terça-feira, 6 de novembro de 2007

801) Sobre os lucros exorbitantes dos bancos

Sobre os Lucros Extraordinários dos Bancos
Paulo Roberto de Almeida
(www.pralmeida.org)

O jornalista Heródoto Barbeiro entrevistou-me hoje, 6/11/2007, pela manhã, em seu programa da Rádio CBN, “Jornal da CBN, Primeira Edição”. Muitas pessoas me contataram, depois da entrevista, para dizer que tinham gostado do que eu disse e perguntaram-me se eu tinha gravado o programa. Não, não gravei, mas tendo em vista o interesse que a matéria despertou, acabei escrevendo a essência do que eu disse nos parágrafos abaixo.


Os balanços dos cinco primeiros bancos brasileiros apresentaram, nos três primeiros trimestres de 2007, lucros extraordinários, talvez mesmo excepcionais no plano mundial, uma vez que eles representam, simplesmente, um aumento de 90% em relação ao mesmo período de 2006. Ao final de 2007, com a realização de novos ganhos esperados, derivados da venda de ativos e de aplicações nos mercados de ações, é possível, ou talvez até seja muito provável, que esses lucros sejam 100% superiores aos resultados globais de 2006, com o que o governo Lula daria um excelente, mais do que generoso, presente de Natal aos banqueiros. Mas, verificando os números, vemos que o Papai Noel dos banqueiros praticamente já chegou, deixando os demais setores da economia babando de inveja. Como foi isso possível?
Sim: como se explicam esses resultados, em face de ganhos bem mais modestos em outros setores da economia, na indústria ou na agropecuária, por exemplo? Se vocês perguntarem as razões dessa excepcional bonança financeira a algum economista da Febraban, a Federação Brasileira dos Bancos, ele dirá, provavelmente, que as fontes dos ganhos radicam num conjunto positivo de fatores conjugados, de fato inéditos em perspectiva histórica, um tal de “nunca antes” registrado no Brasil: o comportamento favorável da economia, a conjuntura de crescimento em todos os setores, impulsionado pelo aumento do crédito, pelo consumo das famílias, pela confiança dos consumidores, pelas boas políticas macroeconômicas do governo, enfim, sendo modesto em causa própria, pela excelente gestão executiva do setor financeiro.
Trata-se de uma explicação fácil que, se ela revela algumas das fontes dos ganhos, certamente não explica adequadamente as razões dos lucros excepcionais. Se vocês perguntarem, alternativamente, a algum economista de esquerda, ele dirá que os banqueiros continuam a sugar recursos do setor real da economia, que eles são os verdadeiros gigolôs dos brasileiros, com suas taxas de juros excessivas e spreads inaceitáveis nas diversas linhas de crédito. Tampouco essa “acusação” está de todo errada, embora, como no primeiro caso, isso não explique exatamente as fontes dos lucros bancários, excepcionais a qualquer título e para qualquer padrão normal de funcionamento da atividade bancária em países “normais”.
Não, por favor, não peçam nenhuma explicação a algum economista do PT ou mesmo a um senador-economista da nobre bancada parlamentar desse partido: eles simplesmente não estão disponíveis para esse tipo de explicação, pelo menos não desde os gloriosos tempos em que eles se deleitavam em apontar a perniciosa “financeirização” do sistema econômico brasileiro, seja lá o que isso queira dizer e que raios de deformação representaria exatamente esse conceito. O fato é que, em nossos tempos modernos, os economistas petistas se converteram nos aliados mais fiéis do “capitalismo financeiro monopolista”. Monopólio: aí está, talvez, uma das fontes dos ganhos exorbitantes. Curioso que os economistas e dirigentes do PT não se dediquem a desmontar um dos mais rendosos monopólios conhecidos no Brasil desde os tempos do... pau-brasil.
De fato, o lucro extraordinário dos bancos não é nada extraordinário neste país de grandes lucros para grupos que atuam em colusão, visando arrancar renda do resto da população. Creio que não é segredo, nem uma novidade para ninguém, constatar que nosso sistema bancário constitui um dos setores mais oligopolizados e cartelizados da economia nacional. Em vista da concentração bancária extraordinária, não são nada extraordinários, portanto, os altos retornos da intermediação financeira, ou melhor, da “financeirização” do Brasil. Curioso mesmo é o fato fenomenal desse fenômeno desenvolver-se extraordinariamente num governo todo ele voltado para o “social”. Enfim, todos têm direito às suas pequenas contradições filosóficas.
Neste caso específico, trata-se, contudo, de uma gigantesca contradição, não apenas filosófica, mas sobretudo prática, porque os bancos não são apenas os “gigolôs” da sociedade – como diria a saudosa Heloísa Helena –, eles o são, em primeiro lugar, do próprio governo, que lhes remunera generosamente (mas, como há de desconfiar o leitor, somos nós que pagamos). Os bancos são o que são, na economia nacional, em função, basicamente, de trabalharem com o próprio governo, principalmente por meio de aplicações em títulos da dívida pública, que, como todo mundo sabe, remuneram pela SELIC (Serviço Especial de Liquidação e Custódia, mas que poderia levar um nome mais poético, condizente com sua verdadeira função). A despeito dessa taxa ter baixado (oh, que horror) seis pontos no último ano – cada ponto, para tristeza dos banqueiros, lhes retira quase R$ 200 milhões de remuneração fácil – ela, ainda assim, permanece num patamar elevado: a taxa real de 8% é o dobro da taxa de juros média vigente no mundo.
Depois desse grande sorvedouro da poupança privada, processo no qual o governo compete deslealmente com o setor produtivo – sendo ele, de fato, um “despoupador” líquido da renda nacional –, o fator mais importante, em segundo lugar, é o sistema do crédito direto, ele também oligopolizado, of course. Não sei se o nobre leitor (e consumidor) faz alguma idéia do quanto estamos sendo tosquiados, literalmente, pelo sistema de crédito ao consumidor, que se manifesta cada vez que vamos a uma loja de departamentos comprar um bem manufaturado. Estamos aqui em face de uma alquimia jamais conhecida pelos malucos renascentistas da pedra filosofal, que pretendiam transformar os mais vis metais em ouro puro. Eles bem que fariam em tomar uma “máquina do tempo” e fazer um curso rápido com a Febraban.
Os banqueiros amigos do governo tomam dinheiro lá fora – sim, porque aqui dentro isto seria impossível – a 7 ou 8% ao ano e repassam aqui dentro a 100% (ou bem mais ainda, no caso dos cartões de crédito). O que acontece depois deveria chocar as almas mais sensíveis: o incauto consumidor é obrigado a pagar o dobro do preço da mercadoria, yes, o dobro. Trata-se de um típico assalto à mão armada, que se manifesta da forma mais singela possível: é quando a vendedora lhe diz, simpaticamente aliás, que você pode levar o produto num sistema de crédito que lhe contempla, generosamente, com essa maravilha das “seis vezes sem juros”.
Ora, isso representaria chamar aos mais atilados – que são todos os que lêem estas linhas –, de idiotas, pois todos sabemos que não existe essa “coisa de ‘n’ vezes sem juros”. Como diria Milton Friedman, there is no such thing as a free lunch, e se alguém lhe oferecer um, é porque um outro está pagando por isso (no caso você mesmo, esperto leitor). Alto lá, protesta você junto à mocinha da loja: “eu não quero pagar em seis vezes, prefiro comprar à vista”. Bem, mas neste caso, “o preço é o mesmo”, lhe responde ela, sempre sorrindo. Você vai ser ainda mais idiota, e dar todo esse dinheiro ao dono da loja, de uma vez só? Frustrado, você aceita “comprar a prazo”.
Quando você compra um tal produto, caro leitor, na verdade, o que você está comprando é o financiamento, a mais de 100%, claro. O produto é o que menos importa em toda a operação. Esse assalto à mão armada, feito com a total conivência do governo, é o que permite aos bancos os lucros extraordinários que eles têm. Isso só existe porque o Brasil não é um país normal, sendo adepto daquilo que eu já chamei de “teoria da jabuticaba”.
Vejamos a teoria pelo lado do orçamento público. Em qualquer país normal, um governo normalmente constituído, por pessoa não “jabuticabais”, contempla os recursos de que dispõe e realiza a adequação das despesas globais ao volume de receitas previstas, efetivamente. Só no Brasil é que ocorre exatamente o inverso desse processo: o governo primeiro fixa as despesas e só depois vai buscar as receitas onde elas mais existem, ou seja, nos bolsos dos cidadãos e nos caixas das empresas. Aliás, ele nem precisa fazê-lo de modo compulsório: com impostos “eficientes” como a CPMF e os descontos em folha, o dinheiro pinga nas arcas do Tesouro sem que o governo faça o mínimo esforço de ir buscá-lo. Os fiscais servem, em grande medida, para achacar grandes e médios contribuintes, apenas na parte dos impostos declaratórios. Toda essa informalidade, caro leitor, é provocada pelo governo: é ele quem expulsa empresas e cidadãos para o submundo econômico da informalidade, contra a vontade deles.
Com o sistema de crédito ocorre algo similar. Ele não existe, como em países normais, para financiar uma compra qualquer, segundo princípios consagrados do mercado. Ele existe, de fato, para achacar o consumidor, que somos todos nós. Em qualquer país normal, se você deseja comprar uma mercadoria, deveria ter o preço bem à vista, para então decidir se pode, ou não, comprar “à vista”. Em caso negativo, aquele preço é majorado em função de um financiamento anual, com taxas de juros absolutamente transparentes, como ocorre em países normais.
No caso do Brasil, não é bem isso que acontece. O sistema financeiro aplica, na verdade, o sistema inverso: ele calcula quanto o típico cidadão médio – com salário abaixo de 800 reais – pode pagar por mês – digamos 50 reais – e o resto da operação é montado em cima disso, com taxas de juros MENSAIS absolutamente extorsivas. Está feita toda a mágica: com taxas de juros embutidas, banqueiros e lojistas fazem com que você necessariamente pague por dois televisores, mas é claro que você só consegue levar um deles para casa, pois ninguém é bobo nesse sistema jabuticabal. Sinto muito ofendê-lo, caro leitor, mas isso se aplica a mim também: os bancos e os lojistas estão nos chamando de idiotas, com a conivência do governo, é claro, que não coíbe esse tipo de prática que engana os mais humildes e nos torna reféns de um sistema espoliativo.
Compreendeu agora, caro leitor, a teoria da jabuticaba financeira, que permite esses lucros extraordinários aos banqueiros?

Se você estiver interessado em ter mais exemplos da teoria da jabuticaba, eu lhe recomendaria este texto meu e pediria, ao mesmo tempo, que me remetesse mais casos para a minha coleção:
Teoria da jabuticaba, II: estudos de casos”, no site do Instituto Millenium em 5/07/2006.

Texto rascunhado em 6.11 e revisto em 10.11.2007.

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