
Washington,  1°de março de 2003.

Ingressei na carreira diplomática em 1977, por concurso direto, tendo conhecido, ao longo do último quarto de século, diversos esforços, alguns bem sucedidos, outros de certa forma frustrados, de reformulação da carreira e de reorientação da política externa. Por isso sou relativamente cético em relação a mais esta iniciativa de se conduzir um novo processo de consulta, tendente a produzir uma avaliação e eventual modernização dos mecanismos e instrumentos pelos quais se processa a política externa brasileira.
Entendo que o exercício atual não tenha em si objetivos estritamente definidos, mas se abre para todas as vertentes da vida diplomática brasileira, tanto de natureza instrumental como de ordem substantiva. Não tenho a pretensão de interpretar as idéias ou sentimentos dominantes na Casa sobre os aspectos mais importantes da organização e do funcionamento internos, mas creio poder oferecer duas observações singelas que refletem minha percepção dos problemas em sua fase atual.

1) Mobilidade ascensional e exercício de chefias de postos
Não resta dúvida que um dos aspectos mais angustiantes, do ponto de vista das jovens gerações, assim como das faixas intermediárias da carreira, é constituído pelo ritmo excessivamente lento de ascensão funcional nas faixas mais elevadas da carreira, assim como pelas escassas oportunidades dadas aos mais jovens (e outros menos jovens) de exercício de chefias correspondentes às suas habilidades. Em nenhuma outra época, o IRBr selecionou valores tão elevados, do ponto de vista intelectual ou de experiência profissional e, no entanto, esses jovens profissionais se confrontam a um processo de mobilidade ascensional absolutamente lento, exasperantemente letárgico. Por outro lado, aqueles habilitados a exercer posições de mando, na Casa ou em missões do exterior, se vêm limitados em suas possibilidades efetivas, tendo em vista a ocupação, em alguns casos de forma “abusiva”, dessas chefias por colegas que deveriam talvez gozar de uma merecida aposentadoria, ou por outros, não colegas, que lograram obter chefias de missão por considerações de ordem política que pouco têm a ver com a capacitação efetiva ou “disposição” para o cargo.
Minha única recomendação, no primeiro caso, seria a implementação de um mecanismo de expulsória que garantisse um fluxo regular de promoções, a exemplo talvez do que ocorre nas fileiras das FFAA, que conseguem renovar chefias e pessoas em ritmos regulares. No segundo caso, creio que o Itamaraty deveria ter uma disposição sem falhas em defender a manutenção dos altos padrões profissionais que têm caracterizado o serviço exterior ao longo do tempo, “demonstrando” ao poder político a importância de se preservar a representação no exterior de interferências excessivas por razões puramente circunstanciais.
Apenas uma última observação pessoal nesta vertente: desde a anterior administração, os processos de seleção e de designação de novos representantes diplomáticos permanentes têm sido caracterizados por exposição e discussão públicas (ainda antes de ser obtido agrément, ou sequer sua solicitação) que não encontram paralelo em toda a nossa história diplomática, e que constituem, inclusive, um rompimento com os padrões habituais de cortesia e discrição diplomáticas pouco vistos em qualquer época ou país. 

2) Participação democrática e ausência de instrumentos inibidores
Ainda que se deva saudar o presente exercício de consulta aberta, por seu caráter democrático poucas vezes visto numa Casa conhecida por padrões algo rígidos de disciplina e de hierarquia, permanecem alguns mecanismos intimidatórios da expressão aberta do pensamento individual em temas de formulação e execução em política externa. O regime anterior à chamada “lei da mordaça” era caracterizado pela responsabilização individual por eventuais quebras das regras elementares de adequação aos padrões da Casa quanto a exposição pública de questões propriamente internas ou de definição de política. A “lei da mordaça” introduziu o que se pode chamar de censura prévia. Creio que uma medida simples nesse particular seria a elaboração de uma nova circular, simplesmente tornando sem efeito as duas circulares anteriores nessa área, a de introdução da censura prévia e sua exegese subsequente. Seria uma simples medida de economia democrática. 

Paulo Roberto de Almeida
Washington, 1012: 1°de março de 2003.

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