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sábado, 3 de agosto de 2019

A desindustrialização brasileira: um ponto fora da curva - estudo do IEDI

Um ponto fora da curva
Estudo do IEDI (a ser divulgado em breve) 

Sumário Executivo: 
Muito tem se falado do retrocesso da indústria na economia brasileira, já que a participação relativa do setor no PIB do Brasil praticamente só tem caído desde os anos 1980, atingindo seu ponto mais baixo agora no primeiro trimestre de 2019. Para alguns analistas, este é um processo normal das economias, que à medida que se desenvolvem veem as atividades de serviços ganharem peso na estrutura produtiva.
O IEDI vem alertando que no Brasil este processo está associado fundamentalmente a um conjunto de fatores específicos que muito tem comprometido a competitividade e o avanço da produtividade da nossa indústria. A Carta IEDI de hoje traz evidências da particularidade brasileira no recuo do valor adicionado da manufatura no PIB do país.
O estudo preparado por Paulo Morceiro e Milene Tessarin, da Fipe/USP, a pedido do IEDI, compara o Brasil a outros países e conclui que o país está fora dos padrões internacionais quando o assunto é regresso industrial. Nosso caso é muito mais grave seja em relação ao agregado da economia mundial, seja em relação aos casos de países desenvolvidos ou de outros emergentes. Somos um ponto fora da curva.
O trabalho, que será publicado na íntegra no site  do IEDI, fez uma avaliação do desenvolvimento industrial em perspectiva internacional comparando 30 países, que juntos representam cerca de 90% da indústria de transformação mundial, ao longo de 48 anos (de 1970 a 2017). Os resultados não são nada favoráveis.
A preços correntes, enquanto a participação da manufatura no mundo como um todo declinou 1/3, passando de 26,2% para 17,3% entre 1971 e 2017, no Brasil a redução chegou a ser de metade: de 23,2% em 1971 para 11,3% em 2017. Parte disso, porém, deve-se ao comportamento dos preços industriais, que tendem crescer muito menos do que a inflação média das economias por duas razões: a indústria é o principal polo gerador de ganhos de produtividade, possibilitando a redução de custos e preços finais, e é também o setor que mais está sujeito à concorrência internacional, restringindo repasses de preços.
Corrigir esta influência dos preços, não traz alteração significativa na evolução brasileira. A preços constantes, que exclui a inflação setorial, a participação da manufatura no PIB do Brasil também recuou fortemente: de 21,4% para 12,6% entre 1971 e 2017. É aqui que fugimos à regra, pois no agregado do mundo a indústria ganha participação no PIB, passando de 15,7% para 17,3% no mesmo período.
Alguém poderia observar que o avanço industrial no mundo se deve à vertiginosa industrialização da China. Isso é verdade, mas não altera a dissonância da trajetória brasileira com o resto do mundo. A preços constantes e excluindo a China, a manufatura mundial como porcentagem do PIB sai de 15,8% em 1971 para 15,1% em 2017. Ou seja, fica praticamente estável, enquanto o Brasil vê o peso da sua indústria ser reduzido pela metade.
Há outros países com casos de declínio industrial? Outros casos sim, tão agudos não. Os dados do levantamento de Morceiro e Tessarin mostram que a preços constantes, dos 30 países analisados, apenas 10 (inclusive Brasil) apresentam queda da participação da manufatura no PIB. A maioria, 13 países, registraram industrialização e 7 mantiveram a parcela industrial.
Destes dez países que estão na mesma situação que o Brasil, apenas 3 (Argentina, Filipinas e Rússia) começaram a ver sua indústria perder espaço em suas estruturas produtivas quando ainda apresentavam um nível baixo de renda per capita (inferior a US$ 20 mil em PPC). Na literatura econômica internacional esses casos são chamados de “desindustrialização prematura”. Todos os demais países já tinham enriquecido e desenvolveram segmentos sofisticados do setor de serviços quando isso começou a acontecer.
Se o Brasil está ao lado de Argentina, Filipinas e Rússia neste grupo de declínio industrial prematuro, ele se destaca pela intensidade do recuo relativo da manufatura. As informações reunidas por Morceiro e Tessarin mostram que, entre 1970 e 2017, o Brasil foi responsável pelo 3º maior retrocesso da indústria de transformação no PIB, ficando atrás apenas da Austrália (1º) e do Reino Unido (2º). O que nos diferencia, contudo, é que estes países já tinham obtido uma renda elevada no momento em que começou o declínio e continuaram aumentando sua renda a um ritmo muito superior ao Brasil nos anos que se seguiram.
Em resumo, a indústria brasileira perde participação em nossa economia qualquer que seja a medida utilizada (preços correntes ou constantes), está entre os casos mais agudos do mundo e é líder quando se trata de casos prematuros de declínio industrial. Mas não é só isso; há outros aspectos negativos:
  •     No Brasil, a manufatura perde participação no PIB em uma velocidade muito acima de outros países. Em apenas 12 anos (1986-1998), nossa indústria perdeu 13,5 p.p. no PIB brasileiro (de 27,1% para 13,8%), enquanto nos EUA demorou 42 anos para perder os mesmos percentuais no PIB (de 26,1% para 12,3%, entre 1966 e 2008). Ou seja, os Estados Unidos, assim como vários outros países desenvolvidos, conseguiram administrar melhor este processo.
  •     O regresso industrial do Brasil restringiu o enriquecimento do país. Na fase de declínio do peso da manufatura na economia, o PIB per capita do Brasil aumentou apenas +25%, enquanto nos Estados Unidos quase triplicou. Isso porque, diferentemente dos Estados Unidos, as atividades de serviços que mais cresceram no Brasil foram os de baixa sofisticação.  
  •     Entre 1980 e 2017, o crescimento real do valor adicionado manufatureiro (VAM) do Brasil foi de apenas +24%, enquanto no mundo a alta chegou a +204% ou a +135%, se for excluída a China. Ficamos em último lugar entre os 30 países analisados.
  •     A evolução do VAM per capita brasileiro também foi muito baixo: +28% vis-à-vis 79% para a economia mundial. Novamente ficamos em último lugar.

Introdução

Este estudo faz uma avaliação descritiva de indicadores fundamentais do desenvolvimento industrial para trinta países que respondem por cerca de noventa por cento do parque industrial mundial na atualidade. Dessa forma, abrange praticamente toda a indústria mundial ao longo de meio século, no período de 1970 a 2017. 
Um destes indicadores capta a participação da indústria de transformação no Produto Interno Bruto (PIB) – a preços correntes e a preços constantes – da economia mundial e dos 30 países de forma individualizada. Outro mensura o crescimento real acumulado da indústria de transformação. Também será avaliada a evolução do valor adicionado manufatureiro per capita para todos os países da amostra. 
Sendo assim, este estudo faz uma avaliação em perspectiva internacional comparada do desenvolvimento industrial ao longo das últimas cinco décadas para os principais países industriais do mundo, os quais detiveram ao menos 0,5% da indústria mundial em 2017. A última seção compara a trajetória brasileira de retrocesso industrial com a economia mundial e também mostra que o Brasil representa um caso de retrocesso industrial prematuro dos mais grave do mundo.
Para tais análises utilizou-se a Base de Dados de Contas Nacionais das Nações Unidas (National Accounts Main Aggregates Database, atualizada em dezembro de 2018), que é amplamente reconhecida internacionalmente e contém informações anuais das Contas Nacionais para mais de 200 países desde 1970 até 2017. Adicionalmente, as informações de renda per capita em Paridade Poder de Compra de 2017 advêm da The Conference Board Total Economy Database (versão de novembro de 2018), desenvolvida pela Universidade de Groningen, na Holanda.

O retrocesso industrial é um fenômeno mundial?

O grau de industrialização de um país é mensurado como a parcela do valor adicionado da indústria de transformação no total do valor adicionado de sua economia, que corresponde ao PIB mensurado a preços básicos. Por isso, o grau de industrialização é aqui expresso como porcentagem do PIB. Quando há redução da participação relativa da manufatura no PIB, a literatura econômica geralmente utiliza o termo “desindustrialização” ou ainda regresso industrial.
Dois aspectos devem ser considerados na mensuração do peso da indústria no PIB. O primeiro deles é a variação dos preços industriais, pois a dinâmica da inflação do setor tende a ser diferente daquela do agregado da economia. O segundo aspecto a ser considerado em uma análise de abordagem mundial é o efeito China, cujo crescimento industrial tem sido praticamente exponencial nas últimas décadas. Ambos aspectos podem interferir na conclusão caso não sejam ponderados adequadamente.
Efeito preço
O gráfico a seguir apresenta a parcela da indústria de transformação no PIB anualmente de 1970 até 2017 para a economia mundial. Nele são exibidas duas séries: uma mensurada a preços correntes e outra a preços constantes de 2010. Na primeira delas constata-se visualmente que a parcela da manufatura no PIB mundial diminuiu quase 10 pontos percentuais entre 1974 e início do século XXI, mas vale observar que entre 2002 e 2017 a parcela da manufatura fica estável em 17% do PIB mundial. 
No entanto, quando a série é mensurada a preços constantes de 2010 não há tendência definida de industrialização ou desindustrialização. Ou seja, a parcela manufatureira no PIB a preços constantes de 2010 fica relativamente estável, oscilando entre 15% e 17%, com ligeira tendência de aumento nos anos finais da série. Cabe ressaltar que na crise internacional de 2008-2009 a parcela industrial recuou 1 p.p. Mas no biênio de 2010-2011 já houve recuperação, pois vários países adotaram medidas de estímulo ao setor industrial. Como discutido na Carta IEDI n. 881 , a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad), em documento divulgado no final de 2018, catalogou nada menos do que 114 estratégias industriais formais em 101 países de todas as regiões do globo.
Dado tal divergência entre as séries, qual delas devemos considerar para avaliar se o mundo segue ou não uma tendência de retrocesso industrial? O ideal é observar a série a preços constantes porque elimina a inflação setorial, captando apenas o crescimento real. Logo, na série mensurada a preços constantes, se o setor industrial amplia (diminui) a participação na composição do PIB significa que a indústria cresceu mais (menos) que o PIB. 
Na série a preços correntes não se pode seguir este raciocínio porque ela está contaminada pela inflação setorial. Neste caso, mesmo que a parcela industrial diminua seu peso na economia, esta diminuição pode ter decorrido não porque a indústria cresceu menos que o restante da economia (e diminuiu de tamanho relativo), mas sim porque a inflação do setor industrial foi menor que a do restante da economia. E isso geralmente ocorre, como mostra o gráfico abaixo.
A inflação industrial tende a evoluir em um ritmo bastante inferior ao da economia total. Isso acontece por dois motivos principais: produtividade e grau de comercialização com o exterior. 
O crescimento da produtividade tende a ser maior na manufatura que no resto da economia devido à mecanização e aos maiores ganhos de escala de produção. Esta performance contrasta principalmente com o setor de serviços, que atualmente representa cerca de 2/3 a 3/5 da economia total em qualquer país na atualidade, contribuindo para uma dinâmica superior da inflação geral. Em segundo lugar, o grau de comercialização com o exterior também é maior na manufatura que no restante da economia, sobretudo porque os serviços são menos transacionáveis com o exterior. 
Logo, por um lado, a manufatura consegue administrar melhor aumentos de preços em virtude do crescimento da produtividade redutora de custos e, por outro, a pressão competitiva no comércio internacional impõe um teto para repasses de preços; já os serviços sofrem menor influência desses dois canais de transmissão.
Sendo assim, a razão para a manufatura mundial não perder participação relativa ao PIB quando mensurada a preços constantes, mas perder quando mensurada a preços correntes, deve-se principalmente ao crescimento da inflação ter sido maior na economia total que na manufatura ao longo das últimas décadas. 
Abaixo, mostra-se a elevadíssima correlação entre o índice de preços relativos e a participação da manufatura no PIB mensurada a preços correntes. Basicamente, a preços correntes, a indústria perdeu 40% de peso relativo na economia mundial porque os preços industriais cresceram 40% menos que os preços da economia total. Logo, o crescimento real – isto é, em quantidades – foi praticamente o mesmo na manufatura e na economia total. Por isso, a preços constantes, a parcela industrial no PIB mundial se manteve estável.
Efeito China
Devido ao crescimento expressivo acumulado nas últimas três décadas do século XX, a economia chinesa tem influenciado crescentemente a economia global no século XXI. Nas últimas décadas a produção industrial chinesa cresceu a taxas superiores a dois dígitos. Muitos países, principalmente os Estados Unidos, vivenciaram a transferência de plantas industriais de diversos setores produtivos para a China. Atualmente, os chineses possuem o maior parque industrial do planeta (cerca de ¼ do total) e é líder nas exportações manufatureiras, deixando para trás Estados Unidos, Japão e Alemanha que ocuparam as primeiras três posições nas últimas décadas (ver Carta IEDI 932).
Tamanho gigantismo faz da China um caso à parte, capaz de compensar o regresso industrial dos demais países e, assim, evitar a perda de participação da manufatura no PIB mundial. O mundo sem China exibe uma tendência mais intensa e longa de queda da participação industrial: entre 1973 e 2009 a manufatura diminuiu de 26,2% para 14,6% do PIB (queda de 11,6% p.p.). A preços constantes, a parcela da indústria no PIB do mundo sem China apresentou uma tendência estável, que oscilou entre 15% e 16%.
Ao se comparar os dados do Mundo com e sem China, nota-se que quando se inclui a China a série a preços correntes apresenta uma diminuição menor de nível num intervalo de tempo também menor; já a série a preços constantes apresenta um ligeiro aumento nos anos finais ao contabilizar a China. Além disso, em 2017, ambas apresentaram nível 2 p.p. superior quando se inclui a China. 
Recorrentemente, veicula-se que o retrocesso industrial na estrutura produtiva é um fenômeno mundial, que atinge todos os países sem distinção, com exceção da China. Vimos nesta seção, porém, que a queda da participação da indústria no PIB não é um fenômeno mundial, com China ou sem China, se não considerarmos a inflação setorial da indústria, que tende a correr em uma velocidade inferior à média geral devido à capacidade da indústria de alavancar sua produtividade. Isto é, mensurada a preços constantes nos últimos 48 anos não há retrocesso industrial no Mundo. Ademais, na série mensurada a preços correntes este fenômeno também não ocorre ao menos desde início dos anos 2000. Cabe agora perguntar: será que cada um dos países segue trajetórias similares à economia mundial? É isso que tende responder a próxima seção.

A manufatura perde participação no PIB em todos os países?

Existe um padrão documentado na literatura econômica sobre a participação da manufatura no PIB e a renda per capita dos países, que se relacionam na forma de “U invertido”. Isso significa que a participação da indústria de transformação no PIB tende primeiro a aumentar e depois a cair à medida que a renda per capita se eleva, assim, geralmente segue uma trajetória exibida como na figura abaixo. 
A parcela da manufatura aumenta quando o país se encontra em níveis baixos de PIB per capita até atingir o pico de aproximadamente 25% do PIB na série mensurada a preços correntes. Neste pico, a renda per capita alcança um patamar de US$ 20 mil (em PPC de 2017), nível em que o país começa a apresentar queda da participação relativa da indústria no PIB. Portanto, é esperado que a sequência de um país seja se industrializar e, a partir desse nível, se desindustrializar. Na série mensurada a preços constantes, a parcela industrial só começa a cair após o país superar um nível ainda mais elevado de renda per capita. 
A curva de U invertido exibida na figura anterior foi feita pelo economista turco Dani Rodrik a partir de uma simulação que utilizou os resultados de uma regressão econométrica com informações de 42 países – de todos os continentes e representativos de ¾ da economia mundial – cobrindo o período desde fins da década de 1940 até 2011.
Importante notar que a curva é bastante aberta, ou seja, as extremidades estão distantes como um compasso aberto. Isso significa que tanto a fase de industrialização como a de regresso industrial ocorrem com ganhos substanciais de renda per capita. Este é um aspecto que distingue muito a evolução dos países desenvolvidos e daquela do Brasil, como será visto à frente.
A literatura qualifica a desindustrialização como “normal” ou “positiva” quando a indústria de transformação começa a perder participação relativa no PIB a preços correntes após o país atingir um nível elevado de renda per capita, apontado como o ponto de inflexão o patamar dos US$ 20 mil em PPC de 2017. 
A partir daí, o declínio da participação industrial se deve ao aumento na participação, principalmente, de setores de serviços destinados a uma população com poder aquisitivo cada vez maior, que consomem progressivamente mais serviços de turismo e lazer, de informação, serviços financeiros, serviços pessoais, saúde privada e educação superior etc.. 
No entanto, quando a manufatura encolhe bem antes de o país atingir a renda per capita do ponto de inflexão de US$ 20 mil, a desindustrialização é qualificada como “prematura”, em que o espaço gerado pela menor participação industrial no PIB passa, geralmente, a ser ocupado por serviços de baixa qualidade.
O gráfico a seguir exibe a parcela da indústria de transformação no PIB – a preços correntes e a preços constantes de 2010 – e a evolução do PIB per capita do Brasil e dos Estados Unidos ao longo das últimas sete décadas, de 1947 a 2018. Ressalte-se que Brasil e Estados Unidos têm suas similaridades, pois são países populosos, continentais, ricos em recursos naturais, foram colônias e tiveram períodos de escravidão. 
Este gráfico sintetiza o argumento da “desindustrialização normal” versus “prematura”: 
  •     Caso 1: a indústria estadunidense começou a perder participação no PIB a preços correntes após os americanos alcançarem renda per capita de US$ 22 mil em PPC de 2017 – note que durante o regresso industrial a renda per capita aumentou bastante e alcançou o patamar de US$ 60 mil em PPC de 2017 no último ano; 
  •     Caso 2: a indústria brasileira começou a perder participação no PIB quando o país tinha uma renda per capita de apenas US$ 12 mil em PPC de 2017 e durante este processo a renda per capita do Brasil aumentou muito pouco, atingindo US$ 15 mil em PPC de 2017. 
O caso dos Estados Unidos ilustra a “desindustrialização normal” ou “positiva”, pois a redução da participação da indústria no PIB, na série a preços correntes, iniciou-se após o país superar a barreira dos US$ 20 mil em PPC de 2017 e a renda per capita aumentou substantivamente durante este processo. O caso brasileiro representa a “desindustrialização prematura”; dado que o Brasil começou a ver queda da parcela de sua indústria no PIB num nível de renda per capita de 60% em relação ao ponto de inflexão do U invertido e durante este movimento descendente a renda per capita evoluiu pouco. 
Note também que, na série mensurada a preços constantes, a indústria de transformação dos Estados Unidos manteve o peso no PIB durante todo o período de 72 anos, ou seja, a manufatura deste país cresceu no mesmo ritmo do PIB. No Brasil, de modo oposto ao americano, a manufatura também perde peso no PIB muito precocemente a preços constantes devido à manufatura ter crescido menos que o PIB na maioria dos anos desde 1981. (Voltaremos a explorar a (des)industrialização mensurada a preços constantes mais à frente).
Além do nível de renda per capita em que a manufatura começou a encolher sua participação na série a preços correntes, também é interessante observar a duração da fase de industrialização no pico. 
A figura anterior também mostra o momento em que o grau de industrialização dos Estados Unidos fica próximo ao pico e começa a diminuir, ou seja, a segunda metade da curva em forma de U invertido. Como a manufatura americana só começou a perder participação no PIB em 1966 na série a preços correntes, o grau de industrialização dos EUA ficou próximo do pico por duas décadas (1947-1966) – é provável que tenha ficado no pico por um período maior, porém não há dados anteriores a 1947. Entre 1947 e 1966, a manufatura representou, na média do período, 26,2% do PIB dos Estados Unidos. Ou seja, a duração do grau de industrialização próximo ao pico foi longa e nesse período a renda per capita aumentou para US$ 22,0 mil (em PPC de 2017) em 1966. Isso possibilitou aos Estados Unidos escapar da armadilha da renda média.
O Brasil é um país de industrialização tardia que se industrializou intensamente a partir da década de cinquenta do século passado. Além disso, a duração do grau de industrialização brasileiro no pico foi curta. A parcela da manufatura no PIB brasileiro primeiro aumentou rapidamente, e logo em seguida diminuiu tão rápido quanto cresceu. Tanto o aumento quanto a queda ocorreram num curto intervalo de tempo e em níveis de renda per capita inferiores ao padrão esperado. Pode-se considerar que a curva brasileira tem um formato próprio, mais próximo de um “V invertido”, principalmente porque a duração no pico foi curtíssima, além de ser bem menos aberta (ou seja, com períodos mais curtos e pouca ampliação da renda per capita) que o padrão estilizado por Rodrik.
Sendo assim, comparativamente, a manufatura no Brasil perde participação relativa mais rápido que nos EUA. Em apenas 12 anos (1986-1998), perdeu 13,5 p.p. no PIB brasileiro (de 27,1% para 13,8%), enquanto nos EUA demorou 42 anos para perder os mesmos percentuais no PIB (de 26,1% para 12,3%, entre 1966 e 2008). Ou seja, os Estados Unidos (assim como vários países desenvolvidos) conseguiram administrar melhor o ritmo da desindustrialização.
Ademais, enquanto no Brasil o PIB per capita aumentou apenas 25% na fase de declínio do peso da manufatura no PIB, nos Estados Unidos quase triplicou. Em 2018, Brasil e EUA alcançaram a mesma participação da manufatura no PIB (de 11% a 12%), porém com níveis de renda per capita muito distintos. 
Para ampliar o foco da análise e englobar mais países, o gráfico a seguir exibe, para um período de 48 anos (de 1970 a 2017), as mesmas informações que a figura anterior apresentou para Brasil e Estados Unidos para cada um dos 30 países com os maiores parques industriais do mundo. 
Nos países desenvolvidos – Alemanha, Austrália, Áustria, Bélgica, Canadá, Espanha, França, Holanda, Itália, Japão, Reino Unido, Suécia e Suíça, além dos Estados Unidos – a queda da participação da indústria inicia-se num patamar elevado de renda per capita e durante este processo a renda per capita se expande muito. Nesses países, o fenômeno é uma mudança estrutural bem-sucedida em direção aos serviços que continuam elevando o padrão de vida da população, permitindo que a renda per capita seja crescente. Alguns segmentos, como serviços de informação e intensivos em conhecimento, passam por expressiva expansão neste caso.
Já no caso de regresso industrial prematuro, se enquadram, além do Brasil, Argentina, Filipinas, Indonésia e México. Nestes casos, a mudança estrutural para os serviços não ocorre de forma bem-sucedida, pois os serviços que ganham participação no PIB empregam profissionais de baixos salários e possuem baixo crescimento da produtividade. Assim, a economia reduz seu principal motor do crescimento sem que nenhum outro setor dinâmico assuma essa posição, ficando o país “armadilhado” numa trajetória de baixo crescimento. A presença de segmentos de serviços de informação e intensivos em conhecimento que pagam salários elevados é ínfima e representam ilhas num mar de serviços pouco sofisticados e de baixos salários. O Brasil é um exemplo notável disso.
Além dos casos de “desindustrialização normal” e “prematura” pela série mensurada a preços correntes, há um terceiro grupo de países em que a participação da indústria no PIB aumentou na maior parte do período. São eles: Arábia Saudita; Coreia do Sul, Irlanda, Malásia, e Tailândia. 
Na Malásia, a participação da manufatura no PIB dobrou de 15% para 30% e a renda per capita quadruplicou de US$ 5 mil para US$ 20 mil em PPC de 2017; na etapa final, este país começou a se desindustrializar num ritmo moderado e com incrementos substantivos de renda per capita, emulando o caso dos países desenvolvidos de retrocesso industrial considerado “normal ou positivo”. Certamente, Coreia do Sul e Irlanda representam os casos mais exitosos de industrialização na série mensurada a preços correntes: em ambos os países a parcela da manufatura aumentou para níveis acima de 30% do PIB e a renda per capita atingiu US$ 40 mil em PPC de 2017 na Coreia do Sul e superou os US$ 60 mil em PPC de 2017 na Irlanda.
Na Índia e na China, a parcela industrial manteve-se estável ao longo do período analisado, sem apresentar tendência definida de aumento ou de redução. A Índia, embora tenha elevado bastante sua contribuição na indústria mundial, tornando-se a sexta maior indústria do planeta, conta com setores de serviços que cresceram na mesma intensidade que o setor industrial, principalmente serviços de tecnologia da informação. Desta forma, relativamente, a manufatura não ampliou sua participação no PIB indiano. 
Por sua vez, a China conseguiu manter o grau de industrialização em torno de 30% do PIB nos 48 anos da série; neste período, a renda per capita chinesa aumentou de US$ 0,5 mil para US$ 17 mil em PPC de 2017. Ressalta-se que o grau de industrialização não alcançou 30% do PIB na maioria dos países e, quando alcançou, a duração foi bem menor que a chinesa. Atualmente, a China é chamada de “fábrica do mundo” porque foi capaz de gerir políticas que mantiveram a manufatura no centro de uma estratégia de crescimento por várias décadas.
Rússia, Polônia e Turquia são casos à parte. Na Rússia, inicialmente a queda relativa da indústria no PIB ocorre com acentuada redução da renda per capita, que depois se recupera. Na Polônia, a manufatura perde bastante participação inicialmente, depois se estabiliza em torno de 20% com incrementos substantivos de renda per capita, assim como na Turquia.
A preços constantes, que como dito anteriormente é o mais adequado para analisar a evolução da participação da indústria no PIB, o Brasil destoa ainda mais dos demais países, sobretudo em relação aos desenvolvidos.
A parcela industrial no PIB a preços constantes dos Estados Unidos permaneceu estável ao longo das últimas sete décadas, assim como a da economia mundial exibida na seção anterior. Na contramão, o Brasil também se desindustrializa na série mensurada a preços constantes. 
Além do Brasil, três países começaram a se desindustrializar a partir de um nível de renda per capita baixo, na série a preços constantes de 2010: Argentina, Filipinas e Rússia. Por sua vez, Alemanha, Austrália, Canadá, Espanha, França e Reino Unido também presenciaram redução da parcela industrial a preços constantes, porém a partir de um nível de renda per capita elevado e com substanciais incrementos de renda por habitante, assim como na série a preços correntes.
No entanto, a maioria dos países aqui analisados não segue uma trajetória clara de regresso industrial ou ao contrário, apresentam uma trajetória de industrialização na série mensurada a preços constantes, independente do estágio de desenvolvimento. Logo, a resposta à pergunta que abriu esta seção, se o declínio relativo da indústriaatinge todos os países, é negativa.
A manufatura não reduziu participação no PIB na série a preços constantes em sete países: Áustria, Bélgica, Estados Unidos, Holanda, Itália, Japão e Suíça. Em todos esses casos a parcela industrial ficou estável ao longo dos 48 anos, de 1970 a 2017, e ao mesmo tempo, a renda per capita aumentou substancialmente. Em todos esses países a renda per capita, no mínimo, dobrou. 
Cabe enfatizar que a manufatura em vários países desenvolvidos perdeu peso no PIB na série a preços correntes, porém não a preços constantes. Nestes casos, a diminuição da parcela manufatureira a preços correntes certamente se deve ao efeito preço (diferencial de inflação entre a manufatura e o restante da economia), ensejado pelos ganhos de produtividade e grande presença dos bens industriais no comércio internacional. A manufatura dos países desenvolvidos não só apresenta um nível elevado de produtividade, como continuou registrando ganhos adicionais de produtividade inclusive no período de redução da participação relativa no PIB.
Em treze países, a manufatura aumentou o peso no PIB a preços constantes: Arábia Saudita, China, Coreia do Sul, Índia, Indonésia, Irã, Irlanda, Malásia, México, Polônia, Suécia, Tailândia e Turquia.
O gráfico a seguir exibe a parcela da indústria de transformação no PIB a preços constantes de 2010 e a evolução do PIB per capita para 12 dos trinta países da amostra. Note que o Brasil se destaca pela acentuada diminuição da parcela industrial com pouco incremento da renda per capita. Ao confrontar, por exemplo, com o caso da Coreia do Sul, fica claro o pouco sucesso na trajetória de desenvolvimento brasileiro.
Em síntese, a preços constantes de 2010, 10 países apresentam trajetória de queda da parcela industrial no PIB, 7 países mantiveram parcela industrial estável e 13 países apresentam trajetória de industrialização. Logo, o declínio industrial não é um fenômeno mundial. 
Na avaliação das séries a preços correntes a maioria dos países exibiram redução da parcela industrial em níveis de renda per capita distintos: os casos mais bem-sucedidos começaram a perder participação no PIB após obterem renda per capita elevada enquanto os demais casos – de “desindustrialização prematura” – começaram a perder indústrias em níveis baixos de PIB per capita. No Brasil, a manufatura perde participação no PIB de modo prematuro e sob qualquer ótica de análise, isto é, a preços correntes e a preços constantes, como será tratado em detalhes mais à frente. Isso significa que parte da queda é porque a indústria cresceu menos que a economia em termos reais e parte é porque a inflação industrial cresceu menos que o restante da economia.

Evolução Mundial do VA industrial per capita

Desde 1981, a indústria de transformação brasileira começou a crescer continuamente menos que o PIB nacional e, consequentemente, a perder peso no PIB. Nesta seção, é comparado o desempenho do Brasil com os demais países em termos de crescimento real e real per capita, pois pode acontecer de a indústria brasileira ter crescido pouco, mas a indústria dos demais países também.  O que indicaria que o regresso industrial brasileiro não seria uma questão específica, mas parte de uma evolução mais ampla, compartilhada pelos demais países. 
O gráfico abaixo exibe o crescimento real acumulado do valor adicionado manufatureiro (VAM) desde 1980 até 2017 para os trinta países responsáveis atualmente por cerca de noventa por cento da indústria mundial. Note que o Brasil apresentou o menor crescimento entre todos os países, enquanto cinco países asiáticos lideram a lista. 
Entre 1980 e 2017, a indústria de transformação brasileira cresceu apenas 24%, enquanto a indústria mundial cresceu 204% e a do mundo excluído a China aumentou 135%. Os Estados Unidos cresceram no mesmo ritmo do mundo excluído a China. A maioria dos países em desenvolvimento cresceram acima da economia mundial e a maioria dos países desenvolvidos abaixo. O caso chinês é único, pois a China aumentou o tamanho de seu parque industrial em mais de 40 vezes. A Coreia do Sul aumentou 17 vezes, Indonésia e Índia 12 vezes, Malásia e Irlanda 11 vezes. Na Europa, a Turquia e Polônia apresentaram crescimento expressivo, respectivamente, 696% e 613%. Portanto, na comparação internacional, o crescimento do Brasil foi medíocre.
Quando se avalia o desenvolvimento industrial de uma nação, um indicador muito utilizado pelas Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial (UNIDO), órgão vinculado à ONU, é o valor adicionado manufatureiro (VAM) per capita. Ao dividir o produto manufatureiro pela população elimina-se possível viés causado pelo tamanho do país. 
O gráfico acima mostra que o VAM per capita do Brasil encolheu 28% entre 1980 e 2017, enquanto o mundial aumentou 79% e do mundo sem China 32%. A China encabeça a lista e o Brasil a fecha na última posição. Analisado em subperíodos, o VAM per capita brasileiro aumentou até 1980 quando atingiu aproximadamente US$ 1.650 a preços de 2010 e depois passou a apresentar ligeira tendência de queda, terminando a série em 2017 com quase US$ 1.200 a preços de 2010. Em contraste, outros países representados no gráfico a seguir apresentam evolução positiva, com destaque para a China, que ultrapassou o Brasil em 2011 e em 2017 e obteve VAM per capita de US$ 2.250 a preços de 2010, isto é, um pouco mais de US$ 1.000 per capita acima do Brasil.
E quanto ao VAM per capita de países atualmente desenvolvidos, que detêm os maiores parques industriais do mundo? A tendência é de crescimento em todos eles. Cabe destacar o notável desempenho da Coreia do Sul, país que, em 1980, detinha VAM per capita inferior ao brasileiro e, em 2017, alcançou US$ 7,6 mil a preços de 2010, valor superior ao de alguns países desenvolvidos e maior que o brasileiro em 6,5 vezes. 
A Coreia do Sul é o único país que, além de apresentar robusta trajetória de industrialização ao longo de todo o período em tela, tem conseguido evitar a redução do peso da indústria em sua economia mesmo com elevada renda per capita, desde início dos anos 2000. Muito disso se deve aos investimentos em inovação: na última década, a Coréia do Sul apresentou esforço em P&D – investimentos em P&D dividido pelo PIB – bem acima dos Estados Unidos e União Europeia, conforme dados da OCDE. Desde os anos 1990, a Coreia do Sul possui uma indústria competitiva internacionalmente, desempenho obtido e sustentado por inovações tecnológicas e internacionalizações de suas empresas em segmentos dinâmicos do comércio internacional. 
Alguns países fora do leste asiático também registraram crescimento expressivo, como Polônia e Turquia e, mais moderadamente, o México. A Argentina, que no início da série destoava com maior VAM per capita, não conseguiu avançar e fechou 2017 com nível semelhante ao que estava em 1970, sendo ultrapassada pelos três países citados.
Em síntese, o desempenho industrial brasileiro mensurado pelo valor adicionado per capita foi medíocre. Desde 1980, a manufatura brasileira tem contribuído negativamente para o PIB per capita do país. Numa perspectiva internacional comparada, o Brasil ficou em último lugar na lista dos trinta países detentores dos maiores parques industriais do planeta atualmente, tanto no crescimento real acumulado do VAM quanto do VAM per capita. Cabe destacar que o desempenho brasileiro foi muito inferior ao do mundo avaliado com ou sem a participação da China.

Brasil: o caso de declínio prematuro da indústria mais grave do mundo

O quanto o regresso industrial brasileiro difere do mundial? Os gráficos a seguir ilustram a questão e apontam para uma resposta. A preços correntes, a manufatura mundial perde 36,1% de peso no PIB entre 1970 e 2017, enquanto a brasileira perde 58,6% entre 1986 e 2018. 
Como a série a preços correntes capta tanto o efeito quantidade (variação real) quanto o efeito preço, uma hipótese provável para essa grande queda é que os preços dos produtos manufaturados trabalho-intensivos tenham diminuído bastante devido às escalas de produção gigantescas da China, assim, este país influenciou negativamente os preços globais destes produtos no comércio internacional. Também houve uma redução substantiva de preços nos equipamentos de informática e produtos eletrônicos, neste caso, esta redução se deve ao enorme avanço tecnológico somado as imensas escalas produtivas asiáticas. Ademais, a participação dos setores manufatureiros no PIB joga um papel decisivo no declínio industrial brasileiro, como já tratado na Carta IEDI n. 920.
A preços constantes, por sua vez, a manufatura mundial aumentou seu peso no PIB em 9,2% no mesmo período, mas a brasileira diminui em 42,6% entre 1980 e 2018. Fatos que evidenciam que a perda de participação da indústria brasileira é muito mais intensa que a mundial a preços correntes e, apesar do mundo não se desindustrializar a preços constantes, a manufatura do Brasil contraria essa tendência e perde mais de quarenta por cento de peso no PIB.
E na comparação internacional qual país representa o caso de retrocesso industrial mais intenso? As últimas colunas das tabelas a seguir exibem essa informação, respectivamente, para a série a preços correntes e para a série a preços constantes.
Austrália, Reino Unido e Bélgica apresentaram as maiores diminuições das respectivas parcelas da indústria de transformação no PIB desde 1970, quando há dados disponíveis para um amplo conjunto de países. Esses três países representam casos normais ou positivos de regresso industrial, pois eles começaram a passar por este processo já com uma renda per capita elevada, próxima do patamar de US$ 20 mil em PPC de 2017, e continuaram registrando ampliações da renda per capita nos anos que se seguiram.
O Brasil juntamente com a Argentina são os casos de “desindustrialização prematura” mais graves. Começaram a reduzir a participação de suas indústria no PIB com um nível de renda per capita bem abaixo do patamar encontrado pelo trabalho de Dani Rodrik e, durante a fase descendente, a renda per capita aumentou pouco em ambos os países. Comparativamente aos três casos acima de “desindustrialização normal”, as manufaturas do Brasil e da Argentina reduziram peso no PIB num intervalo menor de anos. No Brasil, entre 1986 e 2018 foi o período crítico do regresso industrial, em que a parcela da indústria de transformação teve redução de 58,6%. A contar pelos dados dos últimos anos este é um processo que ainda está em andamento.
Na série a preços constantes de 2010, apenas 10 países apresentaram tendência de redução da parcela industrial. O Brasil localiza-se na terceira posição, atrás de Austrália e Reino Unido. Novamente, o Brasil é o caso mais grave de “desindustrialização prematura” a preços constantes, apresentando redução de 43,9% da parcela da indústria de transformação no PIB entre 1976 e 2016.
Em síntese, o Brasil apresenta redução da participação da manufatura no PIB muito mais intensa que a economia mundial e é o caso mais grave de “desindustrialização prematura” entre os trinta países que representam cerca de noventa por cento da indústria mundial atualmente. O abrupto retrocesso industrial causou impactos negativos para o desenvolvimento do Brasil no longo prazo, como a contribuição negativa do setor industrial para a renda per capita desde 1980, conforme visto na seção anterior.
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A torto e a direita - Marli Goncalves (Chumbo Gordo)

A TORTO E A DIREITA

 

 MARLI GONÇALVES

 A boca abre e dela só saem impropérios, ataques, frases incompletas, palavras comidas, plurais despedaçados, uma visão de mundo desconectada. Os olhos - ah, os olhos! - o olhar seco, não direto, dispersivo, escorregadio, a testa comprimida. Como se não tivesse compromisso com nada, ninguém, responsabilidade. Como se tudo fosse uma grande brincadeira. E não é.
   ___________________________________
A torto e a direito, direita, como se não houvesse amanhã, ontem, o presente. Se ninguém pergunta, ele responde, fala o que estava querendo falar, se é que se pode chamar de falar. Se perguntam ou pedem explicações, ele fecha a cara, interrompe a conversa, depois ataca quem perguntou. Se ninguém lhe dá atenção, sem problemas, ou ele ou seus filhos escrevem tuites atrapalhados, ou mesmo gravam os tais “lives” toscos, ao lado de uma entusiasmada tradutora de libras e agora sempre com um ministro vítima ao lado, que deve acenar a cabeça positivamente de dez em dez segundos.
O grande Ruy Castro propôs em sua crônica que a gente pode imaginar que se ele já faz tudo isso em público que imaginássemos em seu trono particular.
Só a ideia já dá para ter pesadelos seguidos por um mês. Eu já imaginei ele lá, sentado, com um espelho na frente, puxando o topete liso recém cortado e cultivado cuidadosamente (conte quantos barbeiros já o viram sentados em suas cadeiras desde que o rompante eleitoral ocorreu), ensaiando qual será a barbaridade que dirá ou fará no decorrer do dia. Adora “causar”; digo até que se daria bem no meio que parece detestar, LGBT, o povo que também adora causar, mas que antes de tudo o detesta com todas as forças.
No começo, era o folclore. O amadorismo em um cargo tão importante, já que nada de importante havia em seu currículo de dezenas de anos pela política, sempre muito ali por baixo do clero uns três palmos. Depois, o júbilo pela derrota do dragão PT, a sobrevivência à facada, a formação do governo que incluiu de cara o Posto Ipiranga, o Super Homem juiz, o astronauta. Nossa!, boquiabertos, começamos então a ver chegar os outros, a mulher que veste rosa, o diplomata que de diplomata mesmo não tem nada e que fala em soquinhos uma língua muito estranha, parece que aprendida lá fora com um guru, siderado, astrólogo que diz conhecer aspectos planetários e que a Terra é plana.
Mas ainda pensando nele no tal trono particular, veio a ideia de que a porta está aberta e ali entram os Filhos do Capitão, as caricaturas saídas dos quadrinhos de terror. Então, ensaiam. Papai isso, papai aquilo, papai me dá, papai deixa eu. Papai, essa imprensa está me tratando mal; papai, quero ir pros Estados Unidos.  A primeira dama? Onde anda? O que faz? Quem lhe dá alguma atenção? Aliás, como é mesmo o nome dela? Sumida.
Mulher não dá palpite. Ministros, por ele, em todos os Poderes, esses deveriam ser todos terrivelmente evangélicos sabe-se lá para o quê. Tá oquei?
Tinha um vice que falava, mas anda quieto, calado. Tem até gente boa por ali, mas que parece tentar trabalhar por fora para não se queimar.
Obviamente também temos muitos generais aflitos. Pelo menos deveriam estar.
Mas está acabando a brincadeira e o nosso humor esgota. A coisa está tomando volume, ficando muito mais séria. As declarações já não são só as inofensivas, bobas, desembestadas. As afirmações, como a última, a torto e direito como sempre, de que é direita e assim fará enviesando tudo para esse lado, requer atenção.
Dizem que faz tudo isso só para juntar sua turma dos 30% que ainda lhe resta. Dai a gente pergunta se esses 30% não pensam, não entendem, só surgem para atacar, não compreendem nossas aflições nem argumentos e informações, por onde andam os 70% restantes? O que fazem? Quando se reunirão? Como se organizarão?
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 (FOTO: Gal Oppido)
MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Site Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano- Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. Lançamento oficial 20 de agosto, terça-feira, a partir das 19 horas na Livraria da Vila, Alameda Lorena, São Paulo, SP. Já à venda nas livrarias e online, pela Editora e pela Amazon.

Prefacio de Rubens Ricupero à biografia de Alexandre de Gusmão por Synesio Sampaio Goes (Época)

Ricupero classifica como “infantilidade” veto de Ernesto Araújo a publicação de livro

Itamaraty suspendeu biografia escrita por embaixador Synesio Sampaio Goes Filho porque prefácio era de autoria de um desafeto do ministro das Relações Exteriores

Itamaraty vetou livro com prefácio do ex-embaixador do Brasil nos EUA, Rubens Ricupero Foto: Paulo Nicolella / Agência O Globo
Itamaraty vetou livro com prefácio do ex-embaixador do Brasil nos EUA, Rubens Ricupero Foto: Paulo Nicolella / Agência O Globo
O historiador e embaixador aposentado Rubens Ricupero considerou uma “infantilidade” o gesto do chanceler Ernesto Araújo de vetar a publicação de um historiador da diplomacia brasileira por questões pessoais.
De acordo com reportagem da Folha de S.Paulo , o embaixador Synesio Sampaio Goes Filho foi destacado pela Fundação Alexandre de Gusmão (Funag), vinculada ao ministério, para escrever a biografia de Alexandre de Gusmão, que batiza a fundação.
Porém, de acordo com a reportagem, em julho deste ano, ao entregar os originais da obra, Goes Filho foi informado de que o livro só seria publicado se ele retirasse o prefácio escrito por Rubens Ricupero, ex-embaixador em Washington, que criticou por algumas vezes tanto Ernesto Araújo quanto o governo Bolsonaro.
"É  um texto dirigido, sobretudo, a interessados em história diplomática. Uma razão a mais para concluir que a atitude de vetar o prefácio é, no fundo, uma infantilidade de efeitos contraproducentes para os que a adotaram", afirmou Ricupero.

Leia abaixo a íntegra do Prefácio escrito por Rubens Ricupero para Alexandre de Gusmão (1695-1753): O estadista que desenhou o mapa do Brasil .

Synesio Sampaio Goes Filho realizou neste livro em relação ao principal autor do Tratado de Madri o que havia feito para a formação das fronteiras do Brasil: tornou acessível ao leitor de hoje a compreensão de uma história que se convertera em algo de remoto e abstruso.
Nem sempre fora assim. Até sessenta ou setenta anos atrás, a história diplomática do Brasil parecia às vezes dominada pela história das fronteiras. Na atmosfera de justa satisfação pela solução definitiva dos problemas territoriais do país levada a cabo pelo barão do Rio Branco, multiplicaram-se os estudos das questões fronteiriças, frequentemente escritos por diplomatas de carreira com vocação de historiadores.  
Um dos mais produtivos entre esses autores, o embaixador Álvaro Teixeira Soares, resumiu com felicidade o sentimento que animava tais estudos. A solução sistemática dos problemas fronteiriços iniciada sob a monarquia e concluída por Rio Branco, escreveu Teixeira Soares, merecia ser considerada como uma das maiores obras diplomáticas realizadas por qualquer país em qualquer época. Não havia exagero em descrever desse modo o processo pacífico de negociação ou arbitragem pelo qual se resolveu metodicamente cada um dos problemas de limites com nada menos de onze vizinhos contíguos e heterogêneos (na época do Barão, o Equador ainda invocava direitos de fronteira com o Brasil, em disputa resolvida com o Peru somente muito mais tarde). 
Passada a fase em que era moda escrever livros sobre fronteiras, o assunto perdeu grande parte do atrativo. Julgava-se que nada mais havia a dizer a respeito de problema já resolvido. Desconfiava-se de obras assinadas por funcionários diplomáticos, confundidas com a modalidade de publicações destinadas a engrandecer a própria instituição. Livros sobre discussões limítrofes, antes tão populares, tornaram-se difíceis de encontrar e mais difíceis de ler. O estilo envelhecera, os métodos da historiografia passada davam a impressão de obsoletos, a narrativa soava monótona, demasiado descritiva, apologética, pouco crítica, cansativa na enumeração de intermináveis acidentes geográficos.
Foi nesse panorama estagnado que Synesio teve a coragem de escolher para sua tese no Curso de Altos Estudos do Instituto Rio Branco em 1982 o tema enganosamente escondido sob o modesto título de Aspectos da ocupação da Amazônia: de Tordesilhas ao Tratado de Cooperação Amazônica . Lembro bem da surpresa positiva que causou a dissertação, pois fazia parte na época da banca examinadora do exame. Fui assim testemunha do surgimento de uma vocação singular de historiador voltado para recuperar a desgastada tradição de estudos fronteiriços. 
Estimulado pela recomendação de publicação da banca, o autor ampliou e enriqueceu o trabalho, editado pelo Instituto de Pesquisa em Relações Internacionais (IPRI), em 1991, sob o título de Navegantes, Bandeirantes, Diplomatas: Um ensaio sobre a formação das fronteiras do Brasil. O livro teve o efeito de uma janela que se abria na atmosfera bolorenta da antiquada história das fronteiras, fazendo entrar o ar fresco da renovação modernizadora. 
Redigida em linguagem límpida, objetiva, expressiva na sóbria elegância, a narrativa envolve o leitor em viagem sem esforço pela fascinante evolução do território brasileiro na sua fase de expansão, de avanços e recuos na Amazônia, no Extremo Oeste, na região da Bacia do Prata. Demonstra como se revelou constante em toda essa história a articulação do impulso pioneiro de exploradores, homens práticos determinados na busca de compensações materiais, com o trabalho cuidadoso de diplomatas e estadistas que legitimaram em instrumentos jurídicos o que não passava no início de ocupação precária de terras duvidosas. 
Um dos méritos originais do livro consistiu em resolutamente colocar de lado a mitologia criada em torno de uma suposta linha que teria sido invariavelmente seguida por todos os governos brasileiros, refletindo uma doutrina inabalável ao longo dos séculos. Segundo tal linha de argumentação, desde os primórdios os políticos e diplomatas do Império teriam sustentado que o Tratado de Santo Ildefonso (1777) havia perdido a validez ao não ser explicitamente revalidado depois da fugaz Guerra das Laranjas (1801) no Tratado de Badajoz. Não existindo, portanto, direito escrito para definir as fronteiras, estas deveriam ser estabelecidas – seria o segundo postulado pretensamente imutável – de acordo com o princípio do uti possidetis , isto é, obedecendo à posse efetiva no terreno. O Tratado de Santo Ildefonso serviria apenas de maneira subsidiária para ajudar a dirimir dúvidas onde não se verificasse a ocorrência de posse ou não houvesse contradição entre o tratado e a posse.
O argumento apresentava alguma utilidade para comprovar a antiguidade e constância das pretensões brasileiras. Não passava, no entanto, de artifício de negociação, sem amparo real na realidade histórica. Synesio Sampaio Goes não se intimidou com a longa sequência de respeitados estadistas e estudiosos que haviam cercado essas afirmações com a proteção de sua autoridade e de seu prestígio. Mostrou com exemplos irrefutáveis que nenhum dos postulados havia sido verdade absoluta adotada em todos os casos. Não faltavam decisões e pareceres do Conselho de Estado advogando em favor da adoção de Santo Ildefonso como orientação para fixar fronteiras. Nem de episódios em que o Conselho ou o governo tinham recusado recorrer ao uti possidetis como critério para traçar limites.   
Longe de enfraquecer a tradição brasileira em matéria de negociação de fronteiras, o trabalho de reconstituição da verdade efetuado pela obra conferiu historicidade e verossimilhança às doutrinas defendidas pelo Itamaraty, voltando a situá-las no contexto próprio do tempo em que foram definidas e no das circunstâncias que as modificaram. O desmonte da retórica apologética permitiu que aparecesse a verdade de uma evolução gradual, de tentativas e erros, de afirmação progressiva das teses mais convenientes. A narrativa fiel aos fatos fez emergir do passado uma diplomacia conscienciosa de estudo de mapas, de exploração de velhos arquivos, de construção paciente de doutrinas jurídicas adaptadas à situação de país cujos títulos originais a boa parte de seu futuro território eram pobres ou inexistentes. O resultado final, além de verdadeiro, valorizava em vez de empobrecer os méritos dos diplomatas que construíram a história do mapa do Brasil. 
Na origem de toda essa história encontrava-se o alto funcionário da Corte portuguesa a quem se devia, mais que a qualquer outro, a definição do perfil territorial do Brasil, Alexandre de Gusmão. Brasílico, como se dizia na época, nascido obscuramente na humilde, insignificante Vila do Porto de Santos, tratava-se de personagem que atuara de modo discreto nos bastidores do poder. Permanecera quase anônimo por longo tempo, mais de um século, apesar de um ou outro estudioso mais arguto como o barão do Rio Branco ter reconhecido o papel que desempenhara.
Coube a um exilado político no Brasil do regime salazarista, o historiador português Jaime Cortesão, a tarefa de resgatar da penumbra da história a figura de Gusmão, desentranhando do silêncio dos arquivos os documentos que praticamente revelaram ao mundo a história real que se escondia por trás da negociação do Tratado de Madri (1750). Synesio Sampaio Goes, que já produzira o moderno clássico do estudo e da análise da história geral das fronteiras brasileiras, retrocede agora ao ponto de partida de onde tudo começou a fim de examinar como se chegou a pacientemente preparar a maior de todas as vitórias da diplomacia luso-brasileira na consolidação da expansão territorial do Brasil, o Tratado de Madri. 
Conforme afirmei lá no início do prefácio, as duas realizações de Synesio, a da história completa, abrangente das fronteiras, e hoje a do Tratado de Madri e de seu autor mais importante, possuem uma característica definidora comum. Ambas reexaminam com olhar crítico o volumoso material existente, desbastam esse acervo daquilo que apresenta relevância menor para o leitor culto de nossos dias, reconstruindo com estilo contemporâneo, metodologia e linguagem atualizadas, narrativas que corriam o risco de não mais serem lidas a não ser por raríssimos especialistas. 
Tome-se, por exemplo, o caso da obra magna de Jaime Cortesão, Alexandre de Gusmão e o Tratado de Madri, publicada nos anos 1950 pelo Instituto Rio Branco em nove alentados volumes com milhares de páginas de reprodução de documentos e mapas. Quem hoje em dia se disporia a ler a obra inteira? Mesmo a edição compacta em dois tomos restritos à vida e realizações de Alexandre de Gusmão, editada em 2016 pela Fundação Alexandre de Gusmão (Funag) e a Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, estende-se por mais de oitocentas páginas de letra miúda, recheadas de longas discussões de erudição de interesse relativamente menor para o leitor médio.
Synesio não só torna a história dos limites e a de Alexandre de Gusmão acessíveis e atrativas aos leitores e estudiosos atuais. Ao modernizar e submeter a rigoroso crivo crítico tais narrativas, realiza obra original de mérito indiscutível. Ao discutir as hipóteses mais especulativas a respeito de incidentes da biografia de Gusmão, a autoria pessoal das instruções que orientaram o negociador português do Tratado, concepções intelectuais que teriam inspirado as ações lusitanas, o autor pesa com cuidado os argumentos e chega a conclusões que comandam o consenso pelo realismo, prudência historiográfica e bom senso. 
Essas qualidades se destacam, entre outras passagens, nas que relativizam e moderam o entusiasmo raiando ao misticismo de Jaime Cortesão ao tratar de alguns mitos da história colonial como o da célebre “ilha Brasil”, a existência de um território delimitado de um lado pelo oceano Atlântico e no oeste por dois grandes rios que confluiriam para um mítica lagoa no interior das terras sul-americanas. A sobriedade nas avaliações e juízos confere veracidade digna de fé às afirmações amparadas, na falta de documentos conclusivos, por critérios de probabilidade e verossimilhança. 
O autor faz bem de chamar ensaio biográfico o estudo da vida e ação de um personagem que viveu na primeira metade dos Setecentos. Faltariam elementos probatórios para tentar reconstruir a respeito da figura de Gusmão aspectos minuciosos da infância, da formação da personalidade na adolescência e juventude, das leituras e experiências definidoras como pretendem às vezes realizar exaustivas biografias de personalidades mais perto de nós. Uma técnica de narrar que funcionou de modo eficaz na construção da obra foi a de alternar o tempo todo a vida de Alexandre de Gusmão e a evolução dos acontecimentos que criariam as oportunidades para suas realizações. Basta passar os olhos pelo índice para perceber a dosagem alternada de matérias de contextualização — o Brasil, Portugal na época — com os capítulos biográficos — começos de vida, diplomata aprendiz, secretário real — voltando à colônia no apogeu do ouro, mas sem fronteiras, a relação do brasílico com sua distante pátria, os problemas do contrabando. 
O estudo se revela particularmente útil no exame minucioso do que viria a ser presumivelmente a mais importante negociação territorial da história brasileira, culminando num tratado que de certa forma equivaleria a uma espécie de “escritura de propriedade” do território que forma o Brasil de hoje. Já se disse outras vezes e ressalta bastante deste livro a originalidade múltipla do Tratado de Madri. Num período em que quase todos os tratados de limites se originavam de guerras e refletiam a correlação de forças no campo de batalha, o acordo de 1750 foi exceção, negociado e concluído depois de longos anos de paz entre Portugal e Espanha. 
Em contraste com a maioria dos inúmeros acordos limítrofes que o Brasil independente assinaria no futuro, o de Madri se salientou por desenhar a linha completa do mapa do Brasil ao longo de milhares de quilômetros de fronteiras terrestre. Não era o que desejavam os espanhóis, mais uma vez empenhados em somente limitar o ajuste a alguns setores de seu particular interesse, sobretudo na região da permuta da Colônia do Sacramento pelos Sete Povos das Missões do Alto Uruguai. Graças à firme insistência dos negociadores lusos é que se conseguiu definir o que, com ajustes relativamente menores, haveria de ser na prática o perfil territorial do Brasil moderno. 
O Tratado de Madri tornou possível outra originalidade da história da formação territorial brasileira: a de que ela se encontrava virtualmente terminada antes da Independência. Em termos gerais, o chamado expansionismo, que foi a rigor muito mais português que brasileiro, alcançava quase seu limite máximo na véspera da Independência. Compare-se com a expansão norte-americana, que tem início a partir da Independência de 1776, para perceber a diferença das implicações que esse fato acarretaria para o relacionamento do país independente — Estados Unidos da América ou Brasil — com seus vizinhos igualmente independentes, México, no exemplo norte-americano, os dez vizinhos brasileiros, com o enorme contraste em termos de herança de ressentimentos históricos. 
Vários dos estudiosos do Tratado de Madri fizeram questão de destacar que ele se adiantou a seu tempo na razoabilidade e no equilíbrio das concessões, no seu legado central, que consistiu em reconhecer de direito o que já ocorrera no terreno da prática: a supremacia da expansão luso-brasileira na Amazônia e no centro-oeste da América do Sul em câmbio do prevalecimento dos interesses castelhanos na Região da Bacia do Prata. Talvez se deva, em última instância, a esse espírito avançado em relação à época que o tratado tenha sido tão fugaz na duração formal: pouco mais de dez anos até a anulação pelo Tratado de El Pardo (1761). 
Um dos enigmas da história luso-brasileira é entender por que o governo português, principal beneficiário dessa obra-prima de sua diplomacia, se converteu, em poucos anos, num dos mais ativos fatores de sua destruição. Os historiadores, entre eles Jaime Cortesão, alinham, é claro, argumentos e razões, que soam desproporcionalmente fracos para explicar erro tão grave de avaliação. Não é este o lugar para examinar a questão, de que procurei tratar em livro recente. De todo modo, o que conta é que, depois de vicissitudes e revezes sem conta perfeitamente possíveis de evitar, o espírito do Tratado de Madri acabaria por prevalecer. Esta constatação é seguramente a maior demonstração do gênio criador de Alexandre de Gusmão, capaz de sobreviver até à maligna inveja do marquês de Pombal, seu poderoso e overrated rival.  
Em vida, Gusmão não alcançou recompensa nem reconhecimento pelo que fizera. Morreu no ostracismo, sem poder, com dificuldades financeiras. A Representação que dirigiu ao rei D. João V em fins de 1749, pouco antes do desaparecimento do monarca, ficou sem resposta. Permaneceria no limbo da história até meados do século XX, quando, graças a Jaime Cortesão, viu finalmente apreciada e valorizada sua contribuição com as seguintes palavras:
“Precursor da geopolítica americana; definidor de novos princípios jurídicos; mestre inexcedível da ciência e da arte diplomática, Alexandre de Gusmão tem direito a figurar na história como um construtor genial da nação brasileira, pela clarividência e firmeza de uma política de unidade geográfica e defesa da soberania, que antecipam, preparam e igualam a do Barão do Rio Branco”.  
O primoroso ensaio biográfico que Synesio Sampaio Goes Filho dedica a sua memória reexamina, atualiza e ratifica, ponto por ponto, a justiça e exatidão do julgamento tardio da posteridade.


Rubens Ricupero, São Paulo, 16 de junho de 2019.

Tucidides: A Guerra do Pelonopeso - Delphi Classics

Justo concluída a leitura da Guerra do Peloponeso na edição da Delphi Classics, que me pediu imediatamente minha breve avaliação para a Amazon e a Goodreads.

You've just finished The Complete Works of Thucydides. Here are some ideas on what you can do next.

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Written four hundred years before the birth of Christ, this detailed contemporary account of the long life-and-death struggle between Athens and Sparta stands an excellent chance of fulfilling its author's ambitious claim. Thucydides himself (c.460-400 BC) was an Athenian and achieved the rank of general in the earlier stages of the war. He applied thereafter a passion for accuracy and a contempt for myth and romance in compiling this factual record of a disastrous conflict.

Efetuei, muito rapidamente, uma mini-resenha, sob o título "Thucydides: a master in historiography", que a Amazon acaba de tornar disponível:

https://www.amazon.com/review/R2WURIECXC8RPS/ref=pe_1098610_137716200_cm_rv_eml_rv0_rv


Customer Review

Paulo Roberto de Almeida: 
A master in historiography
Beyond the description of the many stages of the protracted war between Athens and Sparta, the work is a master class on how to write history: the need to stay trustworthy, glued to the facts, with this brilliant resource of transcribing the actual words of the protagonists. In short, it is the description of a mortal struggle between democracy and oligarchy: sometimes oligarchy wins, and democracy disappears, but only temporary; in the end, the aspiration for Liberty will prevail.

Thucydides (c. 460 B.C. – c. 395 B.C.) (Greek Θουκυδίδης, Thoukydídēs) was a Greek historian and author of the History of the Peloponnesian War, which recounts the 5th century B.C. war between Sparta and Athens to the year 411 B.C. Thucydides has been dubbed the father of "scientific history" due to his strict standards of evidence-gathering and analysis in terms of cause and effect without reference to intervention by the gods, as outlined in his introduction to his work.

He has also been called the father of the school of political realism, which views the relations between nations as based on might rather than right. His classical text is still studied at advanced military colleges worldwide, and the Melian dialogue remains a seminal work of international relations theory.

More generally, Thucydides showed an interest in developing an understanding of human nature to explain behaviour in such crises as plague, genocide (as practised against the Melians), and civil war.

Excerpted from Wikipedia.