Questões levantadas nas
palestras sobre a Política Externa Brasileira
Paulo Roberto de Almeida
[Objetivo: respostas a questões; finalidade: Palestras sobre PExtBr]
Nos dias 29 e 30 de maio,
a convite do amigo e colega acadêmico Wagner Rocha D’Angelis, professor de
Direito em instituições do Paraná, efetuei duas palestras relativamente
similares sobre um tema que constitui meu objeto de trabalho, de estudos e de escritos
desde 1977 pelo menos, talvez antes, no âmbito acadêmico. Utilizei-me, para
tal, de uma mesma apresentação, tal como explicitada neste registro:
3469. “Política externa brasileira: passado, presente e futuro”, Brasília,
23 maio 2019, 29 slides, para palestras, apresentação e lançamento do livro Contra a Corrente: ensaios contrarianistas
sobre as relações internacionais do Brasil, 2014-2018 (Curitiba: Appris,
2018), em Curitiba, a convite de Wagner Rocha D’Angelis. Power Point disponibilizado
na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/39341633/PExt_Br_Passado_Presente_Futuro_FESP) e colocado em formato pdf na plataforma Research Gate (29/05/2019; link: https://www.researchgate.net/publication/333456985_Politica_externa_brasileira_passado_presente_e_futuro).
Após cada uma de minhas
intervenções, muito breves, de cerca de 25 minutos aproximadamente, e depois
dos comentários iniciais do professor Wagner D’Angelis, respondi de forma sintética
a diversas perguntas efetuadas em forma escrita, mas também oralmente. Tendo
recolhido cada uma das questões escritas, algumas tratadas de maneira perfunctória,
outras respondidas de forma preliminar, permito-me, nos parágrafos seguintes,
discorrer sobre algumas dessas questões que me parecem mais importantes:
1) Ingresso do Brasil na OCDE e questão da OMC
PRA: Efetuei uma análise dessa questão mais de vinte anos atrás,
já preconizando a aproximação do Brasil com essa organização, equivocadamente
tratada como um “clube dos países ricos”, e na verdade dedicada a ser um “clube
das boas práticas”, e essa meu trabalho, na verdade uma tese apresentada no
Curso de Altos Estudos do Instituto Rio Branco, foi recusada pela Banca, por
razões nunca bem esclarecidas. Os interessados em ler esse trabalho podem
buscar este meu arquivo:
Considero útil esse ingresso
do Brasil, não como um fim em si mesmo, pois o Brasil pode adotar essas “melhores
práticas” por suas próprias vias e seus próprios méritos, ainda que a
participação nos debates na OCDE possa convencer certo número de tecnocratas
brasileiros que ainda relutam em face do que percebem ser a aceitação pelo
Brasil de políticas “ortodoxas”, supostamente “neoliberais”, o que para mim é
uma bobagem tremenda. Políticas macroeconômicas responsáveis são um benefício
para o Brasil, não um sacrifício que devamos fazer, e por isso digo que todas
elas podem ser adotadas em seu mérito próprio, não como aceitação de qualquer remédio
amargo.
2) Posição do Brasil na guerra comercial entre o
Brasil e a China
PRA: O Brasil não tem nenhum partido a tomar nessa insana guerra
comercial deslanchada pelo presidente Donald Trump contra a China, ainda que
esta tenha um comportamento menos “ortodoxo”, com respeito a certas práticas
econômicas e comerciais. O caminho correto, para os EUA, assim como para
qualquer parceiro que se sinta lesado por eventuais práticas comerciais “maliciosas”
da China, que confrontem as regras do sistema multilateral de comércio, é o de
recorrer ao sistema de solução de controvérsias da OMC, a partir de casos bem
fundamentados de prejuízos, com base em evidências sobre quais regras a China
estaria infringindo. Não é o que está fazendo o presidente Trump, que
simplesmente ignora essas regras e pretende simplesmente, por razões basicamente
eleitoreiras, diminuir o déficit comercial bilateral que os EUA têm com a
China, algo impossível de ser praticado (ainda que possa ser diminuído, mas da
pior maneira possível, causando danos aos próprios consumidores e empresários
dos EUA). Essa guerra insana tem o poder de precipitar uma crise internacional,
ou pelo menos uma diminuição das taxas de crescimento econômico de diversos países,
entre eles o Brasil. O Brasil não tem de adotar nenhuma postura contra o seu
principal parceiro comercial, uma vez que não apenas exibe saldos comerciais
gigantescos, como também esses fluxos de comércio obedecem inteiramente às vantagens
comparativas de cada um dos parceiros.
O Brasil deve, sim,
condenar, as práticas americanas, por serem ilegais, abusivas e totalmente fora
de propósito. Uma reação geral deveria se exercer contra os Estados Unidos por
parte de todos os membros da OMC, pois as ações de Trump ameaçam o sistema
multilateral de comércio e podem acarretar em uma crise sem precedentes na
economia mundial. A visita do vice-presidente Hamilton Mourão à China, no
quadro da retomada das reuniões da Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível
(COSBAN) sinalizou a postura racional que deveria adotar o Brasil, contra
ideias estapafúrdias enunciadas anteriormente pelo atual chanceler, que chegou
a falar de “China maoísta” – algo que não existe há mais de 40 anos – e de uma
suposta decadência econômica brasileira contemporaneamente ao incremento das
relações comerciais com o gigante asiático. Essas ideias, sugeridas por um guru
totalmente inepto em relações internacionais, foram adotadas pelo atual
chanceler, sem qualquer fundamento na realidade efetiva das coisas.
3) Questões ambientais e participação do Brasil nos
debates sobre o tema
PRA: As posturas iniciais proclamadas pelo presidente e seu
chanceler designado, como políticas a serem seguidas pelo ministro do Meio
Ambiente, foram altamente preocupantes, até mesmo pelo agronegócio, pois se
falava em abandonar o Acordo de Paris sobre Aquecimento Global, numa adesão míope,
e mal informada, das posturas do governo Trump sobre o mesmo assunto. Como resultado
da pressão desses meios, a denúncia foi sustada “por enquanto”, como declarou o
presidente, mas o dito chanceler se pronunciou diversas vezes contra um fantasmagórico
“climatismo”, e tem se colocado contra as teses do aquecimento global de origem
humana. O Brasil, nessa linha, renunciou a acolher a 25ª Conferência das Partes,
prevista para dezembro, e depois submeteu-se ao ridículo de cumprimentar o
Chile pela sua decisão de fazê-lo, assim como ameaçou cancelar uma reunião
preparatória em Salvador, numa outra postura ridícula e desgastante para a imagem
do Brasil no exterior. Essa questão é a que mais tem causado deterioração da
credibilidade diplomática do Brasil no exterior, junto com outros temas vinculados
a direitos humanos, proteção de minorias, etc. A posição do Brasil será
provavelmente a mais defensiva possível, num novo alinhamento com as posturas
vergonhosas da diplomacia americana sobre a questão.
4) Relações do Brasil com seus “novos aliados” na
extrema direita mundial
PRA: Esta é uma escolha do governo de direita no Brasil, de aliar-se
a novos parceiros de extrema direita na Europa, partidos e movimentos que
inclusive desprezam o Brasil (como possível exportador de emigrantes “ilegais”),
e que podem prejudicar a assinatura do acordo comercial Mercosul-União
Europeia, assim como possíveis outros acordos comerciais que o Brasil teria a
intenção de negociar. Cabe registrar que alguns desses novos “parceiros” têm
sido censurados pela UE em função de políticas e medidas antidemocráticas que
veem adotando no plano interno, assim como de sua recusa em colaborar com políticas
comunitárias em relação ao drama dos refugiados de guerras civis e outros
dramas humanitários em países da África e Oriente Médio. O Brasil sempre foi um
país de acolhimento a imigrantes e refugiados, e agora passou a ser um país
provedor de “emigrantes” para outros países, e sua política externa deveria
justamente distanciar-se desses “aliados” xenófobos, quando não racistas. Mais grave
é o nítido perfil autoritário de diversos líderes nesses países, o que coloca o
Brasil na incômoda posição de denegar alguns de seus valores e princípios
constitucionais.
5) Preparação do Brasil para a revolução da “Indústria
4.0”
PRA: A “desindustrialização” enfrentada pelo Brasil desde vários
anos torna uma transição para os novos padrões industriais em curso em economias
avançada altamente aleatória, e dependente de várias reformas a serem
empreendidas no plano interno, que poderiam facilitar o rompimento de sua atual
condição de país mais fechado do G20 financeiro, pouco propenso a engajar um
processo de abertura econômica e de liberalização comercial. Não é impossível a
modernização da indústria brasileira nos novos caminhos sendo apontados por economias
maduras, e baseadas mais em know-how do que em recursos naturais ou mão-de-obra
extensiva, como foi até aqui o caso do Brasil. O único caminho são reformas
estruturais de ampla dimensão.
6) Problemas das migrações globais e postura do Brasil
quanto ao tema
PRA: O governo Bolsonaro começou por um gesto vergonhoso, no dia 1
de janeiro de 2019: o de denúncia e retirada do Brasil do Pacto Global sobre
Migrações, uma carta de boas intenções que não afeta em nada a soberania
brasileira em matéria de regras para a aceitação de imigrantes ou seu
tratamento nacional, de acordo com suas próprias leis. À vergonha adicionou-se
o insulto: o presidente da Comissão de Relações Exteriores da CD, deputado
Eduardo Bolsonaro, em visita aos EUA, classificou de “vergonha nacional” o fato
de o Brasil ter imigrantes não legalmente estabelecidos nos Estados Unidos, além
de, usurpando seu mandato, ter declarado que o “povo brasileiro apoiava a
construção de um muro na fronteira com o México”, o que configura uma ofensa aos
trabalhadores brasileiros naquele país e a todo o povo brasileiro. Pior: o próprio
presidente declarou, no curso de sua visita oficial ao país, que “muitos dos brasileiros
não tinham boas intenções” nos EUA, para se desculpar depois, em vista da nova
grosseria cometida.
O fato é que o Brasil
sempre foi um país de imigrantes, que são uma contribuição preciosa para o
crescimento de qualquer país, e desde algumas décadas se tornou também um país
de emigração, em vista do baixo crescimento e da estagnação da economia
brasileira, devido a políticas econômicas equivocadas nas últimas décadas. O
Brasil deve, sim, continuar a receber imigrantes, assim como prestar auxílio humanitário
em caso de tragédias ou crises em países vizinhos, como a Venezuela, acolhendo
generosamente aqueles que buscam refúgio econômico em nosso país.
7) Questão da Venezuela e postura do Brasil nessa difícil
transição política
PRA: A questão mais importante da diplomacia brasileira – nos
planos bilateral, regional, hemisférico e até mundial – recebeu um tratamento
deplorável por parte do chanceler designado pelo presidente, que atuou de forma
anticonstitucional, no sentido do artigo 4º. da CF-88, ao pretender intervir
nos assuntos internos da Venezuela, na linha do aventureirismo eleitoreiro do
governo Trump. Foi preciso uma ação decisiva, absolutamente diplomática, dos
militares presentes no governo, para impedir que o Brasil fosse além do que
prescrevem a Constituição e os bons princípios do Direito Internacional em sua ação relativa à Venezuela.
O vice-presidente da República assumiu a condução do processo e obstou as políticas
inconsequentes emanadas da chancelaria brasileira e de conselheiros amadores e
irresponsáveis que gravitam em torno do presidente.
8) O problema do Mercosul e a posição do Brasil sobre
sua evolução futura
PRA: Não se conhecem as possíveis opções do Brasil naquele que foi
o mais importante projeto de integração surgido nos anos 1990, e que caminhou
de forma errática, até ser completamente desviado de seus objetivos iniciais
pela diplomacia partidária do lulopetismo. O fato é que negociações econômicas
externas deixaram o âmbito do Itamaraty para se colocarem inteiramente sob a
responsabilidade do novo ministério da Economia, que até agora não enunciou suas
posturas a respeito. Denota-se uma intenção de fazer o bloco retroceder a uma
simples zona de livre comércio, em lugar da união aduaneira incompleta que hoje
prevalece, sem qualquer perspectiva de que se caminhe para o objetivo oficial
do Tratado de Assunção de um mercado comum.
Já discorri bastante sobre
o bloco, objeto de três livros meus e incontáveis artigos em periódicos e em
livros coletivos. Posso recomendar, ademais de uma visita a minha página em
Academia.edu, a leitura destes meus trabalhos:
9) Posições atuais da política externa do governo
Bolsonaro e seus efeitos
PRA: Poderia alinhar muitas críticas que venho efetuando desde o
início deste governo, a propósito dos descaminhos da política externa e da
diplomacia brasileira, sob a influência de ineptos ou amadores em sua condução,
que exercem uma pressão pouco sutil sobre o chanceler designado para a assunção
de posturas em absoluto descompasso com padrões históricos da diplomacia, não
apenas pelo lado ideológico que possam revelar – como essa aliança espúria com
regimes de extrema-direita na Europa –, mas também pela submissão beata e simplória,
aliás vergonhosa, a posturas do governo Trump em relação a diferentes temas da
agenda internacional, e não apenas na questão da Venezuela (mas em temas
ambientais e de direitos humanos também), ou de Israel, mas em relação a própria
China, todos eles objetos de estreita, estrita e atenta vigilância por parte
dos elementos sensatos do governo Bolsonaro, que são os militares servindo na
presidência. Mas prefiro referir-me à palestra do embaixador Rubens Ricupero,
que merece uma leitura atenta por parte dos interessados, uma vez que discorre
sobre todas as questões relevantes da política externa e da diplomacia
brasileira:
10) A
Constituição de 1988 e os problemas do Brasil atual
PRA: A CF-1988 é modelar no que tange à grande definição dos princípios
básicos da democracia brasileira, na configuração dos mecanismos fundamentais
de defesa dos direitos humanos e de políticas sociais avançadas, mas falha
miseravelmente em seu capítulo econômico, que é em grande medida responsável
pelos desajustes nas contas públicas e pelas dificuldades de crescimento:
intervencionismo excessivo do Estado nas atividades privadas, regulacionismo
exacerbado, grande intrusão em esferas que deveriam ser dotadas de maior
liberdade econômica. Com base em artigos selecionados de Roberto Campos,
publiquei um livro a esse respeito:
11)
Diferenças entre globalização e globalismo
PRA: Já me pronunciei extensivamente sobre os dois temas, e
permito-me citar aqui um trabalho meu recente, sobre o globalismo, que remete a
um anterior, no qual faço as distinções necessárias entre os dois conceitos, um
real, outro fantasmagórico:
Como o assunto é polêmico,
e os aloprados do antiglobalismo insistem em defender ideias absolutamente
estapafúrdias, transcrevo links para duas postagens sobre os debates inúteis
que podem ocorrer a esse respeito:
3461. “Confirmado: política
externa do bolsonarismo dominada pela paranoia dos antiglobalizadores metafísicos”,
Brasília, 9 de maio de 2019,
4 p. Resumo de uma palestra do assessor internacional da presidência da
República e comentários finais sobre as “teses” em vigor atualmente na política
externa brasileira. Divulgado no blog Diplomatizzando
(link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2019/05/a-metafisica-do-antiglobalismo-numa.html).
12) Dilemas
de uma economia de mercado e a justiça social
PRA: Existe uma enorme literatura a respeito dessas questões sempre
difíceis de serem discutidas com certo equilíbrio, uma vez que o legado da
Revolução Francesa e dos movimentos socialistas – ou de grupos anticapitalistas
sempre persistentes – desvia a dicotomia para pressupostos sempre marcados pela
ideologia ou o simplismo das posturas políticas excludentes. Os mercados estão
sempre identificados com a exclusão e a desigualdade social, ao passo que políticas
públicas “distributivistas” seriam (ou pelo menos deveriam ser) supostamente
encarregadas de corrigir “falhas de mercado” ou defeitos “congênitos” do
capitalismo no sentido da concentração de renda. Na verdade, todos os regimes
que tentaram realizar distributivismo sem atuar nas fontes de criação de
riqueza – que estão sempre nos mercados, não nos governos – padeceram de
insuficiências estruturais, ao ponto de sua inviabilidade prática. O registro
histórico comprova que todas as sociedades avançadas, dotadas de alto nível de
prosperidade e de bem-estar foram, continuam sendo, democracias de mercados
livres, com regulação estatal dedicada à capacitação dos membros da sociedade
para atividades produtivas de alta produtividade, não para o recebimento de
benesses estatais sem fundamento em fluxos de criação de riqueza, justamente.
Todas as tentativas de atuar sobre os estoques de riqueza existente – taxando
mais os ricos, por exemplo, para fins distributivos – encontram limites na prática,
uma vez que a indução para a criação de riqueza encontra-se associada à
acumulação de capital e, portanto, certo nível de desigualdade.
Países pobres, a exemplo
do Brasil (que na verdade não é pobre absolutamente, apenas mantém muitas
pessoas na pobreza por diferentes razões), podem até exibir altos níveis de
desigualdade social, mas a prioridade das políticas públicas de cunho social
deveria estar em reduzir a pobreza da população via capacitação para o mercado
de trabalho – pela educação fundamental e ensino técnico-profissional, por
exemplo – e não necessariamente pelo subsídio ao consumo. A mais nobre missão
do economista é a de enriquecer os mais pobres, não empobrecer os mais ricos,
como pretendem certos arautos da redução estatal das desigualdades de renda,
via taxação agressiva dos mais ricos (que podem facilmente evadir sua riqueza
para paragens mais amenas). O fato é que a existência de milionários e bilionários
num país induz dezenas de trabalhadores ambiciosos a também exercerem seus
talentos na busca do enriquecimento, ao passo que um governo dedicado a “extorquir”
os mais ricos apenas desestimula a busca de novas maneiras de enriquecer
rapidamente.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 2 de junho de 2019