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domingo, 2 de junho de 2019

Respostas a perguntas colocadas em minhas palestras em Curitiba - Paulo Roberto de Almeida


Questões levantadas nas palestras sobre a Política Externa Brasileira

Paulo Roberto de Almeida
 [Objetivo: respostas a questões; finalidade: Palestras sobre PExtBr]
  
Nos dias 29 e 30 de maio, a convite do amigo e colega acadêmico Wagner Rocha D’Angelis, professor de Direito em instituições do Paraná, efetuei duas palestras relativamente similares sobre um tema que constitui meu objeto de trabalho, de estudos e de escritos desde 1977 pelo menos, talvez antes, no âmbito acadêmico. Utilizei-me, para tal, de uma mesma apresentação, tal como explicitada neste registro:
3469. “Política externa brasileira: passado, presente e futuro”, Brasília, 23 maio 2019, 29 slides, para palestras, apresentação e lançamento do livro Contra a Corrente: ensaios contrarianistas sobre as relações internacionais do Brasil, 2014-2018 (Curitiba: Appris, 2018), em Curitiba, a convite de Wagner Rocha D’Angelis. Power Point disponibilizado na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/39341633/PExt_Br_Passado_Presente_Futuro_FESP) e colocado em formato pdf na plataforma Research Gate (29/05/2019; link: https://www.researchgate.net/publication/333456985_Politica_externa_brasileira_passado_presente_e_futuro).

Após cada uma de minhas intervenções, muito breves, de cerca de 25 minutos aproximadamente, e depois dos comentários iniciais do professor Wagner D’Angelis, respondi de forma sintética a diversas perguntas efetuadas em forma escrita, mas também oralmente. Tendo recolhido cada uma das questões escritas, algumas tratadas de maneira perfunctória, outras respondidas de forma preliminar, permito-me, nos parágrafos seguintes, discorrer sobre algumas dessas questões que me parecem mais importantes:

1) Ingresso do Brasil na OCDE e questão da OMC
PRA: Efetuei uma análise dessa questão mais de vinte anos atrás, já preconizando a aproximação do Brasil com essa organização, equivocadamente tratada como um “clube dos países ricos”, e na verdade dedicada a ser um “clube das boas práticas”, e essa meu trabalho, na verdade uma tese apresentada no Curso de Altos Estudos do Instituto Rio Branco, foi recusada pela Banca, por razões nunca bem esclarecidas. Os interessados em ler esse trabalho podem buscar este meu arquivo:
Brasil e OCDE: uma interação necessária (Brasília: Tese apresentada ao XXXII Curso de Altos Estudos do Instituto Rio Branco, 15 julho 1996, 290 p.; texto disponível: https://www.academia.edu/5659888/530_Brasil_e_OCDE_uma_interacao_necessaria_-_tese_CAE_1996_). Desde então muita coisa mudou, obviamente, mas fica o registro.
Considero útil esse ingresso do Brasil, não como um fim em si mesmo, pois o Brasil pode adotar essas “melhores práticas” por suas próprias vias e seus próprios méritos, ainda que a participação nos debates na OCDE possa convencer certo número de tecnocratas brasileiros que ainda relutam em face do que percebem ser a aceitação pelo Brasil de políticas “ortodoxas”, supostamente “neoliberais”, o que para mim é uma bobagem tremenda. Políticas macroeconômicas responsáveis são um benefício para o Brasil, não um sacrifício que devamos fazer, e por isso digo que todas elas podem ser adotadas em seu mérito próprio, não como aceitação de qualquer remédio amargo.

2) Posição do Brasil na guerra comercial entre o Brasil e a China
PRA: O Brasil não tem nenhum partido a tomar nessa insana guerra comercial deslanchada pelo presidente Donald Trump contra a China, ainda que esta tenha um comportamento menos “ortodoxo”, com respeito a certas práticas econômicas e comerciais. O caminho correto, para os EUA, assim como para qualquer parceiro que se sinta lesado por eventuais práticas comerciais “maliciosas” da China, que confrontem as regras do sistema multilateral de comércio, é o de recorrer ao sistema de solução de controvérsias da OMC, a partir de casos bem fundamentados de prejuízos, com base em evidências sobre quais regras a China estaria infringindo. Não é o que está fazendo o presidente Trump, que simplesmente ignora essas regras e pretende simplesmente, por razões basicamente eleitoreiras, diminuir o déficit comercial bilateral que os EUA têm com a China, algo impossível de ser praticado (ainda que possa ser diminuído, mas da pior maneira possível, causando danos aos próprios consumidores e empresários dos EUA). Essa guerra insana tem o poder de precipitar uma crise internacional, ou pelo menos uma diminuição das taxas de crescimento econômico de diversos países, entre eles o Brasil. O Brasil não tem de adotar nenhuma postura contra o seu principal parceiro comercial, uma vez que não apenas exibe saldos comerciais gigantescos, como também esses fluxos de comércio obedecem inteiramente às vantagens comparativas de cada um dos parceiros.
O Brasil deve, sim, condenar, as práticas americanas, por serem ilegais, abusivas e totalmente fora de propósito. Uma reação geral deveria se exercer contra os Estados Unidos por parte de todos os membros da OMC, pois as ações de Trump ameaçam o sistema multilateral de comércio e podem acarretar em uma crise sem precedentes na economia mundial. A visita do vice-presidente Hamilton Mourão à China, no quadro da retomada das reuniões da Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível (COSBAN) sinalizou a postura racional que deveria adotar o Brasil, contra ideias estapafúrdias enunciadas anteriormente pelo atual chanceler, que chegou a falar de “China maoísta” – algo que não existe há mais de 40 anos – e de uma suposta decadência econômica brasileira contemporaneamente ao incremento das relações comerciais com o gigante asiático. Essas ideias, sugeridas por um guru totalmente inepto em relações internacionais, foram adotadas pelo atual chanceler, sem qualquer fundamento na realidade efetiva das coisas.

3) Questões ambientais e participação do Brasil nos debates sobre o tema
PRA: As posturas iniciais proclamadas pelo presidente e seu chanceler designado, como políticas a serem seguidas pelo ministro do Meio Ambiente, foram altamente preocupantes, até mesmo pelo agronegócio, pois se falava em abandonar o Acordo de Paris sobre Aquecimento Global, numa adesão míope, e mal informada, das posturas do governo Trump sobre o mesmo assunto. Como resultado da pressão desses meios, a denúncia foi sustada “por enquanto”, como declarou o presidente, mas o dito chanceler se pronunciou diversas vezes contra um fantasmagórico “climatismo”, e tem se colocado contra as teses do aquecimento global de origem humana. O Brasil, nessa linha, renunciou a acolher a 25ª Conferência das Partes, prevista para dezembro, e depois submeteu-se ao ridículo de cumprimentar o Chile pela sua decisão de fazê-lo, assim como ameaçou cancelar uma reunião preparatória em Salvador, numa outra postura ridícula e desgastante para a imagem do Brasil no exterior. Essa questão é a que mais tem causado deterioração da credibilidade diplomática do Brasil no exterior, junto com outros temas vinculados a direitos humanos, proteção de minorias, etc. A posição do Brasil será provavelmente a mais defensiva possível, num novo alinhamento com as posturas vergonhosas da diplomacia americana sobre a questão.

4) Relações do Brasil com seus “novos aliados” na extrema direita mundial
PRA: Esta é uma escolha do governo de direita no Brasil, de aliar-se a novos parceiros de extrema direita na Europa, partidos e movimentos que inclusive desprezam o Brasil (como possível exportador de emigrantes “ilegais”), e que podem prejudicar a assinatura do acordo comercial Mercosul-União Europeia, assim como possíveis outros acordos comerciais que o Brasil teria a intenção de negociar. Cabe registrar que alguns desses novos “parceiros” têm sido censurados pela UE em função de políticas e medidas antidemocráticas que veem adotando no plano interno, assim como de sua recusa em colaborar com políticas comunitárias em relação ao drama dos refugiados de guerras civis e outros dramas humanitários em países da África e Oriente Médio. O Brasil sempre foi um país de acolhimento a imigrantes e refugiados, e agora passou a ser um país provedor de “emigrantes” para outros países, e sua política externa deveria justamente distanciar-se desses “aliados” xenófobos, quando não racistas. Mais grave é o nítido perfil autoritário de diversos líderes nesses países, o que coloca o Brasil na incômoda posição de denegar alguns de seus valores e princípios constitucionais.

5) Preparação do Brasil para a revolução da “Indústria 4.0”
PRA: A “desindustrialização” enfrentada pelo Brasil desde vários anos torna uma transição para os novos padrões industriais em curso em economias avançada altamente aleatória, e dependente de várias reformas a serem empreendidas no plano interno, que poderiam facilitar o rompimento de sua atual condição de país mais fechado do G20 financeiro, pouco propenso a engajar um processo de abertura econômica e de liberalização comercial. Não é impossível a modernização da indústria brasileira nos novos caminhos sendo apontados por economias maduras, e baseadas mais em know-how do que em recursos naturais ou mão-de-obra extensiva, como foi até aqui o caso do Brasil. O único caminho são reformas estruturais de ampla dimensão.

6) Problemas das migrações globais e postura do Brasil quanto ao tema
PRA: O governo Bolsonaro começou por um gesto vergonhoso, no dia 1 de janeiro de 2019: o de denúncia e retirada do Brasil do Pacto Global sobre Migrações, uma carta de boas intenções que não afeta em nada a soberania brasileira em matéria de regras para a aceitação de imigrantes ou seu tratamento nacional, de acordo com suas próprias leis. À vergonha adicionou-se o insulto: o presidente da Comissão de Relações Exteriores da CD, deputado Eduardo Bolsonaro, em visita aos EUA, classificou de “vergonha nacional” o fato de o Brasil ter imigrantes não legalmente estabelecidos nos Estados Unidos, além de, usurpando seu mandato, ter declarado que o “povo brasileiro apoiava a construção de um muro na fronteira com o México”, o que configura uma ofensa aos trabalhadores brasileiros naquele país e a todo o povo brasileiro. Pior: o próprio presidente declarou, no curso de sua visita oficial ao país, que “muitos dos brasileiros não tinham boas intenções” nos EUA, para se desculpar depois, em vista da nova grosseria cometida.
O fato é que o Brasil sempre foi um país de imigrantes, que são uma contribuição preciosa para o crescimento de qualquer país, e desde algumas décadas se tornou também um país de emigração, em vista do baixo crescimento e da estagnação da economia brasileira, devido a políticas econômicas equivocadas nas últimas décadas. O Brasil deve, sim, continuar a receber imigrantes, assim como prestar auxílio humanitário em caso de tragédias ou crises em países vizinhos, como a Venezuela, acolhendo generosamente aqueles que buscam refúgio econômico em nosso país.

7) Questão da Venezuela e postura do Brasil nessa difícil transição política
PRA: A questão mais importante da diplomacia brasileira – nos planos bilateral, regional, hemisférico e até mundial – recebeu um tratamento deplorável por parte do chanceler designado pelo presidente, que atuou de forma anticonstitucional, no sentido do artigo 4º. da CF-88, ao pretender intervir nos assuntos internos da Venezuela, na linha do aventureirismo eleitoreiro do governo Trump. Foi preciso uma ação decisiva, absolutamente diplomática, dos militares presentes no governo, para impedir que o Brasil fosse além do que prescrevem a Constituição e os bons princípios do Direito Internacional em sua ação relativa à Venezuela. O vice-presidente da República assumiu a condução do processo e obstou as políticas inconsequentes emanadas da chancelaria brasileira e de conselheiros amadores e irresponsáveis que gravitam em torno do presidente.

8) O problema do Mercosul e a posição do Brasil sobre sua evolução futura
PRA: Não se conhecem as possíveis opções do Brasil naquele que foi o mais importante projeto de integração surgido nos anos 1990, e que caminhou de forma errática, até ser completamente desviado de seus objetivos iniciais pela diplomacia partidária do lulopetismo. O fato é que negociações econômicas externas deixaram o âmbito do Itamaraty para se colocarem inteiramente sob a responsabilidade do novo ministério da Economia, que até agora não enunciou suas posturas a respeito. Denota-se uma intenção de fazer o bloco retroceder a uma simples zona de livre comércio, em lugar da união aduaneira incompleta que hoje prevalece, sem qualquer perspectiva de que se caminhe para o objetivo oficial do Tratado de Assunção de um mercado comum.
Já discorri bastante sobre o bloco, objeto de três livros meus e incontáveis artigos em periódicos e em livros coletivos. Posso recomendar, ademais de uma visita a minha página em Academia.edu, a leitura destes meus trabalhos:
“Regional integration in Latin America: an historical essay”, Social Sciences Research Network (29/05/2018; link: http://ssrn.com/abstract=3182150); “O Mercosul aos 25 anos: minibiografia não autorizada”, Mundorama (n. 103; 27/03/2016; link: http://www.mundorama.net/2016/03/27/o-mercosul-aos-25-anos-minibiografia-nao-autorizada-por-paulo-roberto-de-almeida/); “Mercosul: a visão dos primeiros vinte anos e as perspectivas futuras”, blog Diplomatizzando (http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2012/11/mercosul-21-anos-prefacio-uma-obra.html).

9) Posições atuais da política externa do governo Bolsonaro e seus efeitos
PRA: Poderia alinhar muitas críticas que venho efetuando desde o início deste governo, a propósito dos descaminhos da política externa e da diplomacia brasileira, sob a influência de ineptos ou amadores em sua condução, que exercem uma pressão pouco sutil sobre o chanceler designado para a assunção de posturas em absoluto descompasso com padrões históricos da diplomacia, não apenas pelo lado ideológico que possam revelar – como essa aliança espúria com regimes de extrema-direita na Europa –, mas também pela submissão beata e simplória, aliás vergonhosa, a posturas do governo Trump em relação a diferentes temas da agenda internacional, e não apenas na questão da Venezuela (mas em temas ambientais e de direitos humanos também), ou de Israel, mas em relação a própria China, todos eles objetos de estreita, estrita e atenta vigilância por parte dos elementos sensatos do governo Bolsonaro, que são os militares servindo na presidência. Mas prefiro referir-me à palestra do embaixador Rubens Ricupero, que merece uma leitura atenta por parte dos interessados, uma vez que discorre sobre todas as questões relevantes da política externa e da diplomacia brasileira:
A política externa brasileira em debate: Ricupero, FHC e Araújo”, Brasília, 4 de março de 2019, 18 p. Introdução à transcrição de três textos relativos à política externa do governo Bolsonaro, de Rubens Ricupero (25/02/2019), de Fernando Henrique Cardoso (03/03/2019), e do chanceler Ernesto Araújo (3/03/2019; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2019/03/a-politica-externa-brasileira-em-debate.html).


10) A Constituição de 1988 e os problemas do Brasil atual
PRA: A CF-1988 é modelar no que tange à grande definição dos princípios básicos da democracia brasileira, na configuração dos mecanismos fundamentais de defesa dos direitos humanos e de políticas sociais avançadas, mas falha miseravelmente em seu capítulo econômico, que é em grande medida responsável pelos desajustes nas contas públicas e pelas dificuldades de crescimento: intervencionismo excessivo do Estado nas atividades privadas, regulacionismo exacerbado, grande intrusão em esferas que deveriam ser dotadas de maior liberdade econômica. Com base em artigos selecionados de Roberto Campos, publiquei um livro a esse respeito:
Paulo Roberto de Almeida (org.), Roberto Campos, A Constituição Contra o Brasil: ensaios de Roberto Campos sobre a Constituinte e a Constituição de 1988 (São Paulo: LVM, 2018; Amazon.com, link: https://www.amazon.com.br/dp/8593751393/ref=cm_sw_em_r_mt_dp_U__k3j0BbYVJ83P6).

11) Diferenças entre globalização e globalismo
PRA: Já me pronunciei extensivamente sobre os dois temas, e permito-me citar aqui um trabalho meu recente, sobre o globalismo, que remete a um anterior, no qual faço as distinções necessárias entre os dois conceitos, um real, outro fantasmagórico:
O globalismo e seus descontentes: notas de um contrarianista”, Brasília, 21 de maio de 2019, 13 p. Notas sobre um fenômeno conspiratório de nosso tempo e sua aplicação ao caso brasileiro. Disponível no blog Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2019/05/o-globalismo-e-seus-descontentes-notas.html) e na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/s/9eb7f275b5/o-globalismo-e-seus-descontentes-notas-de-um-contrarianista).
Como o assunto é polêmico, e os aloprados do antiglobalismo insistem em defender ideias absolutamente estapafúrdias, transcrevo links para duas postagens sobre os debates inúteis que podem ocorrer a esse respeito:
3428. “Globalismo e antiglobalismo: o que diz o sofista da Virginia?” Brasília, 6 março 2019, 4 p. Nota em resposta a postagem do sofista da Virgínia, Olavo de Carvalho, sobre a questão do globalismo. Publicado no blog Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2019/03/globalismo-e-antiglobalismo-o-que-diz-o.html).
3461. “Confirmado: política externa do bolsonarismo dominada pela paranoia dos antiglobalizadores metafísicos”, Brasília, 9 de maio de 2019, 4 p. Resumo de uma palestra do assessor internacional da presidência da República e comentários finais sobre as “teses” em vigor atualmente na política externa brasileira. Divulgado no blog Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2019/05/a-metafisica-do-antiglobalismo-numa.html).


12) Dilemas de uma economia de mercado e a justiça social
PRA: Existe uma enorme literatura a respeito dessas questões sempre difíceis de serem discutidas com certo equilíbrio, uma vez que o legado da Revolução Francesa e dos movimentos socialistas – ou de grupos anticapitalistas sempre persistentes – desvia a dicotomia para pressupostos sempre marcados pela ideologia ou o simplismo das posturas políticas excludentes. Os mercados estão sempre identificados com a exclusão e a desigualdade social, ao passo que políticas públicas “distributivistas” seriam (ou pelo menos deveriam ser) supostamente encarregadas de corrigir “falhas de mercado” ou defeitos “congênitos” do capitalismo no sentido da concentração de renda. Na verdade, todos os regimes que tentaram realizar distributivismo sem atuar nas fontes de criação de riqueza – que estão sempre nos mercados, não nos governos – padeceram de insuficiências estruturais, ao ponto de sua inviabilidade prática. O registro histórico comprova que todas as sociedades avançadas, dotadas de alto nível de prosperidade e de bem-estar foram, continuam sendo, democracias de mercados livres, com regulação estatal dedicada à capacitação dos membros da sociedade para atividades produtivas de alta produtividade, não para o recebimento de benesses estatais sem fundamento em fluxos de criação de riqueza, justamente. Todas as tentativas de atuar sobre os estoques de riqueza existente – taxando mais os ricos, por exemplo, para fins distributivos – encontram limites na prática, uma vez que a indução para a criação de riqueza encontra-se associada à acumulação de capital e, portanto, certo nível de desigualdade.
Países pobres, a exemplo do Brasil (que na verdade não é pobre absolutamente, apenas mantém muitas pessoas na pobreza por diferentes razões), podem até exibir altos níveis de desigualdade social, mas a prioridade das políticas públicas de cunho social deveria estar em reduzir a pobreza da população via capacitação para o mercado de trabalho – pela educação fundamental e ensino técnico-profissional, por exemplo – e não necessariamente pelo subsídio ao consumo. A mais nobre missão do economista é a de enriquecer os mais pobres, não empobrecer os mais ricos, como pretendem certos arautos da redução estatal das desigualdades de renda, via taxação agressiva dos mais ricos (que podem facilmente evadir sua riqueza para paragens mais amenas). O fato é que a existência de milionários e bilionários num país induz dezenas de trabalhadores ambiciosos a também exercerem seus talentos na busca do enriquecimento, ao passo que um governo dedicado a “extorquir” os mais ricos apenas desestimula a busca de novas maneiras de enriquecer rapidamente.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 2 de junho de 2019

quarta-feira, 8 de maio de 2019

Otaviano Canuto: entrevista sobre economia mundial e brasileira - Panorama Mercantil

Entrevista para Panorama Mercantil

Center for Macroeconomics and Development, May 6, 2019

Professor, qual a importância de instituições como o Fundo Monetário Internacional para a economia global?
FMI foi estabelecido para preservar a estabilidade monetária internacional. Desde sua criação há 75 anos, muitas coisas mudaram. No início dos anos 70, o sistema monetário internacional abandonou o regime cambial fixo e ajustável cuja tutela havia estado sob a guarda e vigilância do Fundo. Nas décadas seguintes, com o aumento da mobilidade internacional de capitais, a capacidade de socorro a países com seus recursos de curto prazo encolheu, a não ser em casos de pequenos números de economias em desenvolvimento com necessidade de caixa em divisas. O FMI tornou-se um observador da economia mundial, um administrador de crises e gestor dos programas de resgate dos países que recorrem aos recursos da instituição.
Já sua instituição gêmea também criada na mesma Conferência em Bretton Woods, o Banco Mundial, foi criada para financiar e fornecer apoio técnico para projetos de investimento na reconstrução de países devastados pela Segunda Guerra Mundial e para países em desenvolvimento. Com o tempo, a “graduação” de países de renda mais alta os tirou da carteira de clientes e estes passaram a ser doadores de recursos. O Grupo Banco Mundial ampliou seu foco na intermediação de recursos concessionais – em condições favoráveis – para as economias de baixa renda. Países de renda média – como o Brasil, classificado como de renda média-alta – ainda recorrem a empréstimos, quando custos ou vantagens na obtenção de conhecimento via operações são atraentes, mas sua proporção na carteira do Grupo Banco Mundial é declinante. Em termos relativos, o tamanho do Banco Mundial também encolheu como proporção dos fluxos globais de capital privado para as economias em desenvolvimento.
As instituições gêmeas, além de serem fontes de recursos para países com déficits de curto prazo e/ou necessidades de financiamento de longo prazo, em conjunto com bancos regionais de desenvolvimento, também começaram a desempenhar papel de assessoria quanto a políticas públicas, de catalisadores de fluxos financeiros e investimento privado, de gestores de conhecimento e coletores de dados, bem como na advocacia e apoio para a oferta de bens públicos globais. Desde um ponto de vista monetário-financeiro, sua importância para a economia global não é mais como no passado, mas continuam importantes como observadores, aconselhadores quanto a políticas e como câmaras de coordenação multilateral.
Como se encontra atualmente a solidez do sistema monetário-financeiro internacional?
O sistema monetário-financeiro internacional passou por mudanças relevantes desde a crise financeira global, em parte como resultado das respostas de políticas nacionais a esta. Os bancos das economias no centro da crise – norte-americanos e europeus – encolheram suas exposições além de suas fronteiras nacionais. Em parte, por terem queimado seus dedos, já que, por exemplo, bancos europeus cumpriram papel-chave na formação de bolhas de ativos nos EUA e dentro da zona do euro e, mesmo se beneficiando direta ou indiretamente de programas de resgate, não saíram ilesos. Também porque os reguladores bancários aumentaram requisitos de segurança e impuseram menores níveis de alavancagem e maiores reservas de liquidez.
Assistiu-se a enorme ampliação das carteiras de ativos de bancos centrais, como parte das “políticas monetárias não-convencionais”, com aumento das parcelas de ativos financeiros privados por eles adquiridos. Isto acentuou a “volta para casa” dos bancos privados. Bancos de países emergentes compensaram apenas parcialmente o encolhimento de europeus e norte-americanos.
O volume de recursos financeiros transfronteiras não declinou porque a emissão de títulos de dívida e os fluxos de capitais de portfólio preencheram a lacuna… A intermediação financeira não-bancária cresceu em termos relativos, inclusive através das fronteiras nacionais.
Por um lado, dado que bancos constituem o elo mais vulnerável a corridas e crises na cadeia de intermediação financeira, por conta da natureza de seus balanços com passivos de curto prazo, seu encolhimento vem implicando menor vulnerabilidade sistêmica a choques e a seu desdobramento em crises. Por outro lado, isto pode simplesmente ter significado a transferência de riscos para esferas não-bancárias.
Á medida que as políticas monetárias não-convencionais, com juros baixos e provisão de liquidez mediante aquisição de ativos pelos bancos centrais, se estenderam no tempo, tem-se assistido à emergência de focos de preocupação quanto a possíveis áreas de vulnerabilidade, por conta de excesso de alavancagem de credores e endividamento de tomadores. O endividamento corporativo chinês frequentemente aparece entre eles, mas o fechamento financeiro relativo do país e a capacidade de resgate por seu setor público mitiga a percepção de riscos.
O endividamento de empresas não-financeiras dos EUA também aparece nessa lista. Há, porém, fatores que atenuam a probabilidade de alguma catástrofe no futuro próximo, pelo menos enquanto durarem os baixos juros. Durante a expansão dos últimos anos, os gastos com investimentos fixos pelas empresas norte-americanas estiveram abaixo de seus lucros e muitas dispõem de reservas. Em parte, a emissão de dívidas foi para recompra de ações e, neste caso, resultado de reestruturações de balanço planejadas e não por necessidade de caixa. Margens de lucro empresarial declinaram recentemente, mas permanecem elevadas. Finalmente, o mercado de empréstimos alavancados e seus derivativos não têm proporções equivalentes às de seus antecessores.
O fato é que, como destacado no Relatório sobre a Estabilidade Financeira Global do FMI divulgado há algumas semanas, a vulnerabilidade em diversos setores – dívida soberana, empresas não-financeiras e instituições financeiras não-bancárias – está elevada em várias economias com peso na economia global. Surpresas negativas – reavaliação súbita de riscos por parte de credores, desacelerações inesperadas no crescimento mundial, acirramento de tensões comerciais, um Brexit caótico – podem expor tal vulnerabilidade e elevar riscos de instabilidade financeira no médio prazo.
A resposta então é: o sistema monetário-financeiro não está à beira de colapso, mas exibe vulnerabilidades crescentes em alguns pontos, especialmente em relação a mudanças de postura em relação a riscos por parte de agentes privados.
Vamos falar um pouco do Brasil. Quais erros devem ser evitados na política macroeconômica neste momento?
As direções da política macroeconômica anunciadas pelo Governo vão na direção de enfrentar dois problemas básicos da economia brasileira, a saber, a trajetória fiscal insustentável e a anemia nos aumentos de produtividade. Há necessidade de cortes permanentes nos gastos públicos para tornar exequível o cumprimento do teto de gastos estabelecido constitucionalmente, para o que será fundamental uma reforma previdenciária. Na mesma linha, implementar um programa de privatização pode funcionar como forma de obtenção de receitas extraordinárias e de focalização no escopo de operações de empresas públicas. Adicionalmente, será possível melhorar o ambiente de negócios e reduzir os desperdícios de recursos que este impõe sobre o setor privado mediante reforma que simplifique o sistema tributário.
Um programa de abertura comercial pode abrir oportunidades de melhoria de produtividade. Além disso, o reforço da participação privada na infraestrutura poderia impulsionar decisões de investimento, com efeitos sobre a demanda agregada e sobre a produtividade, negativamente afetada na história recente pela carência de investimentos em infraestrutura no país.
Por outro lado, confiança na materialização dessa agenda será condição necessária para que agentes privados contem com alguma melhora no dinamismo de mercados num horizonte para além da lenta e tíbia recuperação econômica em curso e, assim, resolvam assumir riscos e investir. Tais investimentos e outros gastos privados serão fundamentais para a revitalização do crescimento e estabelecer algum tipo de círculo virtuoso à frente, posto que a política fiscal não poderá ser expansiva, o consumo baseado no crédito passou há pouco por um ciclo de alta e queda e a dinâmica de emprego e salários continua deprimida. Condições monetárias e financeiras para apoiar tal ciclo de investimentos privados são hoje favoráveis, mas, parafraseando John Maynard Keynes, a distância entre a taça e a boca pode ser grande e vai depender de confiança.
O maior erro a se evitar, portanto, é dar margem de desconfiança quanto à coesão do executivo em torno da agenda econômica e quanto a sua capacidade de obter resultados no Congresso. Componentes não estritamente econômicos da agenda do Governo que possam gerar ruídos e reações, nos âmbitos doméstico e externo, também podem atrapalhar.
O senhor está vendo com bons olhos a reforma previdenciária que foi levada ao Congresso pelo presidente Bolsonaro?
Como dissemos, a reforma previdenciária será essencial para se esperar exequibilidade do ajuste fiscal nos próximos anos. A estimativa anunciada pelo Governo quanto a ganhos substantivos em termos de cortes de despesa pública, apesar de graduais ao longo dos próximos anos, está em linha com necessidades, embora não suficiente por si só para o cumprimento da exigência do teto de gastos. Visivelmente a proposta contém elementos que podem ser descartados ao longo da negociação congressual sem afetar em muito o resultado. Mas a prova do pudim está em comê-lo, como dizem os ingleses.
Acredita que o ambiente de negócios no país irá melhorar se a reforma previdenciária for aprovada?
Poderá reforçar a confiança não apenas no ajustamento fiscal, mas também na aprovação dos itens da agenda que dizem respeito a produtividade.
Quais outras reformas adicionais são necessárias para restaurar a sustentabilidade fiscal da nação?
Mesmo que uma reforma previdenciária com resultados substantivos seja obtida, haverá necessidade de outras medidas, já que os ganhos com a reforma previdenciária não ocorrerão no futuro imediato. Itens óbvios no caso seriam uma revisão de subsídios e isenções tarifárias vigentes, bem como redução em termos reais de gastos públicos com pessoal.
O ex-diretor do FMI
Instituições Globais: O ex-diretor do FMI, Otaviano Canuto (Foto: Divulgação/AP)
Por que a economia do Brasil ainda é tão fechada?
No Brasil, como em outras partes do mundo, grupos de interesse tendem a se estabelecer em defesa de políticas que os privilegiem, mesmo quando se possa mostrar a possibilidade de seu ônus sobre os demais. O Brasil recorreu historicamente a proteção e fechamento comercial com intensidade acima até de outras experiências comparáveis. O tipo de “governança” – ou seja, de relação entre setores público e privado – só fortaleceu e se beneficiou desse fechamento. A saída poderia ser um programa de abertura gradual, desde que acompanhada de confiança de que os problemas usados como justificativas para a proteção comercial estejam sendo solucionados (ambiente de negócios desfavorável, infraestrutura, etc.).
Também diminuiria a resistência caso o Governo apresentasse programas de suporte e adaptação a regiões e trabalhadores que sofreriam o impacto imediato da abertura, tornando possível que os ganhos dos “vencedores” com a abertura compensem em parte os “perdedores”. Aliás, esse ponto se aplica ao conjunto das políticas públicas.
O Governo Dilma é o principal culpado pela nossa piora fiscal?
É um grande culpado, mas não o único. Desde os anos 90 tem-se uma máquina legal – constitucional e infra-constitucional – em operação, mandando quem quer que esteja no executivo aumentar gastos ano após ano. Vinculações de receitas, pisos de gastos, privilégios previdenciários e outros, em parte com boas intenções distributivas, mas também sem revisão de privilégios, implicaram gastos públicos ascendentes em termos reais ao ritmo médio de 6% ao ano entre 1992 e 2014. Não por acaso, apesar dos anos de crescimento econômico acima de 4% na década passada, a proporção de gastos públicos elevou-se substancialmente como proporção do PIB. Além disso, o percentual de orçamento disponível para infraestrutura e outros gastos públicos discricionários foram encolhendo. Nada disso se transfigurou em crise fiscal antes porque, dada a incorporação de trabalhadores e a tributação com base em seu consumo, a carga tributária também subiu em termos reais. O fim da onda de crescimento via incorporação de mão de obra e por conta do super-ciclo de preços de commodities mostrou que o setor público estava sem calção de banho.
A parcela de culpa do Governo Dilma diz respeito à fantasia que tentou realizar quando aquele padrão de crescimento brasileiro dos anos prévios à crise financeira global deu sinais de exaustão a partir de 2011. Tentou usar a dívida pública para disparar gastos e investimentos privados que pudessem iniciar um novo ciclo de crescimento, através do financiamento subsidiado via bancos públicos e outras generosidades fiscais. O resultado acabou sendo deterioração fiscal sem contrapartida de investimentos privados suficientes. Verdade seja dita, porém, que o Governo Dilma apenas acentuou uma trajetória já dada estruturalmente.
Como analisa as fintechs no cenário econômico-financeiro, afinal o senhor é um grande entusiasta das novas tecnologias?
Fintechs oferecem um enorme potencial de redução de custos de intermediação financeira e de aumento na concorrência na oferta de serviços. Ao mesmo tempo, trazem nova gama de riscos e há necessidade de ajuste – com aprendizado – na regulação financeira.
Em algum momento da sua existência, o Brasil deixará de ser um país tão “apegado” ao Estado?
Essa será provavelmente a grande questão no futuro econômico do país. Em que medida será capaz de abandonar um padrão de governança – ou seja, de relação entre setores público e privado – em que a busca de “extração de rendas” predomina sobre a busca de eficiência e da “inclusão” que torne sempre possível a contestação de posições de quem já estiver instalado. Por um lado, a agenda econômica do Governo aponta nessa direção. Por outro, a ausência de “inclusão social” como objetivo paralelo é uma fragilidade.

                                                                                  Um vídeo do economista Otaviano Canuto