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quarta-feira, 22 de setembro de 2021

G4, mais uma tentativa inutil para reformar o Grand Machin - Nota do MRE e Paulo Roberto de Almeida

 Desde o início, ainda em 2004 ou pouco depois disso, eu considerei contraprodutiva a constituição desse grupo, que em minha opinião mais afastava do que aproximava o Brasil de seu objetivo último: reformar a Carta da ONU, ampliar o seu Conselho de Segurança e colocar o Brasil como membro permanente do CS dessa “grande geringonça”, como o general De Gaullese referia à ONU.

Eu dizia que era melhor o Brasil estar sozinho nos esforços do que unir-se a países com problemas e obstáculos muito maiores do que os nossos, como era manifestamente o caso de Japão, Índia e mesmo Alemanha.

O chanceler do lulopetismo tinha verdadeiro ódio por eu expressar tal opinião, publicamente e sem restrições.

Paulo Roberto de Almeida 


Ministério das Relações Exteriores

Departamento de Comunicação Social

 

 

Nota nº 116

22 de setembro de 2021

 

Comunicado Conjunto da Reunião Ministerial do G4 – Nova York, 22 de setembro de 2021

 

1. Em 22 de setembro de 2021, os chanceleres dos países do G4, Exmo. Sr. Carlos Alberto Franco França, Ministro das Relações Exteriores do Brasil, Exmo. Sr. Heiko Maas, Ministro Federal do Exterior da Alemanha, Exmo. Sr. Subrahmanyam Jaishankar, Ministro dos Negócios Exteriores da Índia, e Exmo. Sr. Motegi Toshimitsu, Ministro dos Negócios Estrangeiros do Japão, reuniram-se durante a 76a sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas (AGNU), em Nova York. Os Ministros sublinharam a urgência da reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas, de modo a torná-lo mais legítimo, eficaz e representativo, ao refletir a realidade do mundo contemporâneo, incluindo países em desenvolvimento e os principais contribuintes.

2. Os Ministros do G4, ao passarem em revista os trabalhos da 75a Sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas, acolheram que, em sua Decisão 75/569, a Assembleia refletiu o comprometimento de todos os Chefes de Estado e Governo em “injetar vida nova nas discussões sobre a reforma do Conselho de Segurança”, conforme mencionado na Declaração de comemoração do 75o aniversário das Nações Unidas (A/RES/75/1). Nesse contexto, os Ministros celebraram, também, a prontidão do Secretário-Geral da ONU em oferecer o apoio necessário à reforma, segundo expresso em seu relatório “Nossa Agenda Comum”, de 10 de setembro de 2021. Os Ministros acolheram, ainda, o fato que o Documento de Elementos preparado pelas cofacilitadoras das Negociações Intergovernamentais (IGN) apresentou avanços, com atribuições parciais das posições e propostas dos Estados Membros.

3. Os Ministros do G4 expressaram sua forte determinação em trabalhar para o lançamento, sem delongas, de negociações baseadas em texto no âmbito das IGN, com base em um documento único, com vistas à sua adoção pela Assembleia Geral. Para este fim, os Ministros instruíram suas delegações junto às Nações Unidas a apoiarem os esforços do Presidente da 76a sessão da AGNU e das cofacilitadoras das IGN, assim como a identificarem caminhos para se elaborar documento único e consolidado, que servirá de base para projeto de resolução. Os Ministros decidiram intensificar o diálogo com todos os Estados Membros interessados, incluindo outros países e grupos alinhados à defesa da reforma do Conselho, com o objetivo de buscar conjuntamente resultados concretos em um prazo determinado. 

4. Os Ministros reafirmaram o caráter indispensável da reforma do Conselho de Segurança, por meio da expansão de ambas as categorias de assentos, permanentes e não-permanentes, de modo a habilitar o Conselho a lidar com a complexidade e os crescentes desafios à manutenção da paz e segurança internacionais, e assim, exercer seu papel de maneira mais efetiva. Nesse contexto, os Ministros expressaram seu firme apoio à Posição Comum Africana (CAP), conforme estabelecida no Consenso de Ezulwini e a Declaração de Sirte.

5. Os Ministros do G4 reiteraram seu apoio às candidaturas dos membros do grupo a novos assentos permanentes em um Conselho de Segurança reformado.

 

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G4 Ministerial Joint Press Statement

1. On 22 September 2021 the Foreign Ministers of the G4 countries, H.E. Mr. Carlos Alberto Franco França, Foreign Minister of Brazil, H.E. Mr. Heiko Maas, Federal Foreign Minister of Germany, H.E. Dr. Subrahmanyam Jaishankar, Minister for External Affairs of India, and H.E. Mr. Motegi Toshimitsu, Minister for Foreign Affairs of Japan, met during the 76th session of the United Nations General Assembly in New York. The Ministers underlined the urgency of reforming the Security Council in order to make it more legitimate, effective and representative by reflecting the reality of the contemporary world including developing countries and major contributors.

2. The G4 Ministers, reviewing the work of the 75th session of the United Nations General Assembly, welcomed that the Assembly reflected in its Decision 75/569 the commitment of all Heads of State and Government to “instil new life in the discussions on the reform of the Security Council”, as mentioned in the Declaration on the commemoration of the 75th anniversary of the United Nations (A/RES/75/1). In this context, the Ministers also welcomed the readiness of the UN Secretary-General to provide necessary support, as expressed in his report “Our Common Agenda” of 10th September 2021. The Ministers further welcomed that the Elements Paper prepared by the Co-Chairs of the Intergovernmental Negotiations (IGN) has evolved, with partial attributions of the positions and proposals of Member States.

3. The G4 Ministers expressed their strong determination to work towards launching text-based negotiations without further delay in the IGN, on the basis of a single document, with a view to its adoption in the General Assembly. The Ministers instructed, to this end, their delegations to the United Nations to support the efforts of the President of the 76th General Assembly and the Chair(s) of the IGN, and to identify ways to develop a single consolidated text as a basis for a draft resolution. The Ministers decided to intensify dialogue with all interested Member States, including other reform-minded countries and groups, in order to seek concrete outcomes in a definite time-frame.

4. The G4 Ministers reaffirmed that it is indispensable to reform the Security Council through an expansion of both categories, permanent and non-permanent seats, to enable the Security Council to better deal with the ever-complex and evolving challenges to the maintenance of international peace and security, and thereby to carry out its duties more effectively. In this context, the Ministers expressed their strong support to the Common African Position (CAP) as enshrined in the Ezulwini Consensus and the Sirte Declaration.

5. The G4 Ministers reiterated their support for each other’s candidatures as aspiring new permanent members in a reformed Security Council.

[Nota publicada em: https://www.gov.br/mre/pt-br/canais_atendimento/imprensa/notas-a-imprensa/comunicado-conjunto-da-reuniao-ministerial-do-g4-2013-nova-york-22-de-setembro-de-2021 ]

terça-feira, 11 de junho de 2019

CSNU: aplicação imediata no Brasil de suas resoluções: Lei 13.810, de 8/03/2019

LEI Nº 13.810, DE 8 DE MARÇO DE 2019

Dispõe sobre o cumprimento de sanções impostas por resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas, incluída a indisponibilidade de ativos de pessoas naturais e jurídicas e de entidades, e a designação nacional de pessoas investigadas ou acusadas de terrorismo, de seu financiamento ou de atos a ele correlacionados; e revoga a Lei nº 13.170, de 16 de outubro de 2015.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
CAPÍTULO I
DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 1º Esta Lei dispõe sobre o cumprimento de sanções impostas por resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas, incluída a indisponibilidade de ativos de pessoas naturais e jurídicas e de entidades, e a designação nacional de pessoas investigadas ou acusadas de terrorismo, de seu financiamento ou de atos a ele correlacionados.
Art. 2º Para fins do disposto nesta Lei, considera-se:
I - ativos: bens, direitos, valores, fundos, recursos ou serviços, de qualquer natureza, financeiros ou não;
II - indisponibilidade de ativos: proibição de transferir, converter, trasladar, disponibilizar ativos, ou deles dispor, direta ou indiretamente;
III - fundamentos objetivos: existência de indícios ou provas da prática de terrorismo, de seu financiamento ou de atos a ele correlacionados, por pessoa natural ou por intermédio de pessoa jurídica ou entidade, conforme disposto naLei nº 13.260, de 16 de março de 2016 ;
IV - entidades: arranjos ou estruturas legais que não possuem personalidade jurídica, tais como fundos ou clubes de investimento; e
V - sem demora: imediatamente ou dentro de algumas horas.
Art. 3º A indisponibilidade de ativos de que trata esta Lei ocorrerá nas seguintes hipóteses:
I - por execução de resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas ou por designações de seus comitês de sanções; ou
II - a requerimento de autoridade central estrangeira, desde que o pedido de indisponibilidade esteja de acordo com os princípios legais aplicáveis e apresente fundamentos objetivos para exclusivamente atender aos critérios de designação estabelecidos em resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas ou de seus comitês de sanções.
Art. 4º A indisponibilidade de ativos não constitui a perda do direito de propriedade.
Art. 5º São nulos e ineficazes atos de disposição relacionados aos ativos indisponibilizados com fundamento nesta Lei, ressalvados os direitos de terceiro de boafé.
CAPÍTULO II
DA EXECUÇÃO DE RESOLUÇÕES DO CONSELHO DE SEGURANÇA DAS NAÇÕES UNIDAS OU DE DESIGNAÇÕES DE SEUS COMITÊS DE SANÇÕES
Seção I
 Do Cumprimento Imediato
Art. 6º As resoluções sancionatórias do Conselho de Segurança das Nações Unidas e as designações de seus comitês de sanções são dotadas de executoriedade imediata na República Federativa do Brasil.
Parágrafo único. (VETADO).
Art. 7º Sem prejuízo da obrigação de cumprimento imediato das resoluções sancionatórias do Conselho de Segurança das Nações Unidas e das designações de seus comitês de sanções, as resoluções e as designações de que trata este Capítulo, ou seus extratos, serão publicadas no Diário Oficial da União pelo Ministério das Relações Exteriores, em língua portuguesa, para fins de publicidade.
Art. 8º É vedado a todos os brasileiros, residentes ou não, ou a pessoas naturais, pessoas jurídicas ou entidades em território brasileiro, descumprir, por ação ou omissão, sanções impostas por resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas ou por designações de seus comitês de sanções, em benefício de pessoas naturais, pessoas jurídicas ou entidades sancionadas, inclusive para disponibilizar ativos, direta ou indiretamente, em favor dessas pessoas ou entidades.
Parágrafo único. A vedação de que trata o caput deste artigo aplica-se aos órgãos dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e às entidades da administração pública indireta.
Art. 9º As pessoas naturais e jurídicas de que trata o art. 9º da Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998 , cumprirão, sem demora e sem prévio aviso aos sancionados, as resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas ou as designações de seus comitês de sanções que determinem a indisponibilidade de ativos de titularidade, direta ou indireta, de pessoas físicas, de pessoas jurídicas ou de entidades submetidas a sanções decorrentes de tais resoluções, na forma e nas condições definidas por seu órgão regulador ou fiscalizador.
Art. 10. Sem prejuízo da obrigação de cumprimento imediato, o Ministério da Justiça e Segurança Pública comunicará, sem demora, as sanções de:
I - indisponibilidade de ativos aos órgãos reguladores ou fiscalizadores, para que comuniquem imediatamente às pessoas naturais ou jurídicas de que trata oart. 9º da Lei nº 9.613, de 3 março de 1998.
II - restrições à entrada de pessoas no território nacional, ou à saída dele, à Polícia Federal, para que adote providências imediatas de comunicação às empresas de transporte internacional; e
III - restrições à importação ou à exportação de bens à Secretaria Especial da Receita Federal do Ministério da Economia, à Polícia Federal e às Capitanias dos Portos, para que adotem providências imediatas de comunicação às administrações aeroportuárias, às empresas aéreas e às autoridades e operadores portuários.
§ 1º A comunicação a que se refere o inciso I do caput deste artigo será dirigida pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, também, para cumprimento sem demora:
I - às corregedorias de justiça dos Estados e do Distrito Federal;
II - à Agência Nacional de Aviação Civil;
III - ao Departamento Nacional de Trânsito do Ministério do Desenvolvimento Regional;
IV - às Capitanias dos Portos;
V - à Agência Nacional de Telecomunicações; e
VI - aos outros órgãos de registro público competentes.
§ 2º As comunicações de que trata este artigo poderão ser feitas por via eletrônica, com confirmação de recebimento.
Art. 11. A indisponibilidade de ativos e as tentativas de sua transferência relacionadas às pessoas naturais, às pessoas jurídicas ou às entidades sancionadas por resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas ou por designações de seus comitês de sanções serão comunicadas ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, aos órgãos reguladores ou fiscalizadores das pessoas naturais ou das pessoas jurídicas de que trata o art. 9º da Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998, e ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras.
Seção II
Do Auxílio Direto Judicial
Art. 12. Na hipótese de haver informações sobre a existência de ativos sujeitos à indisponibilidade ou de pessoas e bens sujeitos a outra espécie de sanção determinada em resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas ou em designações de seus comitês de sanções, sem que tenha ocorrido seu cumprimento na forma da Seção I deste Capítulo, a União ingressará, sem demora, com auxílio direto judicial para obtê-la. Parágrafo único. As pessoas naturais e as pessoas jurídicas de que trata o art. 9º da Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998 , na forma e nas condições definidas por seu órgão regulador ou fiscalizador, e os órgãos e as entidades referidos no art. 10 desta Lei informarão, sem demora, ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, a existência de pessoas e ativos sujeitos à sanção e as razões pelas quais deixaram de cumpri-la.
Art. 13. O Ministério da Justiça e Segurança Pública comunicará, sem demora, a existência de ativos sujeitos à indisponibilidade ou de pessoas e bens sujeitos a outra espécie de sanção à Advocacia-Geral da União, para que promova, sem demora, o auxílio direto judicial.
Art. 14. Instruído o pedido com os elementos a que se refere o art. 12 desta Lei, o juiz determinará, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, contado da data do recebimento dos autos, e sem a prévia oitiva do requerido, as medidas pertinentes para cumprimento da sanção. Parágrafo único. Da determinação de que trata o caput deste artigo serão intimados para ciência e cumprimento da decisão as partes, os órgãos e as entidades referidos no art. 10 desta Lei e, caso seja necessário, a pessoa natural ou jurídica que informou a existência de pessoas ou de ativos sujeitos à sanção.
Art. 15. O juiz ordenará a citação do requerido para, caso deseje, impugnar a determinação no prazo de 15 (quinze) dias, contado da data da citação.
§ 1º A impugnação de que trata o caput deste artigo não terá efeito suspensivo e versará somente sobre:
I - homonímia;
II - erro na identificação do requerido ou dos ativos que sejam objeto de sanção;
III - exclusão do requerido da lista de sanções, por força de resolução proferida pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas ou por designação de seus comitês de sanções; ou
IV - expiração do prazo de vigência do regime de sanções.
§ 2º A União será ouvida sobre a impugnação no prazo de 15 (quinze) dias, contado da data da intimação.
Art. 16. Havendo ou não a impugnação, o juiz proferirá sentença. Parágrafo único. Intimados as partes, os órgãos e as entidades referidos no art. 10 desta Lei e, caso seja necessário, a pessoa natural ou jurídica que informou a existência dos ativos sujeitos à sanção, e se não houver interposição de recurso, os autos serão arquivados.
Art. 17. Na hipótese de sobrevir a exclusão posterior do requerido da ação originária da lista de pessoas sujeitas ao regime de sanções ou qualquer outra razão que, segundo o Conselho de Segurança das Nações Unidas ou seus comitês de sanções, fundamente a revogação da sanção, as partes poderão ingressar com ação revisional do que foi estatuído na sentença.
CAPÍTULO III
DO AUXÍLIO DIRETO JUDICIAL A REQUERIMENTO DE AUTORIDADE CENTRAL ESTRANGEIRA
Art. 18. A União poderá ingressar com auxílio direto judicial para indisponibilidade de ativos, a requerimento de autoridade central estrangeira, de modo a assegurar o resultado de investigações administrativas ou criminais e ações em curso em jurisdição estrangeira em face de terrorismo, de seu financiamento ou de atos a ele correlacionados.
§ 1º O Ministério da Justiça e Segurança Pública, em coordenação com o Ministério das Relações Exteriores, verificará, sem demora, se o requerimento de indisponibilidade de ativos formulado por autoridade central estrangeira está de acordo com os princípios legais aplicáveis e apresenta fundamentos objetivos para o seu atendimento.
§ 2º Verificado que o requerimento da autoridade central estrangeira está de acordo com os princípios legais aplicáveis e apresenta fundamentos objetivos para o seu atendimento, o Ministério da Justiça e Segurança Pública encaminhará, sem demora, o requerimento à Advocacia-Geral da União, para que promova, sem demora, o auxílio direto judicial, se houver elementos que demonstrem a existência, na República Federativa do Brasil, de ativos sujeitos à medida de indisponibilidade.
Art. 19. Aplica-se o disposto no art. 14, nos incisos I e II do § 1º e no § 2º do art. 15 e no art. 16 desta Lei ao auxílio direto judicial. Parágrafo único. A impugnação de que trata o art. 15 desta Lei poderá versar também sobre a ausência de fundamentos objetivos para estabelecer a relação entre os ativos e os fatos investigados.
Art. 20. Compete ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, em consulta com a autoridade central estrangeira, informar a Advocacia-Geral da União sobre a situação da investigação ou da ação.
Art. 21. Na hipótese de a autoridade central estrangeira informar que não é mais necessária a indisponibilidade de ativos, as partes poderão ingressar com ação revisional do que foi estatuído na sentença.
Art. 22. Aplica-se, no que couber, o auxílio direto judicial para atender a requerimento de autoridade central estrangeira que tenha por objetivo promover comunicações de atos processuais e obter outras medidas cautelares ou provas necessárias à investigação criminal ou às ações criminais em curso em outro país relativas ao financiamento ou apoio a atos terroristas, nos termos das alíneas "e" e "f" do item 2 da Resolução 1373 (2001) do Conselho de Segurança das Nações Unidas, de que trata o Decreto nº 3.976, de 18 de outubro de 2001.
Parágrafo único. No caso de auxílio direto para a prática de atos que não necessitem de prestação jurisdicional, o Ministério da Justiça e Segurança Pública adotará as providências necessárias para seu cumprimento.
Art. 23. O Ministério da Justiça e Segurança Pública informará à autoridade central estrangeira requerente:
I - as medidas adotadas; ou
II - a ausência de fundamentos objetivos para possibilitar o atendimento do requerimento.
CAPÍTULO IV
DAS DESIGNAÇÕES NACIONAIS
Art. 24. A União será intimada pelo juiz, de ofício, de decisões que decretem medidas assecuratórias de bens, direitos ou valores de pessoas investigadas ou acusadas, ou existentes em nome de pessoas interpostas, que sejam instrumento, produto ou proveito dos crimes de terrorismo, nos termos do art. 12 da Lei nº 13.260, de 16 de março de 2016 , para que adote, caso seja necessário, as providências de designação nacional perante o Conselho de Segurança das Nações Unidas ou seu comitê de sanções pertinente.
§ 1º A Advocacia-Geral da União comunicará a decisão ao Ministério da Justiça e Segurança Pública e ao Ministério das Relações Exteriores, para que deliberem sobre a designação nacional e, caso seja necessário, comuniquem-na, sem demora, ao Conselho de Segurança das Nações Unidas ou ao seu comitê de sanções pertinente.
§ 2º A designação nacional será acompanhada dos elementos que a fundamentem, de acordo com o procedimento estabelecido na resolução correspondente do Conselho de Segurança das Nações Unidas.
CAPÍTULO V
 DISPOSIÇÕES FINAIS
Art. 25. Os órgãos reguladores ou fiscalizadores das pessoas naturais ou jurídicas a que se refere o art. 9º da Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998 , editarão as normas necessárias ao cumprimento das disposições desta Lei. Parágrafo único. Cabe aos órgãos reguladores ou fiscalizadores orientar, supervisionar e fiscalizar o cumprimento das medidas de indisponibilidade de ativos pelas pessoas naturais ou pelas pessoas jurídicas de que trata o art. 9º da Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998 , e aplicar as penalidades administrativas cabíveis.
Art. 26. O Ministério da Justiça e Segurança Pública manterá lista de pessoas naturais e jurídicas e entidades cujos ativos estão sujeitos à indisponibilidade em decorrência de resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas ou de designação de seus comitês de sanções, de requerimento de outro país ou de designação nacional.
Art. 27. Qualquer pessoa natural ou jurídica ou entidade sancionada em decorrência de resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas ou de designação de seus comitês de sanções poderá solicitar a sua exclusão das listas de sanções.
§ 1º A solicitação de exclusão será fundamentada, com vistas a atender aos critérios estabelecidos na resolução pertinente do Conselho de Segurança das Nações Unidas ou de designação de seus comitês de sanções, e encaminhada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública.
§ 2º Analisada a solicitação de exclusão, o Ministério da Justiça e Segurança Pública deverá encaminhá-la ao Ministério das Relações Exteriores, que a transmitirá ao Conselho de Segurança das Nações Unidas ou ao comitê de sanções pertinente para sua deliberação.
Art. 28. Os ativos indisponibilizados poderão ser parcialmente liberados, caso necessário, para o custeio de despesas ordinárias ou extraordinárias.
§ 1º Para fins do disposto neste artigo, consideram-se despesas ordinárias, entre outras:
I - despesas básicas com alimentos, aluguéis, hipotecas, medicamentos, tratamentos médicos, impostos, seguros e tarifas de serviços públicos;
II - pagamento de honorários profissionais de montante razoável e reembolso de gastos efetuados com a prestação de serviços jurídicos; e
III - pagamento de taxas ou encargos relacionados com a administração e a manutenção ordinárias de fundos ou de outros ativos ou recursos indisponíveis.
§ 2º Na hipótese de pessoas naturais, pessoas jurídicas ou entidades incluídas nas listas de sanções do Conselho de Segurança das Nações Unidas ou de designação de seus comitês de sanções, a liberação parcial dos ativos bloqueados será autorizada:
I - para o custeio de despesas ordinárias, após notificação do Conselho de Segurança das Nações Unidas ou do seu comitê de sanções competente, sem que tenha havido objeção no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, contado da data da notificação; e
II - para o custeio de despesas extraordinárias, após notificação e aprovação pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas ou pelo seu comitê de sanções competente.
§ 3º Nas hipóteses de indisponibilidade de ativos decorrente de requerimento de autoridade central estrangeira ou de ordem judicial brasileira, a liberação parcial compete ao juiz que decidiu sobre a indisponibilidade, do que será intimada a União, com vistas à comunicação ao Conselho de Segurança das Nações Unidas ou a seu comitê de sanções competente.
Art. 29. As medidas de auxílio direto judicial previstas nesta Lei tramitarão sob segredo de justiça.
Art. 30. Nas hipóteses de os ativos estarem sujeitos a qualquer grau de deterioração ou depreciação ou de haver dificuldade para sua manutenção, poderá ser requerida ao juízo competente a alienação antecipada dos ativos declarados indisponíveis para a preservação de seus valores.
§ 1º O interessado será intimado da avaliação dos ativos para, caso deseje, manifestar-se no prazo de 10 (dez) dias, contado da data da intimação.
§ 2º Feita a avaliação dos ativos e dirimidas eventuais divergências sobre o valor a eles atribuído, será determinada a sua alienação em leilão ou pregão, preferencialmente eletrônico, por valor não inferior a 75% (setenta e cinco por cento) do valor atribuído pela avaliação.
§ 3º Realizado o leilão ou o pregão, a quantia apurada será depositada em conta bancária remunerada.
§ 4º Serão deduzidos da quantia apurada no leilão ou no pregão os tributos e as multas incidentes sobre o ativo alienado.
Art. 31. Será designada pessoa qualificada para a administração, a guarda ou a custódia dos ativos indisponibilizados, caso necessário.
§ 1º Aplicam-se à pessoa designada para os fins do disposto no caput deste artigo, no que couber, as disposições legais relativas ao administrador judicial.
§ 2º No caso de ativos financeiros, a sua administração caberá às instituições em que se encontrem, com incidência do bloqueio dos juros e de outros frutos civis e rendimentos decorrentes do contrato.
Art. 32. O Ministério da Justiça e Segurança Pública comunicará:
I - ao Ministério Público Federal e à Polícia Federal as medidas de indisponibilidade de ativos adotadas e as tentativas de transferência relacionadas às pessoas naturais, às pessoas jurídicas ou às entidades designadas, para avaliação de abertura ou não de investigação criminal; e
II - ao Ministério das Relações Exteriores as medidas de indisponibilidade de ativos adotadas em cumprimento das resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas ou de designações de seus comitês de sanções, para conhecimento e comunicação ao respectivo organismo internacional.
Art. 33. Aplicam-se subsidiariamente a esta Lei, no que couber, as disposições da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), e do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal).
Art. 34. O Poder Executivo federal regulamentará esta Lei no prazo de 90 (noventa) dias, contado da data de sua publicação.
Art. 36. Esta Lei entra em vigor após decorridos 90 (noventa) dias de sua publicação oficial.

Brasília, 8 de março de 2019; 198º da Independência e 131º da República.
JAIR MESSIAS BOLSONARO 
Sérgio Moro 
Ernesto Henrique Fraga Araújo 
André Luiz de Almeida Mendonça

Este texto não substitui o publicado no DOU de 8.3.2019 - Edição extra

domingo, 22 de outubro de 2017

O Brasil e o Conselho de Seguranca da ONU (2003) - Paulo Roberto de Almeida

Em meados de 2003, um jornalista pediu minha opinião, e enviou-me um questionário completo sobre essa questão que frequenta a agenda diplomática brasileira de forma intermitente desde, praticamente, 1945, com alguns rebrotes aqui e ali.
Nesse mesmo ano, por ocasião da Assembleia Geral de setembro, o presidente Lula voltava a colocar a candidatura brasileira a uma cadeira permanente no CSNU, certamente estimulado pelo seu chanceler, depois que FHC e Lampreia tinham deixado o assunto meio no limbo.
Até hoje não se realizou essa reforma e a ampliação do CSNU, e tenho por mim que não se realizará tão cedo. Aliás, não dou a menor importância para o assunto, que não me parece prioritário na agenda interna e externa do Brasil.
Em todo caso, eis o que eu pensava (e ainda devo pensar da mesma forma) em julho de 2003.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 22/10/2017


O Brasil e o Conselho de Segurança da ONU: 
um caso em aberto

Paulo Roberto de Almeida
Filadélfia, 3 de julho, e Washington, 4 de julho de 2003

Considerações gerais:
Comecemos pela sua pergunta básica: se a candidatura do Brasil para um assento permanente no CSNU seria “um projecto irrealista na atual conjuntura de ‘unilateralismo’ americano.”
Não creio que o problema do “unilateralismo” americano (que deve perdurar pelo futuro imprevisível) seja um impedimento absoluto a qualquer projeto de reforma da Carta das Nações Unidas e, com ela, a ampliação do CSNU. Eventuais modificações nessa Carta não são dependentes do comportamento específico dos EUA, pelo menos não no longo prazo e dentro de parâmetros que não são dados, todos, pela atitude exclusiva dos EUA em relação aos projetos de reforma do Conselho, mas dependem de uma série de outras variáveis, nem todas redutíveis à ação ou postura de um único ator, por mais poderoso que este seja.
Demandas pela reforma da ONU, em especial de seu Conselho, vêm se arrastando desde antes do final da Guerra Fria – quando começaram as pressões, discretas, para a incorporação da Alemanha e do Japão – e vêm conhecendo um ritmo aleatório desde então, com fases de avanço relativo e outras de relativa estagnação, independentemente das atitudes ocasionais de um ou outro dos grandes atores. Esse processo de reforma, que é antes de mais nada, um lento e cansativo processo de discussões, consultas discretas e demandas abertas, tem conhecido um itinerário de percalços e de avanços sempre perturbados por discordâncias globais e desacordos parciais, nem todos eles determinados pelos principais atores. Em algumas épocas, ele figurou no topo da agenda, em outros foi empurrado pouco gloriosamente para baixo do tapete, mas uma constatação básica é que se trata de uma complexa e difícil negociação envolvendo os principais países candidatos, os membros permanentes do CSNU e um número variável de atores secundários que ainda assim têm o poder de bloquear o processo, na medida em que ele requer o quase consenso dos países membros da ONU.
Resumindo essa questão básica: os EUA podem ser “unilateralistas” ou, ao contrário, “multilateralistas” assumidos, e ainda assim adotar uma atitude pró ou contra qualquer reforma do Conselho que lhes pareça não condizente com os seus interesses de médio e longo prazo, assim como países menos “poderosos”, como por exemplo a França e a Grã-Bretanha, podem opor-se discretamente a essa reforma, mesmo sendo, se quisermos, multilateralistas “assumidos”, com base na percepção (certa ou errada, não importa agora) de que qualquer reforma tende a se fazer em detrimento parcial de seus interesses políticos (no caso de prevalecer um perfil “rotativo” para a representação européia, como sugerem alguns).
Os EUA, segundo declarações informais feitas em diferentes ocasiões (na era Clinton, de maneira mais explícita), manifestaram a opinião de que estariam dispostos a favorecer um aumento moderado do CSNU (variou de 20 a 24 membros totais, com dez permanentes, ou cinco adicionais), desde que houvesse consenso em torno da questão. Ora, a questão do “consenso”, mais do que qualquer atitude individual, é o mais poderoso obstáculo para que se alcance um acordo em torno de um perfil adequado para a reforma do CSNU, e os EUA na verdade tem insistido, antes, na própria reforma da ONU, do que na do Conselho. De fato, eles obtiveram, sob pressão do Congresso e dos mais radicais conservadores republicanos, uma “reforma” administrativa no sentido de “racionalizar” as atividades da ONU e de repartir os encargos financeiros (“burden share”), de que resultou um aumento nas dotações obrigatórias do Brasil. Remeto, para mais amplos desenvolvimentos, a meus trabalhos sobre o tema: “A Organização das Nações Unidas: estrutura e desenvolvimento” (765) e a “ONU e o fim da Guerra Fria” (770).

Questões específicas:
1 - Existe hoje, na sua avaliação, um ambiente favorável para a reforma do CSNU?
Talvez, na medida em que a questão do Iraque e os enfrentamentos ocorridos no CSNU a propósito da intervenção americana, por muitos julgada ilegal, despertaram a atenção dos interlocutores estatais e não-estatais para as regras de funcionamento e a representatividade desse órgão central no ordenamento onusiano. Mas debate público não significa ipso facto disposição para a reforma, uma vez que esta precisa ser iniciada, ou continuada, a partir da inscrição de algum projeto de resolução na agenda corrente dos trabalhos suscetível de recolher a adesão da totalidade, ou da maioria qualificada, dos membros da ONU.
Ora, não se pode dizer que, independentemente da acuidade ou urgência da matéria, tal como percebida por muitos observadores imparciais e interessados, tal consenso esteja prestes a emergir entre quase duzentos países membros, ou sequer entre os 15 ou 20 atores relevantes que poderiam contribuir para a emergência de tal acordo. Os problemas básicos são os de sempre: por um lado, os cinco membros permanentes precisariam estar de acordo em dividir o seu poder com cinco ou mais membros permanentes (mesmo sem atribuir aos “adicionais” o poder de veto que eles detêm originalmente), por outro, grupos de países (que costumam ser indentificados com os blocos regionais) precisariam se por de acordo sobre quais dentre eles seriam mais representativos de sua região geográfica para se verem atribuídos o direito de “representar” os demais.
O problema começa em que, na primeira vertente, países dotados de “poder” apenas relativo – no sentido em que, com a exceção dos EUA, poucos conseguem projetar um poder inquestionável para os demais – podem ver nessa ampliação dos membros permanentes uma espécie de “diluição” de seu próprio poder. No segundo aspecto, vários países supostamente candidatos não concordam em que devam ser representantes de algum grupo ou bloco regional, e consideram seu eventual acesso como resultado do mérito próprio ou importância internacional, não como mandato atribuído – e supostamente “controlável” – por uma região específica. Tal posição é defendida, por exemplo, pelo Brasil, país abertamente candidato ao Conselho desde final dos anos 1980 pelo menos.
O debate internacional ainda não parece ter avançado suficientemente na atualidade, a despeito de duas décadas de tratamento (intermitente) da questão no âmbito da ONU.

2 - Essa reforma interessa ao governo dos Estados Unidos?
Numa primeira abordagem, poder-se-ia dizer que não, mas as respostas não são tão claras, ou diretas. Como qualquer outro membro permanente original, os EUA veriam com muita cautela qualquer ampliação do CSNU, uma vez que a ampliação do número de interlocutores tende a tornar ainda mais difícil e lento o processo de tomada de decisão naquele âmbito, pois os interesses (nacionais, sempre) serão ainda mais diversos e talvez contraditórios. O problema do veto coloca dificuldades adicionais a essa “nova” (?) arquitetura, já que os obstáculos seriam acrescidos caso prevaleça o mandato original.
Por outro lado, os EUA não poderiam se opor, sozinhos, a um consenso emergente, se tal fosse o caso, pois a pressão política internacional os colocariam em posição de difícil sustentação jurídica. De fato, os EUA já sinalizaram que poderiam aceitar algumas mudanças na atual arquitetura, desde que a eficiência da maquinaria da ONU não fosse afetada por essa reforma. Nas condições atuais, digamos que os EUA não são proponentes ativos da reforma, atuando de modo muito mais “passivo” ou “reativo”, em função das circunstâncias emergentes. Nas atuais circunstâncias, nas quais os conflitos criados com a França (e, em menor grau, com outros membros do Conselho) a propósito da intervenção no Iraque ainda não se encontram totalmente resolvidos, a atitude dos EUA pode ser ainda mais “passiva” do que normalmente.

3 - Ainda na sua avaliação, os apoios à candidatura brasileira formulados de forma bilateral são sustentáveis caso a discussão viesse a acontecer ou servem apenas como um “agrado” bilateral caso a caso?
O Brasil, na atual fase de ativismo bilateral e multilateral em favor de sua aceitação como “candidato natural” ao CSNU, tem obtido alguns apoios explícitos, outros menos explícitos, que certamente terão seu peso no momento devido. Em alguns casos, tais apoios podem ser classificados como de “simpatia”, sem o devido respaldo em alguma força ou capacidade de pressão própria em favor do Brasil num eventual processo decisório; em outros, o apoio poderia carregar um certo peso político ou regional (como poderiam ser os casos, por exemplo, de uma troca de apoios recíprocos entre o Brasil e a Índia, ou com a África do Sul, respectivamente).
Independentemente de simpatias explícitas ou menos explícitas, o processo é por demais complexo para que seus desenvolvimentos possam ser deduzidos de apenas um punhado de apoios bilaterais. Trata-se de uma engrenagem que vai se mover de modo muito lento e de maneira muito complexa, mas não resta dúvida de que a ausência de objeções explícitas – e creio que o Brasil não carrega nenhuma oposição direta, como poderia ser o caso de um ou outro candidato envolvido em conflitos regionais – e, ao contrário, a manifestação de votos explícitos vão ter o seu peso no momento em que essa máquina complicada for levada a uma decisão resolutiva.

4 - Ainda que seja pouco provável que venha a acontecer uma reforma e que o Brasil venha a ter a sua pretensão atendida, deve o governo brasileiro investir nessa campanha a longo prazo, como uma política de Estado?
Essa decisão cabe a presidente, responsável em última instância pela política externa do País. O Brasil, em diferentes ocasiões, julgou que estava em condições de assumir maior responsabilidade pela paz e segurança internacionais. Foi assim na época da Liga das Nações, quando queriamos ser confirmados como membro dos órgãos de direção, pretensão não atendida e que motivou nossa retirada da Liga em 1926 (e o ingresso da Alemanha, no mesmo momento, depois seguida da retirada, por Hitler, em 1933 ou 1936). Foi assim também na constituição da ONU, em 1945, quando achamos que os EUA sustentariam nossa pretensão (aliás presente desde antes na decisão de mandar tropas para o teatro de guerra europeu), afinal obstaculizada pela G-B e pela URSS.
Desde então, o Brasil tem avançado sua candidatura em circunstâncias variadas e com fortunas diversas. O presidente Sarney colocou de modo claro a candidatura do Brasil desde 1989, depois reafirmada por Celso Amorim durante o governo Itamar. Na gestão FHC, o assunto foi tratado de modo muito discreto, seja porque o presidente não desejava criar um atrito desnecessário com a Argentina (que sempre favoreceu a tese da rotatividade de uma representação regional), seja porque o ministro Lampreia não acreditava que tal reforma fosse possível.
Na atual gestão Lula-Amorim, o assunto volta com mais força, mas tem sido tratado de modo cauteloso igualmente, pois não está claro quando e como o tema será tratado no âmbito da ONU. Em todo caso, a coleção de apoios já acumulada não pode ser desprezada e terão seu peso no momento certo.

5 - Isso poderia atrapalhar o relacionamento com outros prováveis candidatos latino-americanos, como México e Argentina, ou tem pouco impacto real?
Sempre haverá uma situação delicada entre os três “grandes” da América Latina, uma vez que a seleção de um pode afetar o prestígio, ou a auto-estima, dos demais. O México, na verdade, nunca foi candidato efetivo (de fato nem membro do CSNU ao longo do tempo), até recentemente, mas não queria permitir ao Brasil ocupar esse espaço político que poderia querer representar uma espécie de liderança latino-americana. Ultimamente, o presidente Fox (talvez induzido nessa área pelo ex-chanceler Jorge Castañeda) demonstrou que o México poderia aspirar a um maior papel na ONU. O mesmo raciocínio parece valer para a Argentina, talve mais pelo lado da sua diplomacia, que busca manter a paridade política e estratégica com o Brasil, independentemente de condições econômicas ou capacitação militar.
O Brasil tem reafirmado que não é candidato “contra” seus vizinhos latino-americanos e de fato nem coloca sua candidatura no âmbito exclusivamente regional, para justamente afastar uma disputa retórica ou real com outros possíveis candidatos na região e até mesmo a tese da “rotatividade regional” (defendida pelo México, no hemisfério, e pela Itália, na Europa).
Em anexo, meus dois trabalhos mencionados anteriormente, que foram incorporados, de uma ou outra forma, em meu livro Os Primeiros Anos do Século XXI: o Brasil e as relações internacionais contemporâneas (Paz e Terra, 2002), que pode ser citado como a referência básica nesse tipo de discussão.

Paulo Roberto de Almeida
Filadélfia, 3 de julho, e Washington, 4 de julho de 2003

terça-feira, 28 de maio de 2013

Perdao de dividas: la' fora pode; dentro, nem pensar...

Da coluna do jornalista Carlos Brickmann, em 28/05/2013:


Bons, lá fora

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse que a dívida dos Estados brasileiros com a União não será renegociada. Não há possibilidade sequer de redução de juros. Em compensação, a presidente Dilma Rousseff perdoou a dívida de US$ 900 milhões de 12 países africanos: Congo, Costa do Marfim, Gabão, Guiné, Guiné-Bissau, Mauritânia, República Democrática do Congo, São Tomé e Príncipe, Senegal, Sudão, Tanzânia e Zâmbia.

E por que não há concessões aos Estados brasileiros, enquanto se concede tudo aos africanos? Simples: os africanos talvez votem para colocar o Brasil no Conselho de Segurança da ONU.

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Comentando: engano do jornalista. Mesmo que o Brasil disponha de 180 votos na Assembleia Geral em apoio a suas pretensões, sua aceitação como membro permanente no CSNU só ocorrerá quanto os cinco membros permanentes, o famoso P5, concordar com isso, independentemente de quantos votos existam em qualquer outra instância.
A rigor, a coisa toda só depende de dois membros: EUA e China...
Paulo Roberto de Almeida 

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Falklands-Malvinas: um imbroglio eterno?

Recebo, de um leitor deste blog, as seguintes perguntas:

On Nov 22, 2012, at 02:25 PM, [fulano] <fulano@gmail.com> wrote:

Boa tarde
Dr. Paulo, gostaria de tirar uma dúvida sobre as Malvinas.
Eu acredito que a situação política das Malvinas, está mais para uma posição geográfica estratégica militar em relação a América do Sul do que simplesmente uma situação isolada para benefícios para a Argentina.
No entanto, caso a Argentina obtenha direitos sobre as Malvinas, após análise da ONU, e a Inglaterra não concordar, esgotados todos os direitos legais, poderá a Argentina ter o direito de  expulsar a Inglaterra por uso da força?
Grato

 [Fulano]

Eis o que respondi, muito improvisadamente e de forma rápida:

Ilhas no meio do oceano sempre são interessantes, para países costeiros, ainda que um pouco longe da linha territorial: elas ampliam tanto o conceito e a realidade do mar territorial (12 milhas reconhecidas internacionalmente, 200 milhas requeridas por muitos países), como a da Zona Econômica Exclusiva, também de 200 milhas segnudo a Convenção do Direito do Mar. Estamos falando de recursos econômicos: petróleo e outros nódulos metálicos, além dos recursos pesqueiros.
Quando Grã-Bretanha se apossou do antigo território espanhol das Malvinas, reivindicado pela Argentina então nascente, se tratava apenas de uma etapa de apoio na longa viagem entre o Atlântico norte e o Pacífico, passando pelo canal de Magalhães para alcancar o Oriente, cujo outro acesso seria pelo Indico, antes da abertura dos canais do Panamá e de Suez.
No plano militar tinha pouca importãncia, mas a Royal Navy, como todo grande império, gostava de ter bases em todos os mares. Hoje sua importância é basicamente econômica.

Não sei como a ONU poderia conceder direito sobre as Malvinas à Argentina, pois isso dependeria, basicamente, de um laudo da Corte Internacional de Justiça, caso as duas partes aceitassem tal procedimento e se comprometessem a cumprir um veredito (que imagino não ocorrerá por objeção da GB), ou de uma resolução do CSNU, o que também não ocorrerá, uma vez que a GB também possui direito de veto, mesmo que todos os demais, e os quatro outros permanentes, assim o desejem.
Não haverá, portanto, mas se por acaso houvesse, a Argentina ainda assim não teria como conduzir sozinha uma operação de "desalojo", pois não estaria se defendendo de uma agressão contra si, e não teria nenhuma resolução do CSNU autorizando medidas retorsivas. A única operação desse tipo ocorrida foi a primeira guerra do Golfo, depois que o Iraque invadiu o Kwait.
Ou seja, o tema vai permanecer na agenda, mas não haverá solução política, diplomática ou militar, até que a GB decida, sozinha, unilateralmente, por vontade própria, retirar seus cidadãos das Malvinas e entregar o território à Argentina.
Isso, se ocorrer, deve demorar pelo menos mais 50 anos, até que estejam mortos todos os protagonistas da guerra de 1982.
 Paulo Roberto de Almeida

segunda-feira, 4 de junho de 2012

Siria: mais espaco para o "dialogo"

Parece que alguns membros permanentes do Conselho de Segurança, nisso apoiados por certo número de países não permanentes, acreditam que é preciso dar mais espaço para o diálogo entre o governo e a oposição na Síria.
O governo daquele país já encontrou os seus representantes para o diálogo: 

ASSAD'S PACT WITH THE DEVIL 


The regime of Syrian ruler Bashar Assad has enlisted gangs of murderous thugs known as 'Shabiha.' No assignment is too brutal or bloody for these men who are free to kill, plunder and rape. Assad knows that outright victory over the opposition is his only remaining chance to stay in power.
Der Spiegel, 4/06/2012

When the images and details of the massacre in the western Syrian town of Houla were released, the comparisons with other horrific killings were inevitable: My Lai, Srebrenica, Rwanda. More than 100 people, half of them children and a third of them women, were killed on the evening of May 25, after Friday prayers, in the Taldou neighborhood. Some died as a result of hours of shelling by tanks and Syrian army artillery, but most were killed by death squads from the surrounding villages, thugs who slit their neighbors' throats or shot them at close range.

The world was horrified. Even China and Russia, loyal allies of the Syrian system, agreed to a United Nations Security Council statement condemning the massacre, albeit without identifying those responsible. Even the generally reserved UN special envoy, Kofi Annan, spoke of a "turning point," while newly elected French President François Hollande promptly called for a military intervention.
Europe, the United States and perhaps even Kofi Annan are slowly realizing that there will be no compromise with Syrian President Bashar Assad, because there can be no compromise with Assad. Now that more than 10,000 people have died and tens of thousands have been tortured, the phase in which protesters were still staging peaceful demonstrations, and in which negotiations, transitional governments and compromises were possible is irrevocably over.
When the regime was still able to negotiate its own exit, it didn't want to. Now it no longer has that option, because any sign of weakness would lead to its overthrow.
This realization hasn't been triggered by the fact that the regime is massacring civilians to save itself. Similar bloodbaths have already taken place in the past. In April of last year, more than 60 people disappeared without a trace in Homs, after government troops had mowed down a group of peaceful protesters. In January, several families in a southeastern Homs neighborhood were massacred in a way that resembled the Houla killings. And when the Bab Amr neighborhood was captured by regime troops several weeks later, after having been almost destroyed by artillery fire, witnesses said that there were mass executions of those who hadn't fled.
'The Evidence is Clear'
What was different this time was that on Saturday morning, only hours after the killing frenzy, a team of UN observers managed to reach Houla, where they saw and counted the bodies, heard what the survivors had to say and saw the tracks the tanks had made. "The evidence is clear -- it is not murky," said German UN Ambassador Peter Wittig. "There is a clear government footprint in those killings." Whereas earlier massacres were only documented in reports by the Syrian opposition and video recordings that could not be corroborated, this was a different situation.
By failing, the UN mission appears finally to be having an impact. The roughly 300 unarmed observers cannot possibly monitor a nonexistent cease-fire, during which more than 2,000 people had been killed by the end of last week. The UN observers cannot prevent what is happening, but they can prevent it from being covered up. This isn't much, and for angry Syrians who burned images of Annan, it's far too little. "We called the observers during the massacre," a man from Houla who calls himself Abu Emad was quoted as saying, "but they refused to come and stop the murders. Damn then, and damn the entire mission!"
The observers eventually arrived. They were too late, but they came.
According to the overwhelmingly consistent statements of survivors and investigations by the UN observers, as well as the independent organization Human Rights Watch, people from several Houla neighborhoods demonstrated peacefully for the overthrow of the government around noon on May 25, after Friday prayers. Suddenly they came under fire, first from tanks and then from heavy artillery guns. Other witnesses said that soldiers had fired directly at demonstrators first.
After that, armed rebels with the Free Syrian Army (FSA) set out to attack the Assad troops' bases outside Houla. It is unclear whether they retreated when they came under fire from the tanks or were hiding in the difficult terrain, but only a few men remained in the Taldou neighborhood when the heavy shelling stopped in the afternoon and the armed men arrived.
Killers Went From House to House
The men, some in civilian clothing and others dressed in army uniforms, went from house to house, reported survivors like 11-year-old Ali, who told CBS News: "They came to our house at night. First they took out my father and then my oldest brother. My mother shouted: Why are you doing this? Then they shot both of them, and after that my mother. Then one of the men came in with a flashlight and saw my sister Rasha. He shot her in the head." Ali hid with his two little brothers. The man saw them and shot the brothers, but he missed Ali.
Other survivors who hid or played dead consistently gave the same accounts: The men combed through house after house and room after room, killing everyone, some with knives and some with guns. The massacre continued until the morning hours. When the UN observers arrived, they found nothing but corpses in the villages controlled by regime forces. The survivors had fled to neighborhoods held by the FSA, where they placed the bodies they had recovered on mats in the mosques before filming and burying them.
The regime in Damascus could not deny that the massacre had taken place. But Foreign Ministry spokesman Jihad Makdissi, parroting the government's standard position, promptly blamed the killings on "armed terrorists" and "Islamists." The Russian government, which had blocked every Security Council resolution condemning Syria, launched into a bizarre attempt to apportion the blame. The regime was apparently responsible for the assault by tanks and mortars, said Russian Foreign Minister Sergey Lavrov. But the brutish murders, said Alexey Puchkov, chairman of the parliamentary committee on foreign affairs, "were definitely committed by the other side."
Igor Pankin, Russia's deputy UN ambassador, agreed: "We cannot imagine that it is in the Syrian regime's interest to sabotage Special Envoy Kofi Annan's visit to Damascus." And he is right in one respect. In PR terms, a massacre of children cannot be helpful to the Assad regime. But he was wrong in another sense, inadvertently putting his finger on Russia's growing frustration with its ally: Syria's leadership is no longer taking decisions that would make sense for a government hoping to reach a political solution to the crisis.
Violence the Only Option For Keeping Power
By gradually concentrating power in the hands of the Alawite minority, to which the Assad clan belongs, the regime is fomenting a religious war against the Sunni majority, the very conflict it claims it wants to prevent. Now Assad has backed himself into a corner from which he believes there is only way out: victory. This is why the latest proposal from Berlin and Washington to attempt the "Yemeni solution," which would be to depose Assad but keep the regime in power, will not work. The regime is relying solely on violence, accompanied by an outrageous propaganda narrative that blames foreign terrorists and al-Qaida for the uprising.
This conspiratorial obsession is nothing new. Starting in 2003, the intelligence services began secretly organizing the transfer of jihadists from Saudi Arabia, Libya and Kuwait across the Syrian border into Iraq, to deter the Americans from seeking regime change in Damascus as well. At the same time, the regime painted itself as a bulwark in the fight against al-Qaida. Foreigners who were later arrested reported how they had been kept in Syrian intelligence camps in Homs while waiting to be transferred into Iraq.
The attacks on several Scandinavian embassies in Damascus after the Danish cartoon controversy in early 2006 were blamed on an Islamist mob, but as it turned out, the regime had planted Islamists in the crowd. As a precaution, it also removed the guards from in front of a general's house next to the Norwegian Embassy. Although there was no evidence that the regime was behind the major bombing attacks in Damascus, Aleppo and Deir al-Zor in recent months, they had several strange elements in common: The bombers had immense quantities of explosives, which they easily managed to get through all government checkpoints, and they detonated most of their bombs in front of empty buildings. When the regime published its death tolls after the first attack on Dec. 23, they included the names of men who had already died elsewhere. During the ostentatious burial service at the Umayyad Mosque, signs attached to many of the coffins read "anonymous martyr." On May 9, just before a bomb exploded near the convoy of UN observer mission chief Robert Mood, the vehicles were detained at a military checkpoint just long enough so that they would be nearby at the time of detonation.
Conspiratorial violence is part of the Syrian regime's approach to survival, a paranoid trait that ties in with its history. When the current president's father Hafez Assad, a retired general in the Syrian air force, staged a coldly brilliant coup in November 1970, he brought his family, his clan and, ultimately, the Alawite minority into power after centuries of oppression. From then on, the Alawites defended their position at all costs, despite their relatively small share of the overall population.
Bashar Assad tried to preserve the illusion of a country that supposedly promotes reforms. Several months ago, he held a referendum to end decades of Baath Party control, and a few weeks ago he held bogus parliamentary elections. With the Houla massacre, however, all pretense at reform has evaporated again.
Murderous 'Ghosts'
What happened in Houla followed the pattern of earlier attacks like the one in Homs. First, the target is bombarded with tanks and artillery from a great distance. Then the regular troops move in and drive out or shoot the last remaining rebels. Finally, the regime sends in its helpers, the Shabiha ("ghosts"), over which it has less and less control.
What were once gangs of thugs and smugglers from the hills around Latakia, the home turf of the Assad clan, have turned into an army of irregular troops numbering in the thousands. The gangs are backed by the beneficiaries of the regime, those who profit the most from Syria's façade of a market economy, and who now have the most to lose. It's a Faustian bargain. As long as they are loyal to Assad, they are permitted to murder, loot and rape, as was the case in Houla, where the Shabiha came from neighboring villages to the south.

The Shabiha were also active in the capital Damascus in August 2011. Every evening during Ramadan, the Muslim month of fasting, dozens of them stood in front of mosques in Sunni neighborhoods, prepared to bludgeon and drag off anyone who said anything derogatory about the regime after emerging from prayers. At about 8 p.m., swarms of Shabiha thugs emerged from the intelligence service quarters, were loaded into requisitioned buses and driven to their deployment locations, where they lay in wait until the faithful dispersed after leaving the mosques.
The Shabiha are criminals and day laborers, mostly Alawites, but also Kurds with the PKK terrorist group, members of Sunni clans from Aleppo loyal to the regime, and some Christians. The Shabiha are the shadow force of a regime that no longer trusts its own army, but instead has created a monster that is taking on a life of its own, undermining the Syrian government long before it suffers a military defeat.
Months ago, the author and dissident Yassin al-Haj Saleh, who is in hiding in Damascus, wrote: "The current heads of the security services may very well reform themselves into a mafia-type organization after the collapse of the regime and continue to practice the violence, theft and discrimination at which they are so adept." Syria could eventually be controlled by marauding gangs, driven by greed and the fear of reprisal, which becomes more justified with each new wave of killings.
Translated from the German by Christopher Sultan