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sábado, 6 de maio de 2023

Por que o Brasil não deu certo - Jaime Pinsky (Chumbo Gordo)

Cinco anos atrás, Jaime Pinsky me convidou para escrever sobre as relações internacionais do Brasil num livro que organizou pensando num próximo governo empreendedor e inovador. Mas isso foi no primeiro semestre de 2018. No segundo semestre daquele ano começou a degringolada.

Apresentei o livro nesta postagem, retomada cinco anos depois: 

Brasil: o futuro que queríamos em 2018, e que aind...

Paulo Roberto de Almeida

BRASIL


Por que o Brasil não deu certo

Jaime Pinsky

E a gente acreditando no futuro do Brasil. A triste conclusão, depois de tudo, é que o país não vai. Vai é ser sempre o que já é: uma terra de gente simpática, agradável, sociável, mas um país de segunda, com enorme desigualdade social, uma elite econômica tendendo para a arrogância, o povo defendendo-se com certa dissimulação, corrupção endêmica e estrutural…

BRASIL

PUBLICADO ORIGINALMENTE NO SITE DO AUTOR, www.jaimepinsky.com.br - MAIO - 2023

Houve um tempo em que se discutia o futuro do Brasil. O escritor Stefan Zweig, muito famoso na ocasião, saiu da Áustria e veio se refugiar nestas terras tropicais, tentando fugir do nazismo. Após escrever um livro em homenagem à terra que o recebeu (“Brasil, país do futuro”), deu fim à sua própria vida. Os Estados Unidos haviam crescido de forma vertiginosa no século XIX, enquanto nós havíamos marcado passo, graças a um sistema agrário arcaico, que explorou mão de obra escrava até nos tornarmos o último país ocidental a conservar esse tipo de força de trabalho, humilhante para explorados e exploradores (além de pouco eficaz). Mesmo assim havia os que acreditavam no futuro do país e Zweig não foi o primeiro nem o último.

Minha geração também acreditou. Em alguns momentos parecia faltar pouco para deslancharmos de vez. Mas, alguma coisa sempre acontecia. Ou era um governo particularmente ruim, ou a conjuntura internacional que nos desfavorecia, ou falta de infraestrutura, ou pouca gente fazendo faculdade, ou muita gente fazendo faculdade, ou dengue, ou tantas outras coisas… E a gente acreditando no futuro do Brasil. A triste conclusão, depois de tudo, é que o país não vai. Vai é ser sempre o que já é: uma terra de gente simpática, agradável, sociável, mas um país de segunda, com enorme desigualdade social, uma elite econômica tendendo para a arrogância, o povo defendendo-se com certa dissimulação, corrupção endêmica e estrutural, governantes de todos os poderes usufruindo as benesses de seus cargos e o país, como um todo, distanciando-se, cada vez mais, das economias principais, seja dos tigres asiáticos, dos ursos europeus, dos cangurus australianos e até das lhamas andinas.

Sim, temos um motivo estrutural para isso: o Brasil tornou-se em 1822, formalmente, um estado nacional, mas não era nada disso. A maior parte dos países se organiza de baixo para cima, criando, paulatinamente uma consciência de identidade nacional e só depois busca se constituir politicamente, desvincular-se de ligações que eventualmente tinha (dependência política, heterogeneidade cultural e/ou religiosa, libertação nacional, etc.). O estado nacional vem depois, não antes. Basta pensar como se constituíram estados nacionais tão diversos como Estados Unidos, França, Rússia, Israel ou Angola para que esses processos históricos fiquem claros. No Brasil ocorreu algo bem diferente: tivemos um filho do rei de Portugal liderando um suposto movimento em um país onde representantes de povos indígenas e africanos, que constituíam a maioria da população, não foram sequer consultados e, no caso dos cativos (formalmente escravizados ou não), sequer libertados.

Por outro lado, temos que reconhecer que a razão estrutural, esse “pecado original” de nossa formação, não pode explicar tudo. Afinal, tivemos mais de duzentos anos depois da independência formal para superar esse problema e não o fizemos. Entra governo, sai governo e continuamos atrás. Pesquisas recentes, publicadas por economistas respeitáveis, chamam a atenção para o fato de continuarmos atrasados.  Há décadas corríamos atrás da China. Depois, dos demais “tigres asiáticos”. Também ficamos vendo a poeira levantada pelos grandes felinos. O diagnóstico é o de sempre: nossa mão de obra é pouco eficaz, tanto técnica quanto cientificamente. Não preparamos adequadamente as pessoas e o resultado é a baixa rentabilidade. Isso não tem a ver com inteligência ou habilidade de nossa mão de obra. Tem a ver com formação, escolaridade.

Ora, uma boa escola precisa de bons professores. Não adianta ter programas e mais programas de livros para os alunos. Um bom professor consegue dar aulas com livros de alunos de qualidade sofrível, mas para um professor mal formado não adianta os alunos terem os melhores livros. São os professores que precisam ter os melhores livros, os mais atualizados. São eles os formadores de cientistas, técnicos e operários. Se não tivermos bons professores, decentemente remunerados e sabiamente exigidos, não poderemos ter gente qualificada e eficaz em suas atividades. Há 30 anos, no governo Itamar Franco, uma comissão de professores, intelectuais e representantes da sociedade foi formada para discutir o assunto no Ministério de Educação e a conclusão foi que professores do ensino público deveriam receber livros de qualidade para sua formação. Essa comissão, dirigida pela grande educadora recentemente falecida, Magda Soares, fez um belo trabalho. Contudo, como aqui não há política de Estado e sim política de Governo, a coisa não se manteve.

Hoje precisamos de muito mais que livros para professores (embora esses continuem imprescindíveis). Contudo, pelo que se vê e lê, o Brasil parece ter outras prioridades. Mas como não falta combustível para levar o pessoal de volta aos currais eleitorais nos fins de semana, está tudo bem por aqui.

JAIME PINSKY: Historiador, professor titular da Unicamp, autor ou coautor de 30 livros, diretor editorial da Editora Contexto. Autor de vários livros sobre preconceito, cidadania e escravidão. Organizador e coautor do livro “Novos Combates da História“.

jaimepinsky@gmail.com

www.jaimepinsky.com.br


 

domingo, 31 de julho de 2022

“ O Brasil é um país que está embrutecendo.” - Maud Chirio (Journal du Dimanche)

 Brasil e suas violências

José Horta Manzano

Chumbo Gordo, 27/07/2022


…“O Brasil não é um país sob um regime ditatorial. É um regime baseado na desconstrução do Estado, que permite que a violência social floresça e seja incentivada na sociedade.”…


É interessante notar que um observador afastado, independente e não envolvido emocionalmente com nosso país consegue ter uma visão desapaixonada do drama que enreda o povo brasileiro. Para nós outros, que estamos envolvidos emocionalmente, é praticamente impossível fazer um julgamento neutro e imparcial.


O JDD (Journal du Dimanche) é um jornal semanal francês. Seu forte são entrevistas e artigos de fundo. A mais recente edição traz uma entrevista de Maud Chirio, historiadora francesa especializada em analisar a realidade brasileira.


Ela começa discorrendo sobre o aumento da violência:

“É violência urbana, mas há também uma explosão de violência feminicida, homofóbica e transfóbica e um aumento da violência política.”


E dá sua avaliação do momento político:

“O Brasil não é um país sob um regime ditatorial. É um regime baseado na desconstrução do Estado, que permite que a violência social floresça e seja incentivada na sociedade.”


E prossegue:

“Se Jair Bolsonaro for reeleito, o que é extremamente improvável, ou se ele manipular ou pressionar as eleições, estaremos em um ponto de inflexão. O Brasil poderia sair completamente do caminho democrático.”


Até chegar à impiedosa conclusão de sua análise:

 “O Brasil é um país que está embrutecendo.”


É de arrepiar. E pensar que o capitão imagina poder contar suas lorotas aos quatro ventos sem que ninguém se dê conta da feia realidade. Temos um bobão no Planalto. Um bobão perigoso.

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JOSÉ HORTA MANZANO – Escritor, analista e cronista. Mantém o blog Brasil de Longe. Analisa as coisas de nosso país em diversos ângulos,  dependendo da inspiração do momento; pode tratar de política, línguas, história, música, geografia, atualidade e notícias do dia a dia. Colabora no caderno Opinião, do Correio Braziliense. Vive na Suíça, e há 45 anos mora no continente europeu. A comparação entre os fatos de lá e os daqui é uma de suas especialidades.

quarta-feira, 11 de maio de 2022

Quem é fascista na guerra da Ucrânia? - Jaime Pinsky (CB, Chumbo Gordo)

Quem é fascista na guerra da Ucrânia? 

Jaime Pinsky

10/05/2022

Verdade. Muitos ucranianos ficaram do lado nazista durante a II Guerra Mundial. Isso dá aos russos o direito de invadir o país vizinho?

OTAN- UCRÂNIA

PUBLICADO ORIGINALMENTE NO CORREIO BRAZILIENSE
E NO SITE DO AUTOR, www.jaimepinsky.com.br

A bandeira da Ucrânia tem as cores azul e amarela. Já o grupo nacionalista direitista Pravy Sector usa a mesma bandeira, mas com as cores preta e vermelha. Este grupo se organizou a partir de 2013/14 quando promoveu manifestações contra seu governo, aliado da Rússia, conseguiu depô-lo e acabou por mergulhar o país em um caos político, econômico e étnico. A situação só se equilibrou a partir da surpreendente eleição do atual presidente, Vladimir Zielensky. Ele competiu como um “azarão”, entre os partidários da Rússia e os ultra-direitista. Para surpresa de todo mundo e do mundo todo ele venceu as eleições, tornou-se popular e acabou tendo que sustentar uma guerra contra Putin que não se conformou com sua vitória, uma vez que desejava um governante submisso aos seus desejos.

Todos devem se lembrar que no início do atual governo brasileiro grupos bolsonaristas referiam-se a “ucranizar” o Brasil. Seu objetivo declarado era promover uma guinada para a direita. Mas não seria errado supor que tinham a intenção de destituir poderes da República, algo promovido pelo grupo ucraniano que lhes servia de modelo (em 2014). A ultra direita ucraniana era chauvinista, francamente antirrussa, antissemita e antiglobalização. Além do que, é bom lembrar que agrupamentos políticos como o Pravy Sector promoviam treinamento militar, que ofereciam a correligionários de outros países. A militante bolsonarista, muito evidente no início do mandato presidencial atual, Sara Winter, proclamava a quem queria ouvir e a quem não queria também, que ela própria teria recebido treinamento na Ucrânia, com esse pessoal.

Putin e seu circulo de apoiadores alega que ao derrubar, em 2014, um presidente legalmente eleito, os ucranianos tiveram uma atitude fascista, de nacionalismo extremo, com caráter de antiglobalização, além de chauvinista. De fato, esse perfil político tem se manifestado em muitos países, podendo ser uma ameaça séria às instituições democráticas. Contudo, a invasão russa não se deu por aqueles que poderíamos chamar de “bons motivos”. Em nenhum momento o governo russo preocupou-se com a democracia, mesmo porque o próprio presidente russo não é um exemplo acabado de democrata radical… Ele manipulou e manipula as leis e os tribunais russos, colocando-os a serviço de seus interesses, não do interesse do aperfeiçoamento da democracia russa, muito menos do sistema democrático como concepção e prática política. Aristóteles já dizia, há mais de dois mil anos, que o sistema democrático baseia-se, antes de tudo, em “governar por turnos”, isto é, em haver revezamento de indivíduos e correntes políticas no poder. Oferecer veneno e cadeia aos adversários – o que tem acontecido na Rússia – não é, exatamente, a melhor maneira de estimular o desenvolvimento da democracia, convenhamos.

Não deixa de ser irônico que Putin não esperava por Zelinsky no poder. Um não político (era ator, antes de ser presidente, imitava e caricaturava presidentes na tevê, entre outras atividades artísticas) no poder, um cidadão com antecedentes familiares judaicos, não podia e não pode ser chamado de fascista ou de antissemita. Mas, como a lógica formal não é problema para governos autoritários, Putin e seu círculo de poder fingem que o presidente ucraniano é de extrema direita. Não é. E agora, para coroar a falta de sentido de algumas acusações, além de garantirem que os governantes ucranianos podem  ser antissemitas e judeus (!) um ministro russo acaba de afirmar que Zelinsky pode ser fascista, embora judeu, pois até Hitler tinha sangue judaico. O absurdo é evidente. Mas, não se trata apenas de atentado à lógica. É também um atentado às milhões de vítimas do nazismo. Além de infeliz, imbecil, grosseira, agressiva, a frase de uma autoridade russa fere todas as pessoas de bom senso no mundo, as de bom caráter, as sensíveis, todas as que têm compromisso com verdade. E, devo deixar muito claro, sou um apreciador da cultura russa, amo seus escritores – vários assassinados por Stalin – seus músicos, suas orquestras, seus cineastas, seus dançarinos.

Contudo, como neto de imigrantes, que só escaparam das câmaras de gás nazistas, perpetradas pelo mesmo Hitler a quem o ministro russo se refere como tendo sague judeu, eu me sinto no direito e no dever moral de solicitar pedido formal de desculpas por parte dessa autoridade. Minha avó Sara só escapou do Holocausto, com seus nove filhos, porque o Brasil permitiu que para cá ela viesse. Foi um bom investimento do país: hoje somos, entre netos, bisnetos e tataranetos dela mais de duzentos bons brasileiros que trabalham aqui como médicos, professores, empresários, técnicos, dentistas, editores, artistas, ente outras profissões.

Sim, a Ucrânia talvez não possa se vangloriar de seu passado democrático, de ser um país aberto para minorias culturais e étnicas. Sim, durante a II Guerra Mundial nem sempre colaborou com as democracias; na verdade, esteve mais perto da Alemanha nazista e há casos terríveis de massacres perpetrados por ucranianos contra minorias nessa época e até antes da guerra.  Contudo, ter ficado do “lado certo” contra o nazismo não dá à Rússia carta branca para invadir seus vizinhos, estados independentes, mesmo que não goste de seus governantes. E inventar mentiras contra ucranianos e outros povos não é digno de um país e um povo tão relevantes quanto o russo.

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JAIME PINSKY: Historiador, professor titular da Unicamp, autor ou coautor de 30 livros, diretor editorial da Editora Contexto. Autor de vários livros sobre preconceito, cidadania e escravidão. Organizador e coautor do livro “Novos Combates da História“.

jaimepinsky@gmail.com

www.jaimepinsky.com.br

quarta-feira, 13 de maio de 2020

O Brasil dos generais? - Aylê-Salassié F. Quintão (Chimbo Gordo)

O COMANDO DOS GENERAIS

AYLÊ-SALASSIÊ QUINTÃO

Chumbo Gordo, 29/04/2020

… Agora, apesar dos sucessivos pedidos de impeachment contra o atual Presidente, o Palácio do Planalto, centro do Poder do Estado, tornou-se habitat de militares de alta patente, comandados por um capitão proscrito.  O capitão não dá vez aos generais. Demite-os sem mais, nem menos, e cobra alinhamento às suas loucas atitudes e pensamentos confusos. Parece mesmo uma desforra…
Um marechal? Não, não existe mais. É um capitão, que saiu pela porta dos fundos das forças armadas, quem agora   comanda generais de quatro estrelas no Brasil. Sua força vem dos 57 milhões de votos, mas a persistência, que nesse momento, diante de um cenário totalmente adverso, é o que conta. Parece ser a manifestação explícita de um Ego ferido pela interrupção compulsória da carreira militar, há 20 anos, por desobediência e insubordinação.
Fala mais alto um Ego inflado e, aparentemente, ressentido que a vitória nas urnas, em 2018, entregue de bandeja pelos concorrentes de oposição. No esforço de perpetuar-se no Poder, vinham confundindo a população com falsos candidatos, falsas retóricas e falsos programas sociais.  O viés permite inferir que a insistência nesse caminho conduziu o retorno dos militares.
Agora, apesar dos sucessivos pedidos de impeachment contra o atual Presidente, o Palácio do Planalto, centro do Poder do Estado, tornou-se habitat de militares de alta patente, comandados por um capitão proscrito.  O capitão não dá vez aos generais. Demite-os sem mais, nem menos, e cobra alinhamento às suas loucas atitudes e pensamentos confusos. Parece mesmo uma desforra, fruto de uma personalidade duvidosa.
Aliás, vale lembrar que esse encolhimento da autoridade dos generais, já vinha ocorrendo desde a criação do Ministério da Defesa, no governo do cientista presidente Fernando Henrique, seguida da designação de civis, antes condenados na Justiça, para dirigi-lo. A própria ex-presidente guerrilheira Dilma Rousseff, ordenou um general sair de um elevador no Planalto, porque ela queria descer sozinha para a garagem.
O quartel de comando do Exército no Planalto reúne, hoje, alguns dos principais  oficiais superiores das forças armadas : os generais  Braga Neto, ex-chefe da intervenção contra a violência no Rio de Janeiro, agora chefe da Casa Civil; o general da ativa Luiz Eduardo Ramos , chefe da Secretaria de Governo; o general da reserva Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional; o major da reserva da Polícia Militar, Jorge Oliveira, chefe da Secretaria Geral Presidência; o almirante Flávio Rocha, chefe da secretaria de Assuntos Estratégicos. Lá estão ainda o vice-presidente, general Hamilton Mourão, que hoje chefia um vazio Conselho da Amazônia Legal.
            A    nomeação, para o Ministério da Defesa, do general Fernando Azevedo, que passou um tempo assessorando a presidência do Supremo Tribunal Federal, pretende dar a impressão de que as Forças Armadas assumiram uma nova postura. Desde a posse do presidente capitão, os generais insistem em vender a versão de que este é um governo com militares, mas não dos militares. Com a chegada de Braga Netto, essa ilusão acabou. Ele, que gosta de planejamento, já apresentou até um plano estratégico de recuperação da economia, chamado Pró-Brasil, quase que desqualificando os esforços do Ministério da Fazenda.
… A questão é saber até quando os generais vão conviver neste cenário. Eles tem medo dos eleitores de Bolsonaro que, provavelmente, já não são mais 57 milhões de cidadãos. Mas o Congresso não tem esse constrangimento, porque também foi votado…
Esses oficiais no Poder entendem que é melhor tentar influenciar o governo Bolsonaro de dentro do que se omitir, e arcar com os ônus elevados à frente. A coisa assumiu tal proporção que, para alguns, o eventual fracasso do governo Bolsonaro cairia sobre os seus ombros, como ocorreu na queda do regime militar, em 1985. A presença do ex-juiz Moro no Ministério da Justiça ajudava a minimizar os ranços hierárquicos entre os militares, ao reforçar o carisma justiceiro do capitão Presidente, relação agora um pouco estremecida com a demissão de Moro.
Mas, o capitão está com tudo e não está prosa. Será?
A explicação não vem das forças armadas, nem do Tribunal Superior Eleitoral, mas de Freud: a interação do ser humano com a realidade que lhe cerca, expõe publicamente a psiquê do capitão: o Ego, com  seus instintos primitivos representados pelo Id , componente nato dos indivíduos, que administra vontades e pulsões, formadas pelos instintos e desejos rudimentares. A partir do ID, desenvolvem-se as outras partes da personalidade humana: o Ego e Superego. Este expressão da impulsividade, da racionalidade e da moralidade.
As frustrações pessoais estendem-se à família que, também aparentemente, administra a governabilidade com o suposto apoio de milicianos, e não de generais. A manifestação em frente ao Forte Apache não foi convocada pelo Exército, nem por supostos seguidores.
A questão é saber até quando os generais vão conviver neste cenário. Eles tem medo dos eleitores de Bolsonaro que, provavelmente, já não são mais 57 milhões de cidadãos. Mas o Congresso não tem esse constrangimento, porque também foi votado. O Supremo Tribunal não pode dizer a mesma coisa, nem alguns ministros. Distraída pelo coronavírus, a população assiste tudo abestalhada.
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Aylê-Salassié F. Quintão* – Jornalista, professor, doutor em História Cultural. Vive em Brasília



sábado, 3 de agosto de 2019

A torto e a direita - Marli Goncalves (Chumbo Gordo)

A TORTO E A DIREITA

 

 MARLI GONÇALVES

 A boca abre e dela só saem impropérios, ataques, frases incompletas, palavras comidas, plurais despedaçados, uma visão de mundo desconectada. Os olhos - ah, os olhos! - o olhar seco, não direto, dispersivo, escorregadio, a testa comprimida. Como se não tivesse compromisso com nada, ninguém, responsabilidade. Como se tudo fosse uma grande brincadeira. E não é.
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A torto e a direito, direita, como se não houvesse amanhã, ontem, o presente. Se ninguém pergunta, ele responde, fala o que estava querendo falar, se é que se pode chamar de falar. Se perguntam ou pedem explicações, ele fecha a cara, interrompe a conversa, depois ataca quem perguntou. Se ninguém lhe dá atenção, sem problemas, ou ele ou seus filhos escrevem tuites atrapalhados, ou mesmo gravam os tais “lives” toscos, ao lado de uma entusiasmada tradutora de libras e agora sempre com um ministro vítima ao lado, que deve acenar a cabeça positivamente de dez em dez segundos.
O grande Ruy Castro propôs em sua crônica que a gente pode imaginar que se ele já faz tudo isso em público que imaginássemos em seu trono particular.
Só a ideia já dá para ter pesadelos seguidos por um mês. Eu já imaginei ele lá, sentado, com um espelho na frente, puxando o topete liso recém cortado e cultivado cuidadosamente (conte quantos barbeiros já o viram sentados em suas cadeiras desde que o rompante eleitoral ocorreu), ensaiando qual será a barbaridade que dirá ou fará no decorrer do dia. Adora “causar”; digo até que se daria bem no meio que parece detestar, LGBT, o povo que também adora causar, mas que antes de tudo o detesta com todas as forças.
No começo, era o folclore. O amadorismo em um cargo tão importante, já que nada de importante havia em seu currículo de dezenas de anos pela política, sempre muito ali por baixo do clero uns três palmos. Depois, o júbilo pela derrota do dragão PT, a sobrevivência à facada, a formação do governo que incluiu de cara o Posto Ipiranga, o Super Homem juiz, o astronauta. Nossa!, boquiabertos, começamos então a ver chegar os outros, a mulher que veste rosa, o diplomata que de diplomata mesmo não tem nada e que fala em soquinhos uma língua muito estranha, parece que aprendida lá fora com um guru, siderado, astrólogo que diz conhecer aspectos planetários e que a Terra é plana.
Mas ainda pensando nele no tal trono particular, veio a ideia de que a porta está aberta e ali entram os Filhos do Capitão, as caricaturas saídas dos quadrinhos de terror. Então, ensaiam. Papai isso, papai aquilo, papai me dá, papai deixa eu. Papai, essa imprensa está me tratando mal; papai, quero ir pros Estados Unidos.  A primeira dama? Onde anda? O que faz? Quem lhe dá alguma atenção? Aliás, como é mesmo o nome dela? Sumida.
Mulher não dá palpite. Ministros, por ele, em todos os Poderes, esses deveriam ser todos terrivelmente evangélicos sabe-se lá para o quê. Tá oquei?
Tinha um vice que falava, mas anda quieto, calado. Tem até gente boa por ali, mas que parece tentar trabalhar por fora para não se queimar.
Obviamente também temos muitos generais aflitos. Pelo menos deveriam estar.
Mas está acabando a brincadeira e o nosso humor esgota. A coisa está tomando volume, ficando muito mais séria. As declarações já não são só as inofensivas, bobas, desembestadas. As afirmações, como a última, a torto e direito como sempre, de que é direita e assim fará enviesando tudo para esse lado, requer atenção.
Dizem que faz tudo isso só para juntar sua turma dos 30% que ainda lhe resta. Dai a gente pergunta se esses 30% não pensam, não entendem, só surgem para atacar, não compreendem nossas aflições nem argumentos e informações, por onde andam os 70% restantes? O que fazem? Quando se reunirão? Como se organizarão?
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 (FOTO: Gal Oppido)
MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Site Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano- Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. Lançamento oficial 20 de agosto, terça-feira, a partir das 19 horas na Livraria da Vila, Alameda Lorena, São Paulo, SP. Já à venda nas livrarias e online, pela Editora e pela Amazon.