O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

Mostrando postagens com marcador CIJ. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador CIJ. Mostrar todas as postagens

sexta-feira, 2 de fevereiro de 2024

Lula, PT, África do Sul, CIJ, diplomacia brasileira e a questão do "genocídio" de Israel em Gaza (matérias de imprensa)

 Os improvisos não são do Itamaraty, com certeza...

Posição do Brasil contra Israel, política e sem valor prático, traz efeitos internos e externos 


Há duas explicações sobre manifestação brasilieira: o massacre de palestino na reação de Israel aos atos terroristas e a posição ideológica do governo e do PT Por que, afinal, o presidente Lula decidiu atrair mais chuvas e trovoadas, dentro e fora do País, ao anunciar oficialmente apoio ao julgamento de Israel, por genocídio, na Corte Internacional de Justiça de Haia? Não precisava. 

Países não votam na Corte e não interferem no resultado. Bastava acompanhar de perto e ver no que daria, como fizeram China e Rússia, os dois principais integrantes dos Brics. A explicação nos bastidores, ou melhor, nos palácios, é a tragédia humanitária em Gaza, transformada num gigantesco cemitério de crianças depois que Israel reagiu ao ataque terrorista do Hamas despejando sua ira e sua força na faixa que abriga(va) os palestinos. Mas, fora dos gabinetes envidraçados de Oscar Niemeyer, a interpretação é outra: a posição ideológica de Lula e do PT contra Israel. 

 Depois de notas do Instituto Brasil-Israel e da Confederação Israelita do Brasil (Conib), cobrando a tradição de “equilíbrio e moderação” da política externa brasileira, veio a carta, igualmente dura, mas em formato erudito, do ex-chanceler Celso Lafer, de família judia da Lituânia, professor emérito da Faculdade de Direito da USP e especialista em Direito Internacional. Endereçada ao chanceler Mauro Vieira, mas distribuída publicamente, a carta rebate à luz do direito a acusação de “genocídio” e acusa a África do Sul, autora da petição à Corte de Justiça, de tentar deslegitimar o Estado de Israel e aumentar o antissemitismo mundial, “em sintonia com os que almejam minar o direito à existência de Israel”. “É um deslize conceitual de má-fé valer-se da imputação de genocídio para discutir as controvérsias jurídicas relacionadas à aplicação do direito humanitário e aos problemas humanitários em Gaza”, ensina Lafer, acusando a posição do governo de falta de consistência, coerência e obediência às regras do Direito Internacional. 

 Na véspera, a ONG Human Rights Watch (HRW) divulgara seu relatório de 2023, criticando o Brasil por falhas no combate à violência policial e também em quatro conflitos internacionais: “declarações controversas” de Lula sobre a invasão da Rússia na Ucrânia, defesa de Nicolás Maduro na Venezuela e omissão em relação às violações na Nicarágua e aos crimes da China contra os Uigures. Não há, porém, referências ao Brasil em relação à Guerra de Israel. Talvez porque o foco da HRW, pelo óbvio, é em direitos humanos, não em política externa e direito formal internacional. Mas a HRW é uma ONG, o Brasil é um País. Uma coisa é a opinião de organizações independentes, outra é o posicionamento oficial de um Estado num conflito que, como sempre, tem dois lados. 



O apoio do governo Lula à acusação de genocídio contra Israel no tribunal de Haia deve ter lá algum cálculo, mas seja qual for, é equivocado. 

Ainda que o núcleo do Palácio possa estar convicto de que se trata de um genocídio em curso, o que é pelo menos discutível, a acusação é demasiadamente grave para ser proclamada em nome do Brasil assim da noite para o dia, em apoio a um jogo de cena de um país secundário como a África do Sul. Não há dúvida de que Netanyahu tem que ser expelido e que sua política é inaceitável. 

A reação ao ataque terrorista do Hamas ultrapassou todos os limites humanitários. O Brasil deve condenar, como tem condenado, a resposta indiscriminada que mata civis e crianças. A hipótese de crime de guerra tem fundamento, mas daí a sustentar a tese de genocídio e apregoá-la publicamente vai um caminho. Por "café com leite" que seja o tribunal, que não tem poder impositivo, a decisão rompe com a tradição de equilíbrio e discrição do Itamaraty. Tem ares de terceiro-mundismo juvenil animado pelas novas movimentações do Sul Global. A tese é escorregadiça do ponto de vista jurídico, instrumentaliza Haia como palanque anti-Israel e é uma atitude de confrontação. Se um país considera que outro pratica genocídio… o que mais falta para endossar uma guerra?

 O assustador é que a possibilidade de uma guerra de maiores proporções vem aumentando. O gesto brasileiro se inscreve nesse contexto. A ampliação do conflito para a região já é um fato. Como observou o jornal The New York Times, a questão não é mais saber se vai ser ampliado, mas como pode ser contido. O mundo, não custa repetir, caminha para um "turning point". Uma nova ordem mundial se anuncia. Velhas convicções e argumentos estão em crise. Relações de força se redefinem. São momentos perigosos em que de uma hora para outra tudo pode se precipitar. 

 No meio desse tiroteiro, o governo brasileiro abandona a sobriedade na articulação de soluções pacíficas e resolve esticar a corda. Faz isso quando os EUA, com seu ethos belicista, piora as coisas com bombardeios no Iêmen em companhia do Reino Unido. Lula tem sido um defensor da paz, mas desta vez preferiu acirrar os ânimos. A decisão além de tudo é um erro político no plano doméstico, que contribui para aprofundar cisões entre brasileiros. Nada tem a ver com o discurso marqueteiro do Papai Noel da conciliação. 



quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Falklands-Malvinas: um imbroglio eterno?

Recebo, de um leitor deste blog, as seguintes perguntas:

On Nov 22, 2012, at 02:25 PM, [fulano] <fulano@gmail.com> wrote:

Boa tarde
Dr. Paulo, gostaria de tirar uma dúvida sobre as Malvinas.
Eu acredito que a situação política das Malvinas, está mais para uma posição geográfica estratégica militar em relação a América do Sul do que simplesmente uma situação isolada para benefícios para a Argentina.
No entanto, caso a Argentina obtenha direitos sobre as Malvinas, após análise da ONU, e a Inglaterra não concordar, esgotados todos os direitos legais, poderá a Argentina ter o direito de  expulsar a Inglaterra por uso da força?
Grato

 [Fulano]

Eis o que respondi, muito improvisadamente e de forma rápida:

Ilhas no meio do oceano sempre são interessantes, para países costeiros, ainda que um pouco longe da linha territorial: elas ampliam tanto o conceito e a realidade do mar territorial (12 milhas reconhecidas internacionalmente, 200 milhas requeridas por muitos países), como a da Zona Econômica Exclusiva, também de 200 milhas segnudo a Convenção do Direito do Mar. Estamos falando de recursos econômicos: petróleo e outros nódulos metálicos, além dos recursos pesqueiros.
Quando Grã-Bretanha se apossou do antigo território espanhol das Malvinas, reivindicado pela Argentina então nascente, se tratava apenas de uma etapa de apoio na longa viagem entre o Atlântico norte e o Pacífico, passando pelo canal de Magalhães para alcancar o Oriente, cujo outro acesso seria pelo Indico, antes da abertura dos canais do Panamá e de Suez.
No plano militar tinha pouca importãncia, mas a Royal Navy, como todo grande império, gostava de ter bases em todos os mares. Hoje sua importância é basicamente econômica.

Não sei como a ONU poderia conceder direito sobre as Malvinas à Argentina, pois isso dependeria, basicamente, de um laudo da Corte Internacional de Justiça, caso as duas partes aceitassem tal procedimento e se comprometessem a cumprir um veredito (que imagino não ocorrerá por objeção da GB), ou de uma resolução do CSNU, o que também não ocorrerá, uma vez que a GB também possui direito de veto, mesmo que todos os demais, e os quatro outros permanentes, assim o desejem.
Não haverá, portanto, mas se por acaso houvesse, a Argentina ainda assim não teria como conduzir sozinha uma operação de "desalojo", pois não estaria se defendendo de uma agressão contra si, e não teria nenhuma resolução do CSNU autorizando medidas retorsivas. A única operação desse tipo ocorrida foi a primeira guerra do Golfo, depois que o Iraque invadiu o Kwait.
Ou seja, o tema vai permanecer na agenda, mas não haverá solução política, diplomática ou militar, até que a GB decida, sozinha, unilateralmente, por vontade própria, retirar seus cidadãos das Malvinas e entregar o território à Argentina.
Isso, se ocorrer, deve demorar pelo menos mais 50 anos, até que estejam mortos todos os protagonistas da guerra de 1982.
 Paulo Roberto de Almeida