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quinta-feira, 31 de outubro de 2019

PCdoB ainda não se livrou do trauma do Araguaia: autor do livro sobre a guerrilha, Hugo Studart, novamente atacado pelo partido

Borboletas e Lobisomens: a guerrilha do Araguaia, de Hugo Studart
Um comentário, por Paulo Roberto de Almeida

Dois anos atrás, o jornalista Hugo Studart procurou-me na direção do IPRI – onde eu me divertia intelectualmente, antes de ser defenestrado por um chanceler sem qualquer senso de humor – para mostrar-me sua tese de doutorado em História, na UnB, sobre a guerrilha do Araguaia.
Imediatamente constatei a qualidade da pesquisa, o rico conteúdo descritivo, objetivo, factualíssimo, embora recheada, a tese, de inúmeros academicismos supérfluos, que atrapalhavam a leitura de uma excelente história sobre uma das grandes tragédias da luta armada no Brasil, a insana aventura "maoísta" do PCdoB nas selvas do Araguaia, e a terrivelmente cruel operação (em três fases) das FFAA para extirpar completamente aquele "quisto" do território brasileiro, mesmo ao custo de execuções sumárias, assassinatos a frio, equivalentes a crimes contra a humanidade, pelos quais os verdadeiros chefes da contra-guerrilha, não apenas seus simples operadores, nunca foram punidos.
Recomendei a "limpeza" da tese de suas superfluidades acadêmicas e a publicação como um simples, mas poderoso livro de história. Já antecipava a contrariedade do PCdoB, o promotor daquela tragédia, junto com o Exército, que nunca fez autocrítica, nem sequer se explicou, por ter enviado à morte um punhado de jovens idealistas, além de alguns militantes e guerrilheiros profissionais. Expliquei isso ao autor, que caberia adicionar um texto sobre a responsabilidade política do PCdoB, que o partido sempre se recusou a fazer.
Ele então me convidou para escrever algo a respeito, o que fiz, de forma displicente, ou seja, um texto puramente opinativo, no estilo "falta alguém em Nuremberg", mas que ainda assim ele insistiu por colocar em posfácio ao livro já planejado.
Eis o meu registro de minha colaboração ao livro, sendo que o posfácio publicado apenas resumia meu texto original, razão pela qual eu disponibilizei a versão integral em meu blog: 

     1285. “Uma tragédia brasileira: a loucura amazônica do PCdoB”, Posfácio a Hugo Studart: Borboletas e Lobisomens: vidas, sonhos e mortes dos guerrilheiros do Araguaia (Rio de Janeiro: Editora Francisco Alves, 2018, 660 p.; ISBN: 978-85-265-0490-5; pp. 503-507). Versão original publicada no blog Diplomatizzando (9/07/2018; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2018/07/golpes-revolucoes-e-movimentos-armados.html). 

Agora, depois de muitos ataques do PCdoB ao livro e ao seu autor, e ainda querendo esconder a verdade, o "historiador oficial" – esse título parece um escárnio, mas combina com as mentalidades ainda stalinistas do partido – vem com mais pedras na mão protestar contra o fato de que o livro entrou na lista dos finalistas do prêmio Jabuti. É seu direito.
Como também é direito do autor expor claramente o que está acontecendo, depois de todas as campanhas que o PCdoB fez contra a obra (que eu julgo uma excelente ajuda involuntária em termos de marketing, o que vale um exemplar grátis para o partido sortear entre os seus aguerridos e stalinistas membros).
Transcrevo, pois, o texto que me foi enviado por Hugo Studart, e não recomendo a leitura da "resenha" do stalinista, ops, historiador oficial do PCdoB, mas cada um é livre para escolher suas melhores leituras.
Paulo Roberto de Almeida
São Paulo, 31 de outubro de 2019


Nota de Hugo Studart sobre mais um ataque do PCdoB ao seu livro:

O Partido Comunista do Brasil, PCdoB, publicou manifesto violento em seu site oficial, o Vermelho.com.br, protestando contra a indicação a finalista do Prêmio Jabuti de Literatura 2019 do livro "Borboletas e Lobisomens - Vidas, sonhos e mortes dos guerrilheiros do Araguaia", de minha autoria.

Trata-se do 25º artigo-manifesto do partido contra a obra, resultado de minha Tese de Doutorado em História pela Universidade de Brasília. Assinado pelo historiador oficial do partido, Osvaldo Bertolino, são usados mais de 20 xingamentos ou adjetivos desqualificativos contra a obra, o autor e jornalistas que porventura tenham escrito artigos elogiosos (ou neutros): "livro farsa", "caluniador", "mentiras cabeludas", "crápula", "poço de imundice", "vazio de inteligência" e "pastel de camarão".

Eis um trecho do manifesto:

O autor optou por mobilizar um séquito de figurões moralmente subqualificados da mídia para defendê-lo. As palavras mentirosas surgiram das bocas e mãos de gente como — entre tantos outros — Alexandre Garcia (ex-Globo e ditadura militar), José Nêumanne Pinto (O Estado de S. Paulo), José Roberto Guzzo (revista Veja) e Augusto Nunes (Rádio Jovem Pan). Eles se esforçaram para tentar salvar a obra farsesca de Studart, mas o que saiu foi a velha semântica anticomunista, esvaziada por frases retorcidas e intelectualmente indigentes.

O partido também já organizou quatro atos de escracho públicos; piquete contra o lançamento no Rio de Janeiro; além de publicar 5 horas de gravações no YouTube (quase uma minissérie). Um grupo de militantes procurou a reitora da UnB pedindo para que cassasse meu título de Doutor e, sobretudo, cancelasse o Prêmio UnB de Teses de Doutorado, do qual fui vencedor. Obviamente, ela jamais cometeria tamanha sandice, nem poderia.

Em outro trecho, o manifesto do PCdoB compara "Borboletas e Lobisomens" à obra "A Terra", de Emile Zola:

"Ele tentou escrever um livro que impressionasse pela brutalidade dos detalhes, pelas cenas de vulgaridades que beiram a lascívia e chegam à fronteira do mau gosto. Seu séquito teve uma reação contrária à dos cinco discípulos mais fiéis de Emile Zola, que lançaram um manifesto de repúdio ao seu livro La Terre (A Terra), no qual se diziam escandalizados. Supomo-nos, ao lê-lo, diante de um tratado de escatologia: o mestre desceu ao fundo do poço da imundície. Anatole France também se pronunciou: “Escrevendo A Terra, o senhor Emile Zola nos deu as geórgicas da crápula.” “Jamais um homem fez tamanho esforço para aviltar a humanidade”, completou.

"Na verdade, a obscenidade alegada na obra de Emile Zola pode ser vista na produção do séquito de Studart. Não pela lascívia, mas pela libertinagem política e ideológica. Eles são mestres na arte de burlar os fatos para roubar a cena".

O jornalista Alexandre Garcia foi especialmente atacado no manifesto -- aliás, tanto quanto este autor. Assim, peço desculpas públicas a Alexandre por ter sido o indutor (ainda que involuntário) de tamanha covardia.

Os amigos podem optar por ler o artigo na íntegra, no link abaixo) Contudo, prefiro que avaliem o conteúdo lendo "Borboletas e Lobisomens":

A obra pode ser adquirida pelo site guerrilhadoaraguaia.com.br (envio com dedicatória)

... ou nas principais redes de livrarias do país, tais como as Livrarias da Vila, Cultura, Martins Fontes, Leitura, Travessa e Argumento. Desde já, grato pela leitura.
Hugo Studart

https://www.vermelho.org.br/noticia/323929-1?fbclid=IwAR1Yq70VfeNU9vgtnEj7VkkYHVKOnhQowwa3KiUZDsbIW8d9otS5sbH08RY

quarta-feira, 15 de agosto de 2018

Os "mortos-vivos" da guerrilha do Araguaia no livro de Hugo Studart - Carlos Brickamnn

ESTÃO VIVOS MAS MORRERAM

COLUNA CARLOS BRICKMANN

EDIÇÃO DOS JORNAIS DE QUARTA-FEIRA, 15 DE AGOSTO DE 2018

 

Carmen Navarro Rivas recebeu todos os documentos que atestam a morte de seu filho, Hélio Luiz Navarro de Magalhães. Mas, há mais de 40 anos, tem certeza de que ele continua vivo, com nova aparência e outro nome. Hélio Luiz, diz o jornalista e professor Hugo Studart, em livro ontem lançado no Rio, é um morto-vivo: foi preso na Guerrilha do Araguaia e delatou os velhos companheiros para continuar vivendo. Borboletas e Lobisomens, o livro, diz que, apesar da ordem do presidente Médici de matar todos, seis outros guerrilheiros foram poupados em troca de colaboração. E, para que não fossem mortos como vingança, anunciou-se que mortos já estariam.


O livro provocou duros protestos de famílias dos guerrilheiros citados: dizem que é falso. O jornalista Fernando Portela, autor de ótimos livros sobre a guerrilha, disse que jamais ouvira falar de guerrilheiros poupados: todas as suas fontes garantiram que nenhum sobrevivera. Mas é difícil, prossegue, dizer que é falso um livro tão detalhado, com tantas fontes.


Há informações que são verificáveis, como: “Com o falecimento de seu pai, em 1999, Hélio Luiz se apresentou à Receita Federal, em 8 de agosto de 2001, com sua verdadeira identidade, a fim de regularizar o CPF e liberar inventário. Ato contínuo, forneceu à Justiça documento no qual abria mão dos direitos sobre o imóvel no qual seu pai residia com a segunda mulher, Elza da Costa Magalhães”. Há documentos? É buscá-los.


A guerrilha

O PCdoB, Partido Comunista do Brasil, defendia a luta armada contra o regime militar; e organizou a Guerrilha do Araguaia, que resistiu a duas ofensivas militares convencionais e foi destruída pela terceira, na qual a ordem era extrair informações dos guerrilheiros aprisionados, fosse como fosse, e depois matá-los, levando os corpos para destino desconhecido.  Diz Studart, no livro, que num pequeno hiato de poder, quando Médici passou a presidência para Geisel, houve gente poupada em troca da delação.


Todos os detalhes

O capítulo 19 do livro de Studart, em que narra essa história, com nome, codinome e fotos dos guerrilheiros apontados como mortos-vivos, está em http://www.chumbogordo.com.br/20390-sonata-para-carmen-siga-a-pista-e-leia-esse-capitulo-para-o-incrivel-trabalho-do-historiador-hugo-studart/


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Sonata para Carmen. 

Siga a pista (e leia esse capítulo) para o incrível trabalho do historiador Hugo Studart

CONHEÇA TODO O EXCELENTE TRABALHO DE STUDART, QUE TAMBÉM É JORNALISTA, ALÉM DE HISTORIADOR.

Operação Mortos Vivos, a história dos guerrilheiros que fizeram delação premiada e trocaram de identidade


Operação Mortos Vivos, a história dos guerrilheiros que fizeram delação premiada e trocaram de identidade

SONATA PARA CARMEN¹

(CAPÍTULO 19 DO LIVRO “BORBOLETAS E LOBISOMENS”, DO HISTORIADOR HUGO STUDART, QUE REVELA NOVOS FATOS E ASPECTOS DA GUERRILHA DO ARAGUAIA)

(…) Carmen Navarro Rivas atravessou quatro décadas à espera de uma música. Qual? Ora, ela nunca contou, jamais revelou. É um segredo, um dos mais fechados dentre os arquivos secretos da ditadura militar brasileira. Mas a espera foi torturante. Carmen aguardou a chegada dos acordes que seu filho Hélio Luiz Navarro de Magalhães compôs antes de partir. A última vez que se viram foi em 1970. Hélio tocou-lhe a composição e partiu. Tinha 21 anos. Foi se juntar a um punhado de estudantes que montavam uma guerrilha na região do Araguaia. Era estudante de Química, falava francês, tocava piano e compunha músicas. Adotou o codinome de Edinho e aprendeu sozinho a tocar flauta. Hoje figura na lista dos 243 desaparecidos da ditadura[2].
O coração de mãe, as informações que apura, tudo dá conta que Hélio Luiz sobreviveu à aventura e que atravessou mais de quarenta anos resguardado sob a identidade que lhe arrumaram os militares. Por muitos anos Carmen alimentou a esperança de abraçar o filho ao menos uma vez. Em fins de 2016, aos 87 anos, lúcida, culta e bem informada, estava conformada em receber um singelo sinal de vida – a música que lhe compôs antes de se transformar num “desaparecido”. Somente os dois conhecem os acordes. Poderiam chegar por e-mail anônimo, ou via CD postado no Correio. Ela só esperava esse acalento.
A história por trás desse drama é delicada – e provoca tantas fúrias quanto são as lágrimas derramadas por Carmen. Já é aceito, historicamente, que em fins de 1973, depois de duas campanhas militares dentro das Leis da Guerra, o presidente Emílio Médici deu ordens ao Exército para caçar e aniquilar por completo os 47 guerrilheiros que ainda lutavam no Araguaia. Não queria ninguém vivo. Coube a Ernesto Geisel, seu sucessor, cumprir a ordem.
Ocorre que pelo menos sete deles teriam sido poupados. Uso aqui os verbos na condicional, em sinal de prudência acadêmica. Esses guerrilheiros, que passaram a ser chamados de “mortos-vivos” pelos militares, teriam feito acordo (hoje chamado de delação premiada) e recebido novas identidades. Tal qual ocorre nos decantados programas de proteção às testemunhas dos Estados Unidos, pelo acerto, não poderiam sequer procurar suas famílias. Teriam que “morrer” da antiga vida e “renascer” com outra história. Alguns seguiram a ordem com rigor, como Hélio Luiz.
A Operação Mortos-Vivos encontra-se nas categorias dos chamados “segredos de Polichinelo”, inclusive com alguns dos nomes dos sobreviventes conhecidos há quatro décadas por grande parte dos antigos militares da repressão, e há mais de vinte anos pelos militantes dos Direitos Humanos. O ex-ministro Jarbas Passarinho já revelou, reafirmou e confirmou em entrevistas à imprensa a existência dos “mortos-vivos”; contou ainda que empregou dois deles no Ministério da Educação e Cultura, MEC, quando era o titular da pasta no governo de Emílio Médici.
Em janeiro de 2011, o Ministério da Defesa e a Advocacia-Geral da União entraram com pedido junto à Justiça Federal para que a Polícia Federal investigue a possibilidade de alguns dos guerrilheiros que constam na lista dos desaparecidos políticos, na verdade, terem sobrevivido. A juíza Solange Salgado, da 1ª Vara da Justiça Federal em Brasília, responsável pela sentença que obriga a União a procurar pelos desaparecidos do Araguaia, acatou o pedido e expediu ordem à Polícia Federal(…)
A imagem pode conter: Hugo Studart, sentado

quarta-feira, 18 de julho de 2018

A Guerrilha do Araguaia: livro de Hugo Studart lançado em Brasilia

O lançamento foi um sucesso total: permaneci mais de 2 horas no Restaurante Carpe Diem, e a fila tipicamente continuava levando 2 horas de espera. Deve ter vendido mais de 200 livros.
Aqui está o convite. Logo abaixo a minha colaboração e a capa do livro. Depois o meu texto, oferecido como posfácio.

1285. “Uma tragédia brasileira: a loucura amazônica do PCdoB”, Posfácio a Hugo Studart: Borboletas e Lobisomens: vidas, sonhos e mortes dos guerrilheiros do Araguaia(Rio de Janeiro: Editora Francisco Alves, 2018, 660 p.; ISBN: 978-85-265-0490-5; p. 503-507). Versão original publicada no blog Diplomatizzando(9/07/2018; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2018/07/golpes-revolucoes-e-movimentos-armados.html). Relação de Originais n. 3255.


Uma tragédia brasileira: a loucura amazônica do PCdoB

Paulo Roberto de Almeida
Diplomata; professor no Uniceub.
 “Uma tragédia brasileira: a loucura amazônica do PCdoB”, Posfácio a Hugo Studart: Borboletas e Lobisomens: vidas, sonhos e mortes dos guerrilheiros do Araguaia(Rio de Janeiro: Editora Francisco Alves, 2018, 660 p.; ISBN: 978-85-265-0490-5; p. 503-507). Versão original publicada no blog Diplomatizzando(9/07/2018; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2018/07/golpes-revolucoes-e-movimentos-armados.html). Relação de Originais n. 3255; Relação de Publicados n. 1285.

Grandes revoluções sociais são fenômenos extremamente raros na história da humanidade. Ainda bem: elas provocam destruições enormes, uma grande mortandade de civis inocentes, perdas materiais significativas e muito raramente transformam para melhor as nações nas quais ocorrem. Geralmente necessitam ajustes adicionais, também dolorosos, para produzir efeitos reais no itinerário político ou econômico das nações onde ocorrem. Costumam “devorar” os seus filhos, consumindo, literalmente, lideranças inteiras de revolucionários improvisados; muitos deles desaparecem na voragem de combates, em novas insurreições, em golpes de palácio e o que mais houver.
As verdadeiras revoluções são raras por um motivo simples: elas não são feitas, apenas acontecem, sem que se possa prever antecipadamente sua ocorrência e seus desenvolvimentos. Muito mais frequentes e numerosos são os golpes de Estado, as quarteladas militares, o assalto planejado ao poder, as insurreições urbanas, revoltas rurais esparsas nos campos e outras mudanças de governo e ascensão de novas elites. Isso ocorre quando o antigo regime tenta se reformar, como evidenciou genialmente Tocqueville em O Antigo Regime e a Revolução(1848). Essas tomadas de poder, pela via da violência, se tornaram tão frequentes numa época – como o putsch de Lênin, em 1917, ou a marcha de Mussolini, em 1922 – que escritor italiano Curzio Malaparte, bom observador desses fenômenos, escreveu um manual, Técnica do Golpe de Estado, dois anos antes da ascensão de Hitler, em 1933, inaugurando uma tirania absoluta pela via “legal” das eleições; décadas depois, Hugo Chávez inaugurou um ciclo de “consultas populares” para a construção da sua “ditadura plebiscitária”.
E como foi no Brasil? Tivemos muitos golpes de Estado, é verdade, várias quarteladas, algumas guerras civis embrionárias – nas regências, como a revolução farroupilha no Sul, a revolta da Armada, no início do regime republicano, e a “guerra paulista”, no governo provisório de Vargas – mas nenhuma revolução social de caráter nacional digna desse nome. O abolicionismo que Nabuco pregava – que deveria ter sido seguido de reforma agrária e de uma revolução educacional, depois da abolição da escravidão – talvez merecesse esse epíteto, mas infelizmente não foi o caso. A revolução “liberal” de Minas Gerais, em meados do século XIX, ou as revoluções de Pernambuco – autonomista em 1817, republicana e federalista em 1824, nacionalista e “socialdemocrata” em 1848 – não se qualificam como verdadeiras revoluções sociais, ao mesmo título que outros exemplos na História, inclusive a própria Inconfidência mineira antes da independência. Em geral, foram movimentos conduzidos por elites esclarecidas, raramente processos saídos de “massas oprimidas”, mesmo com revoltas escravas ou de populações periféricas, todas extremamente marginais do ponto de vista político. Até praticamente o final do Império, o Brasil rural e atrasado, não tinha massas urbanas organizadas, como passou a ter depois, com a imigração e a industrialização.
O que mais tivemos foram intervenções das Forças Armadas motivadas por crises políticas, aliás na própria inauguração da República, para sepultar a monarquia já decadente. Ocorreram pequenas e grandes tragédias ao longo do século republicano: o messianismo de Canudos, erradamente interpretado como uma revolta monárquica contra a República, como no caso da revolta da Armada, o Contestado nos limites do Paraná e Santa Catarina, e várias revoltas de tenentes, para “liquidar” a república “carcomida”. Nessa categoria entra a “Coluna Prestes”, supostamente um prelúdio à Grande Marcha do Exército Vermelho de Mao Tsé-tung, mas que criou um mito, o do “Cavaleiro da Esperança”, aproveitado pela Internacional Comunista para teleguiar, de Moscou, a “intentona” de novembro de 1935, que constituiu, certamente, a primeira grande tragédia do comunismo no Brasil.
Essa tentativa de assalto ao poder, comandada por um bando de trapalhões, como demonstrado no livro de William Waack, Camaradas, vacinou definitivamente as Forças Armadas contra uma das mais poderosas ideologias do século XX, junto com o fascismo, e fez do anticomunismo a doutrina oficial, e permanente, do Estado brasileiro, condenando de antemão ao fracasso qualquer nova aventura nessa direção. A disposição ficou patente logo em seguida à intentona, materializada na Lei de Segurança Nacional, nos tribunais de repressão aos “maus elementos” nas hostes militares e, sobretudo, na dura repressão a todos os dissidentes da nova ditadura, o Estado Novo (1937-1945), pela polícia política comandada pelo Sr. Filinto Muller.
Os revolucionários dos anos 1960 se esqueceram talvez do precedente de 1935, que aliás não era objeto de tantas comemorações oficiais até que a inauguração de um novo, e longo, ciclo militar transformasse o mês de novembro, ao lado, obviamente, do 31 de março, num marco obrigatório dos pronunciamentos político-militares do novo regime. Aqueles que optaram, desde o início do período autoritário, pelo caminho da resistência armada ao “governo golpista”, à “ditadura militar”, ao “regime servil ao imperialismo”, o fizeram por sua própria conta e risco, numa completa inconsciência sobre as condições reais do “movimento popular”; sobrestimaram o apoio que teriam das “massas trabalhadoras”, operárias e camponesas, às suas aventuras guerrilheiras. “Cutucaram onça com vara curta”, como se diz na linguagem popular, e aprenderam duramente que o Estado brasileiro não era um simples títere do imperialismo americano, ou um “tigre de papel”, como repetiam os maoístas do movimento comunista brasileiro. 
Justamente, uma das maiores tragédias da história política brasileira recente, ao lado de episódios de guerrilha urbana rapidamente desbaratados pela repressão, é constituída pela incursão maoísta nas selvas do Araguaia, tal como descrita neste relato histórico exemplar do jornalista Hugo Studart. Além de ter honesta e objetivamente reconstituído essa loucura militar do PCdoB, seu relato precisa servir de denúncia dessa iniciativa insana dos dirigentes maoístas brasileiros, uma vez que ela levou jovens idealistas das cidades a uma morte estúpida nas matas da Amazônia. Antes dela, na impossibilidade de reprodução de uma insurreição ao estilo castrista da Sierra Maestra, dirigentes comunistas, seguidos por revolucionários das grandes metrópoles, já se tinham lançado na aventura da guerrilha urbana, sem muita estratégia e quase nenhuma tática, a não ser os canhestros assaltos a bancos, ataques a quarteis, alguns sequestros de diplomatas e de aviões, e uns poucos deploráveis assassinatos de pessoas, rapidamente aproveitados pelo regime militar para apegar-lhes o rótulo de “terrorismo”. Tudo isso ajudou ao endurecimento do regime, pela via do AI-5. A guerrilha urbana e alguns poucos focos esparsos foram expedita e duramente reprimidos pelas forças da repressão, tomadas de surpresa no início do processo, mas rapidamente organizadas sob comando militar e muitos apoios em setores das elites econômicas.
Bem mais complicado foi o episódio amazônico, a segunda vez na história das Forças Armadas, depois de Canudos, que elas tiveram de organizar expedições sucessivas de suas tropas para debelar focos reduzidos de “combatentes inimigos”, fracamente armados, mas que aparentavam representar um grande perigo para o regime republicano. Ambos episódios foram tragédias sociais, mas pode-se considerar aquele primeiro apenas o fruto de equívocos de interpretação de uma república “jacobina”, enfrentando o que seria a sua “Vendeia”, segundo as leituras francesas de um Euclides da Cunha. O segundo não: foi uma tragédia evitável, e cabe aqui responsabilizar direta e totalmente a direção irresponsável do PCdoB pelo imenso crime perpetrado contra um punhado de militantes idealistas, imaginando participar de um grande empreendimento de resgate social, e justiceiro, do pobre povo do interior, numa reprodução quixotesca do que teria sido a “guerra camponesa” de Mao Tsé-tung, então no auge do um prestígio inteiramente indevido, pela “revolução cultural” que ele tinha deslanchado para livrar-se de adversários no Partido Comunista Chinês. 
O PCdoB ainda não foi levado aos tribunais da história pelo crime cometido não apenas contra os pobres camponeses da região, mas sobretudo contra os seus próprios militantes enganados por uma direção dogmática, míope, absolutamente delirante em seus projetos de reproduzir a marcha de uma já mistificada “revolução camponesa” ao estilo chinês. Acresce que jamais fizeram um estudo aprofundado sobre uma região desprovida de condições mínimas de sobrevivência para os simples rurícolas, no estado normal de penúria que sempre foi a norma naquelas paragens, ainda mais para jovens urbanos de classe média, completamente desacostumados às durezas da agricultura de subsistência, extremamente primitiva, que caracterizava o imenso hinterland do Brasil. Não contente em enganar aqueles jovens, a direção do PCdoB ainda deixou-os entregues à própria sorte, totalmente desprovidos de meios para enfrentar as forças organizadas do Exército brasileiro, que ainda tatearam duas vezes, antes de se lançarem no trágico desfecho final, feito de violência excessiva e muitas ilegalidades, e mesmo crimes, perpetrados em nome do Estado. 
Sem dúvida que, como no caso do enfrentamento contra a guerrilha urbana, as forças de repressão cometeram crimes horríveis – torturas, assassinatos, eliminação de alvos escolhidos, desaparecimento de cadáveres –, o que se reproduziu em outra escala, e estilo, nas selvas do Araguaia. O crime maior, porém, de natureza política, de âmbito militar, e de dimensões históricas, foi cometido por aqueles dirigentes comunistas, de quase todos os movimentos de resistência armada, que resolveram travar uma “guerra” contra um inimigo que eles julgavam frágil, podendo ser abatido por alguns golpes “certeiros”, que apressariam a revolta das “massas trabalhadoras” e a derrocada de uma ditadura supostamente acuada pela crise econômica e pelas “contradições” de um regime capitalista periférico, submetido às “pressões imperialistas”. Quando se lê, hoje, os poucos manifestos, documentos programáticos e outros boletins “táticos” produzidos pelos dirigentes desses movimentos armados, impossível não ficar estupefato ante o imenso festival de equívocos políticos, de monumentais erros estratégicos, de total inconsciência social e de inconsistência intrínseca nessas peças de puro delírio sectário, que ainda assim ganhavam adeptos entre jovens revoltados contra a ditadura militar. 
Ao PCdoB, tanto quanto às Forças Armadas, e talvez até mais do que a essas, devem ser imputados a responsabilidade material e a condenação política da História, pela tragédia que foi a guerrilha do Araguaia, um delírio tão grande dos seus dirigentes, que nem mesmo os supostos aliados do PCC pretenderam sequer dar algum sinal de apoio concreto ao aventureirismo, a não ser algumas poucas emissões radiofônicas a partir da China e, logo depois, da Albânia. Esse julgamento ainda não foi feito, pelo menos não em toda a sua extensão, pois o PCdoB continua existindo como o legatário de uma aventura alucinante, pouco conhecida pela maioria da população, mas em relação à qual ele ainda pretende classificar como exemplo de “resistência popular” contra a “ditadura militar”, quando tudo não passou de uma tragédia dispensável e de um equívoco lamentável. 
O tribunal da História ainda aguarda o PCdoB: seu delírio político-militar não pode ficar impune, não pode continuar a ser mistificado ou permanecer desconhecido do grande público. Este livro, magnificamente construído segundo as melhores técnicas da história oral, e que adota o rigor metodológico dos grandes manuais da historiografia, focaliza cada etapa dessa tragédia brasileira, segue o itinerário individual de cada um dos embrenhados na selva, dialoga com seus familiares e amigos dos enviados a um desterro involuntário, além de, sobretudo, desvendar o comportamento indigno e a ação irresponsável dos dirigentes do PCdoB. Essa insanidade dos que montaram uma aventura de antemão condenada ao fracasso, mas que depois se escafederam nos desvãos desse drama patética, permanecia até hoje desprovida de uma avaliação independente, agora amplamente realizada por esta obra de pesquisa original. O PCdoB ainda não conheceu o seu tribunal da história: este livro, além de ser um relato intelectualmente honesto, tão objetivo quanto permitem os documentos remanescentes e os depoimentos disponíveis, sobre o delírio amazônico do (ainda hoje) único partido maoísta do Brasil, constitui, igualmente, uma vibrante peça de acusação, absolutamente necessária, para que esse processo possa ser feito. Vale ler, refleti sobre os seus dados, retirar as consequências e meditar sobre o futuro da política no Brasil. 

Brasília, 25 de março de 2018
Revisto em 12 de maio de 2018.
Versão original, completa, publicada no blog Diplomatizzando(9/07/2018; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2018/07/golpes-revolucoes-e-movimentos-armados.html).

segunda-feira, 9 de julho de 2018

Golpes, revolucoes e movimentos armados no Brasil - Paulo Roberto de Almeida

O texto abaixo é uma primeira versão de um comentário geral sobre movimentos armados no Brasil, tanto de esquerda quanto de direita, seja sob a forma de revoluções, insurreições militares, guerras civis, golpes militares e guerrilhas. Numa versão diminuída e adaptada, ele serviu como posfácio a este livro de Hugo Studart: Borboletas e Lobisomens: vidas, sonhos e mortes dos guerrilheiros do Araguaia, que está sendo lançado no próximo dia 17, no restaurante Carpe Diem.
Meu texto é muito sociológico, para ser atraente, e eu o tinha elaborado apenas para ser usado sem caracterização de autoria pessoal, mas ainda assim, o autor e o editor quiseram colocá-lo no livro, como posfácio, o que só me deixa lisonjeado. Alerto, no entanto, que toda a parte histórica das duas primeiras páginas foi severamente reduzida, com cortes em parágrafos sucessivos.
Ainda não conferi a versão final, que já deve ter sido impressa.
Paulo Roberto de Almeida 
Brasília, 9/07/2018


Uma tragédia brasileira: 
a loucura insurrecional do PCdoB

Paulo Roberto de Almeida
 [Objetivo: comentários sobre uma aventura irresponsável; finalidade: colaboração a livro de Hugo Studart, sobre a guerrilha do Araguaia]

Grandes revoluções sociais são fenômenos extremamente raros na história das nações. Ainda bem: elas provocam destruições enormes, uma grande mortandade de civis inocentes, perdas materiais significativas e muito raramente transformam para melhor as sociedades nas quais ocorrem. Geralmente necessitam processos adicionais de ajustes, eventualmente também dolorosos, para produzir efeitos sistêmicos de alguma forma “benéficos” (se algum) no itinerário social, político ou econômico das nações onde ocorrem. Elas geralmente “devoram” os seus “filhos”, consumindo, literalmente, lideranças inteiras de “revolucionários” improvisados, e muitos de seus líderes desaparecem na voragem de seus combates de campo, insurreições urbanas, golpes de palácio e o que mais houver.
Se percorrermos rapidamente a história da humanidade, veremos que tais revoluções sociais, as que merecem verdadeiramente essa designação, são poucas, muito poucas: a partir da era moderna, quando o mundo conheceu a primeira onda de globalização, nos descobrimentos, podemos identificar um número extremamente reduzido de revoluções sociais que entram realmente nessa categoria: (1) as guerras de religião do século XVI, que redundaram na paz de Westfália e no estabelecimento do princípio da soberania nacional, base do Estados-nação, e até hoje vigente nas relações internacionais; (2) a revolução inglesa do século XVII, que decapitou um rei e que transformou brevemente a monarquia numa república parlamentar, mas abriu o caminho para uma segunda revolução, a “Gloriosa”, desta vez pacífica, que “importou” uma nova dinastia para a Inglaterra (aliás até hoje no poder) e, mais importante, introduziu o princípio do “rei reina mas não governa”, depois que a Magna Carta (1215) tinha inaugurado dois outros princípios extremamente relevantes para as modernas democracias, o de que “ninguém está acima da lei, nem mesmo o rei” e o de que este necessita do prévio consentimento dos governados, súditos ou cidadãos, para impor novos tributos ou aumentar os existentes (no taxation without representation), o que constitui a mais nobre função dos parlamentos; (3) a revolução americana da independência, no século XVIII, que apoiou-se nesses dois princípios e no Bill of Rights da Revolução Gloriosa, para fazer renascer um regime republicano, depois de séculos de “esquecimento” (após que um Cesar decidiu inaugurar um império sobre uma República senatorial já em crise na antiga Roma), e que se constituiu na mais pujante e estável democracia dos tempos modernos; (4) a revolução francesa, que lhe segue poucos anos depois, reproduzindo o espírito da Declaração de 1776 na sua Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, mas que logo decaiu num regime de Terror, até que um “primeiro cônsul” resolvesse reinaugurar um novo império, e que ao lado dos atrasos involuntários para o desenvolvimento do capitalismo na França, trouxe alguns códigos úteis para os Estados modernos; (5) a insurreição Taiping, no Império Qing, entre 1851 e 1864, uma das mais sangrentas da história, com dezenas de milhões de mortos; (6) a revolução russa de fevereiro de 1917, que abateu uma monarquia absoluta sob o peso das revoltas dos soldados e da fome dos camponeses, e que prometia instaurar um regime parlamentar moderno, antes que o putsch bolchevista de outubro (ou novembro) do mesmo ano fechasse a Constituinte, decretasse a extinção de todos os partidos e começasse uma das mais longas ditaduras contemporâneas, e que também conheceu sua fase de Terror, aliás mais de uma, sob Lênin, sob Trotsky e, sobretudo, sob Stalin; (7) a revolução camponesa na China republicana, combinada a uma guerra de resistência contra a invasão japonesa e uma outra guerra civil tendo de um lado o Exército Vermelho de Mao Tsé-tung, prometendo terras para os camponeses pobres, mas que redundou numa das maiores mortandades de toda a história humana, quando o delírio maoísta deu início a um desastroso “grande salto para a frente”, que produziu 30 a 40 milhões de mortos, antes que a sua revolução “cultural” abatesse mais alguns poucos milhões; e finalmente, (8) a revolução iraniana de 1979, que fez renascer um regime teocrático radical, onde antes só existia uma monarquia corrupta e repressiva, mas modernizadora, que não conseguiu corresponder aos anseios de uma vasta maioria de súditos tomados pela mensagem religiosa de um dos últimos líderes carismáticos da era contemporânea.
Como se percebe, são relativamente raras as verdadeiras revoluções sociais, e por um motivo muito simples: revoluções não são feitas, elas acontecem, sem que se possa prever antecipadamente a sua ocorrência e desenvolvimentos. Muito mais frequentes e numerosos são os golpes de Estado, as quarteladas militares, o assalto planejado ao poder, ao estilo do putsch leninista, as insurreições urbanas, geralmente caóticas, ou revoltas rurais esparsas em campos atrasados, e outros tantos exemplos de mudanças de governo e de ascensão de novas elites políticas, que geralmente ocorrem quando o antigo regime tenta justamente se reformar, como evidenciou genialmente Tocqueville no seu livro de 1848, O Antigo Regime e a Revolução. Essas tomadas de poder, pela via da violência, se tornaram tão frequentes num determinado momento – como nas experiências leninista de 1917 e mussoliniana de 1922 – que um escritor italiano, bom observador desses movimentos, Curzio Malaparte, escreveu um manual, Técnica do Golpe de Estado, dois anos antes do triste exemplo hitlerista de 1933, de inauguração de uma tirania absoluta pela via “legal” das eleições, bem antes que Hugo Chávez inaugurasse o seu ciclo de “consultas populares” para a construção de uma “ditadura plebiscitária”.
E o Brasil nisso tudo? Tivemos muitos golpes de Estado, é verdade, várias quarteladas, algumas guerras civis embrionárias – nas regências, como a revolução farroupilha no Sul, a revolta da Armada, ao início do regime republicano, e a “guerra paulista” quando do governo provisório de Vargas – mas nenhuma revolução social digna desse nome. Talvez a campanha abolicionista desejada por Nabuco – que deveria ter sido seguida de reforma agrária e de uma “revolução educacional”, mas que não o foi, nem por uma, nem por outra, depois da abolição da escravidão, em 1888 – merecesse o epíteto de grande movimento social mobilizador. Revoluções “liberais” – em Minas Gerais, em meados do século XIX – ou as diversas revoluções em Pernambuco – autonomista em 1817, republicana e federalista em 1824, nacionalista e “pré-socialista” em 1848 – não se qualificam como verdadeiras revoluções sociais, ao mesmo título que aqueles exemplos da história. Em geral, como a própria Inconfidência mineira antes da independência, foram movimentos conduzidos por elites esclarecidas, raramente processos emergindo de massas oprimidas, como algumas revoltas escravas ou de populações periféricas, todas extremamente marginais do ponto de vista social e político. Até praticamente o final do Império, o Brasil, rural e atrasado, não tinha grandes massas urbanas organizadas, como passou a ter com a imigração e a indústria.
O que mais tivemos foram intervenções das Forças Armadas por ocasiões de crises de governos republicanos, aliás na própria inauguração desse novo regime, para encerrar uma monarquia já decadente. Também tivemos pequenas ou grandes tragédias ao longo do primeiro século republicano: o milenarismo de Canudos, equivocadamente interpretado como uma revolta monárquica contra a República, como a revolta da Armada pouco antes, o Contestado nos limites do Paraná e Santa Catarina, e diversas revoltas de tenentes para “liquidar” a república “carcomida”. Nessa categoria entra a “Coluna Prestes”, supostamente um prelúdio à Grande Marcha do Exército Vermelho de Mao Tsé-tung, mas que serviu para criar um mito, o do “Cavaleiro da Esperança”, caoticamente aproveitado pela Internacional Comunista para teleguiar, de Moscou, um putsch, a “intentona” de novembro de 1935, que constitui, certamente, a primeira grande tragédia do comunismo no Brasil.
Essa tentativa de assalto ao poder, comandada por um punhado de trapalhões, como amplamente demonstrado por William Waack em seu livro Camaradas, vacinou definitivamente as Forças Armadas contra uma das mais poderosas ideologias do século XX, junto com o fascismo, e fez do anticomunismo a doutrina oficial, praticamente permanente, do Estado brasileiro, condenando de antemão ao fracasso qualquer nova aventura nessa direção. Essa disposição ficou patente logo em seguida à intentona, materializada na Lei de Segurança Nacional, nos tribunais militares de repressão aos “maus elementos” nas hostes castrenses e, sobretudo, na dura repressão a todos os dissidentes da nova ditadura, o Estado Novo de novembro de 1937, pela polícia política comandada pelo Sr. Filinto Muller, um egresso das colunas tenentistas dos anos 1920.
Os revolucionários dos anos 1960 talvez tenham se esquecido desse precedente, que aliás não era objeto de tantas comemorações oficiais até que a inauguração de um novo, e longo, ciclo militar transformasse o mês de novembro, ao lado, obviamente, do 31 de março, num marco obrigatório dos pronunciamentos político-militares do novo regime. Aqueles que optaram, desde o início do período autoritário, pelo caminho da “resistência armada” ao “governo golpista”, à “ditadura militar”, ao “regime servil ao imperialismo” o fizeram por sua própria conta e risco, numa completa inconsciência sobre as condições reais do “movimento popular” e o suposto apoio que teriam das “massas trabalhadoras”, operárias e camponesas, às suas aventuras guerrilheiras. Eles “cutucaram onça com vara curta”, como se diz na linguagem popular, e aprenderam duramente que o Estado brasileiro não era um simples títere do imperialismo americano, ou um mero “tigre de papel”, como talvez repetissem os adeptos do “maoísmo” no movimento comunista brasileiro. 
Justamente, uma das maiores tragédias da história política recente brasileira, junto com os episódios de guerrilha urbana rapidamente desbaratados pelas forças da repressão, é constituída pela aventura maoísta nas selvas do Araguaia, a maior loucura militar do PCdoB, que deve ser continuamente desvendada, denunciada e relembrada, uma vez que ela levou muitos jovens idealistas a uma morte estúpida naquelas distantes matas amazônicas. Antes dela, e na impossibilidade de reprodução no Brasil de uma nova insurreição ao estilo castrista da Sierra Maestra, alguns dirigentes comunistas, seguidos por muitos jovens revolucionários improvisados das grandes metrópoles, se lançaram na aventura da guerrilha urbana, sem muita estratégia e quase nenhuma tática, a não ser os canhestros assaltos a bancos, ataques a quarteis, alguns sequestros de diplomatas e de aviões, e uns poucos deploráveis assassinatos de pessoas, rapidamente aproveitados pelo regime militar para apegar-lhes o rótulo de “terrorismo”, e com isso justificar o endurecimento prévio do regime, pela via do AI-5. A guerrilha urbana e alguns poucos focos esparsos foram expedita e duramente reprimidos pelas forças da repressão, tomadas de surpresa no início do processo, mas rapidamente organizadas sob comando militar e muitos apoios em setores das elites econômicas.
Bem mais complicado foi o episódio amazônico, a segunda vez na história das Forças Armadas, depois de Canudos, que elas tiveram de organizar expedições sucessivas de suas tropas para debelar focos reduzidos de “combatentes inimigos”, fracamente armados, mas que aparentavam representar um grande perigo para o regime republicano. Ambos episódios foram tragédias sociais, mas pode-se considerar aquele primeiro apenas o fruto de equívocos de interpretação de uma república “jacobina”, enfrentando o que seria a sua “Vendeia”, segundo as leituras francesas de um Euclides da Cunha. O segundo não: foi uma tragédia evitável, e cabe aqui responsabilizar direta e totalmente a direção irresponsável do PCdoB pelo imenso crime perpetrado contra um punhado de militantes idealistas, imaginando participar de um grande empreendimento de resgate social, e justiceiro, do pobre povo do interior, numa reprodução quixotesca do que teria sido a “guerra camponesa” de Mao Tsé-tung, então no auge do um prestígio inteiramente indevido, pela “revolução cultural” que ele tinha deslanchado para livrar-se de adversários no Partido Comunista Chinês. 
O PCdoB ainda não foi levado aos tribunais da história pelo crime cometido não apenas contra os pobres camponeses da região, mas sobretudo contra os seus próprios militantes enganados por uma direção dogmática, míope, absolutamente delirante em seus projetos de reproduzir a marcha de uma já mistificada “revolução camponesa” ao estilo chinês. Acresce que jamais fizeram um estudo aprofundado sobre uma região desprovida de condições mínimas de sobrevivência para os simples rurícolas, no estado normal de penúria que sempre foi a norma naquelas paragens, ainda mais para jovens urbanos de classe média, completamente desacostumados às durezas da agricultura de subsistência, extremamente primitiva, que caracterizava o imenso hinterland do Brasil. Não contente em enganar aqueles jovens, a direção do PCdoB ainda deixou-os entregues à própria sorte, totalmente desprovidos de meios para enfrentar as forças organizadas do Exército brasileiro, que ainda tatearam duas vezes, antes de se lançarem no trágico desfecho final, feito de violência excessiva e muitas ilegalidades, e mesmo crimes, perpetrados em nome do Estado. 
Sem dúvida que, como no caso do enfrentamento contra a guerrilha urbana, as forças de repressão cometeram crimes horríveis – torturas, assassinatos, eliminação de alvos escolhidos, desaparecimento de cadáveres –, o que se reproduziu em outra escala, e estilo, nas selvas do Araguaia. O crime maior, porém, de natureza política, de âmbito militar, e de dimensões históricas, foi cometido por aqueles dirigentes comunistas, de quase todos os movimentos de resistência armada, que resolveram travar uma “guerra” contra um inimigo que eles julgavam frágil, podendo ser abatido por alguns golpes “certeiros”, que apressariam a revolta das “massas trabalhadoras” e a derrocada de uma ditadura supostamente acuada pela crise econômica e pelas “contradições” de um regime capitalista periférico, submetido às “pressões imperialistas”. Quando se lê, hoje, os poucos manifestos, documentos programáticos e outros boletins “táticos” produzidos pelos dirigentes desses movimentos armados, impossível não ficar estupefato ante o imenso festival de equívocos políticos, de monumentais erros estratégicos, de total inconsciência social e de inconsistência intrínseca nessas peças de puro delírio sectário, que ainda assim ganhavam adeptos entre jovens revoltados contra a ditadura militar. 
Ao PCdoB, tanto quanto às Forças Armadas, e talvez até mais do que a essas, devem ser imputados a responsabilidade material e a condenação política da História, pela tragédia que foi a guerrilha do Araguaia, um delírio tão grande dos seus dirigentes, que nem mesmo os supostos aliados do PCC pretenderam sequer dar algum sinal de apoio concreto ao aventureirismo, a não ser algumas poucas emissões radiofônicas a partir da China e, logo depois, da Albânia. Esse julgamento ainda não foi feito, pelo menos não em toda a sua extensão, pois o PCdoB continua existindo como o legatário de uma aventura alucinante, pouco conhecida pela maioria da população, mas em relação à qual ele ainda pretende classificar como exemplo de “resistência popular” contra a “ditadura militar”, quando tudo não passou de uma tragédia dispensável e de um equívoco lamentável. 
O tribunal da História ainda aguarda o PCdoB: seu delírio político-militar não pode ficar impune, não pode continuar a ser mistificado ou permanecer desconhecido do grande público. Este livro, magnificamente construído segundo as melhores técnicas da história oral, e que adota o rigor metodológico dos grandes manuais da historiografia, focaliza cada etapa dessa tragédia brasileira, segue o itinerário individual de cada um dos embrenhados na selva, dialoga com seus familiares e amigos dos enviados a um desterro involuntário, além de, sobretudo, desvendar o comportamento indigno e a ação irresponsável dos dirigentes do PCdoB. Essa insanidade dos que montaram uma aventura de antemão condenada ao fracasso, mas que depois se escafederam nos desvãos desse drama patética, permanecia até hoje desprovida de uma avaliação independente, agora amplamente realizada por esta obra de pesquisa original. O PCdoB ainda não conheceu o seu tribunal da história: este livro, além de ser um relato intelectualmente honesto, tão objetivo quanto permitem os documentos remanescentes e os depoimentos disponíveis, sobre o delírio amazônico do (ainda hoje) único partido maoísta do Brasil, constitui, igualmente, uma vibrante peça de acusação, absolutamente necessária, para que esse processo possa ser feito. Vale ler, refleti sobre os seus dados, retirar as consequências e meditar sobre o futuro da política no Brasil. 

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 24-25 de março de 2018
Revisto em 12 de maio de 2018.