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sexta-feira, 15 de maio de 2020

Embaixadas retiram diplomatas do Brasil pelo risco Bolsonaro - Miriam Leitão

O Brasil retorna mais de 100 anos atrás, quando os estrangeiros não queriam vir ao Rio de Janeiro por causa da febre amarela. Os diplomatas se refugiavam em Petrópolis, como aliás o próprio chanceler, o Barão do Rio Branco.
Pois é, o Brasil acaba de ser rebaixado a essa condição novamente – "shit-hole countries", como diria Trump –, a de espantalho de diplomatas estrangeiros.
Mais um galardão para Bolsonaro
Paulo Roberto de Almeida 

CRISE NA SAÚDE
Embaixadas recebem pedidos para retirar funcionários do Brasil pelo risco Bolsonaro
Por Míriam Leitão (com Ricardo Loureiro)
O Globo, 15/05/2020 • 17:31

Recebi a informação de que em algumas embaixadas tem chegado circulares de países para que seus diplomatas deixem o Brasil. E que as representações diminuam o número de pessoal dentro das embaixadas, porque o Brasil está sendo considerado um país perigoso, pela condução temerária do presidente Bolsonaro nesta pandemia. A fonte me informa que algumas embaixadas grandes podem reduzir o pessoal, ainda que ninguém vá dizer isso abertamente. 
A saída de Nelson Teich hoje vem confirmar essa ideia de país desgovernado. Ele ficou pouco tempo e agregou pouco. Ao sair, na entrevista coletiva prestou um desserviço ao país, por não explicar exatamente o motivo de sua saída. Esse silêncio dele, quando perguntado por jornalistas após a entrevista, é ruim porque não ajuda nem favorece a transparência. Seria melhor que ele falasse claramente, porque isso ajudaria a ver exatamente o tamanho do problema.
Teich aceitou o cargo já fazendo concessões, e quando isso acontece com um ministro ele já perdeu. O primeiro sinal que deu, de que tinha cedido onde não devia, foi quando, no discurso de posse, nem falou em isolamento social. Ali ele já tinha perdido. Mas parece que ele só entendeu isso hoje, no vigésimo nono dia. Quem começa cedendo, cede até o final.
Nos bastidores, houve três reuniões esta semana entre Teich e o presidente. Na primeira, conversaram sobre a cloroquina, e Bolsonaro mais falou do que ouviu. Na segunda, Teich explicou o plano que vinha conversando com secretários estaduais e municipais, para se ter mais coordenação. O presidente detestou e falou isso para ele. A terceira foi hoje, quando Teich entregou o cargo. Ontem à noite ele ainda pediu à equipe técnica do Ministério que revisasse a literatura médica para ver se havia algo em favor da cloroquina. Não havia. Hoje cedo mandou para um amigo uma mensagem de que não conseguia conciliar sua biografia de médico com a permanência no Ministério.
A verdade é que Bolsonaro quer um ministro da Saúde que seja ele mesmo, seu avatar, para que ele possa mandar completamente. O que o presidente está pedindo é perigoso para a saúde pública. Uma pessoa séria não vai conduzir isso. Além disso, o ministro mostrou desde o começo que estava sendo teleguiado pelos militares. Vários assumiram cargos que antes eram da máquina de servidores do ministério da Saúde. Teich viu que não teria controle de nada. 
Toda pessoa pública tem que ir ver o sofrimento do seu povo no meio de uma tragédia. Em nenhum momento Bolsonaro fez isso. Teich, ao fazer as primeiras viagens, se deu conta da gravidade da crise. Foi a Manaus, por exemplo, que tem passado por um momento trágico. Esses movimentos foram afastando Teich de Bolsonaro, apesar de o ex-ministro ser Bolsonarista desde o período da campanha e ter feito inclusive parte do programa de governo. 

quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

Brasil: a pior imagem internacional desde a redemocratização - Jamil Chade

Série de denúncias na ONU dá ao Brasil pior imagem desde redemocratização

Jamil Chade
UOL, 11/12/2019
27.fev.2019 - Cadeira do Brasil na sala de conferências da ONU, em Genebra, fica vazia durante boicote ao discurso do chanceler da Venezuela, Jorge Arreaza, que discursava na reunião do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas - Jamil Chade/UOL
27.fev.2019 - Cadeira do Brasil na sala de conferências da ONU, em Genebra, fica vazia durante boicote ao discurso do chanceler da Venezuela, Jorge Arreaza, que discursava na reunião do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas Imagem: Jamil Chade/UOL
O governo de Jair Bolsonaro foi alvo de pelo menos 37 denúncias na ONU por parte de entidades estrangeiras e brasileiras, além de ações lideradas por deputados e mesmo pela OAB. Em meio às comemorações do Dia Mundial dos Direitos Humanos, nesta terça-feira, a constatação de organizações e diplomatas é de que o Brasil vive seu pior momento internacional em termos de direitos humanos desde o restabelecimento da democracia, em 1985.
Há poucos meses, numa reunião entre governos e ONGs, a embaixadora do Brasil na ONU, Maria Nazareth Farani Azevedo, qualificou o Brasil de "exemplo e inspiração" no que se refere aos direitos humanos. Mas, nas correspondências sigilosas e nos bastidores das entidades internacionais, essa não é a realidade que se constata.
Entre os relatores da ONU, um total de doze cartas sigilosas foram enviadas ao governo brasileiro ao longo do ano para se queixar de violações cometidas pelo Estado e cobrando respostas, inclusive sobre ameaças sofridas por líderes indígenas, ameaças contra a liberdade de imprensa e a apuração do assassinato de Marielle Franco.
Em praticamente todos os textos, pode-se ler termos como "profunda preocupação" ou "alarmados" em relação às medidas adotadas pelo governo, além de pedidos para que algumas das iniciativas sejam suspensas.

Ecos da ditadura militar

Para além das cartas enviadas pelos relatores das Nações Unidas, a entidade já vive uma rotina diferente em relação ao Brasil. Escritórios da ONU em Genebra passaram a ver uma frequente chegada de documentos e denúncias formalizadas contra o Estado brasileiro.
A onda foi interpretada como um sinal de um profundo mal-estar no país e da suspeita de que as instituições nacionais não estão sendo capazes de lidar com o desmonte do sistema de direitos humanos.
Diplomatas mais experientes relatam que tal cenário de ataques internacionais ao Brasil só se assemelha aos anos do regime militar (1964-1985), quando a situação do país também entrou na agenda da ONU de maneira constante.
Durante os governos FHC, Lula, Dilma e Temer, as denúncias também existiram e as mesmas ONGs que hoje atacam o governo Bolsonaro também recorreram aos organismos internacionais contra aquelas gestões.
Mas, nos últimos meses, a dimensão dos ataques e a frequência dos casos se multiplicou de forma inédita.
A situação das prisões, a violência policial, o fechamento de conselhos, o desmonte de mecanismos de combate à tortura, meio ambiente, as situações das barragens, o comportamento de Bolsonaro sobre o golpe de 1964, e a condição dos indígenas foram apenas alguns dos temas denunciados diante das entidades internacionais desde janeiro de 2019.
FHC diz que Bolsonaro nega golpe de 1964 porque "não estava lá"
UOL Notícias

Deterioração de imagem e credibilidade

Ainda que a ONU não conte com uma polícia internacional e nem mecanismos para forçar o estado brasileiro a modificar seu comportamento, a enxurrada inédita de denúncias criou um constrangimento para o governo. Em dezenas de reuniões ao longo do ano, o Brasil passou a ter de se defender, criando um esquema entre diplomatas para que se revezem nos encontros para ler declarações elaboradas em Brasília sobre os diferentes temas sob ataque.
Além disso, recomendações dos peritos colocam pressão sobre o governo e ainda aprofundam o processo de deterioração de sua imagem na comunidade internacional. Ao não cumprir uma recomendação da ONU, o Brasil ainda enfraquece sua posição e afeta sua credibilidade no que se refere a assuntos relacionados a direitos humanos.
Apenas a entidade Conectas fez um total de 14 denúncias em eventos relacionados ao Conselho de Direitos Humanos da ONU. A mesma entidade também apresentou seis apelos urgentes, em cartas para diferentes organismos internacionais. A entidade ainda planeja outras três denúncias ainda no mês de dezembro.
Já a entidade Justiça Global liderou mais doze apelos urgentes para a ONU, ao lado de organismos nacionais e internacionais. Entre as denúncias está o desmantelamento do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, o caso da intervenção e censura no Conselho Nacional de Direitos Humanos, as retaliações contra a Subprocuradora-Geral da República Deborah Duprat e casos de violência policial.
Um caso ainda mais problemático para o país é o que foi apresentado por parte de advogados e da Comissão Arns perante o Tribunal Penal Internacional, acusando o governo de "incitar o genocídio e promover ataques sistemáticos contra os povos indígenas do Brasil".
10.set.2019 - Índio guajajara, "guardião da floresta", segura uma arma enquanto se prepara para buscas por madeireiros ilegais - Ueslei Marcelino/Reuters
10.set.2019 - Índio guajajara, "guardião da floresta", segura uma arma enquanto se prepara para buscas por madeireiros ilegais
Imagem: Ueslei Marcelino/Reuters

Indígenas foram até a ONU

Ao longo do ano, diversos grupos indígenas ainda viajaram até a ONU para apresentar suas queixas. Um deles foi o povo Xavante, que entregou um dossiê ao Comitê das Nações Unidas para a Eliminação da Discriminação Racial. O grupo denunciou o "desmonte" da Funai e pediu que obras de estradas planejadas para suas terras sejam suspensas até que consultas possam ser realizadas.
Em novembro, uma delegação composta por vários povos indígenas brasileiros ainda entregou dados de uma nova denúncia às Nações Unidas. Já nesta semana, a ONU e a OEA se uniram em lançar um apelo ao governo para que as mortes das lideranças indígenas Firmino Praxede Guajajara, Raimundo Guajajara e Paulino Guajajara sejam alvo de investigações imparciais.
No início de dezembro, a Human Rights Watch ainda entregou ao relator especial da ONU sobre resíduos tóxicos uma denúncia sobre novas regras de classificação de agrotóxicos no Brasil e a aprovação de novos produtos.
Organizações internacionais da França e Suíça ainda denunciaram a Ministra de Direitos Humanos, Damares Alves, por demitir a coordenadora geral do Conselho Nacional de Direitos Humanos, Caroline Dias dos Reis.
Para o Observatório para a Proteção dos Defensores dos Direitos Humanos, o ato "constitui mais um passo no retrocesso dos direitos humanos no país".
Entre as atividades realizadas pelo Conselho estão o monitoramento das políticas públicas de direitos humanos, a elaboração de propostas legislativas, a articulação com entidades públicas e privadas, como com os sistemas internacionais e regionais de direitos humanos.
Parte das queixas recebidas pela ONU também vieram de parlamentares. Liderados pelo PSOL, um grupo de deputados apresentou uma denúncia sobre situação de torturas em presídios do Pará.
23.ago.2019 - Presidente Jair Bolsonaro (SPL) participa de cerimônia do Dia do Soldado - Marcos Corrêa/Presidência da República
23.ago.2019 - Presidente Jair Bolsonaro (SPL) participa de cerimônia do Dia do Soldado
Imagem: Marcos Corrêa/Presidência da República

Negação do golpe militar de 1964

Já a OAB e Instituto Vladimir Herzog se uniram para denunciar o comportamento do governo brasileiro em relação à insistência do presidente Jair Bolsonaro de negar a existência de um golpe de Estado em 1964.
As duas entidades apresentaram aos relatores internacionais dados ligando apoio do atual chefe de Estado à ditadura e seu trabalho de desmonte de estruturas de memória, verdade e justiça
Ao longo do ano, diversos ativistas também viajaram até a ONU para apresentar suas denúncias. Uma delas foi Mônica Benício, companheira de Marielle Franco.
Para especialistas, a ação internacional contra o Brasil é considerada como fundamental diante da situação interna do país. "Bolsonaro e seu governo têm recuado de propostas nefastas quando há reação", disse Maria Hermínia Tavares de Almeida, pesquisadora do Cebrap e membro da Comissão Arns.
"Portanto, fazer pressão para que recue de iniciativas danosas para o país e para a maioria da população é sempre bom. Esse é um presidente de inclinação claramente autoritária que governa uma democracia. Pressões internas e externas são necessárias para mante-lo na linha", disse.
Segundo ela, porém, "pressões internacionais são especialmente importantes quando o que está em questão são políticas para as quais há pouco apoio interno efetivo — por exemplo a proteção ambiental — ou os direitos de grupos mais vulneráveis como jovens negros pobre ou comunidades indígenas".
Macron, fotografado ao lado de Bolsonaro na reunião do G20, no Japão - JACQUES WITT/AFP
Macron, fotografado ao lado de Bolsonaro na reunião do G20, no Japão
Imagem: JACQUES WITT/AFP

Conselho de Direitos Humanos

Apesar dos ataques, o Brasil conseguiu votos suficientes para renovar seu mandato no Conselho de Direitos Humanos da ONU. Para isso, porém, o Itamaraty barganhou uma troca de apoios, em gestos políticos que pouca relação tinham com a situação dos direitos humanos.
Mesmo governos que registraram tensões com o Brasil acabaram votando pelo país, depois que Brasília negociou apoios recíprocos em outras entidades.
Com a França, por exemplo, o governo Bolsonaro prometeu apoiar um candidato de Paris para um comitê das Nações Unidas em troca do voto para o Conselho de Direitos Humanos.
Em seu comunicado de imprensa, no momento da eleição, o Itamaraty insistiu que a votação era um sinal do "sólido reconhecimento internacional das credenciais do Brasil em matéria de promoção e proteção dos direitos humanos".

Não era. O voto refletiu apenas a barganha política que se fez nos bastidores e que também garantiu a eleição de violadores de direitos humanos como Venezuela, Líbia, Sudão ou Mauritânia.

terça-feira, 17 de setembro de 2019

Itamaraty tem responsabilidade na degradação de imagem do Brasil? - Hussein Kalout (Epoca)

Coluna | Itamaraty tem responsabilidade na degradação de imagem do Brasil?

Responsabilizar representações diplomáticas por falta de empenho em defesa do país é um equívoco

Revista Época, 17/09/2019 - 11:26 / Atualizado em 17/09/2019 - 16:34
Protesto contra governo brasileiro em frente à embaixada do Brasil na Itália Foto: Stefano Montesi / Getty Images
Protesto contra governo brasileiro em frente à embaixada do Brasil na Itália Foto: Stefano Montesi / Getty Images
Integrantes da alta cúpula do governo federal insistem na tese de que as representações diplomáticas brasileiras não têm feito “quase nada” para defender a imagem do Brasil lá fora.
Numa democracia minimamente madura, afirmações dessa natureza precisam ser amparadas pela apresentação de provas irrefutáveis. Do contrário, corre-se o sério risco de incorrer em crime de responsabilidade.
Se real, seria fácil detectar a existência do problema. Bastaria averiguar quantas instruções partiram do Itamaraty para as representações diplomáticas no exterior e quais não foram cumpridas.
Tudo indica que falta uma noção precisa de como funciona o trabalho de uma representação de Estado no exterior ou até quais são os limites operacionais de um embaixador e de seu staff.
Diplomacia é a arte da temperança. É um ofício que se exerce nos bastidores e não nos palanques das redes sociais. É um trabalho de fina costura e de sofisticada gramática política.
Quantos anúncios recentes relacionados à política internacional do país foram realizados em alinhamento com os postos no exterior? Poucos, se é que algum. Quantas vezes embaixadas, consulados e delegações descobriram “novas orientações” via mídia social? Corriqueiramente!
Casos não faltam. Cito aqui alguns exemplos: a inflexão da questão amazônica e o vácuo de poder deixado pela ausência de uma estratégia bem delineada; a agressão ao presidenciável argentino Alberto Fernández, possível futuro líder do país que é nosso principal parceiro estratégico na América do Sul; o dispensável embate com o presidente francês, que descambou para grosserias.
Ah! E a França segue sendo um dos principais investidores econômicos diretos no Brasil; a apoplexia verbal contra a China, o maior sócio comercial brasileiro; mais recentemente, a desnecessária diatribe contra a Alta Comissária de Direitos Humanos da ONU, a ex-presidente chilena Michelle Bachelet, responsável pelo mais incisivo relatório contra a situação dos direitos humanos na Venezuela de Nicolás Maduro.
Todos esses percalços são reveladores de quão difícil é para as representações brasileiras no exterior operar nesta conjuntura de alta pressão.
O que fica patente é a ausência de equilíbrio mínimo e de padrão linear de trabalho. O eventual baixo desempenho de alguns postos diplomáticos não pode ser atribuído à falta de lealdade ou de patriotismo.
Ainda que um ou outro caso possam ser colocados na conta pessoal de seus titulares, predominam a ausência de clareza sobre qual é a bússola conceitual da atual política externa e a falta de compromisso com os princípios históricos de condução da diplomacia brasileira, acompanhados de explosão de declarações mal calibradas que, em vez de angariar espaços para o Brasil no mundo, terminam por isolar o país nas relações internacionais.
Trata-se de uma antidiplomacia presidencial cujo rumo os embaixadores do Itamaraty não têm força para alterar. E um chanceler que prefere enveredar pelo terreno do abstrato, como o fez numa palestra no think tank conservador Heritage de Washington, a utilizar o palco para uma defesa racional de interesses concretos brasileiros.
Ao examinar cuidadosamente o mapa estratégico do que pode ser chamado de “política externa”, as conclusões são frustrantes. A África é palavra praticamente inexistente no dicionário da diplomacia de turno.
É como se o continente tivesse sido deletado do mapa-múndi da geografia diplomática brasileira. E falar de política externa asiática é hoje quase uma pilhéria.
De Tel-Aviv ao Magreb, passando pelo Golfo Pérsico, não há nada que desabone até o momento a conduta dos representantes do país no Oriente Médio. Aliás, a tarefa de amainar e mitigar graves percalços tem-se revelado hercúlea.
Apenas para constar, uma delegação de elevado porte do Ministério da Agricultura e em conjunto com o setor empresarial visita, no momento, as quatro economias mais relevantes do mundo árabe (Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes Unidos e Kuwait). A preparação da missão por parte das embaixadas caminha a contento.
Já na América do Sul, não existe qualquer projeto estratégico coerente e que possa ser chamado de “política externa”. Mas, isso não é culpa das embaixadas. Antes de tudo, é responsabilidade de quem formula e de quem gerencia a execução da política exterior do país.
Do extremo-norte da Bacia amazônica até o último pináculo de Ushuaia, ninguém sabe o que queremos em matéria de liderança, projeção de poder ou desenvolvimento regional. Na Argentina, em particular, a vida da representação brasileira, em Buenos Aires, passou a ser a de contenção de danos. Um trabalho de refinado equilibrismo diplomático.
Quando o governo comemorou a conclusão do acordo comercial Mercosul-União Europeia, será que a delegação brasileira, em Bruxelas, faltou com lealdade, dedicação e profissionalismo para a conquista desse objetivo? 
Ainda que alguns diplomatas possam estar pessoalmente em desacordo com a nova orientação da “política de gênero”, será que as delegações brasileiras na ONU e na OEA não seguiram à risca a determinação do governo? Apesar das discordâncias, nenhuma instrução deixou de ser cumprida (alguns embaixadores já vestiram a carapuça e vendem um Brasil inexistente). 
A imagem de um país no mundo depende, antes de tudo, da percepção que se tem de seus governantes. A crescente desaprovação ao governo já é, no fundo, o reflexo da degradação de sua própria imagem.
Frases tóxicas, desmedidas e descalibradas acabam apagando alguns dos resultados expressivos alcançados pela atual gestão.
Cabe ao chefe da diplomacia — quem quer seja — o mínimo de altivez na defesa de seus comandados. Parece contraditório culpar os quadros de uma instituição por agir contra o interesse nacional — e, neste caso, uma instituição com reputação bicentenária na defesa dos interesses nacionais brasileiros.
Sem que as acusações estejam sustentadas em fatos concretos, incorre-se em uma irresponsável leviandade que tende a minar a respeitabilidade do serviço exterior brasileiro e, logo, a própria reputação do governo.
Embaixadas, delegações e consulados não têm capacidade de impedir protestos e pichações em seus muros, por mais que defendam a imagem do País em seu trabalho cotidiano.
O anacronismo no trato da coisa pública, a intervenção nas forças de segurança pública por motivos pouco republicanos, a carta branca concedida ao desmatamento de nossas florestas ou o corte de bolsas de estudo para cientistas e pesquisadores falam mais alto do que qualquer artigo que venha assinar um embaixador brasileiro em jornal estrangeiro.
Aliás, nunca foi preocupação para a diplomacia brasileira monitorar quais países boicotariam o discurso do Presidente do Brasil que tradicionalmente inaugura os trabalhos da Assembleia Geral da ONU, em Nova York — que ocorrerá na próxima semana.
O mundo espera um Brasil lúcido e comprometido com seus compromissos internacionais. Não dá para admoestar a plateia com elucubrações de fundo ideológico e paranoias de que o país está sob interdição do marxismo cultural, sob domínio colonial do globalismo e sequestrado por ambientalistas.
Política externa é expressão de uma nação; de um povo, e não de um governo. A política do confronto e da negação nada agregam aos interesses estratégicos do país. Para melhorar a imagem do governo é preciso rever o discurso e recalibrar a conduta. Do contrário, o Brasil seguirá em queda livre. 

Hussein Kalout é cientista político, professor de Relações Internacionais, pesquisador da Universidade Harvard e Integra o Advisory Board da Harvard International Review. Foi Senior Fellow do Center for Strategic and International Studies (CSIS) em Washington DC e Consultor da ONU e do Banco Mundial. Serviu como Secretário Especial de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (2017-2018). Cofundador do Movimento Agora!, foi membro do Conselho de Ministros da Câmara de Comércio Exterior (Camex) e presidente da Comissão Nacional de Populações e Desenvolvimento (CNPD).