O Brasil tem vivido, nos últimos anos, a feliz combinação de avanços econômicos e progresso social, em uma escala de que não se tem memória em muitas gerações.
Se não foi espetacular na comparação com os competidores usuais China e Índia, o crescimento da economia nos deixou em situação vantajosa no que se refere, por exemplo, ao emprego: ao contrário dos ‘rivais’, crescemos no mesmo ritmo que nossos empregos e apoiados em prodigiosa expansão do mercado interno, por sua vez ineditamente abastecido por políticas sociais em sentido amplo.
O inglês Richard Titmuss (1907-1973), fundador do campo teórico do Estado de bem-estar, descreveria nosso experimento recente como uma instância do “crescimento social” com que sonhava.
Não que os problemas remanescentes de crescimento social insuficiente tenham sido eliminados: longe disso. Ainda assim, enquanto a minha geração (a geração do ‘milagre’) cresceu embalada na esperança do crescimento econômico, a nova geração parece energizada pela queda da desigualdade e pelo desenvolvimento humano, aspirações mais exigentes, que serão muito provavelmente referências na formação de suas preferências políticas.
Contudo, o Brasil, assim como o homem, não é uma ilha. Desde 2008, o mundo desenvolvido sofre as consequências de uma crise financeira com epicentro nos Estados Unidos e que, como um rastilho, se espalhou pelas economias europeias e, em menor medida, pelas emergentes, agora globalizadas.
É bem verdade que não se pode generalizar a crise para toda a Europa não periférica, pois o estado de bem-estar tem se expandido, em combinação virtuosa com o crescimento econômico, no tradicional modelo de crescimento social da Escandinávia.
Nos Estados Unidos e em vários países da zona do euro, porém, a crise financeira se converteu em crise fiscal e, nessa qualidade, vem consumindo empregos, escolas, clínicas, proteção social, além de aumentar a pobreza e a desigualdade e gerar insegurança.
Os reflexos da crise, mesmo que modestos, já se fazem sentir nas economias periféricas. Até quando serão modestos?
Os reflexos, mesmo que modestos, já se fazem sentir nas economias periféricas. Até quando serão modestos?
Artigo publicado na revista anti-intervencionista The Economist saudava o crescimento apoiado no mercado interno e as políticas brasileiras anticíclicas (que visam suavizar as flutuações no nível da atividade econômica) como muito efetivas para explicar o fato de o Brasil ser o último a entrar e o primeiro a sair da crise de 2008.
No entanto, a crise internacional persiste. Qual exatamente a natureza da crise atual e sua ascendência na crise do mercado imobiliário americano? Quais as possibilidades de reversão? O contágio é evitável? As iniciativas que suavizaram seus efeitos por essas bandas em 2008-2009 podem/devem ser de novo acionadas? Até que ponto estamos vulneráveis à crise por desatenção a fragilidades estruturais que seriam mais propriamente nossas?
Essas e algumas outras questões são tratadas, com perspectivas distintas, pelos economistas Reinaldo Gonçalves, Fernando Cardim de Carvalho e Márcio Garcia em três artigos na CH 289.
Celia Lessa Kerstenetzky
Departamento de Ciência Política
Universidade Federal Fluminense
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