O Escritório Veirano Advogados preparou um resumo explicativo da Lei da
Liberdade Econômica, transcrito abaixo e neste link:
LIBERDADE ECONÔMICA
APENAS UMA DECLARAÇÃO DE (BOAS) INTENÇÕES – OU MUITO MAIS DO QUE
ISTO?
Em 20 de setembro de 2019, entrou em vigor a Lei no 13.874 (“Lei no
13.874”), proveniente da Medida Provisória no 881, publicada em 30 de abril de
2019 (“MP da Liberdade Econômica” ou “Medida Provisória”), com o objetivo
declarado de promover uma “mudança cultural nas relações entre o Poder
Público e os agentes privados”.
A MP da Liberdade Econômica foi editada visando estabelecer a intervenção
excepcional nas relações privadas, proporcionar uma desburocratização e
simplificação para os pequenos e médios empreendedores e consolidar em lei a
jurisprudência já firmada no Superior Tribunal de Justiça (por exemplo, com
relação ao instituto da desconsideração da personalidade jurídica).
A Lei no 13.874 pode trazer efeitos positivos duradouros na maneira como
os negócios serão conduzidos no Brasil. Obviamente, a mudança cultural
necessária para torná-la efetiva somente ocorrerá se os princípios e
disposições nela contidos forem adotados (e genuinamente apoiados) pelos
servidores públicos em todos os níveis do governo, incluindo os juízes
brasileiros, responsáveis por aplicar esses princípios em casos concretos.
Para que se possa compreender, sob uma perspectiva geral, as principais
mudanças introduzidas pela Lei no 13.874 ao ordenamento jurídico, preparamos
um breve guia para tratar dos denominados direitos de liberdade econômica, bem
como das principais alterações que poderão afetar as relações privadas.
1. PRINCÍPIOS NORTEADORES
O Brasil ocupa o 110o lugar (em 190) no ranking do Doing Business World Bank e é colocado de maneira
impressionante em alguns sub rankings relacionados às interações com o
Estado: iniciar um negócio (140o lugar em 190), licenças de construção
(175o em 190) e pagamento de impostos (184o de 190). Além disso, o Brasil é
um dos países mais litigiosos do mundo- nossos tribunais receberam cerca de 28
milhões de novos casos em 2018, ou quase 11.800 casos por cada 100.000
habitantes. Leis como a proveniente da referida Medida Provisória visam levar
esses números a um nível mais racional.
A Lei no 13.874 foi elaborada com base nos seguintes princípios
norteadores: (i) a liberdade como uma garantia no exercício de atividades
econômicas; (ii) a boa-fé do particular perante o poder público; (iii) a
intervenção subsidiária e excepcional do Estado sobre o exercício de
atividades econômicas; e (iv) o reconhecimento da vulnerabilidade do
particular perante o Estado.
Alguns desses princípios não são novidade - a Constituição Federal
já prevê, por exemplo, a livre iniciativa, o livre exercício da atividade
econômica e a intervenção mínima e excepcional do Estado na exploração
direta da atividade econômica, mas, na prática, sempre se observou uma grande
carga burocrática e dificuldade para que os agentes privados iniciassem e
desenvolvessem suas atividades.
Alguns exemplos da presença dos princípios norteadores descritos acima
no conteúdo da Lei no 13.874 encontram-se:
2.
(i)
(ii)
em seu artigo 3o, inciso I, o qual prevê que as atividades econômicas
de baixo risco poderão ser desenvolvidas sem a necessidade de quaisquer atos
públicos de liberação da respectiva atividade. A classificação de
atividades de baixo risco, por sua vez, dependerá de ato do Poder Executivo
federal, o qual deverá ser observado na ausência de legislação estatual,
distrital ou municipal específica e, quando não houver o referido ato do
Poder Executivo federal, deverá ser aplicada a resolução do Comitê para
Gestão da Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização
de Empresas e Negócios – CGSIM; e
em seu artigo 3o, incisos IX e X, os quais preveem, respectivamente, que
o particular (a) deverá ser cientificado expressa e imediatamente pela
autoridade competente sobre o prazo máximo estipulado para análise de seu
pedido, de modo que, após transcorrido o prazo fixado, o silêncio da referida
autoridade importará aprovação tácita para todos os efeitos, ressalvadas as
hipóteses expressamente vedadas em lei e (b) poderá arquivar qualquer
documento por meio de microfilme ou por meio digital, conforme técnica e
requisitos estabelecidos em regulamento, hipótese em que se equiparará a
documento físico para todos os efeitos legais e para comprovação de qualquer
ato de direito público.
AUTONOMIA DA VONTADE E INTERPRETAÇÃO DOS CONTRATOS
2.1. Interpretação do negócio jurídico
A Lei no 13.874 introduziu ao artigo 113 do Código Civil, que trata da
interpretação dos negócios jurídicos conforme a boa- fé e os usos do lugar
de sua celebração, a indicação de que os negócios jurídicos deverão ser
interpretados no sentido que (i) for confirmado pelo comportamento das partes
posteriormente à celebração do negócio; (ii) corresponder aos usos,
costumes e práticas do mercado relativas ao tipo do negócio; (iii)
corresponder à boa-fé; (iv) for mais benéfico à parte que não redigiu o
dispositivo, se identificável; e (v) corresponder à qual seria a razoável
negociação das partes sobre a questão discutida, conforme as demais
disposições do negócio e a racionalidade econômica das partes.
Além disso, foi inserido o §2o ao artigo 113 do Código Civil para
prever que as partes poderão livremente pactuar regras de interpretação, de
preenchimento de lacunas e de integração dos negócios jurídicos diversas
daquelas previstas em lei, o que significa que as partes terão liberdade não
apenas para estipular regras interpretativas adicionais, mas também para
alterar ou mesmo excluir a aplicação das novas regras interpretativas
estabelecidas pela Lei no 13.874.
2.2. Os limites da função social do contrato
O Código Civil, até a entrada em vigor da MP da Liberdade Econômica,
previa em seu artigo 421 que a “a liberdade de contratar será exercida em
razão e nos limites da função social do contrato”. A Lei no 13.874
inseriu o parágrafo único ao referido artigo com a seguinte redação: “nas
relações contratuais privadas, prevalecerão os princípios da intervenção
mínima e a excepcionalidade da revisão contratual.”
A redação original do artigo 421 do Código Civil possuía natureza
bastante genérica, conferindo grande margem à discricionariedade do Poder
Judiciário em cada caso concreto (ao analisar se o negócio jurídico
estabelecido contratualmente pelas partes no exercício da autonomia da vontade
haveria violado uma função social). Frequentemente, esse exercício
acarretava uma reinterpretação judicial dos direitos e das obrigações
contratuais, causando insegurança e imprevisibilidade aos contratantes.
Referida inserção pela Lei no 13.874 visa evitar a intervenção e o
ativismo judicial excessivos nas relações contratuais privadas. Caberá
observar como esta inovação será aplicada pelo Poder Judiciário.
2.3. Parâmetros de revisão ou resolução de pacto contratual e alocação
dos riscos definidos
A Lei no 13.874 introduziu, ainda, o artigo 421-A ao Código Civil, para
dispor que os contratos civis e empresariais presumem-se paritários e
simétricos até a presença de elementos concretos que justifiquem o
afastamento desta presunção, ressalvados os regimes jurídicos previstos em
leis especiais e garantindo também que (i) as partes negociantes possam estabelecer
parâmetros objetivos para a interpretação das cláusulas negociais e de seus
pressupostos de revisão ou de resolução; (ii) a alocação de riscos
definida pelas partes seja respeitada e observada; e (iii) a revisão
contratual somente ocorra de maneira excepcional e limitada.
No ponto, a Lei no 13.874 reforçou o princípio da força obrigatória
dos contratos (pacta sunt servanda) que, como dito acima, é
frequentemente mitigado por reinterpretações judiciais.
3. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA
3.1. Alterações no Código Civil
Embora, em regra, os sócios não sejam pessoalmente responsáveis por
dívidas das sociedades em que possuam participação, na prática, comumente
os juízes estendem a responsabilidade patrimonial da sociedade aos sócios
diretos e indiretos de empresas brasileiras (e até afiliadas e
administradores) por - entre outros - passivos trabalhistas e de natureza
consumerista. Houve casos em que os juízes perseguiram a controladora final e
(em casos trabalhistas) outras empresas membros do mesmo grupo econômico. As
relações de trabalho e de consumo tendem a ter uma abordagem social ou
distributiva (funcionários e consumidores são considerados o “elo mais fraco
da cadeia”) e os juízes geralmente relativizam o conceito da autonomia
patrimonial das sociedades ou o rejeitam por completo.
Infelizmente, a Lei no 13.874 adotou uma abordagem um tanto tímida,
alterando apenas o Código Civil, para tornar expresso certos precedentes já
estabelecidos pelo Superior Tribunal de Justiça (e não a legislação
específica que trata das matérias trabalhista, consumerista, ambiental e de
corrupção, por exemplo).
O instituto da desconsideração da personalidade jurídica de forma a
atingir os bens particulares dos sócios e/ou dos administradores que
praticarem abuso da personalidade de sociedade empresária já era previsto
expressamente no Código Civil, em seu artigo 50.
O referido artigo, em sua redação original, previa que o abuso da
personalidade jurídica estaria caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela
confusão patrimonial (conceitos até então não definidos no referido diploma
legal).
Com a nova redação incluída pela Lei no 13.874, (i) ficou expresso no caput do artigo 50 que apenas os
administradores ou sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou
indiretamente pelo abuso poderão ter seus bens particulares atingidos em
decorrência da desconsideração e (ii) definiu-se os conceitos de desvio de
finalidade e de confusão patrimonial.
Quanto à definição de desvio de finalidade, a novidade é o
pressuposto expresso do propósito (dos sócios ou administradores
beneficiados) em lesar credores ou praticar atos ilícitos; quanto à
definição de confusão patrimonial, as novidades são dois exemplos concretos
de atos que a caracterizam: o cumprimento repetitivo pela sociedade de
obrigações do sócio ou do administrador (ou vice-versa) e a transferência
de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto o de valor
proporcionalmente insignificante; e um terceiro exemplo genérico referente à
prática de outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial.
Foi introduzida, ainda, previsão no sentido de que a mera existência
de grupo econômico sem a presença de desvio de finalidade ou de confusão
patrimonial não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa
jurídica (nos termos do §4o do artigo 50) e que não constitui desvio de
finalidade a mera expansão ou a alteração da finalidade original da
atividade econômica específica da pessoa jurídica (nos termos do §o5 do
artigo 50).
Esse dispositivo não representa propriamente uma alteração ao
ordenamento jurídico, apenas servindo ao propósito de reforçar a autonomia privada, consignando expressamente que as
partes terão liberdade em estipular os termos e condições dos
contratos que celebrarem e que, com relação às matérias definidas, a
revisão contratual pelo Poder Judiciário deverá ser medida
excepcional.
Embora já reconhecida pela Lei no 13.105, de 16 de março de 2015
(Código de Processo Civil), a desconsideração inversa da personalidade
jurídica (ou seja, a possibilidade de extensão das obrigações de sócios e/ou
de administradores à pessoa jurídica em caso de desvio de finalidade e
confusão patrimonial) foi inserida no artigo 50 do Código Civil.
Além disso, também foi inserida previsão expressa no Código Civil,
mediante a inclusão do artigo 49-A, no sentido de que a pessoa jurídica não
se confunde com os seus sócios, associados, instituidores ou administradores e
que a autonomia patrimonial das pessoas jurídicas é um instrumento lícito de
lei com a finalidade de estimular empreendimentos, para a geração de
empregos, tributo, renda e inovação em benefício de todos.
Importa notar que as novas regras sobre desconsideração da
personalidade jurídica se restringem à matéria cível e não se aplicam à
discussão da responsabilidade de natureza trabalhista, tributária, ambiental,
consumerista e concorrencial e outras que são reguladas por leis específicas.
4. LIMITAÇÃO DA RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS
4.1. Sociedade Limitada Unipessoal
Uma importante inovação trazida pela Lei no 13.874 consiste na
possibilidade de a sociedade empresária limitada ser constituída por um
único sócio, nos termos do §1o introduzido ao artigo 1.052 do Código Civil.
Trata-se do reconhecimento da unipessoalidade de fato de sociedades limitadas
com sócios formais, permitindo a alteração de contratos sociais em que a
pluralidade de sócios é composta por sócios apenas de direito.
Introduziu-se também o §2o ao artigo 1.052 do Código Civil, no sentido
de que, se a sociedade for unipessoal, aplicar-se- ao ao documento de
constituição do sócio único, no que couber, as disposições sobre o
contrato social.
A sociedade empresária limitada unipessoal provavelmente tornará pouco
usual a constituição de empresa individual de responsabilidade limitada
(“EIRELI”) prevista no artigo 980-A do Código Civil, diante da exigência
constante no referido artigo de que o capital social da EIRELI, devidamente
integralizado, não seja inferior a 100 (cem) vezes o maior salário mínimo
vigente no País à época da constituição da EIRELI.
Vale ressaltar que o Código Civil veda, ainda, que uma mesma pessoa
física seja titular de mais de uma EIRELI (nos termos do §2o do artigo 980-A).
O objetivo desta vedação era justamente coibir abusos da personalidade
jurídica e fraudes a credores.
Uma vez que a Lei no 13.874 não introduziu a mesma vedação para as
sociedades empresárias limitadas unipessoais e tampouco exigiu a
integralização de capital social mínimo para sua constituição, caberá
verificar como esta nova estrutura será de fato utilizada e se serão adotados
mecanismos de proteção aos credores.
Além disso, embora inserida a possibilidade de constituição de
sociedade limitada por 1 (um) único sócio, não foi feita nenhuma exceção
no artigo 1.033, inciso IV, do Código Civil, o qual prevê que, quando a
pluralidade de sócios não for reconstituída no prazo de 180 (cento e
oitenta) dias, dissolver-se-á a sociedade.
O dispositivo da Lei no 13.874 (artigo 19, IV) que revogava o inciso IV
do art. 1.033 do Código Civil foi vetado, sob o argumento (correto) de que
este tinha aplicação não apenas à sociedade limitada, mas também aos
outros tipos societários previstos no Código Civil. Mesmo faltando uma
ressalva expressa — similar à prevista no artigo 1.033, parágrafo único, do
Código Civil (que prevê a possibilidade de conversão da sociedade unipessoal
em EIRELI ou em empresa individual) — parece-nos que, com o veto, a regra de
dissolução pela não recomposição da pluralidade somente será aplicável
se, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, o sócio remanescente não
deliberar por manter a sociedade com apenas 1 (um) sócio, reformando o
contrato social para essa finalidade. Sobre esse ponto, convém ver como as
Juntas Comerciais reagirão em tais casos.
4.2. Limitação à responsabilidade do titular da Empresa Individual de
Responsabilidade Limitada – EIRELI
Foi, ainda, introduzida previsão expressa no Código Civil no sentido
de que, ressalvados os casos de fraude, o patrimônio do titular de EIRELI não
se confundirá com o patrimônio da empresa, conforme §7o do artigo 980-A do
Código Civil, incluído pela Lei no 13.874, proveniente da MP da Liberdade
Econômica.
5. LIMITAÇÃO DA RESPONSABILIDADE DOS COTISTAS DE FUNDOS DE INVESTIMENTOS
E PRESTADORES DE SERVIÇOS FIDUCIÁRIOS
5.1. Natureza jurídica e disciplina dos fundos de investimento
A Lei no 13.874 também introduziu um capítulo específico no Código
Civil para tratar sobre fundos de investimento (conforme artigos 1.368-C a
1.368-F). No artigo 1.368-C, prevê-se que os fundos de investimento possuem
natureza jurídica de condomínio de natureza especial e são destinados à
aplicação em ativos financeiros, bens e direitos de qualquer natureza. É
válido ressaltar que a referida definição está alinhada com o que já era
estabelecido pela Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”).
Tendo em vista que foi adicionada referência específica aos fundos de
investimento destinados à aplicação de recursos financeiros, bens e direitos
de qualquer natureza, entende-se que as disposições do Código Civil
introduzidas pela Lei no 13.874 são aplicáveis tanto aos fundos de
investimento em participações, regulados pela Instrução da CVM no 578, de
30 de agosto de 2016, conforme alterada (“Instrução CVM 578”) e a todas as
demais classes de fundos de investimento atualmente existentes, nos termos da
Instrução da CVM no 555, de 17 de dezembro de 2014, conforme alterada
(“Instrução CVM 555”).
Conforme prevê o §2o do artigo 1.368-C, competirá à CVM disciplinar
os fundos de investimentos.
Outra alteração importante foi introduzida no §3o do artigo 1.368-C no
sentido de que o registro do regulamento dos fundos de investimento na CVM é
condição suficiente para garantir a sua publicidade e a oponibilidade de
efeitos em relação a terceiros. Com isso, estaria dispensada a necessidade de
registro do documento em cartório de títulos e documentos.
Resta verificar, no entanto, como será a aplicação desta dispensa na
prática, tendo em vista que a Instrução CVM 578 prevê expressamente que o
funcionamento do fundo de investimento será automaticamente concedida pela CVM
mediante o protocolo na autarquia de certidão que comprove que o ato de
constituição e o regulamento do fundo foram devidamente registrados em
cartório de títulos e documentos, nos termos do artigo 2o, inciso I, da Instrução
CVM 578.
Conforme dispõe o artigo 1.368-F do Código Civil, introduzido pela Lei
no 13.874, os fundos de investimento regulamentados pela CVM deverão, no que
couber, seguir as disposições dos 1.368-C a 1.368-F do Código Civil.
5.2. Regras aplicáveis aos cotistas de fundos de investimento e aos
prestadores de serviços fiduciários
Outra importante inovação no tocante aos fundos de investimento
introduzida pela Lei no 13.874 consiste na possibilidade de o regulamento do
fundo estabelecer (i) limitações à responsabilidade de cada cotista ao valor
de suas cotas; (ii) limitações à responsabilidade dos prestadores de
serviços fiduciários ao cumprimento dos deveres particulares de cada um (ou
seja, sem solidariedade), perante os cotistas e entre si; e (iii) classes de
cotas com direitos e obrigações distintos, com possibilidade de
constituição de patrimônio segregado para cada classe (o qual somente
responderá por obrigações vinculadas à classe respectiva), nos termos do
1.368-D do Código Civil.
Antes das alterações introduzidas pela Lei no 13.874, a
responsabilidade limitada apenas era prevista expressamente no ordenamento
jurídico brasileiro para os fundos de investimentos imobiliários (e era
aplicável apenas aos cotistas destes fundos, não aos seus prestadores de
serviços fiduciários), nos termos da Lei no 8.668, de 25 de junho de 1993.
Conforme dispõe o artigo 15 da Instrução CVM 555, os cotistas de
fundos de investimento estão sujeitos à responsabilização pelo patrimônio
líquido negativo do fundo, sem prejuízo da possibilidade de o administrador e
o gestor serem responsabilizados, caso a política de investimento ou os
limites de concentração previstos nos respectivos regulamentos dos fundos e
na Instrução CVM 555 não forem observados.
Ainda nos termos da Instrução CVM 555, o contrato de prestação de
serviços dos fundos de investimento regulados pela referida instrução
deverá prever a responsabilidade solidária entre o administrador do fundo e o
prestador de serviços por eventuais prejuízos incorridos pelos cotistas que
derem causa em virtude de condutas contrárias à lei, às normas da CVM e ao
regulamento dos fundos. A Instrução CVM 578 traz previsão no mesmo sentido,
com exceção às contratações de serviços relacionados especificamente à
gestão de carteira.
Ainda, nos termos do novo artigo 1.368-D, §1o, do Código Civil, a
adoção da responsabilidade limitada, caso assim passar a ser estabelecido
pelo respectivo regulamento, por fundo inicialmente constituído sem esta
limitação, somente abrangerá fatos ocorridos após a mudança no
regulamento.
Tendo em vista a ausência de regulamentação específica da CVM para
tratar das inovações trazidas ao Código Civil pela Lei no 13.874, será
necessário aguardar esta regulamentação para que os regulamentos dos fundos
possam ser alterados de modo a prever limitações à responsabilidade do
cotista e dos prestadores de serviços fiduciários.
A possibilidade de se estabelecer as limitações acima descritas
poderá proporcionar maior previsibilidade e segurança jurídica aos
investimentos realizados por meio de fundos, além de representarem um
incentivo para que os prestadores de serviços fiduciários atuem de forma cada
vez mais ativa e inovadora neste mercado.
Por fim, foi introduzida a aplicabilidade das regras de insolvência
civil previstas nos artigos 955 a 965 do Código Civil, caso o fundo de
investimento com limitação de responsabilidade não possua patrimônio
suficiente para responder por suas dívidas. Com essa regra exclui-se a
possibilidade de falência ou de recuperação judicial do fundo de
investimento.
A insolvência civil poderá ser requerida judicialmente por credores,
por deliberação própria dos cotistas do fundo de investimento, nos termos
dos respectivos regulamentos, ou pela CVM, conforme previsto nos parágrafos 1o
e 2o do artigo 1.368-E do Código Civil.
6. ALTERAÇÕES NA LEI DAS S.A.
Com relação à Lei das S.A., foi inserida a possibilidade de dispensa
de assinatura de lista ou de boletim de subscrição no ato da subscrição de
ações a serem realizadas em dinheiro, caso a liquidação da oferta pública
em questão ocorra por meio de sistema administrado por entidade administradora
de mercados organizados de valores mobiliários, nos termos do §2o do artigo 85
da Lei das S.A., introduzido pela Lei no 13.874.
Trata-se de medida de desburocratização para companhias abertas,
estimulando o acesso ao mercado de capitais.
7. ALTERAÇÕES NA LEI DE REGISTRO PÚBLICO DE EMPRESAS MERCANTIS
A Lei no 13.874 introduziu, ainda, diversas alterações na Lei no
8.934, de 18 de novembro de 1994 (“Lei de Registro Público de Empresas
Mercantis”). Dentre elas, destaca-se a obrigatoriedade de o registro dos atos
constitutivos e de suas alterações e extinções ocorrer independentemente de
autorização governamental prévia, devendo os órgãos públicos ser
informados pela Rede Nacional para Simplificação do Registro e da
Legalização de Empresas e Negócios (Redesim) apenas a respeito dos registros
sobre os quais manifestarem interesse.
Além disso, nos termos do novo parágrafo único do artigo 41 da Lei de
Registro Público de Empresas Mercantis, os pedidos de arquivamento (i) dos
atos de constituição de sociedades anônimas; (ii) dos atos referentes à
transformação, incorporação, fusão e cisão de empresas mercantis; e (iii)
dos atos de constituição e alterações de consórcio e de grupo de
sociedades, conforme previsto na Lei das S.A. deverão ser decididos no prazo
de 5 (cinco) dias úteis, contados da data de seu recebimento pela Junta
Comercial competente, sob pena de os atos serem considerados arquivados,
mediante provocação dos interessados, sem prejuízo do exame das formalidades
legais pelas procuradoria.
Para outros pedidos de arquivamento não citados acima (como
alterações ao contrato social de sociedades empresárias limitadas), o prazo
para decisão sobre o respectivo deferimento pela Junta Comercial competente
será de 2 (dois) dias úteis, sob pena de os atos serem igualmente
considerados arquivados, mediante provocação dos interessados.
Outra importante alteração é o deferimento de registro automático
para o arquivamento de atos constitutivos e alterações de sociedades
limitadas caso estejam presentes os requisitos de (i) aprovação da consulta
prévia da viabilidade do nome empresarial e de localização e (ii)
utilização de instrumento padrão estabelecido pelo Departamento Nacional de
Registro Empresarial e Integração (Drei). Essa medida certamente desburocratizará
o registro, permitindo às partes que adequem o contrato social às
especificidades da sociedade em um segundo momento.
Ainda, nos termos do §3o introduzido ao artigo 63 da Lei de Registro
Público de Empresas Mercantis, fica dispensada a autenticação dos atos
levados a arquivamento nas Juntas Comerciais nos casos em que o advogado ou o
contador da parte interessada declarar, sob sua responsabilidade pessoal, a
autenticidade da cópia do respectivo documento.
A Lei de Registro Público de Empresas Mercantis passou a prever, ainda,
que os atos de constituição, alteração, transformação, incorporação,
fusão, cisão, dissolução e extinção de registro de empresários e de
pessoas jurídicas poderão ser realizados também por meio de sistema
eletrônico criado e mantido pela administração pública federal. A ameaça
de concorrência potencial de um registro federal pode servir de estímulo para
que as Juntas Comerciais de cada Estado sejam mais eficientes.
8. ALTERAÇÕES NA CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO
As alterações introduzidas pela Lei no 13.874 na Consolidação das
Leis do Trabalho, no intuito de desburocratizar o empreendedorismo brasileiro,
dizem respeito (i) às anotações do contrato de trabalho e da carteira de
trabalho; (ii) à anotação da jornada de trabalho; e (iii) ao Sistema de
Escrituração Digital de Obrigações Fiscais, Previdenciárias e Trabalhistas
(E-Social).
8.1. Anotações do Contrato de Trabalho e da Carteira de Trabalho
Alterações e revogações dos textos contidos nos artigos no 13, 14,
15, 16, 29, 40 e 135 da CLT, com a implementação da Carteira de Trabalho e
Previdência Social (“CTPS”) eletrônica, sendo a física apenas emitida em
caráter excepcional, competindo ao Ministério da Economia essa atribuição,
são algumas das alterações introduzidas pela Lei no 13.874 na CLT.
Com a entrada em vigor da Lei no 13.874, a CTPS estará vinculada apenas
ao CPF do trabalhador. O empregador terá 5 (cinco) dias úteis para proceder
à anotação da contratação mediante um novo cadastro eletrônico de
empregador. Em 48 (quarenta e oito) horas após a anotação da CTPS, o
trabalhador deverá ter acesso às informações.
Por fim, está revogado o inciso II do artigo 40 da CLT, retirando a
necessidade de prova das anotações da CPTS para fins de comprovação de
dependentes perante a Previdência Social.
Para os empresários, a alteração simplifica a burocracia de contratar
e segue a tendência digital. Indiretamente, mitiga registros precários e
imprecisos. Logo, é positiva.
8.2. Anotação da Jornada de Trabalho
Foram implementadas, ainda, alterações e revogações no texto do
artigo 74 da CLT, de modo a aumentar de 10 (dez) para 20 (vinte) o número de
empregados do estabelecimento para que o empregador tenha a obrigação do
controle e registro de ponto.
Serão anotadas as jornadas de trabalho por meio manual, mecânico ou
eletrônico, conforme regulamentação administrativa do Ministério da
Economia, sendo possível a pré anotação do período de repouso. Também há
novas regras para a anotação da jornada de trabalho daqueles que laboram fora
do estabelecimento do empregador.
Por fim, por acordo individual escrito, por Acordo Coletivo ou por
Convenção Coletiva de Trabalho, será autorizada a anotação da jornada pelo
regime de “exceção” (anotação apenas da jornada extraordinária).
As alterações parecem positivas para os empresários, especialmente a
que diz respeito ao número mínimo de empregados para registro de horário
obrigatório. O texto original é muito antigo e a atividade econômica muito
mais modesta. Assim, a alteração parece ser mais fiel ao espírito da norma
do que a sua literalidade atual.
A anotação do horário do empregado externo deve ser entendida em
harmonia com a regra do artigo 62 da CLT, portanto, sendo aplicável apenas aos
casos em que seja possível o controle dessa jornada.
A anotação pelo regime de exceção é mais prática com vantagens
para o empregador pela simplificação, sem prejuízo para o empregado. O
argumento por vezes apresentado de que ele inibiria o registro de horas extras,
na verdade, serviria a qualquer forma de anotação ou não haveria tanto
contencioso por horas extras.
8.3. E-SOCIAL
Por fim, o Sistema de Escrituração Digital de Obrigações Fiscais,
Previdenciárias e Trabalhistas (E-Social), que unifica o envio de dados de
trabalhadores e de empregadores, será substituído, em nível federal, por um
sistema mais simples, de informações digitais de obrigações
previdenciárias e trabalhistas.
As dificuldades operacionais do sistema são notórias, bastando ver os
sucessivos adiamentos. Não se trata de eliminar registros, mas de procurar um
sistema digital mais eficiente.
A proposta original de permissão geral para o trabalho aos domingos
caiu, assim como a regulamentação da alteração do dia de descanso e do
adicional.
9. DIREITO DO CONSUMIDOR
A Lei no 13.874 não altera expressamente qualquer artigo da Lei no
8.078, de 11 de novembro de 1990 (“Código de Defesa do Consumidor” ou “CDC”)1. Assim,
genericamente falando, a opção da Lei no 13.874 parece ter sido a de não
restringir direitos dos consumidores, ao menos não aqueles previstos
expressamente no CDC. Ao garantir ‘a livre definição, em mercados não
regulados, do preço de produtos e de serviços como consequência de
alterações da oferta e da demanda’ (art. 3o, III), a Lei no 13.874 foi ainda
mais específica e excluiu expressamente desse âmbito a legislação de defesa
aos direitos do consumidor, assim como a de defesa da concorrência e às
demais disposições protegidas por lei federal (art. 3o, § 3o, II, da Lei no
13.874). Mas essa foi a única exclusão relacionada a direito do consumidor,
ou seja, tão somente no que se refere à definição de preços de produtos.
Ocorre que o sistema de proteção e defesa do consumidor no Brasil não
se resume ao que está disposto no CDC, mas é composto por uma série de
normas infralegais e regras que compõem um vasto sistema regulatório que
transcendem ao Código de Defesa do Consumidor, de modo que as alterações
trazidas pela Lei no 13.874 deverão impactar em alguma medida também as
relações de consumo, inclusive podendo flexibilizar algumas perspectivas protetivas,
desde que não afrontem diretamente disposições do CDC.
Publicidade e propaganda. Um claro exemplo de impacto da Lei no 13.874
nas relações de consumo refere-se à maior flexibilização dos critérios a
serem observados para publicidade e propaganda de serviços e produtos.
O art. 4o da Lei no 13.874 define ser “dever da Administração Pública
[...] evitar o abuso do poder regulatório de maneira a, indevidamente [...]
restringir o uso e o exercício da publicidade e propaganda sobre um setor econômico,
ressalvadas as hipóteses expressamente vedadas em lei federal” (inciso VIII).
Nesse contexto, não sendo expressamente vedado pelo CDC, não restam dúvidas
que a Lei no 13.874 conferiu às empresas fornecedoras maior liberdade na
veiculação da publicidade sobre produtos, justamente com o objetivo de evitar
restrições indevidas no que tange a tal direito de expressão, comunicação
e/ou interação dirigida ao público visando à promoção, divulgação ou
venda de um produto ou serviço.
Estamos à sua disposição caso tenha dúvidas ou precise de
informações adicionais.
Lior Pinsky
Maria Letícia Góes
Os autores gostariam de agradecer os inputs valiosos de Jose Wahle (Direito Trabalhista), Paula Surerus (Direito Societário), Cassio Cavalli (Insolvência e Reestruturação), Priscila Sansone (Direito do Consumidor e Product
Liability), e Pedro Boueri (Direito Civil).