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sexta-feira, 5 de outubro de 2018

O que fazer para cumprir um programa de governo? - Paulo Roberto de Almeida

O que se deve fazer para cumprir um programa de governo?

Paulo Roberto de Almeida
 [Objetivo: auto-esclarecimento; finalidade: análise da conjuntura]


Introdução
Respondo imediatamente à pergunta do título: em primeiro lugar, ter uma visão clara de quais são os principais problemas do país, e portanto, quais seriam as suas principais prioridades. Para atender ao primeiro quesito é preciso fazer um diagnóstico correto da conjuntura, mas mantendo uma visão de médio e longo prazo, de maneira a construir uma estratégia adequada para enfrentar, de forma persistente e continuada, os principais problemas detectados.
Minha própria percepção sobre a situação atual do Brasil é, obviamente, a da mais grave crise jamais enfrentada pelo país no plano econômico, mas também a de uma crise ainda mais grave no plano moral. A segunda crise talvez seja muito pior do que a primeira, pois ela é mais insidiosa, permanente, e também mais subjetiva, sendo provavelmente derivada do estado mental da maioria dos membros da elite, o que a torna de muito mais difícil resolução.

A grave crise moral de que padece o Brasil
Esta profunda crise moral tem a ver não apenas com o mau funcionamento do sistema político, mas também, e principalmente, com a profunda corrupção e completa degradação dos costumes que todo o sistema da governança pública atravessa, uma situação de declínio ético que contaminou o país, que o intoxica, e que torna quase impossível a obtenção de algum consenso razoável em prol das grandes reformas estruturais de que o Brasil necessita para resolver a primeira crise, a econômica, e retomar níveis razoáveis de crescimento sustentado.
Não me perguntem como resolver essa profunda crise moral que nos atinge a todos, pois eu também não sei. Não basta dizer “Que se vayan todos!”, como fizeram os argentinos em 2001, porque isso não vai acontecer. Não ocorreu por lá, e não vai acontecer por aqui, mesmo que se processe uma renovação limitada do corpo político, que está, repito, profundamente podre, moralmente falando.
Esse problema tem a ver com o nosso velho patrimonialismo – sempre passando por novas formas, do velho patrimonialismo luso-colonial, estudado por Raymundo Faoro, conhecendo certa renovação no quadro dos regimes autoritários do Estado Novo e da ditadura militar, até o patrimonialismo de tipo gangster, na era lulopetista –, mas tem também a ver com vários outros “ismos” nefastos, alguns de extração mais recente, outros de existência permanente em nosso país: o nepotismo, o fisiologismo, o prebendalismo, o corporativismo, o sindicalismo exacerbado, o protecionismo comercial, o intervencionismo econômico, o nacionalismo rastaquera, o patriotismo de fachada, o dirigismo extremo de nossa burocracia atávica, o regulacionismo excessivo das mesmas corporações de ofício e, last but not the least, esse desenvolvimentismo ingênuo, que nos faz concentrar todas as alavancas do crescimento econômico nas mãos, nos pés, no estômago desse ogro famélico, insaciável e desastrado que se chama Estado brasileiro, a fonte segura da maior parte dos nossos males.
Ao colocar o Estado no centro dos nossos males, não me engano nem exagero. A despeito de o Estado ser, infelizmente, o eixo central de toda a nossa organização política e social, e também (e ainda mais infelizmente) econômica, ele é, para o bem e para o mal, a raiz, a fonte, o fulcro de todos os nossos problemas e preocupações. Não nos enganemos: o estado brasileiro atual é o verdadeiro inimigo da nação, de uma sociedade livre, de nossa prosperidade. 
O Estado brasileiro, que no passado foi um impulsionador do desenvolvimento nacional, tornou-se, nitidamente hoje, o principal obstrutor de um processo sustentado de crescimento econômico. Ele o é de diferentes formas: ao extrair, vorazmente, cerca de 2/5 de tudo o que a sociedade produz; ao cercear possibilidades de acumulação e de investimento privado, o que o faz ser também um obstáculo à transformação produtiva; por último, ele é o grande empecilho a um processo real de distribuição do (baixo) crescimento econômico, ao ser, de fato, um instrumento nas mãos de ricos e poderosos, inclusive dos mandarins do próprio Estado, concentrando renda e provocando um aumento contínuo, ou pelo menos a preservação, das desigualdades sociais. Volto a repetir: o Estado, tal como ele funciona hoje, ou como ele não funciona atualmente, é o principal inimigo da nação, e isso precisa ficar bastante claro para todos. 

Reduzir o peso do Estado
Ao dizer isso, não quero ingenuamente fazer uma profissão de fé anarquista, e proclamar a necessidade de destruir o Estado, para tornar a sociedade livre de todas as deformações, vícios, malefícios, deseconomias provocadas pelo Estado, por meio de suas corporações de ofício, por meio das instituições voltadas prioritariamente para si mesmas, por meio dos lobbies particularistas que atuam no, e em direção do Estado, em virtude de toda a promiscuidade mantida entre agentes políticos e corporativos, de um lado, e a classe dos capitalistas, dos industriais e dos banqueiros, de outro, que se apropriam, estes, do Estado, e de seus representantes, para fazê-los funcionar em benefício dos seus próprios interesses, um pouco como aquela imagem de um comitê político atuando em defesa dos negócios da burguesia, de que falava, num famoso manifesto, um antigo filósofo social alemão.
O Estado é, infelizmente, nas sociedades complexas e altamente burocratizadas nas quais vivemos hoje, com graus exacerbados de urbanização e de regulação intervencionista, o único instrumento de que dispomos para evitar a conhecida situação hobbesiana de luta de todos contra todos. Se ele é esse instrumento, não pode ser destruído, certo? Apenas parcialmente correto.
O que nos cabe fazer, em primeiro lugar, nas condições concretas do Brasil, é reduzir drasticamente o tamanho e do peso do Estado a proporções suportáveis pela população trabalhadora, os agentes econômicos primários de produção de riqueza e de criação de empregos, que são os empresários e os microempreendedores – até o nível de carroceiros e de pipoqueiros de esquina –, que são também os que alimentam e cobrem os privilégios de uma rica burocracia de Estado, ademais da classe política predatória e extratora, os equivalentes atuais da antiga aristocracia do Ancien Régime.
Reduzir o tamanho e o peso do Estado sobre a vida dos cidadãos, e sobre as atividades produtivas dos criadores primários de renda e riqueza, já é meio caminho andado para resolver o primeiro e mais grave problema econômico da nação, qual seja, o desequilíbrio dramático das contas públicas e a falência virtual da fiscalidade. Voltamos, portanto, ao primeiro problema apontado ao início deste texto: a grave crise fiscal de que padece o Brasil atualmente, fruto da Grande Destruição da era lulopetista, o mais grave atentado de que já padecemos, sem o perceber, desde a fundação da República. 
Pouca gente está disposta a admitir que o Brasil, de 2003 a 2016, foi vítima de, ainda que administrado por, uma organização criminosa travestida de partido político, que não apenas se revelou totalmente inepta no plano da governança, como também foi, e principalmente, exacerbadamente corrupta no plano dos negócios públicos. Sem reconhecer esta realidade, torna-se difícil propor um programa de reconstrução nacional e de refundação da própria República, que passa pela eliminação da vida pública desses quistos cancerosos do sistema político.

Como construir a governança?
Partindo desse pressuposto, uma primeira tarefa de uma governança responsável seria a de construir uma maioria de apoio ancorada na transparência em relação a um programa de governo declaradamente reformista, que afaste de vez a corrupção dos negócios públicos, como é a expressa vontade da imensa maioria da população. O governo deveria ser em parte político, em parte tecnocrático, pois seria impossível trabalhar sem especialistas, de um lado, e sem representantes dos partidos presentes no Congresso, de outro. 
A reforma política é algo absolutamente necessário, e o Executivo precisaria ter uma visão clara de como ela deve ser feita – reduzir a fragmentação, mudar o sistema eleitoral, cláusulas de barreira, fim dos fundos partidário e eleitoral –, mas também deve ter absoluta consciência de que essa reforma não será feita pelos próprios políticos e partidos, sem uma pressão decisiva por parte da cidadania consciente, o que obviamente será difícil de obter. O governo, então, deverá se concentrar nas reformas econômicas e em diversas outras reformas estruturais – previdenciária, trabalhista, educacional, etc. –, com total transparência sobre o que o Brasil precisa fazer para retomar o crescimento.
Na parte econômica, o restabelecimento do equilíbrio fiscal, a diminuição dos déficits orçamentários e do endividamento público, assim como um amplo programa de privatizações, são absolutamente necessários para que todos os demais objetivos reformistas sejam alcançados. O sentido geral das reformas deve ser o da abertura econômica, o da liberalização comercial – se preciso for unilateral –, amplas liberdades econômicas, com diminuição do regulacionismo intrusivo e uma profunda reforma fiscal no sentido da redução, sim, da redução da carga fiscal total. 
Como não parece haver entendimento preliminar, nem federativo, sobre o caráter dessa reforma, sobre a estrutura do novo sistema tributário, sobre a mudança na arquitetura e na composição da base fiscal – peso e repartição dos impostos, das taxas e contribuições, nos três níveis –, o que se propõe é um programa gradual e progressivo de redução paulatina de alguns pontos percentuais – pode ser meio por cento a cada ano – em cada uma das alíquotas ou valores aplicados em todos os componentes da atual base fiscal, digamos num espaço de cinco a dez anos, período no qual a sociedade e o parlamento engajariam uma discussão ponderada sobre a substância e o perfil da nova estrutura fiscal e tributária, condizente e compatível com as necessidades dos país. O sentido será sempre o da redução da carga sobre o investimento, sobre o trabalho e os lucros, com maior incidência sobre o consumo – mas desonerando os itens de consumo popular –, sobre o patrimônio e as rendas do capital. O Brasil precisa chegar a uma carga fiscal total não superior a 30% do PIB, que seria comensurável com sua atual renda per capita.
Outro aspecto essencial das reformas modernizantes é a privatização de todas – sublinho TODAS – as empresas estatais, que salvo raros casos têm servido principalmente de cofre e de cabide de empregos para políticos inescrupulosos, aqueles expropriadores e rentistas. Não existe nenhum motivo econômico, ou até político, para que grandes empesas públicas, em praticamente todas as áreas, inclusive os bancos estatais, continuem a funcionar sob a gestão ineficiente, e altamente comprometedora de sua higidez, do Estado. Mesmo bancos de “desenvolvimento” podem ser colocados parcialmente sob a responsabilidade de uma gestão pautada por critérios de mercado.
A política econômica externa e, portanto, a política externa igualmente podem ter como foco as mesmas prioridades de reformas estruturais já definidas para a tarefa de modernização doméstica, sendo que a política externa setorial é acessória ao, e em grande medida dependente do, imenso esforço de recuperação da nação, depois de quase duas décadas de descaminhos e contradições no processo de desenvolvimento nacional. 

Estas são as considerações genéricas que julgo serem importantes apresentar numa fase preliminar do debate em torno da reconstrução nacional. Argumentos mais específicos serão apresentados para políticas setoriais em terrenos seletivos. Apenas volto ao meu resumo habitual de políticas gerais para um processo de crescimento sustentado, com transformação produtiva e redistribuição de renda via mercados, antes que pela mão assistencialista sempre torta do Estado: macroeconomia estável – fiscal, monetária e cambial –, microeconomia competitiva, governança responsável e transparente, alta qualidade do capital humano e abertura ao comércio internacional e aos investimentos estrangeiros. Vale...

Paulo Roberto de Almeida
Brasília-Lisboa, em voo; Aeroporto de Lisboa; Beja, 22 junho de 2018

domingo, 23 de setembro de 2018

De um turno a outro: o que dizer, o que fazer? - Paulo Roberto de Almeida

De um turno a outro: o que dizer, o que fazer?

Paulo Roberto de Almeida
 [Objetivo: digressões ex-ante; finalidade: planejar o ex-post]

Introdução: olhando a “coisa” algumas semanas à frente
Decidido o primeiro embate, e antecipando sobre o próximo, já não é mais hora de tergiversar, enganar, prometer, ou seja, ser candidato. A hora é de se mostrar como um verdadeiro estadista, falar a verdade, expor e abordar os principais problemas, e dizer exatamente o que pretende fazer, uma vez convertido em responsável maior pelos problemas do país. Não cabem mais frases vagas, de que vai abrir centenas de creches ou investir tantos milhões neste ou naquele setor. Isso é demagogia barata. O que se tem de prometer é unicamente, e justamente, uma única coisa: trabalho, trabalho, trabalho.
Cabe em primeiro lugar apresentar um cenário realista da crise brasileira, que vai continuar no próximo governo – não há porque esconder isto –, mencionar quais são as perspectivas para o primeiro ano e meio de governo, esclarecendo devidamente quais são as raízes da crise atual, e porque é difícil corrigi-las em pouco tempo, e depois, aí então, dizer exatamente o que pretende oferecer como o conjunto de medidas corretivas para superar a crise e deixar as bases para o crescimento numa fase posterior ao seu mandato. Deixar de pronto muito claro que o tamanho da destruição foi de tal monta que, infelizmente, sua correção exigirá provavelmente a extensão completa do próximo governo. Anunciar que em 2022, quando se comemorará o bicentenário da formação do Estado independente, a situação econômica não será muito diferente daquela conhecida antes da crise, mas esta é infelizmente a verdade pura e simples. Dito isto vamos ao que interessa: (a) o cenário da crise; e (b) as perspectivas de um mandato de puro trabalho.

1. O cenário da profunda crise brasileira
A crise brasileira não é apenas conjuntural, ou tão somente derivada da queda de crescimento a partir dos desajustes provocados por políticas econômicas equivocadas implementadas pelos três governos anteriores do lulopetismo; trata-se de uma crise estrutural, não apenas econômica – aqui essencialmente no plano fiscal, ou seja, interno, sem qualquer conexão com uma alegada “crise internacional”, apresentada como a fonte da recessão pelos seus responsáveis –, mas também política, resultante de uma cisão nos círculos dirigentes, todos ele operando num ambiente profundamente disfuncional, que surgiu a partir da descoordenação entre os poderes e seus líderes, incapazes de propor e implementar um projeto comum de reformas e de inovações no sistema político e nas bases das políticas econômicas (macro e setoriais). Mas trata-se, também e sobretudo, de uma profunda crise moral, confirmada por investigações, indiciamento e condenação de inúmeros atores da vida política, dos meios empresariais, ou seja, das próprias elites dirigentes. A Justiça, por sua vez, tampouco está isenta de críticas, na medida em que ou delonga processos que envolvem esses personagens, ou adota liminares especialmente rápidas, que parecem demonstrar complacência e leniência com práticas de corrupção. 
 Cabe indicar precisamente os responsáveis pela maior recessão da história do Brasil, que provocou perda considerável de renda, desemprego recorde e retraimento ainda maior do Brasil nos fluxos internacionais de comércio de bens, de serviços e de investimentos. A atribuição de responsabilidades pela crise é essencial para evitar novos exercícios de demagogia política e de populismo econômico e para evitar a repetição dos mesmos erros, derivados das mesmas políticas equivocadas, que conduziram o país ao desastre atual. O componente principal do desastre é o fiscal, e se manifesta na persistência dos déficits orçamentários, no crescimento da dívida pública e na redução dramática da capacidade de investimento do setor público, convertido em responsável pela crise e ainda agora em núcleo obstrutor das reformas necessárias, pela força dos seus mandarins, pelo monopólio irresponsável dos políticos eleitos, e pelo extremo dirigismo e intervencionismo a que chegamos com o atual modelo constitucional. 
Este é o quadro de impasses, de bloqueios e da falta de consenso em torno de uma agenda factível de recuperação e de retomada do crescimento e da normalidade da vida política. Relevante para explicar o estado atual de quase anomia no sistema político é o ânimo e as práticas divisionistas permanentemente promovidas pelo partido que encarna a recusa do jogo democrático como princípio da governança, que é o PT: este sempre apostou na divisão do país, em termos de classes sociais, de renda, de raças, e acabou criando, justamente, o fracionamento da nação em torno de duas propostas situadas aparentemente nos extremos, mas que se encontram na solução polarizada que é a da recusa absoluta das propostas situadas na outra ponta (aparente) do sistema.
Este é o triste resultado de processo fragmentado de representação política, exacerbado pela permissividade da legislação eleitoral e partidária, pela promiscuidade corruptora demonstrada por alianças espúrias entre donos do dinheiro e donos do poder, e que promete se manter na próxima legislatura, a despeito justamente do desprezo que lhe devotam grande parte dos eleitores, e que por isso mesmo se refugiaram numa opção aparentemente fora do sistema (como pode ter sido a percepção em 1989, com os efeitos e consequências frustrantes que se lhe seguiram). Tal cenário impõe como prioritária uma reforma política, mesmo presumivelmente tão difícil quanto a reforma tributária, como agora se passa a debater no quadro das propostas de correções que se impõem.

2. O que se tem de fazer para corrigir os problemas?
Qualquer que seja a orientação ideológica ou as preferências políticas do próximo presidente – de centro, de “direita” ou de “esquerda”, com as ressalvas que cabem nesse tipo de dicotomia –, uma coisa é certa: ele terá de corrigir imediatamente a tendência de déficits orçamentários crescentes, sob risco de precipitar a economia numa crise mais devastadora do que a atualmente enfrentada. O ajuste do déficit, não para o superávit, mas simplesmente para o equilíbrio nominal, consumirá provavelmente todo o seu mandato, o que implica um regime de emagrecimento rigoroso, cujo componente principal é, obviamente, a reforma previdenciária. Os inimigos principais dessa reforma estão encastelados no próprio Estado, com suas corporações mandarinescas, dispondo de recursos suficientes para sustentar campanhas mentirosas contra uma reforma que deveria, em primeiro lugar, instaurar a igualdade cidadã, ademais de reduzir benefícios e instaurar um regime progressivo de capitalização para se colocar de acordo com as tendências irreprimíveis da demografia. É uma luta difícil, mas essencial para o destino ulterior do imenso conjunto de reformas que são imprescindíveis para o futuro do país.
Ao lado de uma reforma previdenciária radical, eliminando todos os regimes especiais e tratamentos abusivos, figura um início de reforma tributária que sempre esteve na retórica dos governantes, mas que nunca foi de fato empreendida, dadas as complexidades do sistema federativo e da própria estrutura tributária atual. Como um entendimento sobre as diferentes mudanças no imenso cipoal de impostos, taxas e contribuições divididas nos três níveis da federação será necessariamente delongado e difícil, senão impossível, uma proposta rudimentar, mas em todo caso indicativa do sentido para o qual se deve caminhar – que não é o do aumento ou da manutenção dos níveis correntes da carga fiscal total –, seria a da aprovação consensual de uma redução gradual, progressiva, extremamente moderada, dos diferentes tributos, mediante o decréscimo (anual ou semestral) de alguns pontos percentuais das alíquotas ou níveis aplicados em todos os impostos, taxas e contribuições (talvez meio por cento cada vez) até que um grande acordo parlamentar possa ser encontrado (digamos em dez anos). 
Uma reforma política é absolutamente indispensável para se reduzir o quantum de irracionalidade existente no atual sistema político-eleitoral-partidário-representativo, o que exigiria, obviamente, uma enorme pressão popular sobre o parlamento. A extrema fragmentação partidária poderia ser imediatamente corrigida por um gesto ousado e corajoso – que provavelmente não virá – tendente a aprovar, simplesmente, o fim de dois fundos, o partidário e o eleitoral, na suposição de que partidos são entidades de direito privado, e devem ser sustentados unicamente por seus membros e militantes, assim como os seus candidatos a quaisquer cargos eletivos. Aos que recusam tal tipo de reforma radical invocando o abuso do poder econômico, cabe retrucar com a evidência do poder inconteste que possuem atualmente as corporações de ofício, já que o Brasil é um país eminentemente corporativo, mais até do que associativo ou representativo. A eliminação de tais fundos faria convergir o sistema partidário a limites razoáveis, assim como a adoção de um sistema distrital misto faria diminuir o custo das eleições, fonte principal, senão exclusiva, da imensa corrupção que hoje grassa nos meios políticos.
Quaisquer que sejam os resultados eventuais das três reformas, previdenciária, tributária e política – absolutamente indispensáveis para melhorar, modestamente, a baixíssima qualidade de nossa democracia –, o fato é que os níveis de prosperidade e de bem-estar da população melhorarão ainda mais modestamente no horizonte previsível, em vista da mediocridade do crescimento econômico. O Brasil precisar incrementar de modo significativo seus indicadores de produtividade, sobretudo a do fator trabalho, uma vez que a do capital pode ter um componente importado mais fácil de adquirir. O elemento crucial nessa equação é a qualidade da educação fundamental, sem a qual não se poderá melhorar o capital humano e sua contribuição para a inovação tecnológica. O sistema de ensino no Brasil não requer simples reformas adaptativas, mas uma grande revolução, nos métodos, nos conteúdos, na gestão e na organização do sistema público, sendo que o setor privado teria de ganhar maior autonomia para que as induções do próprio mercado contribuam para esse esforço gigantesco de reforma e modernização. 
Muitas outras medidas urgentes e até emergenciais precisariam ser consideradas, sobretudo no terreno da segurança pública e no funcionamento dos serviços básicos sob responsabilidade da União e das instâncias federativas, assim como, entre outras, a abertura econômica e a liberalização comercial. Mas sua complexidade dificulta uma apresentação sintética como a aqui feita para as quatro grandes reformas que devem figurar entre as prioridades máximas do próximo governante. Voltaremos a elas...

Paulo Roberto de Almeida 
(Brasília, 23 de setembro de 2018)

Aproveito para divulgar a brochura que compus com base em trabalhos escritos nas últimas décadas sobre os processos eleitorais no Brasil e os grandes temas da política externa, cuja capa figura ao alto: 

3237. Eleições presidenciais no Brasil: Relações internacionais, política externa e diplomacia brasileira, 1985-2018, Brasília, 25 janeiro 2018, 299 p. Compilação de artigos, ensaios e postagens sobre a interface da política externa com o sistema político, publicados e inéditos. Sumário no blog Diplomatizzando (http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2018/01/politica-externa-e-eleicoes.html) e o arquivo na plataforma Academia.edu (https://www.academia.edu/s/01644a871c/eleicoes-presidenciais-no-brasil-arelacoes-internacionais-politica-externa-e-diplomacia-brasileira-1985-2018) e Research Gate (https://www.researchgate.net/publication/322775393_Eleicoes_presidenciais_no_Brasil_Relacoes_internacionais_politica_externa_e_diplomacia_brasileira_1985-2018), com a geração do seguinte DOI:10.13140/RG.2.2.10413.18404.

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Ah, esses candidatos improvisados...sem programa de governo...

Extraordinário, incrível, mas verdadeiro.
A candidata NO GOVERNO, do governo do PT, não se entende com o seu partido, sobre um programa de governo. 
Não haveria aí um notório "despreparo" para governar?
Paulo Roberto de Almeida  

Impasse com PT faz Dilma suspender plano de governo
ANDRÉIA SADI E NATUZA NERY
DE BRASÍLIA

Folha de S.Paulo, 18/09/2014


Partido defende fim do fator previdenciário, mas Planalto não concorda
O candidato do PSDB, Aécio Neves, disse nesta quarta que apresentará seu programa 'quando ele estiver pronto'

 
A presidente Dilma Rousseff mandou suspender a divulgação de seu programa de governo após impasse com alas do PT que defendem propostas contrárias à posição do Palácio do Planalto.
No ato de registro da candidatura no TSE (Tribunal Superior Eleitoral), em julho, o comitê de Dilma apresentou uma espécie de esboço como programa de governo.
O objetivo era divulgar ao longo da campanha ideias detalhadas por temas que são debatidos com setores do PT. No entanto, não houve consenso entre o Planalto e alguns desses grupos.
Oficialmente, Dilma disse no final de semana que não iria divulgar seu programa de governo porque suas propostas seriam conhecidas pela televisão e na internet.
Desde o início da corrida presidencial, a petista aproveitou eventos temáticos para lançar propostas em pílulas''. Foram apresentados programas para igualdade racial, mulheres e juventude.
Depois disso, coordenadores da campanha enviaram a assessores presidenciais a proposta sobre trabalho.
O documento propunha, entre outros pontos, avançar na negociação para a redução da jornada de trabalho, o fim do fator previdenciário (que reduz o valor de aposentadorias precoces) e a regulamentação da terceirização.
Apesar de não declarar publicamente, o governo evita há quatro anos que a proposta do fim do fator previdenciário seja votada no Congresso. O Planalto enfrenta pressão das centrais sindicais, mas nunca se comprometeu com a ideia da redução da jornada de trabalho.
A Folha apurou que, ao tomar conhecimento por assessores das propostas para trabalho e emprego, Dilma determinou o adiamento da divulgação do programa.
Outro ponto de atrito é a revisão da Lei de Anistia. Dilma já disse, reservadamente, ser pessoalmente a favor, mas não encaminha a medida para não provocar crise com as Forças Armadas.
Coordenadores também admitem que a experiência de Marina Silva (PSB) com o lançamento de seu programa de governo redobrou a preocupação no comitê petista.
O documento, com mais de 200 páginas, gerou repercussões e Marina teve que recuar em algumas propostas.
O próprio PT vivenciou episódio parecido quando substituiu, em 2010, texto do programa de governo de Dilma que citava bandeiras importantes para a esquerda, como a democratização dos meios de comunicação.
PSDB
O candidato do PSDB ao Planalto, Aécio Neves, disse nesta quarta (17) que apresentará seu programa "quando ele estiver pronto". Havia a expectativa de que o plano fosse divulgado nesta semana, mas a cúpula da campanha já descarta a hipótese.
Assim como Dilma, Aécio quer evitar que pontos levantados na proposta possam alimentar ataques de adversários num momento em que ele ensaia uma recuperação nas pesquisas.
Desde 2009, a legislação eleitoral exige dos postulantes à Presidência que, ao fazer o pedido de registro da candidatura, protocolem na Justiça as suas "propostas defendidas". Em tese, aquele que não cumprir a regra pode ter a candidatura barrada.
Mas a lei não estipula nenhum critério para a formulação do documento, o que permite a entrega de textos genéricos ou meras diretrizes.
A OAB e o juiz eleitoral Márlon Reis, um dos fundadores do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, defendem que candidatos apresentem textos que permitam "discutir ideias e propostas" antes das eleições. Para Reis, a substituição do programa por "diretrizes" é "um problema muito sério".