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quinta-feira, 14 de junho de 2007

733) Sobre a política externa do Brasil

Um artigo antigo, mas postando apenas para registro:

Ideologia de menos, compadrio de mais
Rosângela Bittar
Valor Economico, 21 Fevereiro 2007

Dúvidas não há mais quanto ao caráter ideológico das grandes linhas da política externa brasileira, claramente uma opção do próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva, teorizada e executada por um conjunto de ministros e assessores. Desde o início do primeiro mandato ficou claro, principalmente para o PT, a quem se deu satisfação explícita sobre isto, que Lula deixaria o governo pender à esquerda na política externa, até para compensar as escolhas em áreas fundamentais para os resultados que pretendia, como a da política econômica, por exemplo.
Mas não estava dito, nem subentendido, que seria uma opção camuflada, a ser justificada com argumentação estapafúrdia, um faz de conta que, a cada vez identificado, teria como conseqüência a reação virulenta dos que se sentissem "acusados". O governo daria agora um passo firme nesta mal parada questão, que assim vem desde o primeiro dia, se explicasse as ações e iniciativas que confundem a população, por mais bem informada e esclarecida que seja. A conseqüência de jamais fazer isto, talvez por soberba das personalidades envolvidas, é a confusão permanente entre ideologia e compaixão, entre ideologia e lesão ao patrimônio nacional, entre ideologia e medo.
O presidente da Petrobras, Sergio Gabrielli, e os ministros Silas Rondeau e sobretudo Celso Amorim, poderiam, sem o mais leve arranhão à sua autoridade, dar explicações claras, que o governo está há muito devendo ao país, sobre os critérios e objetivos da política externa e comercial do Brasil com seus vizinhos, principalmente neste momento com a Bolívia, caso em que estas confusões se aplicam à perfeição.
Não seria nada demais que esquecessem por um momento a luta interna com a oposição, os sofismas, as tergiversações, os artifícios, as respostas às cobranças com acusações e outras cobranças, para informar, esclarecer os fatos, de forma que todos possam entender as razões e afastar a impressão de que todos os gestos do presidente Lula em direção à Bolívia parecem lesivos ao Brasil.
Quem sabe se estas autoridades, sem buscar abrigo na ironia e na desqualificação dos críticos, possam dar elementos para compreensão dos comportamentos dos presidentes da Bolívia e da Venezuela. Eles desdenham o Brasil, o Mercosul, exigem condições de privilégio para integrar o bloco, num ato de vontade unilateral, para fazê-lo à sua imagem e empurrarem-se goela abaixo dos demais. Agem com rigor e rispidez no seu diálogo com o presidente brasileiro e recebem de volta mesuras e adulação.
Até hoje, não se tem notícia de algo em que tenham levado desvantagem. Não dão bola aos negociadores oficiais, quando querem vão arrancar suas vantagens pessoalmente, agem com desprezo, enquanto o presidente dos desprezados clama por generosidade e compaixão para com eles. As autoridades, é o que parece, usam o guarda-chuva da "ideologia" para fugir de explicações e nada enfrentar. Se pelo menos a ideologia justificasse algumas atitudes...

A soberba confunde os gestos da diplomacia
No caso mais recente do embate com a Bolívia (são tantos que alguns, mais humilhantes, já estão quase esquecidos), em que o presidente Evo Morales disputou pessoalmente (agenda definida na marra contra a vontade do governo brasileiro) e venceu todas as batalhas em torno dos preços do gás, levando o que quis e como quis, é de se perguntar qual a ideologia presente.
A de proteger um presidente vizinho e amigo dos ataques da oposição que sofre internamente? A de dividir o domínio sobre ele com o presidente venezuelano Hugo Chávez, que o tem mais perto em camaradagem e cumplicidade? A ideologia que manda ajudar os pobres de outro país? "O Brasil é extremamente dependente do gás da Bolívia", alega-se. Então o nome do que se está fazendo com Morales é concessão à chantagem e não negociação de preço justo.
"O Brasil precisa ser generoso", como disse Lula, ao concordar com a elevação do preço do gás fornecido ao Brasil pela Bolívia. Generosidade (não consta da cartilha do Barão do Rio Branco) maior ainda porque a Petrobras concedeu ainda a retomada do projeto de construção de um pólo gás-químico na fronteira entre os dois países, a construção de uma usina hidrelétrica binacional no Rio Madeira e a instalação de uma usina de biodesel na Bolívia, além de doações de vacinas e outras miudezas.
"Tínhamos de achar uma fórmula. A Bolívia é o país que tem a maior fronteira com o Brasil e não seria interessante que houvesse problema interno no país", disse o ministro Silas Rondeau, numa declaração surpreendente, pois revela, como se fosse algo trivial, a entrada forte do Brasil na política interna boliviana.
"A Petrobras não tem uso para isso, mas pode vir a ter", disse o presidente da empresa, Sérgio Gabrielli, a respeito da parte mais rica do gás que foi decomposto para justificar o reajuste de preços. Uma declaração absurda, não uma explicação.
Longe de compor uma ideologia, o conjunto de manifestações revela mesmo é compadrio do governo brasileiro com alguns governos amigos da vizinhança sul-americana.

Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras

Um comentário:

Anônimo disse...

Idéias muito bem postas, texto muitíssimo bem escrito. Que mulher lúcida! Tô boba... Parabéns pra ela!