O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

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domingo, 12 de junho de 2022

33 milhões de brasileiros têm FOME: 33 MILHÕES!!! - Carlos Brickmann

 

DAR DE COMER A QUEM TEM FOME

COLUNA CARLOS BRICKMANN

EDIÇÃO DOS JORNAIS DE DOMINGO, 12 DE JUNHO DE 2022

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Bolsonaro disse nos Estados Unidos que o Brasil alimenta um bilhão de pessoas no mundo. Talvez; mas falta alimentar 33 milhões de brasileiros para quem não há comida. Falta alimento? Não: falta administração. E, embora não falte dinheiro para mordomias nos três Poderes, jet-skys, motociatas, falta dinheiro para dar de comer a quem tem fome. Aos números: em 2009, no fim de seu segundo mandato, Lula criou o PNAE, Programa Nacional de Alimentação Escolar. Dilma assumiu, manteve o PNAE no mesmo valor. Temer assumiu, manteve o PNAE no mesmo valor. Bolsonaro também não mexeu em nada: para todos foi mais confortável fingir que não houve aumento de população de 2010 até 2022 e os preços não subiram em 13 anos.

Resultado: na pré-escola, há R$ 0,53 para encher o prato dos garotos da pré-escola, que ou se alimentam direito ou têm a saúde prejudicada para sempre. Os alunos do Fundamental e do Médio têm menos ainda, R$ 0,36 por pessoa. No ensino em tempo integral o custo vai de R$ 1,07 a R$ 2,00. Não é só isso: em muitos casos, a merenda escolar é a única refeição do dia.

Num país em que cada parlamentar tem até 80 assessores, os ministros do Supremo têm funcionários para puxar suas cadeiras, o presidente precisa colocar seus gastos no cartão em sigilo para evitar escândalo, candidatos usam bilhões públicos para a campanha, há gente que não sabe quando vai comer. Os campeões de gastos brigam entre si. Os famintos que se danem.

Alguém contesta?

Quem fez o brilhante levantamento foi a repórter Laura Mattos, da “Folha de S.Paulo”. Não há um pingo de partidarismo neste notável trabalho. Só há números, só há fatos: o PNAE deve atender a 40 milhões de estudantes de escolas públicas. Certas categorias profissionais mais iguais que as outras compram filé-mignon, salmão, picanha, com recursos públicos. Quem não tem o que comer simplesmente não come. Não, não há qualquer tentativa de reduzir gastos públicos. É como se os famintos simplesmente não existissem.

Sentindo-se em casa

Mas é injusto responsabilizar certas despesas de Bolsonaro pela falta de verbas essenciais. Agora, foi a Los Angeles participar da Cúpula das Américas (e se disse encantado com o presidente Biden). E, já que estava por lá, resolveu voar 3.500 km para inaugurar um vice-consulado que existe desde janeiro, em Orlando – onde fica a Disneyworld. Como perder a oportunidade? É lá que estão o Pateta, os Irmãos Metralha, João Bafodeonça, o rato Mickey.

Há até o Zé Carioca, que se veste igualzinho a um eleitor dele.

Armas, armas às mancheias

Anote: falta comida para alimentar 33 milhões de pessoas, falta dinheiro para a merenda escolar de 40 milhões de crianças, mas para armas o dinheiro sobra. A Polícia Militar do Rio vai entregar uma arma de fogo do Estado, gratuitamente, para 10 mil PMs da reserva remunerada. Cada PM aposentado poderá pedir três carregadores e um mínimo de 50 balas. Motivo? Segundo o porta-voz da PM, Ivan Blaz, os soldados reservistas poderão usar as armas para fazer “bicos” particulares como seguranças.

Com o nosso dinheiro

sábado, 27 de novembro de 2021

Carlos Brickmann: Bolsonaro e os ingênuos (28/11/2021)

QUEM NUNCA FOI QUER VOLTAR

COLUNA CARLOS BRICKMANN

EDIÇÃO DOS JORNAIS DE DOMINGO, 28 DE NOVEMBRO DE 2021

 

 

Tanto Sergio Moro quanto os militares que acreditavam que derrotar o PT era o caminho para eliminar a corrupção no Brasil ouviram a mesma história: venha com Bolsonaro e terá carta branca para fazer o que for necessário. Eles acreditaram, coitados. O general Santos Cruz, com aquela imutável cara de bravo, revelou-se tão ingênuo quanto o sorridente Nelson Mandetta, ambos convencidos de que ser amigos de Bolsonaro há décadas era garantia de que as promessas seriam cumpridas. Mandetta, médico, tropeçou num problema ideológico: a cloroquina. Moro, juiz com fama de justiceiro, e os militares que achavam que corrupção era coisa só do PT, escorregaram na mesma casca de banana: a rachadinha. Caíram. Sobraram os generais tipo Pazuello (“meu gordinho”, como o definia Bolsonaro) e um superministro beeeem flexível, Paulo Guedes. Bolsonaro só precisa tomar um cuidado com o Posto Ipiranga: se disser “vamos juntos”, Guedes senta-se e aguarda novas ordens.

Boa parte do pessoal que o presidente descartou se junta agora em torno de Moro, tentando vender na campanha um bolsonarismo sem Bolsonaro. Os fardados e os sem farda acreditam que com Moro poderão agir livremente. E se enganam de novo: um juiz tão cheio de si que orientava promotores só vai permitir a seus auxiliares que optem entre o “sim, senhor” e o “é para já, Excelência”. Cada um fará aquilo que tiver vontade de fazer, desde que seja autorizado pelo presidente Moro. Haverá mais compostura, claro. E só.

 

O que dizem

E ninguém imagine que a linguagem de hoje vá melhorar muito. Quem é capaz de chamar “cônjuge” de “conge” ainda pode piorar muito.

Tempo, tempo

Moro tem chances? As pesquisas de hoje dizem que sim. Mas as eleições não serão realizadas hoje. Teremos um bom tempo de campanha. O Auxílio Brasil começa a entrar no bolso de alguns milhões de eleitores, beneficiando Bolsonaro; Lula tem muito a explicar aos eleitores – e, embora não haja nada de novo, e muita gente ache que as acusações perderam o efeito, é preciso esperar para saber se relembrar histórias mal contadas vai ou não tirar alguns de seus votos. Moro também vai achar dificuldades no caminho. Há diversas coisas que podem acontecer: Alckmin, por exemplo, tem seus votos. Se sair como vice de Moro ou de Lula, pode desequilibrar uma campanha empatada. É preciso esperar. Fernando Henrique, que pensava em desistir da política por achar que não tinha votos nem para ser deputado federal, ganhou de Lula no primeiro turno. Quércia, que teria sido um candidato forte em 1989, esperou a eleição seguinte, e não teve votos nem para ameaçar os favoritos.

A hora do Brasil

Olaf Scholz, do Partido Social-Democrata, , é o novo primeiro-ministro da Alemanha, no lugar que por 16 anos foi de Angela Merkel. A coligação que comanda tem forte presença do Partido Verde. E, não por acaso, um dos primeiros comentários oficiais após a posse se referiu ao Brasil. O sempre discreto embaixador alemão em Brasília, Heiko Thoms, avisou que irão aumentar as pressões para que o Brasil combata o desmatamento. Não pede muito: apenas que o país cumpra sua própria legislação em vigor, que proíbe o desmatamento ilegal. Thoms diz que ouviu de gente do Governo que haveria neste ano queda de 5% no desmatamento, “e de repente ficamos sabendo que em vez de queda houve um crescimento de 22%”.

Lembrança: o novo Governo alemão informou que só ratificará o acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia “se os países sul-americanos adotarem compromissos efetivos e verificáveis para proteger o meio-ambiente e os direitos humanos”. Que diz Bolsonaro sobre os temas citados?

As palavras do presidente

Bolsonaro, em sua live semanal, disse que a história do desmatamento da Amazônia “é a mesma xaropada de sempre”. Há anos, conta, leu que em 2010 a Amazônia seria uma imensidão de areia. “Em 2010 não aconteceu nada disso. Em 2021 não aconteceu nada disso também. Mas olha a matéria de agora: ‘Amazônia está perto de ponto irreversível e pode virar deserto’”. Bolsonaro admite práticas irregulares na Amazônia. Que é que propõe para que sejam combatidas? “Tem desmatamento ilegal? Tem. É só outros países não comprarem madeira nossa, é simples. Tem queimada ilegal? Tem, mas não é nessa proporção toda que dizem aí”.

 

 

quarta-feira, 15 de setembro de 2021

Como eu diria, a História não se repete, mas tem gente que gosta de repetir erros passados - Carlos Brickmann


APRENDER, JAMAIS 

COLUNA CARLOS BRICKMANN

EDIÇÃO DOS JORNAIS DE QUARTA-FEIRA, 15 DE SETEMBRO DE 2021

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Esta é uma história que nada tem a ver com o Brasil, embora nos dê lições. Nas décadas de 1920 e 1930, o nazismo estava longe de ser o partido mais forte da Alemanha. Maiores eram a Social-Democracia (SPD) e o Comunista (KPD), ambos fortes no movimento operário. O KPD, de extrema-esquerda, considerava que seu principal adversário, por buscar adeptos no mesmo campo, era o SPD, de meia-esquerda. União, nem pensar: o KPD achava que os anos 30 seriam os últimos do capitalismo. Chegariam ao poder os esquerdistas, inevitavelmente, e o KPD queria ser o representante único da esquerda. Logo, o inimigo era a social-democracia. A SPD era tratada como “social-fascismo”, “ala moderada do fascismo”.

O KPD, até na cor preferida, o vermelho, obedecia às ordens do líder vermelho Stalin, que ditava, de Moscou: “O fascismo (...) e a social-democracia (...) não se excluem (...). Ao contrário, se complementam”. O KPD não aceitava críticas a Stalin (a quem chamava de “guia genial dos povos) e jamais admitiu que ele pudesse errar. Enquanto isso, os nazistas cresciam, passavam de 800 mil para 13 milhões de votos, até se aliavam aos vermelhos no combate à SPD. Em 1931, por exemplo, se aliaram nazistas e vermelhos num plebiscito sobre a dissolução do Legislativo da Prússia, baluarte da SPD. Perderam, mas os nazistas mostraram força. A SPD ainda propôs uma aliança, os vermelhos a recusaram. Hitler chegou ao poder. Já não havia mais como contê-lo.


quarta-feira, 12 de maio de 2021

Algum bolsonarista amigo poderia me comentar isto aqui, por favor? - Carlos Brickmann

 Juro que eu gostaria de ter um bolsonarista amigo do coração para comentar estas maldades que o jornalista Carlos Brickmann está assacando contra o mito: 


 

PAGUE, PAGUE MAIS CARO

COLUNA CARLOS BRICKMANN

EDIÇÃO DOS JORNAIS DE QUARTA-FEIRA, 12 DE MAIO DE 202

 

Encher o seu prato já custa 52% a mais do que há um ano. Vai subir mais: os produtos agropecuários se valorizaram no mercado mundial e a China está importando mais do que nunca. Como o Governo não providenciou nenhum estoque estratégico, os preços sobem e talvez faltem derivados de milho e de soja. Pode piorar: de janeiro para cá, os fretes do Centro Oeste aumentaram 25% em média. Parte dos aumentos parece temporária; porém até lá vai doer.

Mas há custos que o caro leitor está pagando e que são imorais. Neste Dia das Mães, o presidente Bolsonaro festejou com um churrasco todo especial: a picanha que foi servida custa R$ 1.799,99 o quilo. É carne wagyu, uma variedade de gado japonês, vendida em peças de 350 gramas, a R$ 599,00 cada, pelo Frigorífico Goiás. Coisa chique: na embalagem, uma caricatura de Bolsonaro, um slogan da campanha presidencial e a marca Picanha Mito.

No site do Frigorífico Goiás (https://friggoias.com/produto/picanha-wagyu/), não há Picanha Mito; mas há picanha de gado Wagyu, a R$ 599,00 a peça de 350 gramas – preço promocional, informam, já que o preço normal do bife de 350 gramas é de R$ 1.200,99. Tchê, “O Churrasqueiro dos Artistas”, foi importado de Belém do Pará, a quase 2 mil km do Alvorada.

Entre os convidados, só gente chique – nenhum daqueles que gritam Mito a cada palavra de seu ídolo. Neste churrasco todo selecionado, estava por exemplo o cirurgião plástico de Michele Bolsonaro.

Pague e não bufe.

O dia adequado

Foi uma festa digna do dia a ser festejado. Pena que a mãe sejamos nós.

 

A hora dos problemas

Dois jornais revelaram fatos que vão incomodar o presidente Bolsonaro por alguns dias. A Folha de S.Paulo descobriu os bifes milionários que Sua Excelência serve aos bons amigos. O Estado de S.Paulo pegou um escândalo de R$ 3 bilhões de reais – que, dissimulados no Orçamento, serviram para convencer parlamentares mais flexíveis a votar nos candidatos de Bolsonaro à presidência da Câmara e do Senado.

Um escândalo interessante: o dinheiro foi destinado aos gastos solicitados pelas Excelências mais colaborativas. E há indícios de compras altamente superfaturadas, como tratores com preços 259% superiores aos habituais. Um equipamento de R$ 100 mil pode ter custado R$ 359 mil, tudo discreto, na moita. Bolsonaro disse que é mentira e que foi tudo criado “pelos canalhas” do Estadão. O problema é que o jornal apresenta toda a documentação oficial, incluindo os ofícios de parlamentares indicando onde gastar o dinheiro. Será curioso seguir os desmentidos.

Lembranças

Até agora, as rachadinhas, as compras milionárias de bebidas alcoólicas e os 700 mil kg de picanha para as Forças Armadas, o caso Queiroz, a dúvida a respeito do motivo pelo qual Queiroz e senhora depositaram R$ 89 mil na conta da primeira-dama, os R$ 2,5 milhões gastos em férias só neste ano, as ordens de compra de insumos de cloroquina a preços bem superiores aos habituais, a estranha insistência em cloroquina, tudo isso quase não atingiu Bolsonaro.

Em outras épocas, saraivadas de acusações foram feitas contra o governador paulista Orestes Quércia, apelidado de Teflon porque nada grudava nele. Mas, quando grudou, custou-lhe tanto voto que seu partido, o PMDB, sempre forte em São Paulo, perdeu o poder político no Estado.

As pedras no caminho...

Na CPI da Covid, a semana é quente: devem ser ouvidos antigos pilares do governo Bolsonaro, como Fábio Wajngarten e Ernesto Araújo, o antigo chanceler. Wajngarten, em entrevista, deixou claro que considera o general Pazuello, ex-ministro da Saúde, no mínimo pouco competente. E devem ser ouvidos também dirigentes da Pfizer. Segundo Wajngarten, a Pfizer ofereceu vacinas ao Brasil e nem recebeu resposta; isso atrasou o início da vacinação.

...e um problemaço

Lembra-se de Felipe Martins, assessor para Assuntos Internacionais da Presidência da República, que foi filmado no Senado fazendo um gesto que, para alguns, significa aquilo que o público de um estádio costuma gritar para o juiz e, para outros, copia um gesto americano de supremacia branca?

A Procuradoria da República em Brasília deu prazo até o dia 13 para que Felipe Martins explique seu gesto. Se ele disser que foi um sinal obsceno para os senadores e o público, é ruim. Se disser que é supremacia branca, é crime.

Se disser, como até agora, que estava arrumando o terno, é ridículo.

 

Os donos do cargo

O normal seria que ele pedisse demissão “para que a má interpretação de seu gesto” não prejudicasse o Governo. Ou que o Governo o afastasse “para poupá-lo”. Mas demissão ele não pede. E seus padrinhos são Olavo de Carvalho e Carluxo, o filho 02, gurus de Bolsonaro. Quando Carluxo se irrita com o pai e se afasta, o pai sente sua falta. Quando Olavo se irrita, manda Bolsonaro enfiar uma condecoração no pazuello.

Ser presidente é dolorido.

 

 

quarta-feira, 20 de novembro de 2019

Se você votou por um governo trapalhão, está inteiramente contemplado - Carlos Brickmann, Paulo Roberto de Almeida

Aposto que ninguém previa esse tipo de confusão. Nenhum astrólogo, nenhum adivinho, nenhum analista político sério poderia sequer imaginar o que está acontecendo no Brasil.
Não que as coisas me tenham surpreendido absolutamente. Já no primeiro semestre de 2018, ao acompanhar a "irresistível ascensão de Arturo Ui" – desculpe Bertolt Brecht –, eu senti que teríamos gente medíocre no governo e, mesmo falando com a fração mais inteligente dos engajados na campanha (a equipe econômica), eu recusei absolutamente qualquer colaboração com o "exército de Brancaleone" que se estava formando – desculpe Mario Monicelli –, argumentando que já tinha candidato e que eu não era, nem pretendia ser eleitor do capitão.

Mas, desafio qualquer pessoa neste nosso planeta redondinho – os terraplanistas não contam, pois eles acreditam em qualquer estupidez – a provar que já estavam antecipando a ENORME CONFUSÃO que seria o governo do dito capitão.
Não estou falando de mediocridade, que isso eu, e dezenas de outros analistas, podíamos facilmente prever, antecipar, apostar, assegurar. Com um líder medíocre, era de se esperar um governo medíocre, com as exceções de praxe, como a dita equipe econômica (para a qual recusei minha colaboração) e mais dois ou três, no máximo.
Estou falando de CONFUSÃO, e da grossa. Essa ninguém estava esperando.
E 95% da confusão é causada pelo próprio capitão, o pior inimigo do seu governo.
Claro, existem vários outros paspalhos, que me eximo de mencionar, além do que já está explícito nesta saborosa crônica do exímio jornalista Carlos Brickmann.
Prometo escrever um ensaio, um panfleto, uma novela, um tijolão sobre as maravilhosas confusões da Bolsofamiglia e associados unidos. Claro, elas merecem um escritor do quilate de Mário Vargas Llosa, para reconstruir todo o sabor das cenas épicas a que já assistimos até aqui, qualidade de que careço para expressar em páginas imortais toda a epopeia dos Bolsonaros brancaleônicos. Mas, tenho o registro dos episódios mais memoráveis.
Carlos Brickmann oferece aqui uma síntese parcial, e preliminar, da novela das confusões.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 20 de novembro de 2019

UM DIA, TALVEZ QUEM SABE

COLUNA CARLOS BRICKMANN


EDIÇÃO DOS JORNAIS DE QUARTA-FEIRA, 20 DE NOVEMBRO DE 2019

A reforma da Previdência está aí, o megaleilão do pré-sal não foi lá essas coisas mas se realizou, discretamente há privatizações andando, a inflação está baixa, os juros (oficiais) nunca foram tão reduzidos. Há até um ou outro tímido indício de recuperação econômica – pequena, pequena, mas melhor do que zero. Cadê a avalanche de investimentos estrangeiros que, dizia o ministro Paulo Guedes, esperava ansiosa essas medidas para inundar o país?

Pelo jeito, faltou apenas uma coisinha: combinar com os investidores do Exterior. Pois, ao contrário do que se imaginava, de janeiro até agora o que houve foi desinvestimento: quase US$ 50 bilhões deixaram o Brasil. Parte pela situação internacional – para o cidadão americano de classe média baixa que aplica suas economias em fundos, Bolívia, Venezuela, Argentina, Chile e Brasil é tudo mais ou menos a mesma coisa, latinos – e crises nos países vizinhos os levam a desconfiar do Brasil. Fora isso, é mais fácil e seguro por dinheiro nos Estados Unidos, onde a economia vem crescendo.

Mas parte é culpa brasileira: essa coisa bolsonariana de crise permanente não anima os investidores, e eventos como o crescimento da área derrubada da Amazônia fazem surgir temores de represálias que podem prejudicar o agronegócio e a mineração, pontos fortes do Brasil. O investidor tem outras oportunidades. E, entre suas características, adora a tranquilidade. Como achá-la por aqui?

Pois é

A literatura econômica ensinou ao ministro Paulo Guedes que, preparado o terreno para recebê-los, os investimentos fluem. E ele acreditou.

Brigando com fatos

Diante do derrame de petróleo em costas brasileiras – a responsabilidade não é de Bolsonaro – nosso Governo correu para parecer culpado. Acusou o Greenpeace, acusou um navio grego, sem comprovar nada, exceto que não tem ideia do que houve. Aí surge um tal secretário da Pesca e diz que peixe é inteligente: foge do petróleo e não se contamina. Cresce o desmatamento na Amazônia, e o Governo põe a culpa até na Noruega. Mas, diante das palavras oficiais contra a os defesa do meio-ambiente, os delinquentes se animaram e ampliaram as atividades ilegais. Só agora o Governo promete reprimir ilegalidades. Teve de recuar. É duro brigar com fatos – eles vencem.

Escondendo o bom

Na briga com os fatos, o Governo ocultou uma boa notícia: com a redução das despesas públicas e o aumento da arrecadação, os recursos orçamentários que tinham sido bloqueados foram liberados. Ou seja, na gestão econômica, sem envolvimentos políticos, o Governo vai bem. Mas quem presta atenção em notícias como essa, quando Bolsonaro e antigos aliados trocam insultos?

Proibido para menores

O texto que se segue transcreve, sem modificações, um debate do ministro da Educação, Abraham Weintraub, pelo Twitter, com gente que o criticou. Sua Excelência lembrava favoravelmente a Monarquia, e um crítico disse: “Se voltarmos à Monarquia, certamente você será nomeado bobo da corte!”. Weintraub: “Uma pena, prefiro cuidar dos estábulos, ficaria mais perto da égua sarnenta e desdentada da sua mãe”. Em seguida, outra pessoa reagiu: “Andando na rua encontrei seu bom senso. Ele mandou lembranças e disse que está com saudades!” Weintraub: “Que bom, agora continue procurando pelo seu pai...”

Mais surpreendente do que ser ministro é cuidar da Educação.


quarta-feira, 12 de junho de 2019

Crônica dos eventos correntes em Brasília: toda semana uma novidade - Carlos Brickmann

E essas novidades sempre atrapalham o governo. Seria pura coincidência? Ou azar?

A ORDEM É CUMPRIR ORDENS

  

 COLUNA CARLOS BRICKMANN

  EDIÇÃO DOS JORNAIS DE QUARTA-FEIRA, 12 DE JUNHO DE 2019

 

O ministro Sérgio Moro e o procurador Deltan Dallagnol podem superar os problemas ou ser superados por eles. Mas a publicação, pelo Intercept, de diálogos entre Moro e procuradores, coloca todo o Governo em má situação. A reforma da Previdência vai passar pelo Congresso, sem ser muito desfigurada. Mas outras iniciativas do Governo (como a Lei Anticrime, do ministro Sergio Moro) só passam se o Centrão, com seus duzentos e poucos votos, concordar. E negociar com o Centrão exige não só muito tempo como sólidos e abundantes argumentos, de dar enjoo ao ministro Paulo Guedes.

 

Mesmo antes das informações publicadas pelo Intercept (que devem ser verdadeiras, já que nem Moro nem Dallagnol as desmentiram), o Centrão já havia mostrado sua força. O COAF, que passaria ao comando de Moro, ficou na Economia; as emendas parlamentares, que o Governo podia ignorar numa boa, são agora obrigatórias. A medida provisória que garante R$ 248 bilhões a mais ao Governo para que suas atividades não sejam paralisadas só passou pelas comissões no último dia, mesmo com Bolsonaro avisando que teria de parar de pagar aposentadorias e pensões. E não há em Brasília quem acredite que a facilidade para posse e porte de armas, as medidas que aumentam o risco e as consequências de acidentes de trânsito e a Lei Anticrime passem sem onerosas discussões com o Centrão.

 

Mesmo que as conversas transcritas não indiquem culpa, já serviram para colocar o Governo em dificuldades.

 

A regra do jogo

 

Que ninguém se iluda, pensando que as transcrições já divulgadas do Intercept tenham esgotado o assunto. Em reportagens desse tipo, publica-se apenas parte das informações disponíveis. Aguarda-se a reação de quem foi atingido. Aí vem a segunda parte, buscando desmoralizar os desmentidos. E pode haver uma terceira parte, por que não? A simples iniciativa petista de divulgar essa reportagem pouco antes de um julgamento que poderia libertar Lula (ou até anular suas condenações, objetivo que buscam) já criou todo um tumulto.

 

Se Moro e Dallagnol pisarem em falso, poderão sofrer muito mais.

 

Culpado ou inocente?

 

Este colunista ouviu advogados de várias tendências. Há quem diga que nas conversas não há nada anormal; há quem diga que o juiz não poderia ter contato tão próximo com um dos lados do julgamento. Se a questão chegar ao STF, considerando-se que vários ministros discordam das posições de Moro, pode ocorrer a suprema inversão: Lula livre e Moro punido – a menos que haja forte mobilização popular em favor do ministro e contra Lula.

 

Questão de opinião

 

Pelas conversas até agora divulgadas, provavelmente a questão de quem é o culpado será resolvida por interpretação, da qual muitos irão divergir. Só que isso também depende do que acontecerá de agora em diante. Desmerecer Glenn Greenwald por ser homossexual, casado com um parlamentar do PSOL, é um erro, e não apenas por achar que a opção sexual o desqualifica.

 

Júlio César, o grande general romano, dizia-se “mulher de todos os maridos e marido de todas as mulheres”. Alcibíades, o general ateniense que, ao mudar de lado, ajudou a definir a vitória de Esparta na Guerra do Peloponeso, foi amante de Sócrates. Greenwald sabe como divulgar as coisas: trabalhou com Edward Snowden, hoje asilado na Rússia, que divulgou informações a respeito dos programas de monitoramento de opinião do Governo americano, é próximo de Julian Assange, conhece o jogo. Querer expulsá-lo é burrice, é levar para o mundo inteiro uma questão que hoje fica por aqui. Que tentem vencê-lo no campo das ideias. É a única vitória definitiva.

 

Sabe mais

 

Greenwald, há muito tempo no Brasil, sabe também que Bolsonaro, sem base parlamentar própria, é quase um refém do Centrão. Derrotar Bolsonaro, popular, com uma legião de fãs que beiram o fanatismo, é impossível. Mas é possível prejudicar muito o seu Governo entregando-o amarrado ao Centrão.

 

Qual é a fonte?

 

Aqui está uma questão intrigante: de onde saíram as transcrições? Dizem que Moro e Dallagnol tiveram os telefones interceptados (“hackeados”), mas o aplicativo Telegram afirma que não houve violação do sigilo. O Telegram tem sede em Dubai e seu principal acionista é russo. Pode estar mentindo. E pode não estar.

 

É bom lembrar que, sempre que se aproxima a reforma da Previdência, que incomoda altos funcionários, acontece alguma coisa que a impede. Da última vez, foi a divulgação da conversa entre Joesley Batista e o presidente Michel Temer (a propósito, vale ler Traidores da Pátria, livro de Cláudio Tognolli, pela Editora Matrix, sobre os irmãos Batista). Digamos que algum alto funcionário insatisfeito tenha tido acesso às mensagens e se tenha interessado em utilizá-las para dinamitar o atual projeto de reforma. Nada é impossível. Só que agora não vai funcionar: o Centrão, coordenado pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia, está comprometido com ela.


quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

Viva o Brasil dos (bem) aposentados - Carlos Brickmann

Bem aposentados

 

Há meses o país debate a reforma da Previdência – e fomos informados de que, se não houver reforma, o Tesouro quebra. Goiás, depois de longo período de Governo tucano, está em situação de emergência financeira. Mas nem todos ficam tristes: a folha de pagamento oficial de auditores fiscais, alguns na ativa, alguns aposentados, mostra que em dezembro o menor salário foi de R$ 54.893,00 – mais de 50% acima do recebido pelos ministros do Supremo Tribunal Federal, o máximo que poderia ser pago se no Brasil a lei fosse cumprida. O maior pagamento é de R$ 58.797,00.

 

Muito bem aposentados

 

Mas não inveje os auditores fiscais de Goiás: na Bahia, igualmente com imensas dificuldades financeiras, há pagamentos mais substanciosos. Bom exemplo é a folha de dezembro de desembargadores ativos e inativos. O mais bem aquinhoado recebeu, líquidos, após os descontos, R$105.346,66. No meio há quatro ganhando pouco acima de R$ 95 mil (e um, menos favorecido, ganhando apenas R$ 90 mil e algumas quireras). O mais mal pago das Excelências tem de sobreviver com R$ 32.370 mensais – e, como é salário líquido, também superior aos vencimentos dos ministros do STF, que deveriam ser o teto dos pagamentos feitos a servidores públicos.

 

Claro, este salário é em folha. Vantagens extras, como carro com chofer, gasolina, plano de saúde e vale-refeição, são pagas por fora.


Carlos Brickmann, 13/02/2019

domingo, 6 de janeiro de 2019

Aristocracia do Ancien Regime: juízes em geral, do trabalho em especial

O Judiciário como um todo, os juízes em especial, mas com ênfase, é o mais próximo que temos da aristocracia do Antigo Regime, antes da guilhotina, claro.
Acho que alguns merecem...
Paulo Roberto de Almeida
Gramado, 6/01/2019

Da Coluna de Carlos Brickman, 6/01/2019

Voa, dinheiro! 1

 

Por que Bolsonaro pensa em acabar com a Justiça do Trabalho? Pelo custo: a Justiça do Trabalho tem pouco menos de 10% das unidades judiciárias do país, mas consome 20% da verba. São R$ 85 bilhões no total, dos quais a Justiça do Trabalho gasta R$ 17 bilhões. Justiça do Trabalho existe numa série de países, não apenas aqui, mas lá fora é mais barata.

 

Voa, dinheiro! 2 

 

Números oficiais, levantados pelo Novo Jornal, de Natal: os espantosos 50 maiores salários do Rio Grande do Norte (pagos em junho). O maior foi de R$ 179.887,06, pago a uma desembargadora federal do Tribunal Regional do Trabalho. O menor, de R$ R$ 40.185,15, foi pago a uma juíza de terceira entrância, do Tribunal de Justiça. Mesmo o menor é mais alto que o teto do funcionalismo público, o pago aos ministros do Supremo Tribunal Federal.

 

Todos, sem exceção, trabalham na área do Direito: juízes, promotores, desembargadores – e um solitário técnico judiciário, com R$ 52.312,17.

quarta-feira, 15 de agosto de 2018

Os "mortos-vivos" da guerrilha do Araguaia no livro de Hugo Studart - Carlos Brickamnn

ESTÃO VIVOS MAS MORRERAM

COLUNA CARLOS BRICKMANN

EDIÇÃO DOS JORNAIS DE QUARTA-FEIRA, 15 DE AGOSTO DE 2018

 

Carmen Navarro Rivas recebeu todos os documentos que atestam a morte de seu filho, Hélio Luiz Navarro de Magalhães. Mas, há mais de 40 anos, tem certeza de que ele continua vivo, com nova aparência e outro nome. Hélio Luiz, diz o jornalista e professor Hugo Studart, em livro ontem lançado no Rio, é um morto-vivo: foi preso na Guerrilha do Araguaia e delatou os velhos companheiros para continuar vivendo. Borboletas e Lobisomens, o livro, diz que, apesar da ordem do presidente Médici de matar todos, seis outros guerrilheiros foram poupados em troca de colaboração. E, para que não fossem mortos como vingança, anunciou-se que mortos já estariam.


O livro provocou duros protestos de famílias dos guerrilheiros citados: dizem que é falso. O jornalista Fernando Portela, autor de ótimos livros sobre a guerrilha, disse que jamais ouvira falar de guerrilheiros poupados: todas as suas fontes garantiram que nenhum sobrevivera. Mas é difícil, prossegue, dizer que é falso um livro tão detalhado, com tantas fontes.


Há informações que são verificáveis, como: “Com o falecimento de seu pai, em 1999, Hélio Luiz se apresentou à Receita Federal, em 8 de agosto de 2001, com sua verdadeira identidade, a fim de regularizar o CPF e liberar inventário. Ato contínuo, forneceu à Justiça documento no qual abria mão dos direitos sobre o imóvel no qual seu pai residia com a segunda mulher, Elza da Costa Magalhães”. Há documentos? É buscá-los.


A guerrilha

O PCdoB, Partido Comunista do Brasil, defendia a luta armada contra o regime militar; e organizou a Guerrilha do Araguaia, que resistiu a duas ofensivas militares convencionais e foi destruída pela terceira, na qual a ordem era extrair informações dos guerrilheiros aprisionados, fosse como fosse, e depois matá-los, levando os corpos para destino desconhecido.  Diz Studart, no livro, que num pequeno hiato de poder, quando Médici passou a presidência para Geisel, houve gente poupada em troca da delação.


Todos os detalhes

O capítulo 19 do livro de Studart, em que narra essa história, com nome, codinome e fotos dos guerrilheiros apontados como mortos-vivos, está em http://www.chumbogordo.com.br/20390-sonata-para-carmen-siga-a-pista-e-leia-esse-capitulo-para-o-incrivel-trabalho-do-historiador-hugo-studart/


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Sonata para Carmen. 

Siga a pista (e leia esse capítulo) para o incrível trabalho do historiador Hugo Studart

CONHEÇA TODO O EXCELENTE TRABALHO DE STUDART, QUE TAMBÉM É JORNALISTA, ALÉM DE HISTORIADOR.

Operação Mortos Vivos, a história dos guerrilheiros que fizeram delação premiada e trocaram de identidade


Operação Mortos Vivos, a história dos guerrilheiros que fizeram delação premiada e trocaram de identidade

SONATA PARA CARMEN¹

(CAPÍTULO 19 DO LIVRO “BORBOLETAS E LOBISOMENS”, DO HISTORIADOR HUGO STUDART, QUE REVELA NOVOS FATOS E ASPECTOS DA GUERRILHA DO ARAGUAIA)

(…) Carmen Navarro Rivas atravessou quatro décadas à espera de uma música. Qual? Ora, ela nunca contou, jamais revelou. É um segredo, um dos mais fechados dentre os arquivos secretos da ditadura militar brasileira. Mas a espera foi torturante. Carmen aguardou a chegada dos acordes que seu filho Hélio Luiz Navarro de Magalhães compôs antes de partir. A última vez que se viram foi em 1970. Hélio tocou-lhe a composição e partiu. Tinha 21 anos. Foi se juntar a um punhado de estudantes que montavam uma guerrilha na região do Araguaia. Era estudante de Química, falava francês, tocava piano e compunha músicas. Adotou o codinome de Edinho e aprendeu sozinho a tocar flauta. Hoje figura na lista dos 243 desaparecidos da ditadura[2].
O coração de mãe, as informações que apura, tudo dá conta que Hélio Luiz sobreviveu à aventura e que atravessou mais de quarenta anos resguardado sob a identidade que lhe arrumaram os militares. Por muitos anos Carmen alimentou a esperança de abraçar o filho ao menos uma vez. Em fins de 2016, aos 87 anos, lúcida, culta e bem informada, estava conformada em receber um singelo sinal de vida – a música que lhe compôs antes de se transformar num “desaparecido”. Somente os dois conhecem os acordes. Poderiam chegar por e-mail anônimo, ou via CD postado no Correio. Ela só esperava esse acalento.
A história por trás desse drama é delicada – e provoca tantas fúrias quanto são as lágrimas derramadas por Carmen. Já é aceito, historicamente, que em fins de 1973, depois de duas campanhas militares dentro das Leis da Guerra, o presidente Emílio Médici deu ordens ao Exército para caçar e aniquilar por completo os 47 guerrilheiros que ainda lutavam no Araguaia. Não queria ninguém vivo. Coube a Ernesto Geisel, seu sucessor, cumprir a ordem.
Ocorre que pelo menos sete deles teriam sido poupados. Uso aqui os verbos na condicional, em sinal de prudência acadêmica. Esses guerrilheiros, que passaram a ser chamados de “mortos-vivos” pelos militares, teriam feito acordo (hoje chamado de delação premiada) e recebido novas identidades. Tal qual ocorre nos decantados programas de proteção às testemunhas dos Estados Unidos, pelo acerto, não poderiam sequer procurar suas famílias. Teriam que “morrer” da antiga vida e “renascer” com outra história. Alguns seguiram a ordem com rigor, como Hélio Luiz.
A Operação Mortos-Vivos encontra-se nas categorias dos chamados “segredos de Polichinelo”, inclusive com alguns dos nomes dos sobreviventes conhecidos há quatro décadas por grande parte dos antigos militares da repressão, e há mais de vinte anos pelos militantes dos Direitos Humanos. O ex-ministro Jarbas Passarinho já revelou, reafirmou e confirmou em entrevistas à imprensa a existência dos “mortos-vivos”; contou ainda que empregou dois deles no Ministério da Educação e Cultura, MEC, quando era o titular da pasta no governo de Emílio Médici.
Em janeiro de 2011, o Ministério da Defesa e a Advocacia-Geral da União entraram com pedido junto à Justiça Federal para que a Polícia Federal investigue a possibilidade de alguns dos guerrilheiros que constam na lista dos desaparecidos políticos, na verdade, terem sobrevivido. A juíza Solange Salgado, da 1ª Vara da Justiça Federal em Brasília, responsável pela sentença que obriga a União a procurar pelos desaparecidos do Araguaia, acatou o pedido e expediu ordem à Polícia Federal(…)
A imagem pode conter: Hugo Studart, sentado

domingo, 17 de julho de 2016

From the shores of Tripoli to the sands of Syria and Irak? - Carlos Brickmann

O DESPERTAR DOS CANHÕES
Coluna Carlos Brickmann
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(Edição dos jornais de Domingo, 17 de julho de 2016)
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Quando uma esquadra britânica partiu rumo às ilhas Malvinas, houve especialistas em política internacional que apostaram numa solução pacífica do conflito com a Argentina. Mas nunca os ingleses despacharam uma frota, caríssima, sem que o final tenha sido a rendição dos inimigos ou a guerra. No caso, houve guerra (que levou ao final da ditadura argentina).

Ações de banditismo ou guerrilha no caminho da Europa sempre terminaram em guerra ou destruição dos bandos. A guerra traz resultados mais rápidos, permitindo o desmonte das quadrilhas. E os sucessivos atentados do Estado Islâmico e similares não levarão à vitória dos terroristas nem a anos de insegurança na Europa. O cheiro é de pólvora.

Quando os Estados Unidos se formaram, não se falava em forças de ataque. Mas os piratas berberes africanos tornaram a navegação um risco tremendo, com mortes, escravizações, sequestros. Não havia como combatê-los navio a navio: atacavam perto da costa da África, dominavam as presas e voltavam para seus esconderijos. Americanos e europeus agiram: os americanos primeiro, montando uma força de deslocamento rápido, os Fuzileiros Navais (em seu hino, fala-se das Praias de Trípoli); os franceses alguns anos depois, tomando toda a Argélia e anexando-a.

Quanto tempo a Europa irá suportar os atentados? A tese de que não basta matar formigas, e é preciso eliminar os formigueiros, significa guerra.

Enquadrando o alvo
A situação de hoje difere da que havia no século 19 - a começar pela presença de duas forças militares de porte, China e Rússia, cuja posição pode variar. Mas negociações existem para isso. A Ucrânia foi dividida apesar da oposição do Ocidente; a Líbia e o Afeganistão, destruídos apesar dos russos. E a Rússia, cheia de enclaves muçulmanos, sabe negociar.

quarta-feira, 22 de junho de 2016

Dimensoes internacionais da corrupcao companheira na era lulopetista - Carlos Brickmann

Apenas transcrevendo, como compete a este blog que trata de tudo o que é internacional no Brasil (ou quase tudo, menos futebol e modelos de moda), e que se interessa sempre em saber o que é que a diplomacia tem a ver com tudo isso.
Paulo Roberto de Almeida

Da coluna diária de Carlos Brickmann, 21/06/2016

Ação empresarial
Os fatos como os fatos são: para dar conta do matagal de propinas no Brasil e no Exterior, a Odebrecht comprou um banco no paraíso fiscal de Antigua, na América Central. O Meinl Bank Antigua, que antes tinha sido a base off-shore de um antigo banco austríaco, chegou a controlar 42 contas no Exterior, administrando entradas e saídas de fundos secretos - um pouco mais de US$ 130 milhões, ao mesmo tempo.

Ação prática
Por mais precisas que sejam, as delações jamais terminam: sempre sobra uma peninha (que, nas palavras do ministro Teori Zavascki, quando são puxadas revelam mais uma galinha), O mercado está na expectativa de novas revelações de Sérgio Machado sobre pedras preciosas na lavagem de dinheiro. São muito práticas: substituem milhares de dólares e são difíceis de monitorar. Há quem diga que boa parte do ótimo relacionamento dos governos petistas com Angola envolve diamantes, e com um toque religioso que aparece até no nome das instituições financeiras envolvidas. Delação premiada deve incluir tudo - inclusive temas delicados como esse.

Ação oficial
Ah, as relações sociais do Brasil dilmista com os países pobres, mas amigos, irmãos e cooperativos! Angola, que transformou a filha do seu presidente em mulher mais rica da África, recebeu R$ 14 bilhões; a Venezuela, detentora das maiores reservas de petróleo do mundo, R$ 11 bilhões. Seguem-se República Dominicana, R$ 8 bilhões; Argentina, R$ 7,8 bilhões; Cuba, R$ 3 bilhões; Peru, R$ 2 bilhões; Moçambique, R$ 1,5 bilhão. No total, incluindo empréstimos menores, R$ 50,5 bilhões - quase um terço do déficit público que inferniza o atual Governo e que foi responsável por boa parte da crise que consumiu o Governo Dilma.

quarta-feira, 9 de março de 2016

Historia do Brasil: o golpe de 1964 foi feito para durar 21 anos? - Carlos Brickmann e Paulo Roberto de Almeida

Meu comentário ao artigo abaixo de Carlos Brickmann, um jornalista que leio regularmente, segue logo após a transcrição de seu artigo, recebido há pouco.
Está em forma de carta pois foi assim que mandei ao autor.
Paulo Roberto de Almeida

DE VOLTA PARA O FUTURO
Carlos Brickmann
Edição para os jornais de Quarta-feira, 9 de março de 2016

Na semana que vem, este evento fará 52 anos. Eu atravessava o centro de São Paulo a pé quando cruzei com impressionante multidão, liderada por uma freira, a Irmã Ana de Lourdes, mais o governador, deputados - na época, atraíam público. Dizem que até um metalúrgico, que ficaria famoso, marchou com Deus pela liberdade. Foi difícil passar pela massa, chegar à Folha e comentar: "Tem gente pra caramba". Contestação imediata dos colegas de esquerda: na rua só havia milionários. Todos? Não: para fazer volume, tinham levado babás e empregadas.

Nos dias seguintes, mais negativas. A cada general que se declarava contra o Governo de João Goulart, citava-se outro que defendia o presidente. Havia as Ligas Camponesas, que invadiriam as cidades para dar apoio a João Goulart. O dispositivo militar, generais de muitas estrelas, a Casa Militar, o 3º Exército, o 2º Exército do general Kruel, amigo de Goulart. Cabos e sargentos rejeitariam ordens superiores e defenderiam o regime. Tinha roubalheira em Brasília? Tinha, mas em São Paulo também havia. Luís Carlos Prestes, maior líder comunista, proclamava a vitória: "Já estamos no governo, só falta alcançar o poder".

As Ligas Camponesas se evaporaram, o dispositivo militar não havia, o 3º Exército foi neutralizado, o general Kruel marchou contra o amigo Jango. Tivemos 21 anos de ditadura e sofrimento. Ninguém aprendeu, só esqueceu. Mudança? Em vez de chamar os adversários de gorilas, agora os chamam de coxinhas.

Parece familiar? E é. Mas Lula e PT parecem felizes de buscar o confronto.
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Carta-comentário de Paulo Roberto de Almeida:

   Com perdão que lhe diga, mas para quem lê todos os seus artigos com atenção, este aqui me chocou pela contradição entre o início e o final.
    De fato, há 52 anos a sociedade em geral, a classe média em particular, marchou unida contra o governo. A inflação assustava todos, o espectro do comunismo assustava os militares e alguns empresários (mais preocupados com a deterioração do ambiente econômico e com a inépcia de Jango, que sempre prometia aumentar os salários dos operários e controlar os preços dos alugueis, transportes e outros bens e serviços), e a deterioração geral do ambiente político deixava a todos perplexos, que foram então pedir aos militares que resolvessem o problema (especialmente aqueles que eram candidatos a presidente em 1965, pelo menos três governadores e um ex-presidente, que temiam que as loucuras brizolistas fossem de fato reais: na lei ou na marra). Enfim, deu-se o golpe.
    Mas o que dizer deste parágrafo muito simplista?
    “As Ligas Camponesas se evaporaram, o dispositivo militar não havia, o 3º Exército foi neutralizado, o general Kruel marchou contra o amigo Jango. Tivemos 21 anos de ditadura e sofrimento.”
    Não, ninguém previa, nem os próprios militares, uma duração tão longa para o golpe. Castello Branco, um intelectual entre os militares, e que só tomou a cabeça do movimento para impedir que outros piores do que ele nas FFAA fizessem muita besteira vingativa, um verdadeiro estadista, ainda esperava colocar o Brasil em ordem em poucos meses, e poder presidir ao processo eleitoral em 1965, que devolveria o poder aos civis (ainda que a políticos confiáveis).
    Enfim, as coisas nunca se passam como o esperado e as circunstâncias se precipitaram para mudar radicalmente o cenário, que não tinha nada de muito perverso planejado pelos militares (embora alguns quisessem aproveitar a oportunidade para “limpar o terreno”  de vez, o que não tinham conseguido fazer em 1954, em 1955 e em 1961). Vários militares da chamada linha dura quiseram aprofundar a “revolução”, e vários malucos da esquerda acharam que era hora de imitar Guevara e Fidel Castro ou Mao Tsé-tung. Marighella partiu para Cuba, buscar ajuda dos cubanos para preparar uma insurreição armada, que resultou apenas ser uma mal organizada guerrilha urbana. Os maoístas se prepararam durante anos para uma guerra camponesa, esquecendo que o Brasil não tinha verdadeiros camponeses, pelo menos não na Amazônia, só agricultores de subsistência paupérrimos, que não tinham sequer consciência de serem cidadãos de um país chamado Brasil (na verdade nem o eram, pois analfabetos não votavam). Os verdadeiros camponeses, os imigrantes europeus do sul do país, eram “pequeno burgueses” diriam os marxistas do Partidão. Aliás, o próprio Brizola recebeu dinheiro do Fidel para organizar um levante armado com militares de esquerda e não fez grande coisa, daí que Fidel passou a chama-lo de El Ratón. Enfim, muitos embarcaram na aventura armada, o que só redundou, justamente, em mais ditadura e sofrimento.
    Tudo bem com seu artigo, mas essa coisa de que em 1964 partimos para 21 anos de ditadura e sofrimento não cola, pois não era verdade, não foi planejado. Só se tornou verdade aos poucos, e em grande medida graças à esquerda estúpida, que despertou os instintos mais primitivos da tigrada dos quartéis.
    Para quem, como eu, que me iniciei na resistência e que passou um terço do período militar no exílio, a verdade histórica continua a ser importante, mesmo contra certas opiniões simplistas...
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Paulo R. de Almeida
www.pralmeida.org
diplomatizzando.blogspot.com