Discurso presidencial de 7 de setembro: minhas observações
Tenho poucas observações ao discurso efetuado pelo presidente da República na noite do dia 6 de setembro de 2025, a propósito das comemorações pelo Sete de Setembro, o dia símbolo de nossa independência. Considero-o correto em sua essência, embora tenha algumas restrições sobre pontos específicos desse pronunciamento, que exponho a seguir.
É relativamente correta colocar sua mensagem à nação no contexto da soberania brasileira, embora ela não esteja em risco de ser alienada nas presentes circunstâncias. Não há nenhuma hipótese de que ela seja violada apenas por manifestações desequilibradas de um dirigente estrangeiro, concretamente o presidente Donald Trump, ainda que elas representem interferências indevidas em assuntos de foro exclusivamente nacional. As agressões concretas sob a forma de sanções econômicas e comerciais podem ser obstadas, contornadas, ou até rebatidas por sanções retaliatórias (embora elas não sejam recomendadas na prática). A ameaça verbal pode ser respondida por manifestação formal da instituição diplomática, por meio de uma nota relembrando simplesmente os termos da Convenção de Viena sobre relações diplomáticas entre Estados soberanos, repudiando, portanto, essa interferência indevida e indelicada.
A soberania brasileira esteve, sim, ameaçada, não por essa declaração unilateral do presidente americano, interferindo em decisões que dependem unicamente do poder judiciário do Brasil, totalmente de acordo à constituição e à legislação brasileira tratando da defesa da democracia, mas por ações do governo anterior, o de Jair Bolsonaro, que, entre 2019 e 2022, alienou a soberania nacional não aos Estados Unidos, mas pessoalmente à figura do mesmo presidente, em seu primeiro mandato. Tanto o presidente, quanto seus principais assessores, entre eles o chanceler acidental, se colocaram de maneira submissa a esse presidente de uma nação estrangeira, cedendo soberania de forma vergonhosa e inédita nos anais da diplomacia e da política externa brasileiras. Essa submissão vergonhosa não alcançou os chefes militares, embora alguns dentre eles seguiram o tresloucado presidente nessa submissão inacreditável ao um dirigente estrangeiro, o que poderia ter sido explorado nesta manifestação de 2025, inclusive como um alerta quanto à improvável, mas possível volta do mesmo vergonhoso dirigente, um verdadeiro traídor da pátria.
As referências seguintes ao nosso antigo status colonial representam o senso comum da nossa trajetória história, mas no plano puramente sociológico cabe reparos a esta afirmação do presidente Lula: “O Brasil tem um único dono: o povo brasileiro”. Trata-se de uma típica manifestação populista, uma vez que sabemos que um país, qualquer país, não tem um único dono, ou então, que esse dono represente o conjunto da coletividade nacional, quando a realidade é que não há uma relação de posse, ou de propriedade, centrado numa categoria geral da população inteira do país. Essa “propriedade” é fragmentada por diferentes categorias sociais, estratos da população, cujo patrimônio, material e imaterial, político ou econômico, é fragmentado nos fragmentos humanos e institucionais que dividem o controle parcial e temporário das diversas alavancas de poder legítimo no país.
Está correta a condenação aos políticos e outras personalidades que alienam a nossa soberania a um dirigente estrangeiro, mas que sobretudo atuam decisivamente contra os interesses nacionais, na área econômica e jurídica. Eles devem ser processados e condenados por esses atos vergonhosos e, como decorrência de decisões plenamente fundamentadas na legislação, afastados de qualquer possibilidade de ter continuidade na política nacional.
Suas outras declarações sobre medidas governamentais estão clara e diretamente relacionadas à política nacional, reafirmando, de diversas maneiras, medidas que estão sendo implementadas em meio a controvérsias não apenas entre políticos, mas entre economistas igualmente, dados seus efeitos contraditórios sobre as possibilidades de manutenção de um processo sustentado de crescimento econômico e de distribuição social de seus resultados. Com efeito, não custa relembrar que políticas econômicas, macro ou setoriais, exercem impactos diversos sobre os diferentes extratos da população, e podem afetar diversamente empresários, trabalhadores ou grupos sociais assistindo pelo poder estatal.
Não cabe aqui fazer uma análise sobre as razões da longa estagnação da economia brasileira desde as crises do petróleo e da dívida externa, nas décadas de 1970 e 1980 do século passado, em grande medida agravada pelo peso desmesurado do Estado sobre o conjunto da economia. Mas é um fato de que a carga fiscal, o intervencionismo estatal e o protecionismo comercial, ademais da baixa qualidade do ensino público, nos ciclos fundamental e técnico-profissional, são responsáveis pelo baixo dinamismo da economia e pelos desequilíbrios econômicos impostos a diferentes grupos sociais. Não existe nenhuma dúvida, tampouco, que o Brasil é um dos países mais desiguais dentre as economias de mercado, mas ainda mantendo as mesmas políticas e medidas governamentais que consolidam, congelam e até ampliam a desigual repartição de renda entre a população. O discurso falsamente igualitário sobre os privilégios dos ricos não encontra repercussão nas medidas práticas, a não ser a continuidade das mesmas políticas assistencialistas a cargo do Estado que são a marca registrada do PT e do seu presidente de honra.
Em conclusão, com o diferencial da defesa da soberania, politicamente exagerada neste pronunciamento por razões circunstanciais, os demais elementos componentes desta manifestação de Lula são plenamente aceitáveis no atual contexto político de uma nítida polarização do ambiente eleitoral do Brasil. Não creio que a manifestação em si tenha o poder de diminuir os contenciosos já evidentes na presente quadra da política nacional, o que antecipa um ambiente já plenamente dividido entre as duas grandes tendências da política concreta, em descompasso com as aspirações prováveis da maioria da população, no sentido da superação do divisionismo estéril que caracteriza a vida nacional em 2025 (e, com toda a probabilidade, em 2026).
Confira o discurso de Lula na íntegra:
Querido povo brasileiro, amanhã, 7 de setembro, é dia de celebrarmos a Independência do Brasil. É uma boa hora para a gente falar de soberania.
O 7 de setembro representa o momento em que deixamos de ser colônia e passamos a conquistar nossa independência, nossa liberdade e nossa soberania.
Na época da colonização, nosso ouro, nossas madeiras, nossas pedras preciosas, nada disso pertencia ao povo brasileiro. Toda nossa riqueza ia embora do Brasil para ajudar a enriquecer outros países.
Mais de 200 anos se passaram e nós nos tornamos soberanos. Não somos e não seremos novamente colônia de ninguém. Somos capazes de governar e de cuidar da nossa terra e da nossa gente, sem interferência de nenhum governo estrangeiro.
Mantemos relações amigáveis com todos os países, mas não aceitamos ordens de quem quer que seja. O Brasil tem um único dono: o povo brasileiro.
Por isso, defendemos nossas riquezas, nosso meio ambiente, nossas instituições. Defendemos nossa democracia e resistiremos a qualquer um que tente golpeá-la.
É inadmissível o papel de alguns políticos brasileiros que estimulam os ataques ao Brasil. Foram eleitos para trabalhar pelo povo brasileiro, mas defendem apenas seus interesses pessoais. São traidores da pátria. A História não os perdoará.
Minhas amigas e meus amigos, a soberania pode parecer uma coisa muito distante, mas ela está no dia a dia da gente. Está na defesa da democracia e no combate à desigualdade, a todas as formas de privilégios de poucos em detrimento do direito de muitos. Está na proteção das conquistas dos trabalhadores, no apoio aos jovens para que eles tenham um futuro melhor, na criação de oportunidades para os empreendedores e nos programas que ajudam os mais necessitados.
Se temos direito a essas políticas públicas, é porque o Brasil é um país soberano e tomou a decisão de cuidar do povo brasileiro.
Minhas amigas e meus amigos, um país soberano é um país fora do Mapa da Fome, que zera o Imposto de Renda de quem ganha até R$ 5 mil enquanto taxa os super-ricos que hoje não pagam quase nada. Que cresce acima da média mundial e registra menor índice de desemprego de todos os tempos. Um país com a coragem de fazer a maior operação contra o crime organizado da história, sem se importar com o tamanho da conta bancária dos criminosos.
Este país soberano e independente se chama Brasil.
Minhas amigas e meus amigos, desde o início do nosso governo, concentramos esforços na abertura de novas parcerias comerciais. Em apenas dois anos e oito meses, abrimos mais de 400 novos mercados para as nossas exportações. Defendemos o livre comércio, a paz, o multilateralismo e a harmonia entre as nações, mas nunca abriremos mão da nossa soberania.
Defender nossa soberania é defender o Brasil.
Cuidamos como ninguém do nosso meio ambiente. Reduzimos pela metade o desmatamento na Amazônia, que, em novembro, vai sediar a COP30, maior conferência mundial sobre o clima.
Defendemos o PIX de qualquer tentativa de privatização. O PIX é do Brasil. É público, é gratuito e vai continuar assim.
Reconhecemos a importância das redes digitais. Elas oferecem informação, conhecimento, trabalho e diversão para milhões de brasileiros, mas não estão acima da lei. As redes digitais não podem continuar sendo usadas para espalhar fake news e discurso de ódio. Não podem dar espaço à prática de crimes como golpes financeiros, exploração sexual de crianças e adolescentes e incentivo ao racismo e à violência contra as mulheres.
Zelamos pelo cumprimento da nossa Constituição, que estabelece a independência entre os Três Poderes. Isso significa que o presidente do Brasil não pode interferir nas decisões da justiça brasileira, ao contrário do que querem impor ao nosso país.
Minhas amigas e meus amigos, este é o momento em que a História nos pergunta de que lado estamos. O Governo do Brasil está do lado do povo brasileiro. Povo que acorda cedo, todos os dias, para trabalhar pela prosperidade da sua família.
Este é o momento da união de todos em defesa do que pertence a todos: a nossa Pátria brasileira e as cores da bandeira do nosso país.
A História nos coloca diante de um grande desafio e pergunta se somos capazes de enfrentá-lo. E nós dizemos: sim. Temos fé, experiência e coragem para seguir cuidando do nosso futuro e da esperança da nossa gente.
Que Deus abençoe o Brasil.
Um abraço, e feliz Dia da Independência.
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