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sexta-feira, 12 de julho de 2024

Mercosul sem rumo - Rubens Barbosa (Editorial do portal Interesse Nacional)

Mercosul sem rumo

Reunião presidencial foi marcada pela ausência da Argentina e teve poucos avanços substanciais 

Rubens Barbosa *

Editorial do portal Interesse Nacional

12/07/2024

https://interessenacional.com.br/portal/mercosul-sem-rumo/

No domingo e na segunda-feira desta semana, o Mercosul realizou mais uma reunião presidencial, desta vez no Paraguai. O grupo regional, integrado por Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, está tão desprestigiado que, no domingo, enquanto realizava seu principal encontro semestral, os dois principais programas internacionais da TV brasileira, o Globo News Internacional e o WW Especial, trataram das eleições na França, no Reino Unido e no Irã (Globo) e nos EUA (CNN), ignorando solenemente o encontro regional.

A expectativa de resultados do encontro era baixa e a repercussão da reunião do Conselho do Mercosul ficou por conta da ausência do presidente argentino, Javier Milei, que preferiu apresentar-se em evento de partidos da direita sul-americana em Balneário Camboriú, em Santa Catarina. Sintomaticamente, somente dois presidentes deixam de comparecer a reuniões do Conselho no Mercosul: Milei e Bolsonaro.

‘Desde 2019, começaram os problemas políticos do Mercosul e as dificuldades para avançar em função dos enfrentamentos crescentes entre o Brasil e a Argentina’

Desde 2019, começaram os problemas políticos do Mercosul e as dificuldades para avançar em função dos enfrentamentos crescentes entre o Brasil e a Argentina. Primeiro, entre Bolsonaro e Fernández e agora, com sinais trocados, entre Lula e Milei.

No tocante à substância, foram poucos os avanços técnicos e internos no processo de fortalecimento do Mercosul. Não se chegou a acordo sobre o fortalecimento da secretaria executiva e sobre os meios para melhor equipar os diferentes grupos dentro da estrutura do Mercosul. 

Alguns avanços mais importantes não puderam ser aprovados em virtude da oposição argentina’

Alguns avanços mais importantes não puderam ser aprovados em virtude da oposição argentina, por uma decisão política contra as propostas nas áreas social e política, coerente com as manifestações de Milei, que prefere manter o Mercosul com foco nos temas econômicos e comerciais. Dessa forma, as propostas de gênero e Agenda 2030, com o plano de sustentabilidade global, apresentada pelo Brasil, e a do Paraguai de criar subgrupo de Comércio e Gênero foram bloqueadas.

O Brasil insistiu na necessidade de incorporar o setor automotivo e o açúcar no contexto negociador do Mercosul. Depois de 33 anos, esses dois importantes setores não foram ainda incluídos no contexto do grupo.

‘A Argentina defendeu que o Mercosul deveria poder negociar acordos de comércio de forma bilateral, contrariando a letra e o espírito do Tratado de Assunção’

A Argentina, fazendo eco à proposta do Uruguai, defendeu que o Mercosul deveria poder negociar acordos de comércio de forma bilateral, contrariando a letra e o espírito do Tratado de Assunção. Não está claro o objetivo argentino com a proposta, que na prática inviabilizaria o Mercosul, levando em conta a importância que o grupo regional tem para a economia argentina. A exemplo do que ocorreu com a ideia do Uruguai, a proposta argentina não deverá prosperar.

De positivo, registrou-se o revigoramento do Fundo de Convergência Estrutural para financiamento de projetos do âmbito do grupo, sobretudo no Paraguai e no Uruguai (FOCEN) com o Brasil fazendo pagamento da sua contribuição, inclusive a atrasada.

Foram mencionados avanços na conclusão de negociações de acordos comerciais de menor importância com Cingapura, a entrada em vigências do acordo com a Palestina e o início das negociações, sob a coordenação do Brasil, com a República Dominicana. O Panamá manifestou interesse em abrir negociações igualmente com o Mercosul. Com a União Europeia, fez-se referência sobre a expectativa de concluir as negociações que se arrastam a mais de 20 anos.

‘Foi anunciada a incorporação plena da Bolívia no Mercosul e o pedido do Panamá para negociar acordo de livre comércio com o grupo’

Foi anunciada a incorporação plena da Bolívia no Mercosul e o pedido do Panamá para negociar acordo de livre comércio com o grupo. A Bolívia terá um prazo de quatro anos para incorporar na sua legislação interna as regras do Mercosul, o que dificilmente ocorrerá, mas a partir de agora deverá participar dos encontros de todos os grupos e conselhos do Mercosul com direito a se manifestar.

Por evidentes diferenças políticas entre os membros do subgrupo regional, não houve acordo para incluir qualquer referência sobre a Venezuela, membro suspenso do Mercosul, às vésperas das eleições presidenciais tendo como pano de fundo a ameaça de ataque à Guiana.

‘As diferenças ideológicas e as dificuldades econômicas na Argentina têm impedido que o grupo regional se fortaleça institucionalmente e se projete como um parceiro sério no cenário comercial global’

Como tem acontecido nos últimos anos nas reuniões presidenciais do Mercosul, as diferenças ideológicas e as dificuldades econômicas na Argentina têm impedido que o grupo regional se fortaleça institucionalmente e se projete como um parceiro sério no cenário comercial global. O bloco esta, na prática, paralisado e sem perspectivas a médio e longo prazo.

Do ponto de vista do Brasil, a ausência de uma clara estratégia comercial é compensada por iniciativas na área social e política, sem maior relevância do ponto de vista dos objetivos econômicos do bloco. 

A entrada da Bolívia como membro permanente do Mercosul vai introduzir um complicador adicional. Se com quatro membros já é difícil formar consenso, com cinco ou seis será praticamente impossível. O silêncio sobre a situação na Venezuela e o risco de uma eleição mais uma vez manipulada no fim do mês mostra a paralisia institucional e as fragilidades do grupo para chegar a consensos no campo político.

* Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.

sexta-feira, 2 de fevereiro de 2024

Brasil deve rever posição em relação à Venezuela - Rubens Barbosa (editorial do portal Interesse Nacional)

 

Rubens Barbosa: Brasil deve rever posição em relação à Venezuela


Governo Maduro descumpriu acordo por eleições livres, e EUA retomaram sanções contra o país, enquanto o governo Lula mantém silêncio. Para embaixador, chegou o momento de o Brasil assumir uma nova postura crítica em relação ao país, sendo coerente com a defesa da democracia na política interna.

' O governo americano declarou que a medida do Tribunal contradiz o acordo de Barbados e anunciou a retomada das sanções contra a Venezuela’
‘A decisão da Justiça eleva a tensão no cenário político interno na Venezuela’

'O governo Lula agora fica em posição delicada pois foi um dos que patrocinaram a negociação com a oposição em Barbados’

Por Rubens Barbosa*

O Tribunal Supremo de Justiça da Venezuela proibiu Maria Corina Machado e Henrique Caprilles de ocuparem cargos públicos pelos próximos 15 anos. Com essa decisão, Corina – que havia sido escolhida como candidata única da oposição – fica impedida de concorrer às eleições presidenciais que serão realizadas no segundo semestre do corrente ano. A decisão, que favorece Maduro, foi tomada por um tribunal nomeado e controlado pelo governo de Caracas.

A decisão do Tribunal Supremo de Justiça vai contra o que ficou decidido no Acordo de Barbados, que previa a suspensão das sanções econômicas contra a Venezuela na medida em que fossem tomadas medidas que permitissem que as eleições presidenciais do segundo semestre pudessem transcorrer de forma transparente e com a participação de todos os partidos, sem discriminação em relação aos opositores a Maduro, e monitoradas por organizações internacionais.

Em outubro, no acordo de Barbados, os EUA concordaram em suspender as sanções sobre as exportações de petróleo e gás. Algumas etapas já tinham sido cumpridas, como a libertação de prisioneiros dos dois lados. Com o anúncio da inelegibilidade de Maria Corina, o governo americano, por meio dos departamentos de Estado e do Tesouro, declarou que a medida do Tribunal contradiz o acordo de Barbados e, como consequência, anunciou a retomada das sanções contra a Venezuela e de operações com minérios venezuelanos. 

Na América Latina, a reação também foi imediata. Argentina, Uruguai, Equador, Paraguai, Panamá e Costa Rica criticaram a decisão judicial que excluiu a principal candidata da oposição das próximas eleições. EUA, Canadá, Reino Unido e França, entre outros países, também condenaram a decisão.

Além dessas reações, o grupo IDEA (Iniciativa Democrática da Espanha e das Americas), integrado por 37 ex-presidentes, condenou o veto a Corina.

A decisão da Justiça eleva a tensão no cenário político interno na Venezuela. Na semana passada, 36 pessoas foram presas sob a acusação de planejar a morte de Maduro. Tanto o governo quanto a oposição concordam que o acordo de Barbados ficou superado. Sem Corina na disputa presidencial, o nome cogitado pela oposição é de Manuel Rosales, governador do estado de Zulia, derrotado por Maduro nas eleições presidenciais de 2006.

O governo Lula normalizou a relação com Caracas, nomeou uma embaixadora, e agora fica em posição delicada pois foi, junto com a Noruega, um dos que patrocinaram a negociação com a oposição em Barbados. Sem falar no tratamento privilegiado concedido a Maduro em maio passado, quando da reunião de presidentes sul-americanos, no encontro da Celac e recentemente na mediação do conflito por território com a Guiana.

Até aqui, o governo Lula (assim como o do México e o da Colômbia) manteve seu apoio a Maduro e mantém silêncio sobre a decisão de tornar Corina inelegível, excluindo-a das próximas eleições. O Brasil tem restrições a Corina em função da percepção de que ela faria uma transição difícil, se ganhasse a eleição. O risco da atual política externa é a tendência ideológica prevalecer, e o Brasil evitar condenar o governo Maduro por mais este ato antidemocrático. Chegou o momento de o Brasil rever sua posição e assumir uma nova postura crítica em relação à Venezuela, coerente com a narrativa de Lula de defesa da democracia na política interna.

Rubens Barbosa é diplomata, foi embaixador do Brasil em Londres e em Washington, DC. É presidente do Instituto Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice) e coordenador editorial da Interesse Nacional. Mestre pela London School of Economics and Political Science, escreve regularmente no Estado de São Paulo e no Interesse Nacional e é autor de livros como Panorama visto de Londres, Integração econômica da América Latina, O dissenso de Washington e Diplomacia ambiental

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