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sábado, 15 de setembro de 2018

Justissa no Brasil: impressionista, ideologica e achista

Estou de acordo com esse autor, mas acho que ele peca por omissão: não se trata apenas de impressionismo e achismo, mas também de profundos vieses ideológicos, do tipo do “Direito Achado na Rua” e outras bobagens similares.
Tem também, no caso de certos superjuízes, canalhice pura e simples, se não for conivência e cumplicidade com bandidos de alto coturno e meliantes políticos.
Paulo Roberto de Almeida

Jurisprudência impressionista

O consequenciachismo é um estado de espírito, um pensamento desejoso, a confusão entre o que é e o que se queria que fosse

Conrado Hübner Mendes
Doutor em Direito e professor da USP

O ministro Luís Roberto Barroso tem defendido em suas falas e seus votos a “refundação do Brasil”. A marca desse “novo tempo” seria o “idealismo sem perda do senso de realidade”. Recomenda, entre outras coisas, um “giro empírico-pragmático” na atuação estatal, postura “estatisticamente documentada” e atenta à vida como ela é. No lugar da “retórica vazia e dos discursos tonitruantes”, convoca os “dados objetivos”.
Dados objetivos e rigor empírico, de fato, são artigos raros no éthos judicial. Com frequência, juízes afirmam que suas decisões trarão certas consequências. Não têm ferramentas para testar suas previsões, mas não hesitam na especulação de gabinete. No campo criminal, por exemplo, costumam dizer que uma dada pena vai reduzir o crime ou a sensação de impunidade. No trabalhista, que a flexibilização de contratos vai gerar mais emprego. Não importa se os efeitos prometidos não vierem ou se estudiosos do tema discordarem. Não prestam contas ao mundo real.
No STF, esse tipo de achismo é abundante. Num caso clássico em que um cidadão pedia ao SUS, em nome do direito à saúde, custeio de tratamento no exterior sem eficácia comprovada, Marco Aurélio ponderou: “Pelo que leio nos veículos de comunicação, o tratamento dessa doença está realmente em Cuba”. Luiz Fux comungou: “Nunca acreditei na versão de que o tratamento em Cuba não tinha cura”. O caso não é caricatura isolada. O palpite diletante tem método, mas não o da ciência. Exemplos não faltam.
O STF proibiu financiamento empresarial de campanha a título de afastar o dinheiro da política, mas produziu em 2018 eleição ainda mais oligarquizada. Quando Marco Aurélio votou pela inconstitucionalidade da cláusula de barreira, em 2006, fez ode ao pluripartidarismo e às minorias. Previu que a desejada redução do número de partidos viria pelo voto. Poucas decisões do STF fizeram tão mal à democracia brasileira pela multiplicação de pequenos partidos venais. Num caso sobre os Correios, Gilmar Mendes argumentou que, sem monopólio estatal, seria impossível levar cartas a rincões distantes do país. Ignorou arranjos legais que viabilizam a concorrência. Lewandowski, ao discutir o uso de banheiro por transgêneros, salientou a “extrema vulnerabilidade física e psicológica de mulheres e crianças”.
Ironicamente, o “giro empírico-pragmático” não chegou sequer aos votos de Barroso. Em defesa da reforma trabalhista, disse que 98% das ações laborais do mundo se encontravam no Brasil. O número serviu para chocar, mas não para informar, pois o cálculo é espúrio. Na semana passada, o STF começou a julgar a possibilidade de pais tirarem seus filhos da escola e lhes dar educação domiciliar (“homeschooling”). O voto de Barroso não vê problema jurídico na prática. Com base em “pesquisas empíricas às quais teve acesso”, afirmou que quem passa por ensino só dentro de casa “não apenas tem melhor desempenho acadêmico, o que é indisputado”, mas também “tem nível de socialização acima da média”. Fez parecer que há consenso científico onde há pesquisa embrionária e contingente ao contexto americano; e supôs que as conclusões se transferem, sem mais, para as condições brasileiras de desigualdade. Citar qualquer pesquisa não vale. O jargão jurídico chama essa técnica decisória de “consequencialismo”. Os exemplos acima, com o perdão do trocadilho, aproximam o juiz brasileiro do “consequenciachismo”. O consequencialismo busca detectar relações empíricas de causa e efeito, pratica a dúvida metódica, vai atrás de pesquisas e dialoga com as ciências sociais.
O consequenciachismo é um estado de espírito, um pensamento desejoso (“wishful thinking”), a confusão entre o que é e o que se queria que fosse.
Bons consequencialistas respeitam a complexidade e a incerteza do mundo social. Consequenciachistas julgam conhecer o mundo social por intuição e experiência, aderem ao consequencialismo inconsequente, impressionismo com verve retórica.
A jurisprudência impressionista, com muita convicção e pouca evidência, esbanja palpites sobre causas e efeitos. As anedotas se bastam como fonte. A imodéstia cognitiva e o baixo traquejo com argumentos empíricos são cacoetes da formação jurídica bacharelesca. Argumentos convincentes, nessa tradição, dependem menos de consistência do que de gosto, e o bom gosto é definido pela autoridade de bacharéis.
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