Artigo / SÉRGIO E. MOREIRA LIMA
Sérgio E. Moreira Lima é embaixador e presidente
da Fundação Alexandre de Gusmão
Dois momentos marcaram sua crença nas mudanças
no mundo e no Brasil: o processo de integração europeia e o desenvolvimentismo
de Juscelino Kubitschek
Arauto do liberalismo num Brasil marcado pela
desigualdade social, paladino da convergência ideológica com os EUA num país
que deveria buscar sua posição autônoma na ordem internacional são imputações a
Roberto Campos. Respondem elas pelo estigma que marcou a irônica tradução para
o inglês de seu nome, como forma de retirar a legitimidade de suas ideias e
torná-lo estrangeiro. Essa visão dificilmente se sustentaria no tempo diante da
densidade do homem e do seu compromisso com ideias, valores e com o futuro do
Brasil.
Campos foi dos mais brilhantes pensadores
brasileiros, um dos economistas e diplomatas mais influentes de sua geração.
Suas ideias liberais sofreram críticas, que, sob o argumento nacionalista, as
confundiam com atitude de “entreguismo”. Sua carreira diplomática ajudou-o na
formação de sólida base acadêmica e profissional, acentuada por sua
inteligência e pragmatismo. Esses atributos concorreram para o êxito de sua
gestão como embaixador em Washington e fizeram com que sua contribuição fosse
necessária à construção do Brasil moderno, lançando-o para além da Casa de Rio
Branco, como ideólogo, ministro do Planejamento e estadista. Seu esforço tenaz
foi livrar o Brasil da mediocridade e buscar na educação instrumentos de
superação do subdesenvolvimento pela reestruturação econômica e institucional.
Para Campos, o Estado tornara-se demasiado
grande para lidar com os pequenos problemas e demasiado pequeno para tratar das
grandes questões. Revela o contraste entre o liberalismo do século XIX — com as
reformas para criar riqueza via livre mercado —, com o período subsequente, “o
século do coletivismo, o mais violento da história humana” e seus corolários, o
dirigismo estatal e o comunismo. Conclui que a tarefa do século XXI será
conciliar o mercado, no plano econômico, com a democracia, na vertente
política.
Dois momentos marcaram sua crença nas mudanças
no mundo e no Brasil: o processo de integração europeia e o desenvolvimentismo
de Kubitschek. Manifestaria, porém, frustração, ao perceber que sua geração
havia fracassado na tarefa de transformar o Brasil em potência em fins do
século XX. Confessa perplexidade diante da vocação de pobreza de países ricos
em recursos naturais, que, no caso brasileiro, não pode ser imposição da
fatalidade. Atribui essa situação à inflação e à resistência à abertura
internacional da economia brasileira.
Campos defendeu o Brasil como parte do sistema
interamericano e criticou a “política externa independente”. Argumentava que a
posição do Brasil não poderia ser de neutralidade, dado seu papel no sistema.
Considerava que não estávamos em disponibilidade ideológica. Criticava a
indiferença moral quando se contrapunham o valor supremo da liberdade e o
totalitarismo.
Em sua visão, a política externa reflete opção
nacional básica, que se expressava na fidelidade cultural e política ao sistema
democrático ocidental, sem prejuízo da aferição de cada problema em termos de
interesse nacional. Em resposta a seus críticos, Campos transcreve, em suas
memórias, o trecho do discurso do presidente Castello Branco que ajudara a
redigir:
“Não devemos dar adesão prévia às atitudes de
qualquer das grandes potências — nem mesmo às potências guardiãs do mundo
ocidental, pois que, na política externa destas, é necessário distinguir os
interesses básicos da preservação do sistema ocidental dos interesses
específicos de uma grande potência. (...) a política exterior é independente,
no sentido de que independente deve ser, por força, a política de um país
soberano. Política exterior independente, num mundo que se caracteriza cada vez
mais pela interdependência dos problemas e dos interesses, significa que o
Brasil deve ter seu próprio pensamento e sua própria ação, (...) não
subordinados a nenhum interesse estranho ao do Brasil”.
O centenário de seu nascimento enseja reflexão
sobre a importância de sua obra e análise isenta do mérito de suas ideias.
Jamais podemos aceitar que o Brasil não esteja vocacionado à administração
responsável e inovadora de sua abundância. Esta pôde contar com a dimensão de
espaço e a diversidade de recursos naturais que representa a herança patrimonial
da diplomacia brasileira, de Alexandre de Gusmão a Rio Branco.