Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, em viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas.
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segunda-feira, 25 de junho de 2007
749) De embustes e trapaças...
“Das Verdadeiras e Reveladoras Memórias de Alonzo Alferonda”, personagem secundário do romance histórico ambientado na Amsterdã de meados do século XVII, O Mercador de Café (The Coffee Trader; tradução de Alexandre Raposo; Rio de Janeiro: Record, 2004, 384 p.; transcrito da página 371), de David Liss, romancista americano (www.davidliss.com).
Na continuidade da leitura desse romance, e mais próximo do final, deparei com a passagem acima transcrita da obra de David Liss, e achei-a perfeitamente apropriada ao momento que vivemos hoje no Brasil, ou talvez em outras épocas também. Eu sempre achei inacreditável como tantas pessoas aceitam ser enganadas, por discursos mentirosos que soam manifestamente falsos e demagógicos, e acho que sempre atribui esse tipo de comportamento à ignorância dos incautos e despreparados. Talvez não seja exatamente assim, como diz o agiota Alferonda.
É certo que a população humilde, aquela que sempre dá os seus votos para os mesmos embusteiros de sempre, consente em ser enganada, pois espera ser retribuída de alguma forma, antes ou depois das eleições, com alguma compensação material, uma promessa de emprego, uma ajuda financeira, qualquer coisa, sim, como diria a canção do poeta. Considerando a miséria material na qual vivem boa parte dos eleitores, pode ser um comportamente racional essa busca de uma satisfação imediata mesmo na perspectiva altamente enganadora de uma promessa vã, de um aceno com algum benefício futuro, coisas, enfim que eles sabem objetivamente que não serão cumpridas, ou pelo menos não em sua inteireza. Trata-se de um jogo, no qual os eleitores pobres adivinham e sabem que aquele político demagogo e falastrão os está enganando de verdade, mas, ainda assim, eles fingem que acreditam nele, temporariamente, caso a promessa se materialize de alguma forma, ou pelo menos parte dela: um asfalto aqui, um posto de saúde acolá, guarda na esquina para afastar os verdadeiros ladrões – talvez não tão perniciosos quanto os que assaltam apenas armados de canetas e armações clandestinas –, enfim, uma ajudazinha temporária para tornar a vida normal um pouco menos miserável do que ela já, normalmente. Afinal de contas, só existe o período eleitoral para acomodar esse tipo de barganha, quando a população humilde tem algo precioso para o demagogo contumaz, o seu voto absolutamente necessário.
Tudo isso é compreensível e esperado e não deveria nos chocar o mais da conta. Mas, o que dizer de senhores senadores, pessoas de posses, algumas cultivadas – outras nem tanto –, indivíduos calejados ao longo de uma vida inteira de espertezas políticas, muitos ex-governadores e prefeitos, ou até presidentes, o que dizer desses ilustres senhores – algumas senhoras também – que gostam de ser enganados, pedem para ser enganados, consentem voluntariamente em deixar-se seduzir pela mais hedionda mentira, pela mais aberta desfaçatez, pela falcatrua tão evidente que até um garoto de colégio saberia que não pode haver essa coisa de “boi voador”.
Pois é, no lugar de camponeses famintos que se divertem com ciganos e magicos de feira barata, temos membros da elite política do país que não apenas consentem mas são coniventes com a fraude, o embuste, a mentira e a hipocrisia. Eles são coniventes com o crime, para sermos mais exatos, pois é disso que estamos falando. Quanto um membro da honorável sociedade vê a fortuna do seu ilustre colega multiplicar-se de forma inacreditável, como se o dinheiro brotasse em árvores, ele apenas fica admirado da esperteza do colega, e trata de descobrir uma maneira de também enriquecer assim tão rapidamente.
Como pergunta Alferonda: que mal pode haver em algumas moedas mudarem de mão, aparecerem magicamente? Que coisa tão horrível pode haver em se buscar a recompensa por tão nobres e necessários serviços prestados à nação, aos mais humildes em primeiro lugar, que não protestam de modo apropriado frente ao embuste que eles sabem existir em suas ações? Por que tanta reação dos moralistas, quando o que se faz é aquilo que sempre se fez, ainda que de maneira mais discreta em outros tempos?
Também acho que não há nada de surpreendente nisso tudo. Mas, não sei por que não consigo evitar a manifestação de um sentimento que estranhamente me acompanha desde uns tempos para cá:
Asco...
Paulo Roberto de Almeida
(www.pralmeida.org; pralmeida@mac.com)
Brasília, 1760: 125 junho 2007, 2 p.
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