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quarta-feira, 10 de abril de 2019

Parceria Brasil-OTAN - Mauricio Aparecido França (Exército brasileiro)

Excelente análise do tenente coronel do Exército brasileiro, Mauricio Aparecido França, sobre a parceria Brasil-OTAN. Artigo-base para uma análise ponderada dessa questão.
Paulo Roberto de Almeida


Uma análise da possível parceria, Brasil e Organização do Tratado do Atlântico Norte

A Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) foi criada em 1949, agrupando 12 países em torno de um projeto de “segurança coletiva” em face do inimigo comum.  A Europa estava dividida ideologicamente: a leste, a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) ameaçava expandir militarmente seu território e, a oeste, os Estados Unidos da América (EUA) tentavam impedir.
Desde sua criação, a organização sediada em Bruxelas incorporou novos atores e, atualmente, é composta por 29 países.  A despeito da incontestável liderança americana, as decisões são tomadas em unanimidade, não havendo o poder de veto como ocorre, por exemplo, no Conselho de Segurança das Nações Unidas.
Com o fim da URSS, a organização teve sua finalidade questionada sob o pretexto de que a ameaça militar direta teria se extinguido. No entanto, a instabilidade de caráter étnico dos Balcãs e o ataque terrorista de 11 de setembro de 2001 reforçaram a ideia de que a OTAN iria ainda desempenhar um papel importante.  O pensamento de extinção cedeu lugar ao processo de transformação pelo qual a organização ampliou sua área geográfica de atuação para além de seus próprios limites.
Nesse contexto de transformação, a ideia de se estabelecer parcerias estratégicas para a paz foi colocada em prática. Baseada em um senso mais complexo de defesa coletiva, a OTAN passou a privilegiar relações bilaterais com países não europeus capazes de contribuir de alguma forma para a consecução de seus objetivos. São exemplos claros de tais parcerias as relações entre a OTAN e o Iraque, o Afeganistão, a Austrália e, na América do Sul, mais recentemente, a Colômbia.
Em novembro de 2018, em uma entrevista à BBC, o ex-embaixador dos EUA no Brasil, Thomas Shannon, defendeu que o Brasil estabelecesse também uma parceria para a paz com a OTAN, pois “isso traria ao Brasil uma oportunidade para se envolver e trabalhar diretamente não apenas em questões militares e das forças armadas, mas em tudo que for ligado à segurança nacional e segurança global”. 
Para o Brasil, maior país da América do Sul, a aproximação direta com a OTAN sempre gerou questionamentos sobre o que essa parceria representaria para o país. Essa é uma reflexão importante, especialmente no momento atual, em que a política externa brasileira está se aproximando dos EUA.
No campo geopolítico, não há dúvidas de que se o Brasil deseja realmente alcançar uma posição de maior protagonismo internacional, uma possível parceria com a OTAN contribuiria para este objetivo. Ressalta-se que isso não representa um rompimento com a tradição brasileira de não intervenção e de solução pacífica de controvérsias.
Por outro lado, o estabelecimento dessa parceria reafirmaria o posicionamento contrário do Brasil ao expansionismo e ao terrorismo, repudiados historicamente pela diplomacia brasileira. Ou seja, a ação de se aproximar não seria novidade nenhuma para aqueles que acompanham os passos do Brasil.
Militarmente, as oportunidades são mais claras e fáceis de visualizar. O sistema doutrinário da aliança é fruto das lições aprendidas em suas missões e constitui-se em um conhecimento de ponta para nações pacíficas como o Brasil. A ideia-força seria “aprender com os erros e acertos dos outros”.
A OTAN cumpre missões, atualmente, no Afeganistão e em Kosovo, patrulha o mar Mediterrâneo, apoia a União Africana na Somália e policia o espaço aéreo nas regiões fronteiriças com a Rússia. Todas essas atividades podem subsidiar a nossa própria doutrina.
A Diretriz para Atividades do Exército Brasileiro na Área Internacional (DAEBAI) assinala a região formada pela América do Norte e Europa como sendo o “Arco do Conhecimento” para aquisição de inovações doutrinárias e tecnológicas.
Para cumprir esse objetivo, militares brasileiros são enviados para frequentarem cursos de aperfeiçoamento e altos estudos que os tornam conhecedores da doutrina militar das Nações Amigas (NA). Paralelamente, uma rede de oficiais de ligação foi estabelecida com o intuito de se ter acesso aos centros de doutrina desses países. Estamos, de uma maneira indireta, recebendo os ensinamentos da OTAN.
Não obstante, há que se ressaltar que uma parceria com a aliança permitiria o acesso direto ao sistema de ensino da Organização. A Colômbia, por exemplo, envia militares para a Escola da OTAN na Alemanha (Oberammergau) e para o Colégio de Defesa da OTAN na Itália (Roma) desde 2013. Ademais, O Exército Brasileiro poderia ter acesso facilitado a outras formações como, por exemplo, na Escola de Defesa Cibernética em Portugal, considerada referência no setor.
Nessa mesma direção, acrescenta-se a possibilidade de promoção dos Produtos de Defesa do Brasil em mercados tradicionalmente fechados. Quanto mais aprofundarmos a participação em exercícios utilizando material nacional, maiores são as chances de adoção desses equipamentos na Europa e nos demais parceiros da OTAN. Os programas ASTROS e GUARANI encaixam-se perfeitamente nesse ponto.
Finalmente, cabe ressaltar que estabelecer uma pareceria para a paz com a OTAN não representa, em absoluto, alinhar-se automaticamente com qualquer ator internacional. Ao contrário, assinala um passo pragmático para o fortalecimento das capacidades militares dissuasórias do País. Sem dúvidas, será um passo possível e importante.
Fonte: E-Blog
Nota da Redação: O Autor do presente artigo, Srº Mauricio Aparecido França é tenente- coronel da arma de infantaria do Exército Brasileiro. Após concluir o curso da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, no Rio de Janeiro, frequentou a École de Guerre, em Paris em 2017-2018. Nesse ano escolar, cursou o programa de mestrado da École Pratique Hautes Etudes (EPHE) desenvolvendo pesquisa sobre a evolução do pensamento geopolítico brasileiro”.

Austerity — How it Works and When It Does Not - Antony Mueller


Austerity — How it Works and When It Does Not

Apr 8, 2019
Antony P. Mueller
Trying to overcome a financial crisis with more debt is ineffective and a scheme of deceit. It would be just another step closer to final bankruptcy. In order to overcome a financial crisis, policies in favor of private business are required. Austerity need not be painful when the contraction of the public sector is accompanied by the expansion of the private sector. This way, the recipe for making austerity work requires to do away with the interventionist burdens and to ignite the entrepreneurial spirit. The challenge for the policymakers is not to quarrel about spending cuts but to determine what must be done in order to make the private sector expand while the public sector shrinks.
Failed Policies
As Austrian economics explained long ago, austerity and not more spending is the way out of a depression. A new empirical study of 16 advanced economies has fully confirmed the thesis that austerity works. The research found that the sizable reduction of a country’s deficit and the stabilization of the public debt is the way for the economy to recover and regain economic growth. Reducing the obese state through fiscal retrenchment leads to economic expansion.
Yet the popular belief says that the debt which comes with more deficits would be financed by more tax revenue because government spending “stimulates” the economy. Politicians earn applause with this false thesis. Yet these advocates ignore that the emergence of a debt crisis is in itself the evidence that the so-called fiscal multiplier of public expenditure has not worked as promised. The materialization of a debt crisis means that the wonder drug has failed.
When a debt crisis emerges, governments try to ignore the truth as much as they can. The population anyway does not want to hear that the spending spree should be over. Political candidates gain their job in government as salesmen of apparently free goodies. Consequently, the politicians are inept to elucidate the necessity of less public spending. It runs against the nature of those who live by the government that less and not more governmental activity is the solution.
Even when the public debt crisis has grown into a national emergency, the usual firework of a rhetoric of illusions will not stop. It is much more likely that the tradition of negligence that has brought about the debt crisis will also dominate politics when the debt crisis has arrived. A country can call itself lucky when austerity gets a chance.
A debt crisis shows that now, instead of promoting the state, one must liberate the private sector. When the expansion of private production compensates the contraction in the public sector, the country’s debt burden will fall. Not more public spending finances the debt, as the deficit spenders claim, but to curtail public spending and to make room for the expansion of the private sector will save the economy.
Those who favor more government expenditures in the face of a public debt crisis suggest that the very same strategy that has led to the calamity would also be its solution. Yet how could the debt crisis justify borrowing more when borrowing has been the cause of the debt crisis? The fact of the debt crisis shows that too much debt has been accumulated. In order to overcome the crisis, not less but more savings are needed.
Austerity Without Remorse
The recovery after World War II in the United States and in Western Europe provides an impressive confirmation of the thesis that spending cuts will stimulate economic activity when they are made in combination with improvements of the investment climate.
The reduction of public spending at that time, when the American war machine had to be reduced, happened in an atmosphere which had become favorable again for private business. While regime uncertainty and the economic policy of President Roosevelt kept the private economy down in favor of the public sector and of government employment during the Great Depression and in the war years, a new period dawned for free enterprise in the United States and the other countries, such as West Germany and Japan, that joined in.
In the United States, the reduction of the debt burden after World War II occurred in combination with the promotion of free market economics. Consequently, the public debt burden was brought down in an environment of high growth rates (Figure 1).
Figure 1
United States. Public debt per gross domestic product and annual economic growth rate, 1935–2017
Annual economic growth rate (left hand side), full line — Public debt in percent of gross domestic product (right hand side), dotted line
Since the beginning of the 1980s, the debt quotient of the United States has been on the rise again. Yet economic growth has been week. The sharp increase of relative public debt after 2008 did not lift the economic growth rates. On the contrary, since this period, the average economic growth rate is below the level of the 1990s and considerably lower compared to the period from 1950 to 1980.
An interesting show case is Ireland, which has recovered swiftly from the debt crisis of 2008, reducing sharply its debt burden, fostering free market policies and regaining formidable growth. Ireland is the case in point where fiscal retrenchment brought economic expansion (Figure 2).
Figure 2
Ireland. Public debt in percent of gross domestic product and annual economic growth rates, 2008–2018

Annual economic growth rate (left hand side), full line — Public debt in percent of gross domestic product (right hand side), dotted line
Quite different has been the post-2008 policy in Italy. The government has done little to cut the obese state in favor of free markets. Consequently, economic growth has been extremely low and is now approaching negative territory again (Figure 3).
Figure 3
Italy. Public debt in percent of gross domestic product and annual economic growth rate, 2008–2018

Annual economic growth rate (left hand side), full line — Public debt in percent of gross domestic product (right hand side), dotted line
An instructive example is to contrast the policies of the United Kingdom after the end Napoleonic Wars to those that were adopted after World Wars I and II (Figure 4
Figure 4
Public Debt of the United Kingdom, 1692–2011
In the wake of the Napoleonic wars at the beginning of the 19th century, British public debt had grown to over two hundred and fifty percent of its gross domestic product. In the century that followed the war, which had ended in 1815, the United Kingdom brought down its debt consistently and experienced its most glorious period of economic prosperity. In contrast, the British economy experienced prolonged periods of economic stagnation both after World War I and World War II.
The economic policies of these periods couldn’t be more different. While in the 19th century, Britain practiced an economic policy molded after the ideals of classical liberalism, the country adopted interventionist policies after World War I and did the same after World War II until the late 1970s. While Britain gained wealth and prosperity in the 19th century, it earned economic decline and stagnation in the 20th century.
Likewise, the massive expansion of public expenditure in Japan over the past decades did not lift the economic growth rates. In sharp contrast to the period before 1990, when public debt was low, Japan has experienced a long period of low economic growth since then. At the same time, when public debt relative to the gross national product has been constantly rising (Figure 5).
Figure 5
Japan. Public debt in percent of gross domestic product and annual economic growth rate, 1980–2017

Annual economic growth rate (left hand side), full line — Public debt in percent of gross domestic product (right hand side), dotted line
The Next Crisis
In the USA, the debt burden (public debt in percent of the country’s gross domestic product) has been rising since 2008 from 82 percent to 105 percentin 2016. This figure is bound to explode when the next recession hits or interest rates rise. Japan has been mired in debt for more than two decades. In this period, the nation’s debt burden has risen to over 250 percent. Japan provides a striking example that huge public spending programs and zero-bound interest rate policies are of no avail when the statist system is not replaced by radical free-market reforms.
Whatever the specific circumstances of the next financial crisis will be, it will come together with a crisis of the public debt. In fact, many countries of the world, not only Greece a few years ago or currently Brazil, are in a debt crisis. The United States, Japan, many European countries,a crisis of public debt looms in almost each of the advanced economies. The crisis has not yet become acute in these countries because the central banks have been buying public debt at an unprecedented pace and implemented extremely low interest rates. Now, these policies are reaching their limit. The next recession will also be the next big debt crisis.
When times are normal and when there is business as usual, investor can regard government bonds as good as currency. Holding bonds is a profitable alternative to savings in currency. Instead of lending one’s money to commercial banks in a savings account, the saver lends his funds to the government. When the bond market is liquid, and the market for bonds is usually one of the most liquid financial market, bonds are a full substitute to currency with the additional advantage of earning interest.
As long as the interest on the bonds compensates the loss due to price inflation, the investor can feel save. Yet what happens when price inflation exceeds expectations? In this case, the calculation that was made when deciding to buy bonds, does no longer hold. The more the newly formed expected inflation rate surpasses the earlier level, the less favorable will it be to keep on holding bonds. Bond investors begin to sell, and new investors will only buy bonds at a higher interest rate. The equivalence of bonds to currency breaks down. Then it turns out that the assurance of the Modern Monetary Theory that the government can spend without regard to its receipt, that “deficits don’t matter”, becomes a false promise.
Once, inflationary expectations begin to rise and the projections find their confirmation, the government becomes an ordinary debtor and as such is only as creditworthy as it can make believe being able to honor its debt. The privilege of the state as the issuer of the currency as the nation’s sovereign money comes to an end. This phenomenon is popularly called “loss of confidence”. In economic terms this means that investor do no longer regard government bonds as good as currency.
Conclusion
When will governments recognize that there is no alternative to austerity for a country which has reached its debt limit? When will governments recognize that austerity does not need to be painful when spending cuts are made in combination with an improvement of the economic environment of the private sector? The choice between a cut of government expenditure or an increase of public spending runs down to the choice between accepting a period of adversity or to go on with the illusionary joy ride. In the end, the truth will win anyway. Only a childish attitude would opt for more spending just to make matters worse. However, simply reducing public expenditures is not enough. What needs to be done is to combine spending cuts with a convincing policy of promoting free enterprise without any reservation.
Dr. Antony P. Mueller is a German professor of economics who currently teaches in Brazil. Write an e-mail. See his amazon author page.

Apex: a casa dos horrores sob os bolsonetes e olavistas, com a conivencia do chanceler acidental

Revista Piauí, 10 abril 2019

Foi atender o telefone e voltou demitido

Embaixador diz que Apex era “jardim de infância” sob influência de Eduardo Bolsonaro

Consuelo Dieguez, jornalista

Mario Vilalva, embaixador demitido da Apex
Pouco antes de ser exonerado da presidência da Apex, a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimento, por volta das quatro da tarde dessa terça-feira, dia 9, o embaixador Mario Vilalva disse à piauí, durante uma conversa telefônica, que estava “administrando um jardim de infância”. O principal alvo de sua crítica era a empresária Letícia Catelani, ou Letícia Catel, como é conhecida nas redes sociais bolsonaristas, diretora de Negócios da agência, que o embaixador considera uma pessoa “infantil e despreparada para o cargo”.  Catel, de 30 anos, é muito próxima do deputado Eduardo Bolsonaro, filho caçula do presidente Jair Bolsonaro, e, segundo o embaixador Vilalva, é também “protegida” do chanceler Ernesto Araújo. No momento em que fazia as acusações contra Catel, Vilalva interrompeu a conversa para me dizer que precisava atender a uma ligação de urgência. Logo em seguida, sua assessoria me informou que ele deixara o prédio da Apex, pois havia sido exonerado pelo chanceler Ernesto Araújo.
São muitas as críticas de Vilalva a Catel. Ele a acusa de paralisar todos os negócios da agência e de bloquear todos os projetos, causando enorme prejuízo às empresas brasileiras. Além do despreparo para lidar com questões fundamentais da promoção de comércio exterior, ele se queixava do comportamento dela. Para Vilalva, além de não saber trabalhar em equipe, Catel era indisciplinada e boicotava o trabalho da agência, atrapalhando os negócios. O embaixador citou um episódio que lhe incomodou sobremaneira: após uma reunião com Catel e com o diretor de Gestão Corporativa, Márcio Coimbra, também indicação de Bolsonaro filho, ficou acertado que, no dia seguinte, eles assinariam um contrato com a empresa Terroir para a contratação dos irmãos Campana, dois dos mais incensados designers brasileiros, para ser a atração principal do estande brasileiro na feira de móveis e design de Milão. Ele esperou por ela durante toda a manhã e Catel não apareceu. Também não lhe deu qualquer satisfação. Quando, finalmente, conseguiu contatá-la, ela informou que estava fora da agência, tratando de outros interesses, e que ele lhe mandasse o contrato para assinar por um portador. “Era lógico que eu não ia fazer isso”, me disse o embaixador, irritado e acometido de uma tosse intermitente. “O contrato tinha que ser assinado na agência, diante de testemunhas, que é a forma profissional de se fazer isso.” No dia seguinte, começaram a ser publicadas notas afirmando que a tal empresa tinha sido citada na operação Lava-Jato.
Vilalva não se conforma. Ele está seguro de que a nota foi plantada por Catel, amiga de Filipe Martins, assessor internacional de Jair Bolsonaro, para colocar sua reputação em dúvida. “Todas as vezes que falamos desse contrato, jamais foi levantada qualquer suspeita sobre a empresa. Por que então, no dia seguinte, começam a pipocar essas notas?”, questionou.  “E, se ela sabia da tal citação, por que não me informou?”, continuou, indignado, acometido de novo ataque de tosse.
Esse, porém, segundo ele, foi apenas um dos inúmeros problemas que ela causava na agência. Um dos projetos de grande importância para os negócios brasileiros é com o Sindicato da Indústria Audiovisual de São Paulo, o Siasp, responsável pela divulgação do cinema brasileiro no exterior. A agência tem uma parceira com o sindicato desde 2006 para ajudar a promover o cinema nacional, o que tem trazido um retorno importante para o país. Além da mostra em festivais, o projeto ajuda na venda de filmes brasileiros lá fora, atrai investimentos externos para o cinema nacional. Como diretora de Negócios, Letícia Catel paralisou o projeto e não deu qualquer satisfação sobre o porquê de tal decisão. “Ela é desrespeitosa e ineficiente”, queixou-se o embaixador.
A confusão não parou por aí. Vilalva assumiu a agência após o chanceler ter demitido seu antecessor, Alecssandro Carreiro, também indicado por Eduardo Bolsonaro. Carreiro, um quadro do PSL, além de não ter qualquer familiaridade com o comércio exterior, não falava inglês e jamais viajara ao exterior, afora ser também desafeto de Catel. Ao tomar posse, Vilalva convidou a ex-diretora de Negócios Marcia Nejaim, profissional concursada e experiente, para ser sua chefe de gabinete. A nomeação de Nejain, porém, foi barrada pelo ministro Ernesto Araújo. O embaixador Vilalva tem uma explicação. “O chanceler não queria que ninguém fizesse sombra à sua protegida.” Mais grave ainda, segundo o embaixador, era que Catel, além de inexperiente, colocou vários gerentes de sua confiança que não se comunicavam com o restante da agência. Chegou até a nomear um integrante do PSL, que sequer tinha curso superior, pré-requisito para trabalhar na Apex. “Eu chamei a atenção dela para o fato, mas ela ignorou”, me disse. “Era um absurdo contratarmos uma pessoa sem curso superior, o que, além de ferir os estatutos da agência era um desrespeito com os concursados, muitos dos quais têm doutorado e pós-doutorado”.
O fato, me disse Vilalva, era que, diante dessa insubordinação, ele estava apagando incêndios provocados pelos dois diretores, ao invés de tratar do assunto de fundamental importância para a agência, a promoção de negócios. Uma situação que lhe causou grande constrangimento foi o comportamento de Catel durante a visita de uma delegação de deputados do PSL à China. Convidada pelo governo chinês para conhecer as novidades tecnológicas chinesas, que competem com a tecnologias americanas, a delegação foi alvo de uma cruzada furiosa de Olavo de Carvalho, que acusou os parlamentares de serem comunistas infiltrados no PSL. A briga esquentou, e Catel ficou ao lado de Carvalho, postando em seu Twitter vários textos e imagens ridicularizando os parlamentares. “Veja se isso é coisa de uma diretora de Negócios da Apex fazer”, reclamou Vilalva.
O resultado de tanta briga é que a agência, com orçamento de 795 milhões de reais ao ano para promover os negócios brasileiros, estava paralisada. Isso gerou uma série de queixas dos empresários de vários setores. A agência é fundamental para promover, principalmente, as exportações de empresas de menor porte, que não têm cacife para participar de feiras internacionais e de fazer contatos com importadores. Os projetos visam justamente atender a esta turma e vinham mostrando bons resultados, principalmente no governo Temer, quando a agência foi ocupada pelo embaixador Roberto Jaguaribe. Ela tem sido fundamental para incrementar negócios nas áreas de tecnologia, têxteis, cerâmica, cinema e outros setores da economia brasileira.
Diante da insubordinação dos dois diretores, Vilalva decidiu contratar o general Roberto Escoto, que já chefiou missões internacionais, para botar ordem no seu “jardim de infância”, enquanto ele tentava tocar os negócios. Não funcionou. Percebendo que poderia ter que se subordinar às decisões do presidente da Apex, Catel pediu ao ministro das Relações Exteriores que mudasse o estatuto da agência. O que foi feito. Sem o conhecimento de Vilalva, Araújo protocolou um novo estatuto num cartório de Brasília estabelecendo que os diretores de Negócios e de Gestão corporativa não teriam que se subordinar ao presidente da entidade. E mais. Pelo documento, ficou acertado que o novo estatuto teria que ser aprovado pelo conselho deliberativo da Apex, formado por cinco representantes do setor público e quatro do setor privado, sem fixar data para que o estatuto seja  examinado. Ou seja, os dois diretores podem se manter infinitamente nessa situação de independência em relação à presidência da Apex. “Eles são livres e sem restrição para fazer as loucuras que quiserem”, protestou o embaixador.
Depois disso, as relações entre Vilalva com os dois diretores ficaram insustentáveis. “A Letícia é protegida do chancelar. Faz o que quer aqui. É uma relação pessoal que não conseguimos entender”, me disse um antigo funcionário da agência, inconformado com a situação. No começo dessa semana, embaixador deu várias entrevistas à imprensa, onde não poupou o chanceler. Chamou Ernesto Araújo, entre outras coisas, de desleal, por não o ter comunicado do novo estatuto, do qual ele tomou conhecimento através a imprensa, vinte e cinco dias após ter sido protocolado no cartório.
No fim da tarde dessa terça-feira, o Itamaraty soltou nota justificando a demissão de Vilalva.  Na nota, o ministério afirma que o “ministro das Relações Exteriores, embaixador Ernesto Araújo anuncia a exoneração do embaixador Mario Vilalva da presidência da Apex”, como parte do “processo de dinamização e modernização do sistema de promoção comercial brasileiro.” O ministro, diz a nota, agradece a colaboração do embaixador. O Itamaraty não respondeu, contudo, as acusações relatadas à piauí pelo embaixador. Procurada, Letícia Catel também não se manifestou.
A Apex tem sido alvo de confusão desde antes da posse de Araújo. Ele teve um embate com o ministro da Economia, Paulo Guedes, que queria levar a agência para o seu ministério, sob a alegação de que a promoção comercial tem muito mais a ver com a economia do que com o Itamaraty. Araújo bateu pé e conseguiu do presidente Bolsonaro a garantia de que agência continuaria onde estava. Para boa parte dos empresários e de integrantes de ministérios preocupados em promover as vendas de produtos brasileiros, como o da Agricultura e o de Desenvolvimento, parece cada vez mais claro que seria muito melhor para o comércio exterior brasileiro que a agência deixasse o “jardim de infância” e fosse para a sala dos adultos.