Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, em viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas.
O que é este blog?
Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.
Os maus jogadores da Nova República e os 40 anos de redemocratização
Em novo livro, Alberto Aggio lança luz sobre os itens e personagens fundamentais desse que, embora seja o mais longevo período democrático brasileiro, enfrenta o aumento da desconfiança em relação ao seus próprios fundamentos.
Uma das maiores complexidades da história se revela na dificuldade de estabelecermos certo consenso sobre quais itens e personagens de um determinado período merecem ser considerados fundamentais ou mais relevantes para quem, no futuro, tenta capturar a essência daquela conjuntura. Essa dificuldade se acentua quando a história a ser compreendida é suficientemente atual para que possamos chamá-la de ‘história do tempo presente’, afinal não podemos contar, nesse caso, com o distanciamento temporal como um aliado daqueles que se dedicam a decifrar o passado. Por isso, uma das maneiras de mitigar essa dificuldade reside no uso das efemérides como um auxílio para a definição de parâmetros, criando um espaço que, ao mesmo tempo, limita e possibilita nosso entendimento sobre a história. E apenas com essa limitação dada pela efeméride é que podemos identificar os itens persistentes e personagens ainda vivos que tornam essa história não só inteligível, mas própria ‘do tempo presente’.
Neste ano de 2025 temos uma chance maiúscula de usarmos uma efeméride para reconstruirmos uma história que ainda nos define como sociedade. Há 40 anos, o colégio eleitoral escolhia Tancredo Neves como presidente da República, formalizando a ascensão de um civil ao cargo maior do País após 21 anos de ditadura militar. Esse é o recorte histórico estabelecido porAlberto Aggioem seu novo livroA Construção da Democracia no Brasil, 1985-2025: mudanças, metamorfoses, transformismos(Fundação Astrojildo Pereira/Editora Annablume). Aggio, professor de História na Unesp e intelectual com longa contribuição ao entendimento da história política do Brasil e da América Latina, não apenas descortina a origem daNova Repúblicabrasileira, cuja fundação ocorreu exatamente no episódio da eleição de Tancredo, mas lança luz sobre os itens e personagens fundamentais desse que, embora seja o mais longevo período democrático brasileiro, enfrenta nos últimos momentos o aumento da desconfiança em relação aos seus próprios fundamentos. Ou seja, reconstrói aquela que se apresenta como a mais urgente ‘história do tempo presente’ para uma geração, da qual Aggio faz parte, que vivenciou a transição do poder militar para os civis e que inaugurou a redemocratização brasileira.
O professor Alberto Aggio. Foto: Felipe Rau/Estadão.
Transições e rupturas na redemocratização brasileira
O modo como essa história nos é revelada se relaciona à uma série de leituras que temos sobre nosso passado. Essa variedade é a janela que possibilita o entendimento das origens não só da Nova República, mas também — e principalmente — dos motivos que nos levaram a pensar que ela está em risco desde, ao menos, 2013.
Explicitamente, três questões se impõem a partir da escrita de Aggio. Uma delas é o uso, caro ao autor, da abordagem do italianoAntonio Gramsci, teórico que cunhou a tese da revolução passiva. Nesse caso, a transformação operada pela redemocratização que caracteriza a Nova República não deve ser vista pela ruptura, mas sim por uma transição cujos elementos da mudança são tão visíveis quanto os elementos da continuidade, embora a direção dessa transformação aponte para certa predominância dos primeiros sobre os últimos. Dessa forma, há uma espécie de sentido da história que, entre avanços e obstáculos, se consolidou majoritariamente como uma transformação cujos itens constitutivos devem ser vistos ao longo da trajetória. Tais itens são inegavelmente aqueles que formam uma estrutura que, mesmo insuficiente, dá coerência ao período: eleição de Tancredo Neves; Constituição de 1988, Plano Real e avanço das questões sociais sob os dois primeiros governos de Lula.
A segunda questão, de certa forma complementar à primeira, é a leitura da Nova República a partir da obra de Luiz Werneck Vianna e sua citada frase de que o Brasil “tem horror à linha reta, uma vez que o traço de preferência nacional é o ziguezague”. Esse vai e vem tem se revelado nas últimas quatro décadas por aparentes contradições entre a modernização e o arcaísmo que, de tempos em tempos, ganha nova roupagem. No caso da Nova República esse conflito pôde ser visto de forma mais nítida na contingência da presidência de José Sarney. Eleito como vice na chapa de Tancredo, Sarney carregava a contradição de ter sido aliado da ditadura militar e o primeiro presidente, de fato, da Nova República. Mais do que isso, de ter operado seu governo a partir de elementos contidos no ambiente democrático, mas ainda carregando o ‘entulho autoritário’ do período anterior. Em uma leitura que desconsidera a ‘revolução passiva’ e seu andar em ziguezague que, com temporalidades diversas, ao fim e ao cabo, garantiu avanços significativos e democráticos à Nova República, Sarney e seu governo foram e ainda são vistos por certos segmentos da esquerda brasileira como muito pior do que realmente foram. Cabe aqui, portanto, a proposta de que sem uma revisão dos primeiros anos da Nova República que reposicione, sob um olhar amplamente positivo sobre o que significou o governo de Sarney para a redemocratização brasileira, não teremos a dimensão necessária para compreendermos o debate sobre uma possível crise que nossa democracia estaria vivendo desde 2013. Ou seja, o destaque ao governo Sarney não deve ser dado ao seu passado de aliado aos militares, e sim à sua relação fortemente amparada em valores democráticos junto à Constituinte de 1988, criadora da principal sustentação da Nova República.
E a aproximação entre a abordagem da revolução passiva e o ziguezage de Werneck Vianna possibilita transparecer o terceiro item fundamental da obra de Aggio. Parcelas significativas entre aqueles que se diziam os restauradores da democracia, notadamente entre as esquerdas brasileiras, têm uma histórica dificuldade em compreender para além da perspectiva do conchavo, a possibilidade de um avanço democrático, em sentido amplo, e, portanto, uma transformação verdadeira, a partir da política da conciliação. Tal dificuldade revela um olhar maniqueísta sobre a história brasileira e que, de certa forma, justificou a equivocada percepção de que a verdadeira redemocratização só ocorreria por ruptura. Embora a obra de Aggio concentre a análise no período da Nova República, essa percepção se repete em outras leituras sobre momentos variados de nossa história, como a Independência, a conciliação do Império, a Proclamação da República e a lei da Anistia.
O resultado dessas diferentes leituras de nossa história foi a criação de ao menos dois grandes rompimentos. Um deles, interno à esquerda, foi a cisão entre aqueles que rapidamente se posicionaram não só como democratas, mas que também reconheceram a legitimidade dos itens que formam o escopo da democracia brasileira. De outro lado, aqueles que se disseram democratas, mas se posicionaram contrariamente aos itens que constituem a institucionalidade da Nova República. O problema é que, passados 40 anos, está evidente que foi o segundo grupo que se destacou e se transformou numa das forças hegemônicas no País.
Sessão Parlamentar final do Congresso Constitucional de 1988 que estabeleceu a atual Constituição do Brasil. Foto: Agência Brasil.
A regra do jogo e os jogadores
Em certa medida, a repactuação do federalismo contemplada pela Constituição de 1988 potencializou certa hegemonia sobre o jogo eleitoral da Nova República ao PMDB. Oriundo do antigo MDB, de oposição ao regime militar, o partido teve três presidentes (Sarney, Itamar e Temer), mas inúmeros poderes subnacionais, além de figurar tanto no Congresso quanto na divisão ministerial dos governos nacionais como protagonista durante quase todos os quarenta anos de redemocratização. Teve também sua dissidência à esquerda, o PSDB, como responsável por um dos pilares fundamentais do período, o Plano Real, sob a liderança de Fernando Henrique Cardoso. Contudo, a cultura política que após as quatro décadas ainda se revela majoritária é aquela identificada na intersecção entre o petismo e o papel de seu líder máximo, Lula da Silva, e sua ideologia, o lulismo. Com cinco vitórias eleitorais ao cargo majoritário do País — e mais tantas outras derrotas, quase todas em segundo turno — o petismo e o lulismo estiveram sempre como um dos dois protagonistas no plano eleitoral e político do País. Aggio acerta ao concentrar parte significativa de sua análise sobre a Nova República na cultura petista e, por isso, insinua o que pode ser o cerne de certa dicotomia que, depois de quatro décadas, nos deixa apreensivos quanto à crise da nossa democracia.
Não é novidade na história brasileira o embate entre as regras do jogo e seus elementos fundamentais de construção institucional, de um lado, e os principais jogadores, de outro. Como se houvesse um limite, testado sob forte pressão feita por alguns jogadores que oscilam, calculadamente, entre a aderência às instituições a partir de certa posição organicamente forjada e o descrédito dessas mesmas instituições a partir da construção de uma narrativa que se ampara no confronto, nunca na conciliação. A cultura petista e lulista que parcialmente se confunde com a trajetória desses quarenta anos de redemocratização apostou, ao longo de sua construção, no descrédito dos processos e eventos que deram, ao fim, a sustentação da Nova República. Embora tenha usado todos esses itens como trampolim não só para a sua contribuição mais acertada — o avanço das pautas sociais — mas também e, oportunamente, na defesa de alguns dos itens que estruturam a Nova República, o petismo se opôs à eleição de Tancredo (chegou a expulsar membros do partido que votaram em Tancredo no Colégio eleitoral), fez feroz oposição a Sarney, não chancelou a Constituição de 1988, foi contra a modernização econômica iniciada de modo atrapalhado por Collor, não aceitou compor o governo Itamar, chegando a desligar membros do partido que aceitaram cargos no governo (como ocorreu com Luiza Erundina), se opôs ao Plano Real — o qual acusava, infantilmente, de ser neoliberal — e contribuiu decididamente para a polarização que antecipa a tragédia atual ao associar sem nenhum pudor o governo FHC à direita ideológica.
Portanto, uma trajetória na qual o principal jogador usa as regras do jogo, no limite de sua violação, mas sem violá-la, para desacreditar os próprios marcos de criação e legitimidade das instituições. Essa aparente contradição não é novidade e nem exclusividade da Nova República. Infeliz e coincidentemente, ocorreu em certa medida no início da década de 1930, no período que imediatamente antecede ao golpe do Estado Novo varguista e na década que antecede o golpe militar de 1964. Não à toa, a última eleição presidencial foi disputada entre um saudosista do varguismo e um apologista da ditadura militar.
Entre os avanços e obstáculos da Nova República, a sociedade mostrou que identificava que parte das dificuldades desse período histórico vinha do confronto entre o ‘espírito’ das instituições e o modo como os jogadores se comportavam. A resposta foi a ampliação da recusa de um e outro, que significou a radicalização de alguns contra as instituições democráticas e a desconfiança em relação à honestidade e integridade dos agentes políticos. Ou seja, uma avenida para a ascensão da direita (essa sim, de verdade!) que estressou ainda mais a polarização e seriamente se comprometeu com a ruptura institucional.
Se a Nova República e a democracia brasileira estão sob risco, o livro de Aggio é esclarecedor na medida em que identifica e explica sem moralismos e vulgaridades a trama que, nas últimas quatro décadas, nos levou até essa situação. Se, de fato, não estão sob risco, é exatamente pela força das instituições que foram criadas e sustentaram o maior período democrático da história brasileira. Mesmo sob forte descrédito de alguns seus principais jogadores.
Vinícius Mülleré doutor em História Econômica, professor do INSPER, da Faculdade Belavista, da IBMEC, da FECAP, da Fundação Dom Cabral e do CLP-FAAP.
Destaco este trecho do genial ensaio de Giuseppe Cocco, que para mim é uma aberta denúncia tanto dos pró-russos nacionalistas, quanto dos pró-Putin oportunistas, que para mim compreendem tanto os bolsonaristas, quanto os lulopetistas, e boa parte da esquerda acadêmica:
"Como é possível que essa política de terror, abertamente lastreada na repetida ameaça do apocalipse termonuclear possa ser ignorada (pelo Lula tanto quanto pelo Bolsonaro) e qualificada positivamente pelos intelectuais da esquerda nacionalista como política que criaria uma desejada nova ordem mundial? Como poderia essa nova ordem ser melhor do que a atual se ela é erguida na beira do abismo? Como é possível que as implicações éticas dessa guerra infame sejam escamoteadas com essa leveza?"
Síntese perfeita da miséria mental que povoa cérebros embolorados ou confusos.
Nas páginas finais de sua obra monumental sobre Paz e Guerra entre as Nações, Raymond Aron (1962) se perguntava: “A era das guerras terminará com uma orgia de violência ou mediante uma pacificação global?”[3]. Depois da queda da URSS (entre 1989 e 1991), um processo de pacificação parecia acompanhar a emergência de formas de governança global, algo como uma sociedade mundial. Com a invasão russa da Ucrânia, em 24 de fevereiro de 2022, parece que agora estamos entrando nessa orgia de violência anunciada por Aron.
Depois de 6 meses, a brutal agressão do imperialismo russo ao país vizinho entrou em uma fase na qual se fala mais da guerra do que da invasão da Ucrânia. Em uma entrevista, Lula chegou até a culpar a vítima, o Presidente ucraniano Zelensky, de ter provocado o “coitado” Putin[4]. O velho demagogo não se importa com o varejo e vende sua retórica no atacado. Os intelectuais patenteados das relações internacionais da esquerda nacionalista propõem análises mais arrojadas. Podemos assim ler: “[…] caso a Rússia não seja derrotada, e o mais provável é que não seja, seu simples ato de insubordinaçãocontra a ordem imposta na Europa pelos EUA e pela Otan, depois de 1991, por si só já inaugura uma nova ordenação internacional”[5]. A esquerda europeia quer a paz e nega aos ucranianos e ucranianos — em termos neocolonialistas — o direito à resistência. A esquerda terceiro mundista ou anti-imperialista vai mais longe: ela pensa como Putin: a queda do muro de Berlim e a implosão da URSS constituíram uma tragédia que precisa ser revertida. O título do artigo de Fiori não deixa dúvidas: a Ucrânia tem mesmo que desaparecer.
Se Lula não se importa de falsificá-la, os intelectuais tampouco se escandalizam com os detalhes da história[6]. A posição hegemônica na esquerda é, no mínimo, “pacifista”, ou seja, pela vitória de Putin e a escravidão dos ucranianos[7]. A mais recente versão desse fascismo putinista infiltrado nas instituições ocidentais é o incrível relatório da Amnesty International que acusa o Exército ucraniano de colocar em perigo os civis ucranianos por organizar a defesa das cidades: ou seja, a ONG legitima o argumento do invasor, aquele mesmo argumento que os nazistas usavam para dizimar os habitantes dos vilarejos onde havia resistência durante a segunda guerra mundial[8].
Essa situação não é nova, mas vale a pena se perguntar: por que ela se repete? A resposta é que a colaboração da esquerda ocidental (e terceiro-mundista) com o horror russo é uma história tão infame quando antiga. O saudosismo pela esquerda mumificada da antiga URSS é a realidade da grande maioria da dita esquerda alternativa. Talvez essa seja uma boa explicação por sua insignificância bem como por sua cumplicidade com as mais novas experiências autoritárias, como a venezuelana ou a cubana.
A verdadeira novidade está no fato que hoje tudo isso se repete sem a cobertura ideológica do socialismo. O amor pelo autoritarismo sequer se esconde atrás da enfatuação pelo “socialismo”.
A derrota russa na batalha de Kiev (em abril de 2022) permitiu de provar que os russos já estavam implementando sua máquina de terror em Bucha, logo na periferia da capital ucraniana. Eles estão repetindo isso no Donbass e no Sul, na região de Kherson. É o que fizeram na Chechênia, na Georgia e na Síria. Escutamos dois encarregados de sepultar os cadáveres produzidos pela repressão na Síria: “Como o caminhão (frigorifico) se inclinava, líquidos vazaram por trás: sangue e água suja, excrementos. Era repugnante. […] Quando todos foram descarregados, me foi ordenado de empurrar os corpos no buraco com a lâmina (do trator). O cheiro era insustentável, desmaiei. Nessa noite enterramos 400 a 500 corpos”[9]. Os testemunhos continuam: “Nós enterramos famílias inteiras, crianças inclusive. Os soldados as chamavam de porquinhos”. Segundo os militantes dos direitos humanos, “há centenas de sítios assim. No total, a repressão gerou um milhão de mortos. Só nos serviços de segurança, desaparecem 150.000 pessoas”[10]. Durante as manifestações, entre 2012 e 2014, a repressão matava cem pessoas por dia.
O que Putin está fazendo e, se ganhar, vai fazer não é uma incógnita: ele vai arrasar as cidades, deportar milhões de pessoas, raptar milhares de crianças, destruir a língua e a cultura e em seguida puxar sua ofensiva em direção ao resto da Europa.[11] “Isso significa que, menos em caso de derrota militar da Rússia, choque geopolítico e acesso ao poder de outros homens e forças políticas, esses seis meses de guerra são apenas um início”[12].
Como é possível que essa política de terror, abertamente lastreada na repetida ameaça do apocalipse termonuclear possa ser ignorada (pelo Lula tanto quanto pelo Bolsonaro) e qualificada positivamente pelos intelectuais da esquerda nacionalista como política que criaria uma desejada nova ordem mundial? Como poderia essa nova ordem ser melhor do que a atual se ela é erguida na beira do abismo? Como é possível que as implicações éticas dessa guerra infame sejam escamoteadas com essa leveza?
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A razão do mundo a cavalo dos tanques
Para a esquerda nacionalista, quer dizer para a grande maioria da esquerda latino-americana, o poder é tudo. Putin é o Napoleão de Hegel, a razão do mundo que avança a cavalo de um tanque ou de uma ogiva nuclear. Os intelectuais da esquerda nacionalista só pensam a partir do poder e em termos de poder, “nada existe de maneira separada de César”[13]. Para eles, as multidões de junho de 2013 como a revolução de Maidan são manipulações yankee. Napoleão era o resultado do fechamento de um processo revolucionário cuja vitalidade estava ao mesmo tempo se esvaindo e querendo espalhar-se pela Europa inteira. O desdobramento mais trágico dessa ambivalência foi o reestabelecimento da escravidão nas colônias francesas e, pois, a expedição das tropas napoleônicas para reprimir a revolução escrava do Haiti[14]. É justamente na questão da abolição que aparece para onde leva o determinismo do poder. Para o intelectual da esquerda nacionalista, a abolição não é nada mais que um momento funcional à modernização do capital. Assim como a ajuda ocidental à resistência ucraniana contra a invasão seria só um episódio do imperialismo americano, o abolicionismo teria sido apenas uma arma do colonialismo britânico. Volodymyr Zelensky para eles é um “palhaço” da mesma maneira que, para os generais de Napoleão, Toussaint Louverture, o líder da revolução escrava de Haiti, era um agente dos ingleses[15].
Da mesma maneira, o intelectual da esquerda nacionalista é incapaz de pensar tanto a liberdade formal como aquela real, quem diria a constituição da liberdade. A história, mesmo que possa variar entre a dominante liberal ou a variante marxista vulgar, é pura teleologia. Para ele, “as mais surpreendentes transformações não oferecem dificuldades de compreensão”[16]. Está tudo dominado: a Inglaterra proibiu o tráfico escravo para estabelecer sua hegemonia e aboliu a escravidão para modernizar seu mercado do trabalho.
Ao contrário, como os trágicos eventos de Haiti demonstraram, a liberdade marcha no lombo das lutas e o abolicionismo britânico era ao mesmo tempo alimentado por essas lutas e capaz de interpretá-las em um conjunto de medidas sem as quais ele não teria sido efetivo: “A transformação profunda e muito demorada a ser realizada que significava a abolição da escravidão na escala mundial não teria vingado diante de tantas resistências sem a ação tenaz da Inglaterra[…][17]”. Essa tenacidade se sustentou em um conjunto complexo de “abolições” e uma inovação institucional sem a qual não seria possível entender a dinâmica do capitalismo. Em seu livro fundamental sobre a passagem da escravidão ao trabalho assalariado, Yann Moulier Boutang lista as quatro abolições (da lei dos pobres, da trata, da escravidão e da lei do milho) e a inovação institucional: reforma do Banco da Inglaterra (Bank Charter Act)[18].
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Molotov–Ribentrop; Prestes–Vargas
O putinismo de Bolsonaro e Lula mostra que, por trás dos detalhes, no atacado, a direita fascista e a esquerda nacionalista têm posições e perspectivas convergentes. Seria um erro pensar que isso é só fruto da atual crise das clivagens ético-políticas. Pelo contrário, estamos assistindo à repetição atual de convergências que já vimos na história do XX século.
Benito Mussolini não escondia sua admiração por Stalin. Em maio de 1933, ano da chegada ao poder de Adolph Hitler na Alemanha, a Itália e a Urss assinaram um acordo comercial. Em setembro do mesmo ano, Stalin e Mussolini assinaram um pacto de amizade, não- agressão e neutralidade[19]. No dia 23 de agosto de 1939, em Moscou e sob os olhos de Stalin, os ministros das relações exteriores da Alemanha nazista, Joaquim von Ribbentrop, e da União Soviética, Viatchelsav Molotov, assinaram o pacto germano-soviético. Essa aliança previa a neutralidade dos dois países em caso de guerra com as potências ocidentais e clausulas secretas de repartição dos países que se encontravam entre eles. São os países atualmente ameaçados pela Rússia de Putin: países bálticos, Finlândia, Polónia e a Moldávia (antigamente Bessarabia). Os cidadãos soviéticos saberão dessa cumplicidade entre os dois ditadores somente depois da implosão da União Soviética (em 1991). A aliança formal entre nazistas e bolcheviques deixará a Alemanha derrotar França e Inglaterra em 1939 sem ter que se preocupar com seu flanco oriental, continuando a receber matérias primas da URSS[20].
A invasão da URSS pela Alemanha Nazista em 1941 e a seguinte aliança entre a URSS e Grã-Bretanha (e depois os Estados Unidos) farão quase que esquecer esse acordo infame e sobretudo colocarão unicamente na conta do nazismo os milhões de mortos causados pelo stalinismo durante a guerra na URSS: 10 vezes mais que as da Alemanha (sendo que esse última conduziu uma guerra dois anos mais longa e um muitos mais fronts)[21].
Curiosamente, em um discurso do 8 de maio de 2015, durantes as comemorações da vitória sobre a Alemanha, Putin reabilitou o acordo entre Stalin e Hitler sem citar as cláusulas secretas[22]. Como Stalin, Putin falsifica sistematicamente a história. A partir do 12 de julho de 2021, ele baixou uma lei que veta aos livros de história reconstituírem as relações entre Alemanha Nazista e União Soviética[23]. Putin renova a tradição dos partidos comunistas. Cornelius Castoriadis lembrava: “Mesmo que algumas palavras desempenhem um papel fundamental, algo como um fetiche, quando o Partido diz que alguém é fascista ou reacionário, isso não significa que esse alguém seja fascista, nem que o partido o pense, mas que uma ordem foi dada para que esse individuo seja tratado como se o fosse”[24]. O regime russo, diz Castoriadis, “é a destruição das significações e a ruína da linguagem”[25]. Nós sabemos hoje que isso não é uma questão apenas de stalinismo, mas um modo de ser da esquerda em geral. O sucesso do discurso russo sobre desnazificação da Ucrânia como sendo um objetivo da agressão é parte dessa triste história.
Para termos uma ideia da violência da propaganda lembremos que, entre 1936 e 1937, na URSS, 3 milhões de pessoas foram mortas e/ou perseguidas pelo regime stalinista sob acusação de serem aliados de Hitler (no período que Stalin preparava a aliança formal). Imagem os nossos “pacifistas” naquela época: estariam todos aplaudindo o pacto entre os dois açougueiros. Todos os que se opunham a essa aliança foram assassinados[26]: “Toda a velha guarda comunista foi suprimida acusada de ser pro-Alemanha, ao passo que ele e sua máfia se aliavam a Hitler[27]. 60.000 militares do Exército Vermelho foram mortos. Em suas memórias, Winston Churchill escreve: “(O governo da URSS) havia demostrado total indiferença pelo destino das nações ocidentais, embora isso significasse a destruição da ‘segunda frente’ pela qual logo iriam clamar”[28]. Eles haviam ignorado as consequências que isso teria para os povos da URSS.
Os neosstalinistas comemoram a invasão do 24 de fevereiro como sendo “a volta da história”. Na realidade, o que volta com peso é a falsificação da história. Ao mesmo tempo e paradoxalmente, podemos ver com transparência a dimensão estrutural (e permanente) que estava por trás do pacto entre Hitler e Stalin. O pacto infame é um dos momentos em que o nacional-socialismo e socialismo-nacional aparecem pelo que são: as duas faces de uma mesma moeda. No Brasil isso tem um nome: Getúlio Vargas, o ditador inspirado no fascismo que virou a figura mítica da esquerda brasileira[29].
“Na sua luta mortal, comunistas e anticomunistas, unidos, ajudaram a destruir, entre nós, antigas bases do direito dos povos e dos indivíduos, reforçando a ditadura Vargas. Integralistas e comunistas formaram o clima para que o Estado, em nome do social, abalasse todas as crenças na liberdade do individuo e dos grupos”[30]. Eliana Dutra escreve: o clima exacerbado e “polarizado […] dos anos 35-37” esconde o fato que “os comunistas (do PCB) reproduzem os princípios orgânicos do corporativismo; que a fundamentação de seu imaginário é a mesma do imaginário anticomunista e redunda do mesmo princípio e da mesma lógica binária e totalitária; e que a proposta totalitária […] está em germe nos dois polos, o comunista e o anticomunista”[31]. A aliança nacional foi apresentada pelo líder do PCB, Luiz Carlos Prestes, no comício do líder comunista do 23 de maio de 1945 no estádio São Januário, poucos após ser solto pelo próprio ditador[32]. Se os historiadores enfatizam as mudanças do lado de Vargas, que teria passado do autoritarismo ao populismo[33], precisamos ver como o segundo contém elementos do primeiro, inclusive em suas formas mais contemporâneas. [34] Nesse sentido, Claude Lefort confirma: “Os regimes comunista e fascista apresentam a mesma caraterística: numa plena ocupação do lugar do poder pelo detentor da autoridade suprema e isso no mesmo momento em que o poder aparece como poder social e o dirigente como aquele que o encarna”.[35]
Slavoj Zizek fala justamente e com força da “traição da esquerda”[36]. Mas é preciso enfatizar que a traição da esquerda é uma tradição. O imaginário varguista no Brasil não é da ordem do folclore. Se trata de algo como um negacionismo. Os ocidentais, enfatizava Lefort, muitas vezes ficaram cegos diante do totalitarismo na URSS e sempre procuraram uma desculpa para legitimá-lo: o atraso da Rússia, o fiasco da revolução na Alemanha, o papel do imperialismo[37]. Hoje é a mesma coisa: o fiasco do neoliberalismo depois da queda do muro, a agressividade da Otan etc.
A “leniência” ocidental com os russos não é uma novidade. No final da segunda guerra mundial, os ocidentais entregaram de volta ao Stalin cerca de 2 milhões de soviéticos que tinham se refugiado na Europa Oriental[38]. Os massacres de Stalin sempre contaram com alguma cumplicidade internacional, mesmo depois de ter mostrado na Espanha que ele era uma ameaça à democracia tão perigosa como a de Francisco Franco. Cornelius Castoriadis escreveu: “Quando o diário francês mais sério em 1981 colocar como título a uma série de artigos ‘Vietnã: o socialismo a passos lentos’[39], podemos nos perguntar se ele quer fazer penetrar sorrateiramente na mente de seus leitores a ideia que o socialismo é o campo de concentração e a ditadura totalitária do partido único ou si, dando continuidade com isso a uma tradição meio secular das grandes mentes liberais de progressistas ocidentais, ele quer dizer que esses incidentes menores não mudam nada à essência socialista do regime vietnamita”[40]. A lição que Castoriadis extrai disso é extremamente atual: “Está claro, nessa situação, um discurso que visa a verdade se torna, socialmente e sociologicamente, quase impossível — o que serve maravilhosamente os fins russo-comunistas”[41]. Nessa confusão política e de linguagem continua Castoriadis, “os adversários não reacionários do russo-comunismo” são esmagados entre, por um lado, “manter as palavras como socialismo, revolução, democracia com o risco de serem confundidos com os que lutam contra eles” e, pelo outro, “ter que transformar em longas dissertações terminológicas cada frase que pronunciam”. Há uma terceira opção: “abandonar […] todo o vocabulário político e social irreversivelmente pervertido, e ficar áfonos[42]. Essa é nossa condição hoje.
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Distante Ucrânia
“Hitler não podia imaginar que a Grã-Bretanha
não aceitasse uma oferta de paz depois da queda da França.
Ele fez uma avaliação equivocada sobre nossa força de vontade”
Lembro que, logo depois do início da operação Desert Storm no Kuwait (17 de janeiro de 1991), eu estava participando a uma reunião em Paris que fazia o balanço das mobilizações contra a guerra do Golfo (a primeira)[44]. O movimento pacifista murchou depois do início da guerra, logo quando se esperava que ele se amplificasse. Rolavam várias interpretações. Entre todas, a que mais aparecia atribuía a queda da mobilização ao sentimento de união nacional que teria seguido a entrada em guerra da França (juntamente com os aliados). Olhar hoje para esse momento me leva a duas reflexões: a primeira, diz respeito à incongruência do pacifismo atual, a segunda é sobre o que falei naquela reunião. Como é possível que muitos dos que naquele momento condenavam a intervenção diante do acinte que era o governo Saddam e a agressão ao Kuwait hoje não estejam mobilizados contra a Rússia de Putin? [45]
A segunda reflexão diz respeito a interpretação que eu fiz naquela reunião. Disse que durante toda a preparação da guerra (entre a invasão do Kuwait e chegada das tropas da coalizão), a imprensa tinha falado das ameaças que as armas de Saddam constituíam para a região com uma tal intensidade que havia a sensação difusa que seus misseis Scud poderiam atingir todos os países do mediterrâneo, inclusive a Europa. Na minha opinião, as mobilizações pela paz, contra a intervenção da coalização eram alimentadas pelo medo de que a guerra não ficasse distante, mas se espalhasse. A comunicação sobre o perigo e as armas de Saddam tinha tornado o Golfo muito próximo e a guerra um perigo doméstico. O paradoxo era que o início da guerra “real”[46] mostrou que a coalizão desbaratou em poucos dias as tropas de Saddam e seus misseis Scud não constituíam perigo nenhum, apesar de ele ter tentado enviar alguns sobre Israel. A percepção da opinião pública passou a ser de que a guerra não sairia dos trilhos: o que inicialmente era visto como próximo, voltou a ser distante, algo rotineiro que não ameaçava mais ninguém.
Em 1994, o historiador italiano Carlo Ginzburg apresentou um artigo sobre o tema da distância e tomou como exemplo exatamente a guerra moderna. O ponta pé inicial é a distinção “clássica” entre lei da natureza e lei da história a partir do famoso trecho da Retórica de Aristóteles: há dois tipos de lei, a particular e a comum. Por lei particular entende-se aquela que para cada povo foi definida em relação a si. Por lei comum entende-se aquela que é segundo a natureza”[47]. Logo em seguida, Ginzburg cita um outro trecho, dessa vez do segundo livro da Retórica, dedicado à compaixão e onde aparece o tema da distância: “Sentimos piedade para as pessoas parecidas conosco por idade, caráter, disposição de animo, dignidade, estirpe: em todos esses aparecem mais a possibilidade que o mal ocorra também a nós. […]. Pois suscitam piedade aqueles acidentes que aparecem próximos, aqueles que aconteceram dez mil anos atrás ou acontecerão daqui dez mil anos não mobilizam a piedade ou o fazem de maneira muito menor […]”[48]. Com base nessas reflexões de Aristóteles, Ginzburg propõe uma primeira síntese: “A distância excessiva provoca a indiferença, a excessiva proximidade pode desencadear seja compaixão, seja uma rivalidade destruidora”[49].
Em seguida, o historiador passa a mobilizar um texto de Denis Diderot no qual o iluminista francês (1773), depois de colocar uma série de questões morais, faz umas afirmações que retomam em termos um pouco diferentes a filosofia de Aristóteles: “[…] a distância no tempo ou no espaço enfraquece cada tipo de sentimentos, cada forma de consciência, até aquela do delito. O assassino que foi nas orlas da China não é mais capaz de ver o cadáver deixado sangrando na beira do Sena”[50]. Assim, em outro texto (Lettre sur les aveugles, à l’usage de ceux qui voient), Diderot desenvolveu: “Nossas virtudes dependem do nosso modo de sentir e da intensidade com a qual somos tocados pelas coisas externas. Analogamente, não duvido que, se não fosse por medo do castigo, muitos seriam mais dispostos a matar um homem de uma distância que o faz aparecer como uma andorinha, do que a esganar um boi com suas próprias mãos. Se temos compaixão por um cavalo que sofre e esmagamos uma formiga sem nenhum escrúpulo, não será porque somos movidos pelo mesmo princípio?”[51]. Ginzburg comenta: há uma analogia evidente “entre a distância geográfica que separa a França da China e a privação sensorial dos cegos. A falta de humanidade e de compaixão que, segundo Diderot, é produzida por ambas as situações, confuta o suposto caráter eterno da moralidade” proposto por Aristóteles[52]. A moral seria, portanto, circunstancial e totalmente relativa. Diante disso, aparecem dois desdobramentos opostos: ao passo que Sade chega a defender a legitimidade do homicídio, Balzac se insurge contra isso, contra a ideia que se possa impunemente matar um mandarim chinês. Ele reafirma assim a ideia de Aristóteles sobre a existência de “um justo e um injusto por natureza”.
A crescente integração do mundo está mudando as relações de contiguidade e distância no tempo e no espaço. Hoje, observa Ginzburg, “o mandarim chinês pode ser morto apenas apertando um botão: […] aeronaves e misseis tem demostrado a exatidão da conjectura de Diderot segundo a qual teria sido muito mais fácil matar um ser humano que aparecesse grande como uma andorinha”[53]. Ginzburg conclui seu artigo em um tom bem pessimista: “A nossa capacidade de contaminar e destruir o presente, o passado e o futuro é incomparavelmente maior que nossa débil imaginação moral”[54].
Depois do choque inicial, seis meses de guerra no coração da Europa, milhões de refugiados internos e internacionais e dezenas de cidades reduzidas a pó, podemos ver crescer a indiferença. A Ucrânia fica cada vez mais distante. A amplificação dos problemas econômicos e sociais no mundo deve multiplicar as crises político-institucionais e tornar o drama ucraniano ainda mais distante. O jornalismo brasileiro imediatamente registra o giro: “Falta (ao Joe Biden) reconhecer que Putin não desaparecerá de cena por encanto — e que o líder russo é o interlocutor incontornável para o reestabelecimento de alguma ordem na Europa”[55]. A mágica da geopolítica do “realismo” consegue fazer ignorar a realidade: “fingindo compaixão pelos Ucranianos, (os realistas) nos explicam que abandoná-los a suas estepes seria o melhor serviço a lhe ser feito”[56]. A Realpolitik é uma máquina de produzir distância: serve aos cínicos para nos fazer “aceitar” a realidade da guerra de Putin. A possibilidade muito real que as eleições políticas de setembro de 2022 levem ao governo os pós-fascistas na Itália nos mostra a “realidade” que se trataria de aceitar: tudo que escutamos da geração de nossos pais, estudamos nos livros de história, lemos na literatura e até assistimos na produção cinematográfica sobre a década de 1930 e a segunda guerra mundial é ao mesmo atualizado e ultrapassado pelo que estamos assistindo “ao vivo e a cores”: a emergência do fascismo é muito mais banal do que podíamos imaginar.
O desafio é manter a resistência ucraniana presente e para isso a Ucrânia próxima: essa proximidade vive na nossa luta pela democracia. A democracia é o combate contra essa distância: afirmação dos laços dos princípios humanistas de justiça. Quando o pacto entre Hitler e Stalin é atualizado na convergência nacional-socialista do presente, é o impulso de “salvar (até) o passado” tematizado por Walter Benjamin que precisamos renovar: “Nem mesmo os mortos serão seguros se o inimigo vencer”[57].
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Kharkiv, 1933
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Notas:
[1] “Le refus de penser le totalitarisme”, Conferência Hannah Arendt, Berlim, 2000, in Claude Lefort, Le temps présent: écrits 1945-2005, Belin, Paris, p. 977.
[2]Devant la guerre (1981), in Cornelius Castoriadis, Guerre et théories de la guerre. Écrits politiques (1945-1997, VI), edição preparada por Enrique Escobar, Myrto Gondicas e Pascal Vernay, Sandre, Paris, 2016, p. 113.
[3] Raymond Aron, Paz e Guerra entre as Nações (1962), tradução de Sergio Bath, Editora da UnB, São Paulo 2002, p. 928.
[4] “Mídia internacional noticia fala de Lula sobre Zelensky”, Poder360, 5 de maio de 2022. https://www.poder360.com.br/midia/midia-internacional-noticia-fala-de-lula-sobre-zelensky/
[5] José Luiz Fiori, “O Mundo depois da Ucrânia”, Sul21, 22 de julho de 2022. O itálico é nosso. https://sul21.com.br/opiniao/2022/07/o-mundo-depois-da-ucrania-por-jose-luis-fiori/
[6] “Detalhe da história” é a expressão – em setembro de 1987 – usada por Jean-Marie Le Pen, líder da extrema direita francesa na época, antes que sua filha Marine ocupasse seu lugar, para definir as câmaras de gás nos campos de extermínio nazistas. Por isso, Le Pen foi condenado a pagar uma multa no dia 26 de março de 2018. Cf. https://www.lefigaro.fr/politique/le-scan/2018/03/27/25001-20180327ARTFIG00191-les-chambres-a-gaz-detail-de-l-histoire-jean-marie-le-pen-definitivement-condamne.php
[7] O que resta do pós-operaismo italiano se esconde atrás do “pacifismo” e de afirmações genéricas de palavras de ordem vazias, sem nenhuma relação com a realidade, incapazes até de enxergar as ucranianas que trabalham como cuidadoras informais para os militantes idosos. As lutas operárias não produzem mais o americanismo, mas a disciplina fabril chinesa. Se as empregadas domésticas ucranianas são pelo visto mais brancas que os empregadores italianos, tampouco os uigures escravizados não podem se chamar de “não brancos “para a nova doxa.
[12] Jean-Sylvestre Mongrenier, “La guerre em Ukraine et les vertiges de l’âbime”. Desk Russie.29 de julho de 2022 Disponível em https://desk-russie.eu/2022/07/29/la-guerre-en-ukraine.html
[13] Martin Buber, “Validité et limite” (1947), La souveraineté invisible, Éclats, Paris, 2021, 110.p.
[14] É a outra história da revolução francesa, reconstruída por C.L.R. James, Os Jacobinos Negros (1963), tradução de Afonso Teixeira Filho, Boitempo, São Paulo, 2000.
[15] Ver James, cit., e também Maurice Merleau-Ponty, “Note sur Machiavel” (1949), in Signes, Gallimard, Paris, 1960.
[16] Yann, Moulier Boutang, Le salariat bridé, PUF, Paris, 1997, pp. 392-2
[17] Ibid., p. 391. Em 1806 a Inglaterra proíbe a trata nas novas colónia. Em 1807, move uma cruzada contra a trata, usando a técnica do bloqueio das cidades. O capitão Denmark bombarda o porto escravagista do estuário de Gallina.
[20] Os soviéticos mataram milhares de oficiais poloneses capturados. Cf Timothy Snyder, Bloodlands: Europe between Hitler and Stalin, Basic Book, New York, 2010. Massacres e torturas continuam como prática rotineira das tropas tussas. Citamos por exemplo a difusão de um vídeo por um canal pró-russo do Telegram da castração de um preso de guerra ucraniano por um soldado russo. Cf.Peter Baumont, “Video Appears to show russian Soldier to castrating Ukrainian prisoner”, The Guardian, 29 de julho de 2022. https://www.theguardian.com/world/2022/jul/29/video-appears-to-show-russian-soldier-castrating-ukrainian-prisoner
[21] Boris Souvarine, “Arrière-propos” (1977), Staline. Aperçu historique du bolchevisme (1939), Ivrea, Paris, 1992, p. 577.
[22] Pierre Avril, “Poutine réhabilite le pacte Molotov-Ribbentrop”, Le Figaro, 11 de novembro de 2022. Em 2009, quando ele era apenas primeiro-ministro, Putin tinha condenado o pacto na imprensa polonesa.
[23] “Putine interdit d’évoquer les liens entre l’ex-URSS et l’Allemagne naziste”, Univers du Livre, 19 de julho de 2021, disponível em https://actualitte.com/article/101467/international/poutine-interdit-d-evoquer-les-liens-entre-l-ex-urss-et-l-allemagne-nazie. Um ano antes, Putin tinha severamente criticado uma resolução do Parlamente europeu do 19 de setembro de 2019, sobre a importância da memoria histórica para o porvir da Europa, na qual a Alemanha Nazista e a URSS eram colocados no mesmo patamar. Vide Marc Chauder, “Poutine refait l’histoire”, Eurojournalist, 7 de janeiro de 2020, http://eurojournalist.eu/poutine-refait-lhistoire/
[26] Branko Lazitch, Le Rapport Khrouchtchev (1956) et son histoire, Seuil, Paris, 19766, pp. 63-64. Ver também Boris Souvarine, “Arrière-propos” (1977), Staline. Aperçu historique du bolchevisme (1939), Ivrea, Paris, 1992, p. 577. Cabe notar que uma pesquisa no Google sobre o relatório do XX Congresso do PCUS (O Relatório Kruschev) oferece de entrada um sem numero de links no tom: “Kruschev mentiu”.
[30] Roberto Romano, “Prefácio”, in Eliana Dutra, O Ardil Totalitário. Imaginário Político no Brasil dos Anos 30, Editora UFRJ, Rio de Janeiro, 1997, p. 12
[32] Luiz Carlos Prestes, União Nacional para a Democracia e o Progresso, disponível in https://www.marxists.org/portugues/prestes/1945/05/23.htm
[33] Vide Boris Fausto, O Pensamento nacionalista autoritário, Jorge Zahar, Rio de Janeiro, 2001, p. 59.
[34] “Prestes e Getúlio dividem palanque”, 4 de novembro de 1947, Memorial da Democracia, http://memorialdademocracia.com.br/card/prestes-e-getulio-dividem-palanque
[35] “Le concept de totalitarisme”, Conferência a Zurich, 1996, in Claude Lefort, cit., p. 890.
[39] Se trata do Le Monde, 17, 18 e 19 de março de 1981.
[40]Devant la guerre, cit., p. 302. Na nota 2 dessa mesma página, Castoriadis cita o livro de David Caute, Les compagnons de route. 1917-1968, Paris, Laffont, 1979 e comenta: “entre os grandes nomes da intelligentsia ocidental, os que não forma cumplices do stalinismo são infinitamente mais fáceis de contar que os outros”.
[43]Memórias da Segunda Guerra Mundial (1959), tradução de Vera Ribeiro, Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1995, p. 406.
[44] A reunião, na fundação dos Protestantes, na Rue Vaugirard, era organizada por Antonio Negri no entorno da Revista Futur Antérieur, de onde veio, depois, a revista Multitudes. Não lembro se o Félix Guattari estava presente (ele faleceu no ano seguinte).
[45] Lembremos Edward Palmer Thompson. Ele foi uma figura central nos protestos contra os ataques aéreos norte-americanos à Líbia, e em 1991 contra a Guerra do Golfo. Numa carta a um seu biografo, ele escreveu: “Também estou confuso em relação ao Golfo. […] Não posso, sem consciência, gritar entusiasticamente “Tirem as mãos do Saddam”, uma vez que ele é um bastardo da pior espécie, com sede de sangue […]. Creio que esta guerra pertença às do modelo do futuro, em que regiões do Terceiro-Mundo envolvidas muitas vezes acabam tornando-se MUITO REPUGNANTES, e cabe a nós encontrar uma estratégia de resistência à guerra menos simplista (e talvez mais revolucionária) do que “Tirem as mãos dele”, Apud Bryan D. Palmer, Edward Palmer Thompson: objeções e oposições, tradução de Klauss Brandini Gherhardt, Paz e Terra, São Paulo, 1996, p.192.
[46] Lembremos que Jean Baudrillard dizia que a “guerra não aconteceria”. Bruno Cava retomou esse tema: “A Guerra na Ucrânia terá Acontecido”, 15 de junho de 2022, Universidade Nômade Brasil, https://uninomade.net/tenda/a-guerra-na-ucrania-tera-acontecido/
[47]Apud Carlo Ginzburg, “Uccidere um mandarino cinese. Implicazioni morali dela distanza”, in Carlo Ginburg, Occhiacci di legno. Nove riflessioni sulla distanza, Feltrinelli, Milano,, 1998. O ensaio foi inicialmente apresentado em um seminário na Universidade de Oxoford (UK) p.194.
[57] Ginzburg, cit., p. 206. O historiador italiano está citando as Teses sobre o Conceito de História.
Giuseppe Cocco
Giuseppe Cocco tem graduação em Sciences Politiques – Université de Paris 8 (1984), graduação em Scienze Politiche – Università degli Studi di Padova (1981), mestrado em Science Technologie et Société – Conservatoire National des Arts et Métiers (1988), mestrado em História Social – Université de Paris I (Panthéon-Sorbonne) (1986) e doutorado em História Social – Université de Paris I (Panthéon-Sorbonne) (1993). Atualmente é professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro, membro da Pós-Graduação da Escola de Comunicação e do Programa em Ciência de Informação (ECO-Ibict), Pesquisador 1C do CNPq, Cientista do Nosso Estado (Faperj), é editor das revistas Lugar comum e Multitudes (Paris).