Não foi por falta de aviso. No contexto do descalabro institucional em que está mergulhado o Brasil desde o início da república dos companheiros, o STF ainda se preservava, parcialmente, do descrédito que todo brasileiro bem informado, e sem alinhamentos ideológicos com os companheiros, devotava à maior parte dos órgãos públicos, em vista do festival de corrupção, de incompetência manifesta, de fraudes e mentiras com que fomos confrontados desde 2003.
Parece que não mais. Aliás, os companheiros estão preenchendo os vácuos com gente da família deles, serviçais do poder e meninos de recados dos companheiros que estão cumprindo seu papel de conspurcar a última instituição que ainda não tinha sido comprada, chantageada, submetida, como já fizeram com praticamente todas as outras.
Alguns anos atrás escrevi um trabalho sobre a decadência. Pudicamente, evitei mencionar Brasil, tratando o assunto "sociologicamente", ou assepticamente. Não é mais o caso: o Brasil se encontra realmente em decadência.
Se um ministro do Supremo, o decano aliás, não é capaz de distinguir entre um processo de prostituição institucional e o exercício normal da prestação judicial, então já entramos em decadência, por acaso avançada e profunda.
Creio que não teremos volta antes de certo tempo, bastante tempo na minha opinião.
Não creio, por outro lado, que os companheiros tenham ganho a aposta da História: eles são tão mentirosos, fraudadores e totatlitários, que a sociedade vai aprender a reconhecer entre o que é certo e o que é errado, em algum momento do futuro de médio e longo prazo.
Eles estão afundando o país, com inflação, baixo crescimento, deformação geral do funcionamento do Estado. Em algum momento a situação se inverterá...
Paulo Roberto de Almeida
Editorial O Estado de S.Paulo, quarta-feira, 18/09/2013
No julgamento da admissibilidade ou não dos embargos infringentes, há muito mais em jogo do que as tecnicalidades jurídicas de interpretação do Regimento do Supremo. O que está em questão são duas concepções da sociedade e do Estado, uma de fortalecimento das instituições republicanas, outra a do seu enfraquecimento.
Hoje, o STF pode consolidar o alento de esperança no fim da impunidade dos poderosos, criado em abril com a condenação dos réus da Ação Penal 470, ou criar uma séria ameaça de retrocesso institucional e transformar o mensalão na “piada de salão” em que apostou debochadamente um de seus mais notórios réus, o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares. Ao desincumbir-se da gravíssima responsabilidade de desempatar a votação sobre a admissibilidade ou não dos embargos infringentes interpostos por parte dos condenados, o decano da Suprema Corte, ministro Celso de Mello, que ao longo de toda a fase de debate do mérito do processo se revelou um de seus mais severos julgadores, estará fazendo uma opção fundamental para o futuro das instituições nacionais.
Se rejeitar os embargos, o Supremo dará o fim devido ao maior e mais grave escândalo político dos últimos tempos. Em caso de aceitação dos embargos infringentes, o Supremo será objeto de profundo descrédito. Saliente-se que o STF é uma das poucas instituições que têm atravessado incólume a desmoralização institucional vigente, e isto se deve, em boa medida, ao crédito adquirido quando do julgamento do mensalão. Dele surgiu um Tribunal que rompeu com a leniência histórica dos julgamentos dos poderosos de plantão. A impunidade era a regra, obtida por meio dos mais variados artifícios jurídicos, configurando uma “legalidade” que afrontava o espírito mesmo das instituições republicanas. Desmentindo e desautorizando o que fez até aqui, o Supremo colocará o Judiciário na vala comum das desprestigiadas instituições nacionais.
Já a não aceitação dos embargos infringentes consolidará a percepção de que o Supremo não é uma instituição como as outras, fortalecendo-se, desta forma, a democracia. Uma tradição de impunidade terá sido efetivamente rompida, ou seja, os poderosos não estarão mais acima da lei e além de seu alcance. E a lei será vista como universal e impessoal, não contemplando nenhuma exceção – nem o criminoso que rouba para se locupletar nem o criminoso que rouba para um partido do “bem”, para uma “causa nobre”. É essa a expectativa que anima os brasileiros de bem. Acreditam eles que, tecnicalidades à parte, o Supremo – diferentemente do Executivo e do Legislativo – imbuiu-se dos valores morais que definem a identidade desta Nação.
A impunidade brasileira deita raízes em uma concepção jurídica segundo a qual quanto mais demorada for uma decisão, quanto mais forem os recursos interpostos, melhores serão as condições de que ela seja “boa”, “justa”. Atribui-se ao tempo a virtude da boa decisão, como se o prolongamento indefinido de recursos equivalesse à Justiça.
Enquanto outra face da mesma moeda, a decisão justa seria equiparada a das penas brandas, como se o abrandamento da pena valesse pela Justiça. A confusão é total. Atribuir ao tempo a decisão justa posterga indefinidamente a justiça, produzindo, inclusive, a prescrição do crime. É como se o juiz não quisesse condenar, tivesse medo disso. Cometeria uma injustiça. Ora, a injustiça consiste precisamente em não condenar, em aceitar um número indeterminado de recursos, em não agilizar o processo judicial.
Lembremos que a democracia vive de instituições fortes, que regrem os conflitos e que sejam assim reconhecidas tais, pelos cidadãos. Estes só se reconhecem em instituições pelas quais sentem apego. Aderem ao que pensam ser a expressão política deles mesmos. Contudo, se a percepção dos cidadãos é a de que o Supremo se tornou novamente uma instituição como as demais, a adesão diminui, o apego não se realiza e a democracia padece. O grave risco de uma eventual aceitação dos embargos infringentes pelo Supremo – insistimos – é o de um enfraquecimento institucional da democracia. Esperemos que, hoje, o Supremo não confirme as previsões de Delúbio Soares.