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quinta-feira, 29 de agosto de 2019

Bicentenário da Independência - Benoni Belli (OESP)

Bicentenário da Independência: Diplomacia e Sentimento Nacional no Brasil
A diplomacia foi instrumento privilegiado para negociar com Portugal 
os termos da Independência, obter o reconhecimento de outros países 
e superar definitivamente as controvérsias territoriais

por Benoni Belli
Estado da Arte
O Estado de S. Paulo, 29 de agosto de 2019

Em 2022, comemoraremos o bicentenário da Independência. Ao contrário do que aprendemos na escola, a Independência não se esgotou no grito do Ipiranga, nos idos de 1822. Aquele foi o ponto de partida de um processo que se estende até nossos dias e se projeta no futuro. Foi o momento inaugural, a certidão de nascimento do país, um evento cuja importância ninguém discute, mas uma gesta que tem sido e deve continuar sendo afirmada e reafirmada continuamente ao longo do tempo, seja simbolicamente, seja por meio da luta constante pela criação e manutenção das condições que permitam ao país seguir se fortalecendo. A independência é sinônimo da construção de um país soberano, que busca o desenvolvimento e o bem-estar de seu povo, capaz de projetar na região e no mundo seus valores e interesses, animado por um sentimento comum de união na pluralidade.


Em nossa trajetória como país, a diplomacia foi fundamental desde os primórdios. Bem antes da ruptura protagonizada pelo príncipe-regente, a diplomacia desempenhou papel de destaque por meio da figura de Alexandre de Gusmão, que teve, como secretário particular de Dom João V, atuação crucial na negociação do Tratado de Madri de 1750, garantindo o território então ocupado pelos súditos do Império português. A diplomacia foi instrumento privilegiado para negociar com Portugal os termos da separação (ainda que tenha exigido também derramamento de sangue), obter o reconhecimento de outros países – a começar pela hegemônica Inglaterra – e, mais tarde, superar definitivamente as controvérsias territoriais. Já no início do Século XX, graças à diplomacia, o país consolidava seu território. Desde então, a diplomacia tem sido também veículo para buscar a inserção soberana na região e no mundo.
A atuação da diplomacia no processo de Independência respondeu ao sentimento de nacionalidade em formação. Um sentimento que surgiu inicialmente da percepção das elites locais das contradições entre seus interesses e os da metrópole e espraiou-se pouco a pouco, produzindo a convicção de que o Brasil independente estaria destinado a percorrer uma trilha que o levaria a espelhar a exuberância de sua própria natureza. Joaquim Nabuco captura esse sentimento uma conferência proferida em 1908: “O Brasil sempre teve consciência do seu tamanho e tem sido governado por um sentimento profético de seu futuro”. Há um certo determinismo saudável nesse sentimento quando se toma o cuidado de não descambar para o ufanismo, empregando-o na dose certa para estimular a coesão social e a unidade de propósito na busca de um país mais próspero e justo. 
Esse futuro que habita o referido sentimento profético, contudo, não será alcançado inevitavelmente por mandamento divino. Essa noção de futuro só faz sentido como um objetivo a ser construído laboriosamente, fazendo nosso dever de casa internamente e negociando nossa interação com o mundo exterior com o objetivo de minimizar riscos e buscar influenciar processos negociadores em um sentido que nos favoreça. A concepção de Independência como um processo traz embutida a insatisfação com o que logramos em comparação com o que desejamos alcançar. Desde que não perca de vista os êxitos e sirva para superar as injustiças e iniquidades, esse é um sentimento positivo. Queremos celebrar avanços cumulativos, que cada geração vai agregando, mas tendo presente que a realização progressiva do ideal compartilhado de país demanda esforço contínuo. É uma obra aberta.
O sentimento nacional, nesse diapasão, não se confunde com o chauvinismo, fenômeno que se manifestou em diferentes contextos e países. Tampouco deve minimizar o sacrifício dos povos indígenas e a experiência da escravidão, que deixaram feridas ainda não totalmente cicatrizadas no nosso tecido social. Deve ancorar-se numa identidade construída ao longo de séculos em torno da nossa terra e cultura, que aprendemos a amar, e que plasma o modo de ser e sentir propriamente brasileiro, sem abrir mão da visão crítica de uma sociedade ainda profundamente injusta. Um nacionalismo aberto e destemido, que tem todo o direito de orgulhar-se de nossa contribuição à cultura universal, sem escorregar para a crença deletéria em uma essência imutável, atemporal e unívoca de brasilidade cuja existência mítica deve ser celebrada por meio de ritos que cristalizam uma memória coletiva edulcorada.
O nacionalismo, para ser uma força positiva, deve valorizar a força de nossa cultura e nossas tradições como ferramentas para construção de um país mais equilibrado e generoso, em um contexto de liberdade e respeito aos direitos de todos. Sabemos que o nacionalismo já se prestou a justificar o injustificável, inclusive limpezas étnicas e atrocidades mundo afora. Por isso, é preciso combinar nacionalismo com tolerância à diversidade e respeito à diferença. Por essa mesma razão, o sentimento de brasilidade, ao evitar idealizações nocivas – da “democracia racial” à ideia de povos indígenas assimilados romanticamente à sociedade branca e portuguesa hegemônica –, precisa manter-se alerta para que o sentimento de pertencimento à Nação não leve à diluição das contradições que precisam ser reconhecidas e devidamente tratadas para que todos, sem exceção, possam auferir os benefícios da cidadania.
O nacionalismo que interessa ao Brasil deve ser compatível com as liberdades, percebendo a Nação como uma comunidade em que a identidade comum é motivo de orgulho porque compatível com o pluralismo. Essa “comunidade imaginada” – para usar a noção de Benedict Anderson – é também uma poderosa ideia que move as pessoas, que lhes dá a segurança de pertencer a um grupo distinto, mas sem necessariamente diminuir ou depreciar os vizinhos e os estrangeiros. O fato de termos expandido e consolidado o “corpo da Pátria” por meio, sobretudo, da negociação, ao contrário de outros países que empregaram a guerra de conquista e a aquisição forçada de territórios como métodos predominantes, conferiu ao nosso sentimento de nacionalidade uma marca de origem, em que a solução pacífica de controvérsias e a preferência pelo direito e pelas regras negociadas ajudaram a moldar a identidade nacional e sua projeção externa. 
Ao refletir sobre nossa trajetória, é preciso não esquecer que muitos países cresceram, atingiram altos patamares de poder para depois tomar uma trajetória de decadência, seja por erros internos, seja por conta da hubris em suas aventuras internacionais. No nosso caso, o futuro desejado existe claramente como potencial muito mais alcançável do que para outros, já que nosso país é dotado de tantos recursos, resolveu seus problemas territoriais definitivamente no início do século XX e consolidou um patrimônio diplomático baseado na solução pacífica das controvérsias e no respeito ao direito internacional. Temos uma sociedade injusta, é verdade, mas que exige cada vez mais igualdade de oportunidades, e contamos com imensa diversidade que é fonte de criatividade para superar os desafios na busca do desenvolvimento e do bem-estar.
Saberemos fazer bom uso dos recursos humanos e materiais do país para realizar plenamente nosso potencial? A história brasileira demonstra que, apesar de oportunidades perdidas ao longo do processo, é possível dizer que nossa trajetória tem sido, em grande medida, positiva. As condições internas e internacionais mudam sem cessar, então esse esforço precisa ser atualizado continuamente, de modo a lidar com novos fatores e riscos. O sentimento de nacionalidade que nos anima não deve turvar a visão dos desafios que devemos enfrentar, mas funcionar como um estímulo para que realizemos nosso potencial e para que o Brasil não seja sempre o país do futuro. Tampouco deve se traduzir em palavras de ordem e códigos de conduta automáticos, que sufocam o pensamento crítico. Ao contrário, o sentimento de nacionalidade deve liberar o espírito para enfrentar uma realidade ainda longe do ideal cantado em prosa e verso.
Ainda que a política externa dependa de nossa capacidade de fabricar soluções para problemas internos que nos afligem, não há dúvida que a interação com o mundo pode ajudar na busca dos objetivos nacionais. Entender as grandes tendências e interesses em jogo no ambiente internacional é condição para utilizar nossas relações exteriores como instrumento de desenvolvimento. Não há nenhuma prioridade nacional que não tenha uma faceta internacional e que, portanto, esteja imune à influência de decisões tomadas em outros países ou a regras adotadas em instâncias internacionais. Daí a importância de uma diplomacia que saiba mover-se em um mundo que hoje é de transição para uma ordem internacional em que a competição entre grandes potências tende a acirrar-se, o que requer estratégia de inserção internacional com clareza de prioridades e definição dos meios para persegui-las.
A nossa diplomacia tem hoje, como teve no passado, papel de grande importância na consolidação da Independência, entendida como um processo contínuo de afirmação e projeção de nossos interesses no mundo. O legítimo sentimento de nacionalidade que deve nos animar precisa estar calcado na combinação de confiança em nossa potencialidade e orgulho diante dos avanços logrados com uma boa dose de autocrítica, fundamental para identificar os erros históricos e as injustiças, como por exemplo a discriminação contra grupos vulneráveis e o patrimonialismo de nossas elites. Sem menosprezar o país que já construímos – uma das maiores economias mundiais, sede de empresas de sucesso, dotado de agronegócio pujante e recursos humanos de alta qualidade, além de uma cultura vibrante e uma sociedade dinâmica e criativa –, a atitude diante do Bicentenário da nossa Independência deve ser de reflexão.
É chegada a hora de realizar um balanço dos erros e acertos, de modo a injetar no sentimento de nacionalidade o ímpeto necessário e a coesão que permitem traçar o caminho do futuro. Ao caminhar na direção do Bicentenário, seria útil investigar também as condições atuais para assegurar uma ordem internacional que seja propícia à ascensão do Brasil e à projeção de seus interesses e realização de suas aspirações. Nesse sentido, a diplomacia deverá seguir sendo, tal como foi nos primórdios de nossa vida independente, importante instrumento para a construção do país que o povo brasileiro, especialmente os segmentos mais humildes, vulneráveis e sofridos, deseja e merece. Uma diplomacia que reflita os valores nacionais e os traduza em relações proveitosas com o mundo, mantendo-se assim à altura das expectativas do povo brasileiro.
Ao iniciarmos a contagem regressiva para o Bicentenário, o principal desafio talvez resida em utilizar o sentimento positivo de nacionalidade que une os brasileiros para superar polarizações estéreis, sem abrir mão do debate plural sobre o que ainda devemos fazer para trilhar o caminho do desenvolvimento. Tudo isso com a consciência de que não estamos sozinhos no mundo, de que temos uma responsabilidade de criar condições internacionais de estabilidade e prosperidade, negociando com vizinhos e demais parceiros soluções para desafios comuns. Essa tarefa hercúlea não deve ser subestimada, mas o importante é não fugir à luta, não esmorecer na defesa de um país acolhedor, generoso, aberto, tolerante e democrático, no qual cada brasileiro possa realizar seu potencial e seja parte integrante e beneficiário da construção diária, contínua e necessária da Independência.

Benoni Belli é diplomata de carreira. 
Este artigo foi escrito a título pessoal, não refletindo posições oficiais do Ministério das Relações Exteriores.

A Economist comenta Bolsonaro chamuscado

The Amazon’s fires could burn Jair Bolsonaro

The outside world is right to worry, but must show finesse in its dealings with Brazil

PICTURES OF FIRES raging in the rainforest. 

A social-media storm in which #Amazon Is Burning dominated what passes for the global conversation. A war of words in which Emmanuel Macron, France’s president, branded as a liar his Brazilian counterpart, Jair Bolsonaro, who in turn accused Mr Macron of colonialism and mocked his wife’s looks. An offer of $22m from the G7 countries to help fight the fires, which Mr Bolsonaro rejected unless Mr Macron ate his words. It has been an extraordinary ten days for Brazil. Through the smoke, two things are clear: Mr Bolsonaro’s policies are profoundly destructive of the Amazon rainforest, and deterring him will take much more subtlety abroad and more determination from opponents and even allies at home.
A former army captain of far-right views, Mr Bolsonaro won Brazil’s presidency last year partly on a platform of reviving a moribund economy by sweeping away left-wingery and green regulation. He promised to end fines for violations of environmental law, shrink the protected areas that account for half of the Brazilian Amazon and fight NGOs, for which he has a visceral hatred. In office, his government has gutted the environment ministry and Ibama, the quasi-autonomous environmental agency. Six of the ten senior posts in the ministry’s department of forests and sustainable development are vacant, according to its website. The government talks of “monetising” the Amazon but sabotaged a $1.3bn European fund that aims to give value to the standing forest.
Ranchers, illegal loggers and settlers in the Amazon have taken all this as encouragement to power up their chainsaws. Deforestation in the first seven months of this year rose by 67% compared with the same period last year, according to INPE, the government’s space research agency. Mr Bolsonaro called INPE’s data lies and fired its director. His initial reaction was, preposterously, to blame the fires on NGOs.
Mr Bolsonaro’s approach is driven by prejudice and nationalism. “He deeply, ideologically, believes that environmentalism is part of a left-wing view of the world,” says Matias Spektor, at Fundação Getulio Vargas, a university in São Paulo. Brazil’s armed forces have long thought that outsiders have designs on the Amazon, and that they must develop it or risk losing it. The generals in Mr Bolsonaro’s cabinet, usually a force for restraint, are not on this issue. Behind his tirades against Mr Macron is the expectation that Brazilians will rally round the flag. That is why the world needs to tread carefully.
Mr Bolsonaro is right about some things. Mr Macron was high-handed in discussing the Amazon at the G7 without inviting Brazil. While the world has a legitimate interest in the rainforest’s fate, it doesn’t own it (though French Guiana has a chunk). Mr Bolsonaro is right, too, that fires were worse in some past years. Many maps exaggerate their extent.
Brazil has some of the world’s most stringent controls on deforestation. From 2005 these slowed the forest’s destruction dramatically, before they were undermined by budget cuts and now by Mr Bolsonaro.
Like Janus, his government faces two ways on this issue. Brazilian diplomats abroad present their country as committed to halting deforestation. At home, the president winks at those who practise it. That is why it is important to hold his government to its word.
“The main issue is how to get to a rational discussion about what’s happening,” says Marcos Jank of the Centre for Global Agribusiness at Insper, a university in São Paulo. That is something Brazil’s modern farmers want. They persuaded Mr Bolsonaro not to pull out of the Paris agreement on climate change, or abolish the environment ministry. They fear consumer boycotts and the EU pulling out of a recently concluded trade agreement, as Mr Macron threatened. In fact, both would have limited effect. Mr Jank notes that 95% of Brazil’s $102bn-worth of agricultural exports are commodities that don’t go directly to consumers; 60% go to Asia. But Brand Brazil has certainly been damaged.
Politically, too, Mr Bolsonaro is on treacherous ground. Although Brazilian nationalism should not be under-estimated, most Brazilians worry about climate change. As the president spoke on television on August 23rd about the fires, there were pot-banging protests in prosperous parts of cities, which helped to elect him. But halting his scorched-earth practices will require organised political action as well as protest. 

This article appeared in the The Americas section of the print edition under the headline "Playing with fire"