Rubens Barbosa: Brasil deve rever posição em relação à Venezuela
Por Rubens Barbosa*
O Tribunal Supremo de Justiça da Venezuela proibiu Maria Corina Machado e Henrique Caprilles de ocuparem cargos públicos pelos próximos 15 anos. Com essa decisão, Corina – que havia sido escolhida como candidata única da oposição – fica impedida de concorrer às eleições presidenciais que serão realizadas no segundo semestre do corrente ano. A decisão, que favorece Maduro, foi tomada por um tribunal nomeado e controlado pelo governo de Caracas.
A decisão do Tribunal Supremo de Justiça vai contra o que ficou decidido no Acordo de Barbados, que previa a suspensão das sanções econômicas contra a Venezuela na medida em que fossem tomadas medidas que permitissem que as eleições presidenciais do segundo semestre pudessem transcorrer de forma transparente e com a participação de todos os partidos, sem discriminação em relação aos opositores a Maduro, e monitoradas por organizações internacionais.
Em outubro, no acordo de Barbados, os EUA concordaram em suspender as sanções sobre as exportações de petróleo e gás. Algumas etapas já tinham sido cumpridas, como a libertação de prisioneiros dos dois lados. Com o anúncio da inelegibilidade de Maria Corina, o governo americano, por meio dos departamentos de Estado e do Tesouro, declarou que a medida do Tribunal contradiz o acordo de Barbados e, como consequência, anunciou a retomada das sanções contra a Venezuela e de operações com minérios venezuelanos.
Na América Latina, a reação também foi imediata. Argentina, Uruguai, Equador, Paraguai, Panamá e Costa Rica criticaram a decisão judicial que excluiu a principal candidata da oposição das próximas eleições. EUA, Canadá, Reino Unido e França, entre outros países, também condenaram a decisão.
Além dessas reações, o grupo IDEA (Iniciativa Democrática da Espanha e das Americas), integrado por 37 ex-presidentes, condenou o veto a Corina.
A decisão da Justiça eleva a tensão no cenário político interno na Venezuela. Na semana passada, 36 pessoas foram presas sob a acusação de planejar a morte de Maduro. Tanto o governo quanto a oposição concordam que o acordo de Barbados ficou superado. Sem Corina na disputa presidencial, o nome cogitado pela oposição é de Manuel Rosales, governador do estado de Zulia, derrotado por Maduro nas eleições presidenciais de 2006.
O governo Lula normalizou a relação com Caracas, nomeou uma embaixadora, e agora fica em posição delicada pois foi, junto com a Noruega, um dos que patrocinaram a negociação com a oposição em Barbados. Sem falar no tratamento privilegiado concedido a Maduro em maio passado, quando da reunião de presidentes sul-americanos, no encontro da Celac e recentemente na mediação do conflito por território com a Guiana.
Até aqui, o governo Lula (assim como o do México e o da Colômbia) manteve seu apoio a Maduro e mantém silêncio sobre a decisão de tornar Corina inelegível, excluindo-a das próximas eleições. O Brasil tem restrições a Corina em função da percepção de que ela faria uma transição difícil, se ganhasse a eleição. O risco da atual política externa é a tendência ideológica prevalecer, e o Brasil evitar condenar o governo Maduro por mais este ato antidemocrático. Chegou o momento de o Brasil rever sua posição e assumir uma nova postura crítica em relação à Venezuela, coerente com a narrativa de Lula de defesa da democracia na política interna.
Rubens Barbosa é diplomata, foi embaixador do Brasil em Londres e em Washington, DC. É presidente do Instituto Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice) e coordenador editorial da Interesse Nacional. Mestre pela London School of Economics and Political Science, escreve regularmente no Estado de São Paulo e no Interesse Nacional e é autor de livros como Panorama visto de Londres, Integração econômica da América Latina, O dissenso de Washington e Diplomacia ambiental
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