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domingo, 23 de setembro de 2018

De um turno a outro: o que dizer, o que fazer? - Paulo Roberto de Almeida

De um turno a outro: o que dizer, o que fazer?

Paulo Roberto de Almeida
 [Objetivo: digressões ex-ante; finalidade: planejar o ex-post]

Introdução: olhando a “coisa” algumas semanas à frente
Decidido o primeiro embate, e antecipando sobre o próximo, já não é mais hora de tergiversar, enganar, prometer, ou seja, ser candidato. A hora é de se mostrar como um verdadeiro estadista, falar a verdade, expor e abordar os principais problemas, e dizer exatamente o que pretende fazer, uma vez convertido em responsável maior pelos problemas do país. Não cabem mais frases vagas, de que vai abrir centenas de creches ou investir tantos milhões neste ou naquele setor. Isso é demagogia barata. O que se tem de prometer é unicamente, e justamente, uma única coisa: trabalho, trabalho, trabalho.
Cabe em primeiro lugar apresentar um cenário realista da crise brasileira, que vai continuar no próximo governo – não há porque esconder isto –, mencionar quais são as perspectivas para o primeiro ano e meio de governo, esclarecendo devidamente quais são as raízes da crise atual, e porque é difícil corrigi-las em pouco tempo, e depois, aí então, dizer exatamente o que pretende oferecer como o conjunto de medidas corretivas para superar a crise e deixar as bases para o crescimento numa fase posterior ao seu mandato. Deixar de pronto muito claro que o tamanho da destruição foi de tal monta que, infelizmente, sua correção exigirá provavelmente a extensão completa do próximo governo. Anunciar que em 2022, quando se comemorará o bicentenário da formação do Estado independente, a situação econômica não será muito diferente daquela conhecida antes da crise, mas esta é infelizmente a verdade pura e simples. Dito isto vamos ao que interessa: (a) o cenário da crise; e (b) as perspectivas de um mandato de puro trabalho.

1. O cenário da profunda crise brasileira
A crise brasileira não é apenas conjuntural, ou tão somente derivada da queda de crescimento a partir dos desajustes provocados por políticas econômicas equivocadas implementadas pelos três governos anteriores do lulopetismo; trata-se de uma crise estrutural, não apenas econômica – aqui essencialmente no plano fiscal, ou seja, interno, sem qualquer conexão com uma alegada “crise internacional”, apresentada como a fonte da recessão pelos seus responsáveis –, mas também política, resultante de uma cisão nos círculos dirigentes, todos ele operando num ambiente profundamente disfuncional, que surgiu a partir da descoordenação entre os poderes e seus líderes, incapazes de propor e implementar um projeto comum de reformas e de inovações no sistema político e nas bases das políticas econômicas (macro e setoriais). Mas trata-se, também e sobretudo, de uma profunda crise moral, confirmada por investigações, indiciamento e condenação de inúmeros atores da vida política, dos meios empresariais, ou seja, das próprias elites dirigentes. A Justiça, por sua vez, tampouco está isenta de críticas, na medida em que ou delonga processos que envolvem esses personagens, ou adota liminares especialmente rápidas, que parecem demonstrar complacência e leniência com práticas de corrupção. 
 Cabe indicar precisamente os responsáveis pela maior recessão da história do Brasil, que provocou perda considerável de renda, desemprego recorde e retraimento ainda maior do Brasil nos fluxos internacionais de comércio de bens, de serviços e de investimentos. A atribuição de responsabilidades pela crise é essencial para evitar novos exercícios de demagogia política e de populismo econômico e para evitar a repetição dos mesmos erros, derivados das mesmas políticas equivocadas, que conduziram o país ao desastre atual. O componente principal do desastre é o fiscal, e se manifesta na persistência dos déficits orçamentários, no crescimento da dívida pública e na redução dramática da capacidade de investimento do setor público, convertido em responsável pela crise e ainda agora em núcleo obstrutor das reformas necessárias, pela força dos seus mandarins, pelo monopólio irresponsável dos políticos eleitos, e pelo extremo dirigismo e intervencionismo a que chegamos com o atual modelo constitucional. 
Este é o quadro de impasses, de bloqueios e da falta de consenso em torno de uma agenda factível de recuperação e de retomada do crescimento e da normalidade da vida política. Relevante para explicar o estado atual de quase anomia no sistema político é o ânimo e as práticas divisionistas permanentemente promovidas pelo partido que encarna a recusa do jogo democrático como princípio da governança, que é o PT: este sempre apostou na divisão do país, em termos de classes sociais, de renda, de raças, e acabou criando, justamente, o fracionamento da nação em torno de duas propostas situadas aparentemente nos extremos, mas que se encontram na solução polarizada que é a da recusa absoluta das propostas situadas na outra ponta (aparente) do sistema.
Este é o triste resultado de processo fragmentado de representação política, exacerbado pela permissividade da legislação eleitoral e partidária, pela promiscuidade corruptora demonstrada por alianças espúrias entre donos do dinheiro e donos do poder, e que promete se manter na próxima legislatura, a despeito justamente do desprezo que lhe devotam grande parte dos eleitores, e que por isso mesmo se refugiaram numa opção aparentemente fora do sistema (como pode ter sido a percepção em 1989, com os efeitos e consequências frustrantes que se lhe seguiram). Tal cenário impõe como prioritária uma reforma política, mesmo presumivelmente tão difícil quanto a reforma tributária, como agora se passa a debater no quadro das propostas de correções que se impõem.

2. O que se tem de fazer para corrigir os problemas?
Qualquer que seja a orientação ideológica ou as preferências políticas do próximo presidente – de centro, de “direita” ou de “esquerda”, com as ressalvas que cabem nesse tipo de dicotomia –, uma coisa é certa: ele terá de corrigir imediatamente a tendência de déficits orçamentários crescentes, sob risco de precipitar a economia numa crise mais devastadora do que a atualmente enfrentada. O ajuste do déficit, não para o superávit, mas simplesmente para o equilíbrio nominal, consumirá provavelmente todo o seu mandato, o que implica um regime de emagrecimento rigoroso, cujo componente principal é, obviamente, a reforma previdenciária. Os inimigos principais dessa reforma estão encastelados no próprio Estado, com suas corporações mandarinescas, dispondo de recursos suficientes para sustentar campanhas mentirosas contra uma reforma que deveria, em primeiro lugar, instaurar a igualdade cidadã, ademais de reduzir benefícios e instaurar um regime progressivo de capitalização para se colocar de acordo com as tendências irreprimíveis da demografia. É uma luta difícil, mas essencial para o destino ulterior do imenso conjunto de reformas que são imprescindíveis para o futuro do país.
Ao lado de uma reforma previdenciária radical, eliminando todos os regimes especiais e tratamentos abusivos, figura um início de reforma tributária que sempre esteve na retórica dos governantes, mas que nunca foi de fato empreendida, dadas as complexidades do sistema federativo e da própria estrutura tributária atual. Como um entendimento sobre as diferentes mudanças no imenso cipoal de impostos, taxas e contribuições divididas nos três níveis da federação será necessariamente delongado e difícil, senão impossível, uma proposta rudimentar, mas em todo caso indicativa do sentido para o qual se deve caminhar – que não é o do aumento ou da manutenção dos níveis correntes da carga fiscal total –, seria a da aprovação consensual de uma redução gradual, progressiva, extremamente moderada, dos diferentes tributos, mediante o decréscimo (anual ou semestral) de alguns pontos percentuais das alíquotas ou níveis aplicados em todos os impostos, taxas e contribuições (talvez meio por cento cada vez) até que um grande acordo parlamentar possa ser encontrado (digamos em dez anos). 
Uma reforma política é absolutamente indispensável para se reduzir o quantum de irracionalidade existente no atual sistema político-eleitoral-partidário-representativo, o que exigiria, obviamente, uma enorme pressão popular sobre o parlamento. A extrema fragmentação partidária poderia ser imediatamente corrigida por um gesto ousado e corajoso – que provavelmente não virá – tendente a aprovar, simplesmente, o fim de dois fundos, o partidário e o eleitoral, na suposição de que partidos são entidades de direito privado, e devem ser sustentados unicamente por seus membros e militantes, assim como os seus candidatos a quaisquer cargos eletivos. Aos que recusam tal tipo de reforma radical invocando o abuso do poder econômico, cabe retrucar com a evidência do poder inconteste que possuem atualmente as corporações de ofício, já que o Brasil é um país eminentemente corporativo, mais até do que associativo ou representativo. A eliminação de tais fundos faria convergir o sistema partidário a limites razoáveis, assim como a adoção de um sistema distrital misto faria diminuir o custo das eleições, fonte principal, senão exclusiva, da imensa corrupção que hoje grassa nos meios políticos.
Quaisquer que sejam os resultados eventuais das três reformas, previdenciária, tributária e política – absolutamente indispensáveis para melhorar, modestamente, a baixíssima qualidade de nossa democracia –, o fato é que os níveis de prosperidade e de bem-estar da população melhorarão ainda mais modestamente no horizonte previsível, em vista da mediocridade do crescimento econômico. O Brasil precisar incrementar de modo significativo seus indicadores de produtividade, sobretudo a do fator trabalho, uma vez que a do capital pode ter um componente importado mais fácil de adquirir. O elemento crucial nessa equação é a qualidade da educação fundamental, sem a qual não se poderá melhorar o capital humano e sua contribuição para a inovação tecnológica. O sistema de ensino no Brasil não requer simples reformas adaptativas, mas uma grande revolução, nos métodos, nos conteúdos, na gestão e na organização do sistema público, sendo que o setor privado teria de ganhar maior autonomia para que as induções do próprio mercado contribuam para esse esforço gigantesco de reforma e modernização. 
Muitas outras medidas urgentes e até emergenciais precisariam ser consideradas, sobretudo no terreno da segurança pública e no funcionamento dos serviços básicos sob responsabilidade da União e das instâncias federativas, assim como, entre outras, a abertura econômica e a liberalização comercial. Mas sua complexidade dificulta uma apresentação sintética como a aqui feita para as quatro grandes reformas que devem figurar entre as prioridades máximas do próximo governante. Voltaremos a elas...

Paulo Roberto de Almeida 
(Brasília, 23 de setembro de 2018)

Aproveito para divulgar a brochura que compus com base em trabalhos escritos nas últimas décadas sobre os processos eleitorais no Brasil e os grandes temas da política externa, cuja capa figura ao alto: 

3237. Eleições presidenciais no Brasil: Relações internacionais, política externa e diplomacia brasileira, 1985-2018, Brasília, 25 janeiro 2018, 299 p. Compilação de artigos, ensaios e postagens sobre a interface da política externa com o sistema político, publicados e inéditos. Sumário no blog Diplomatizzando (http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2018/01/politica-externa-e-eleicoes.html) e o arquivo na plataforma Academia.edu (https://www.academia.edu/s/01644a871c/eleicoes-presidenciais-no-brasil-arelacoes-internacionais-politica-externa-e-diplomacia-brasileira-1985-2018) e Research Gate (https://www.researchgate.net/publication/322775393_Eleicoes_presidenciais_no_Brasil_Relacoes_internacionais_politica_externa_e_diplomacia_brasileira_1985-2018), com a geração do seguinte DOI:10.13140/RG.2.2.10413.18404.

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