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quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Bolivar Lamounier se ocupa dos "intelectuais"

Com aspas, e aproveito para recomendar os livros de Paul Johnson e de Thomas Sowell sobre as contribuições nefastas que muitos desses personagens fizeram para maior prejuizo da humanidade.
A postagem eu devo a meu amigo Orlando Tambosi. 
Paulo Roberto de Almeida 
O antiliberalismo dos intelectuais brasileiros
Bolívar Lamounier acaba de lançar o livro Tribunos, Profetas e Sacerdotes - Intelectuais e ideologias no Século XX (SP, Cia. das Letras), em que analisa "o papel dos pensadores na atualidade". A obra está na minha lista de leituras, pois trata exatamente de uma questão que sempre me interessou: a persistência, entre a intelectualidade, do pensamento autoritário. Infelizmente, somos um país infenso à cultura da liberdade: passamos do positivismo para o autoritarismo militar, reforçado depois, a partir das universidades, pelo marxismo. Lamounier está certo: a esquerda se apropriou do conceito de intelectual. Resultado: aqui, até um Emir Sader, que escreve Getúlio com lh (Getulho) reivindica o papel de "pensador":

Tribunos defendem causas e pessoas, profetas inventam paraísos e apontam o caminho da salvação. Já os sacerdotes cuidam da disciplina e ensinam ao rebanho o que é certo ou errado. Visionários ou controladores, eles têm missões distintas, mas neste caso é de intelectuais que se fala o tempo todo. Separá-los por esses três papéis foi a forma que encontrou o cientista político Bolívar Lamounier para contar, em seu novo livro, os feitos, malfeitos, limites e o incerto futuro dessas figuras às vezes destemidas, admiradas ou odiadas, às vezes arrogantes, equivocadas ou perseguidas. 
Tribunos, Profetas e Sacerdotes - Intelectuais e Ideologias no Século XX, que Bolívar lançou na semana passada em São Paulo e lança hoje no Rio, é um passeio pelos altos e baixos da função dos intelectuais na sociedade. Para entendê-la - e entendê-los - ele percorre as experiências de outros países (a antiga União Soviética, Alemanha, EUA) e desemboca, ao fim, na experiência brasileira. Depara-se, então, com a gangorra entre liberalismo e autoritarismo e dedica capítulos especiais a duas figuras centrais do século 20, Oliveira Vianna e Sérgio Buarque de Hollanda.
Ao falar do livro para o Estado, o autor levanta questões sobre o que disseram e dizem os intelectuais dos 21 anos do regime militar. Ele deixa, a propósito, uma advertência: “No Brasil, e em geral na América Latina, a esquerda se apropriou do conceito de intelectual”. Criou-se, dessa forma, “uma ilusão de ótica, uma confusão cultivada de uma forma em grande parte deliberada”.
O que significam os modelos de intelectual que dão título ao livro? 
O tribuno assemelha-se a um advogado: é o que defende as pessoas, grupos ou o próprio país. Um belo exemplo é o poeta andaluz García Lorca, cujo objetivo era defender a etnia cigana, não propagandear paraísos terrestres. Inventar esses paraísos e conduzir a humanidade até lá é papel do profeta - o exemplo clássico são os marxistas. O alto sacerdote é a autoridade que interpreta para o rebanho os livros sagrados. 
O “fim dos intelectuais” é mencionado no livro como um perigo real, num mundo de especializações e redes digitais. Eles vão desaparecer?
Não acredito que o intelectual esteja em extinção; o intelectual-tribuno certamente não está. Mas o espaço se reduziu drasticamente para os profetas e sacerdotes. No mundo atual, falar do futuro não é propor utopias mirabolantes, é projetar tendências a partir de fatos comprovados. Sacerdotes continuarão a existir em esferas específicas, como o âmbito acadêmico, onde cumprem a função de exigir padrões de qualidade científica.
Sua análise destaca uma persistente rejeição do liberalismo na história e na cultura brasileira. A que atribui esse fenômeno?
A história brasileira caracteriza-se pela coexistência entre dois veios importantes, um liberal e outro antiliberal. O liberal tem origem na independência e na Constituição de 1824. O antiliberal começa com a chegada do positivismo de Augusto Comte, forte nas escolas militares e se expande com o protofascismo. A partir dos anos 20 ele é reforçado pelo marxismo e se difunde fortemente através do nacionalismo.
O sr. assinala que Celso Furtado, Hélio Jaguaribe e Cândido Mendes idealizaram o modelo nacionalista do pré-1964. Por quê?
Celso Furtado e Hélio Jaguaribe pensaram que os militares tomariam os fazendeiros como aliados preferenciais e forçariam o restante da economia a permanecer estagnada, o que evidentemente não aconteceu. Cândido Mendes errou na previsão política, por acreditar que os militares detinham um poder ilimitado, imune a dissensões internas. Tal diagnóstico também foi desmentido. 
A percepção, pelos intelectuais, do que representou o regime militar para a sociedade e para o País foi insatisfatória? Pela urgência, moral e prática, eles se centraram na crítica ao autoritarismo e menosprezaram outros temas?
Era natural que assim fosse. As ameaças às liberdades democráticas eram reais. Mas essa ênfase não esgota o que aconteceu ao longo de 21 anos. Falta muito para a análise do período ser feita de modo satisfatório. Ainda são poucos os estudos sérios disponíveis e há barreiras ideológicas consideráveis.
Parece-lhe que há hoje muito mais intelectuais de esquerda do que de direita no debate público, e que a esquerda tem mais espaço nesse universo?
Não exatamente. O que ocorreu no Brasil e em geral na América Latina foi que a esquerda se apropriou do conceito de intelectual, adulterando-o a não mais poder. Assim, todo esquerdista letrado fica conhecido como intelectual, qualquer que seja a qualidade do que diz. No centro e na direita, pessoas com o mesmo perfil, e não raro com mais qualidade, não se apresentam como intelectuais e sim como economistas, historiadores, etc. O que há, portanto, é uma ilusão de ótica, uma confusão cultivada de uma forma em grande parte deliberada. (Estadã0).

domingo, 27 de julho de 2014

Intelectuais franceses: sempre tropecando na historia, e na economia -Mario Vargas Llosa

Vargas Llosa não se refere, entre outros, a François Furet, que no seu livro Le Passé d'une Illusion (fiz uma resenha e deve talvez ser encontrada neste blog) examina esses stalinistas tardios, mas é bastante crítico de Tony Judt, que partilhava, sim, de todos os vieses dos progressistas acadêmicos e mantinha um preconceito fundamental contra o capitalismo, que foi quem devolveu a riqueza aos europeus no pós-guerra.
Aliás, até hoje os franceses brigam contra a economia de mercado e continuam a afundar alegremente o seu país.
Grato ao Orlando Tambosi pela transcrição.
Paulo Roberto de Almeida 
Mario Vargas Llosa analisa o livro de Tony Judt, recentemente falecido, sobre o lamentável passado da intelectualidade francesa, particularmente identificada com posições de esquerda. Parece demonstrar certa nostalgia por essa cultura contaminada pelo totalitarismo marxista, e que estendeu sua influência negativa pela América Latina. Concordo que Judt deveria ter incluído Revel, o rebelde liberal, na obra Passado Imperfeito(também publicada no Brasil pela editora Nova Fronteira, tradução que li há alguns anos), mas, no geral, acho que sua crítica da intelectualidade do pós-guerra vai bem. Como também viveu em Paris duante anos, Vargas Llosa é ambíguo em relação à atmosfera criada por pensadores que, por seu encarniçamento ideológico, merecem esquecimento - Sartre na linha de frente. Quanto a Judt, que morreu em Nova York, li outros livros dele e acho que, no fundo, partilhava a lamntável doutrina politicamente correta - ausente, porém, na sua crítica aos franceses. Segue o texto publicado no El País pelo escritor peruano e Prêmio Nobel de Literatura:


Acaba de ser reeditado nos Estados Unidos um livro de Tony Judt que apareceu pela primeira vez em 1992 e que eu não conhecia: Past Imperfect: French Intellectuals, 1944-1956. Impressionou-me muito porque eu vivi na França por cerca de sete anos, em um período - 1959-1966 - ainda impregnado pela atmosfera e pelos preconceitos, acrobacias e desvarios ideológicos que o grande ensaísta britânico descreve em seu ensaio com tanta severidade e erudição.

O livro pretende responder a esta pergunta: por que, nos anos do pós-guerra europeu e até meados da década de setenta, os intelectuais franceses, de Louis Aragon a Sartre, de Emmanuel Mounier a Paul Éluard, de Julien Benda a Simone de Beauvoir, de Claude Bourdet a Jean-Marie Doménach, de Maurice Merleau-Ponty a Pierre Emmanuel etc., foram pró-soviéticos, marxistas e companheiros de viagem do comunismo? Por que escritores e pensadores europeus acabaram sendo os últimos a reconhecer a existência do Gulag, da brutal injustiça dos julgamentos stalinistas em Praga, Budapeste, Varsóvia e Moscou que mandaram revolucionários comprovados para o paredão? Houve exceções ilustres, com Albert Camus, Raymond Aron, François Mauriac e André Breton entre eles, mas foram escassas e pouco influentes em um meio cultural no qual as opiniões e os posicionamentos dos primeiros prevaleciam de maneira esmagadora.

Judt pinta um quadro de grande rigor e leveza do renascer da vida cultural na França após a libertação, uma época em que o debate político impregna todo o movimento filosófico, literário e artístico e permeia os meios acadêmicos, os cafés literários e revistas como Les Temps Modernes, Esprit, Les Lettres Françaises e Témoignage Chrétien, que passam de mão em mão e alcançam tiragens notáveis. Comunistas e socialistas, existencialistas e cristãos de esquerda, seus colaboradores divergem sobre muitas coisas, mas o denominador comum é um anti-americanismo sistemático, a convicção de que entre Washington e Moscou a primeira representa a incultura, a injustiça, o imperialismo e a exploração, e a última o progresso, a igualdade, o fim da luta de classes e a verdadeira fraternidade. Não chegam todos aos extremos de um Sartre, que, em 1954, após sua primeira viagem à União Soviética, afirma, sem o menor pudor: “O cidadão soviético é completamente livre para criticar o sistema”.

Nem sempre se trata de uma cegueira involuntária, derivada da ignorância ou da mera ingenuidade. Tony Judt mostra como ser um aliado dos comunistas era a melhor maneira de limpar um passado contaminado pela colaboração com o regime de Vichy. É o caso, por exemplo, do filósofo cristão Emmanuel Mounier e de alguns de seus colaboradores na Esprit, que, no início da ocupação, tinham sido seduzidos pela chamada experiência de nacionalismo cultural Uriage, patrocinado pelo governo, até que, advertidos de que era manipulada pelas forças nazistas da ocupação, se distanciaram. E eu me recordo que, no princípio dos anos setenta, diante de alguns manifestantes universitários que queriam impedi-lo de falar e citavam Sartre, André Malraux respondeu a eles: “Sartre? Eu o conheço. Fazia suas peças de teatro serem representadas em Paris, aprovadas pela censura alemã, enquanto a Gestapo me torturava”.

Tony Judt diz que, além da necessidade de fazer esquecer um passado politicamente impuro, por trás do esquerdismo dogmático desses intelectuais havia um complexo de inferioridade do meio cultural, pela facilidade com que a França se rendeu aos nazistas e aceitou o regime fantoche do Marechal Pétain, e foi libertada de maneira decisiva pelas forças aliadas lideradas pelos Estados Unidos e pela Grã-Bretanha. Ainda que tenha existido, sem dúvidas, uma resistência local e uma participação militar (gaullista e comunista) na luta contra o nazismo, a França jamais teria conquistado sozinha sua própria libertação. Isso, somado à substancial ajuda que recebia dos Estados Unidos para seus trabalhos de reconstrução, através do Plano Marshall, teria disseminado um ressentimento que pode explicar, segundo Judt, essa doença infantil do esquerdismo pró-stalinista que marcou sua vida intelectual entre 1945 e os anos sessenta.

No polo oposto, destaca-se a figura de Albert Camus. Nos anos cinquenta, não era necessária apenas lucidez para condenar os campos soviéticos de extermínio e os julgamentos duvidosos; também era preciso uma grande coragem para enfrentar uma opinião pública tendenciosa, a demonização de uma esquerda que tinha o controle da vida cultural e uma ruptura com seus antigos companheiros de resistência. Mas o autor de O Homem Revoltado não hesitou, afirmando, contra tudo e contra todos, que dissociar a moral da ideologia, como fazia Sartre, era abrir as portas da vida política ao crime e às piores injustiças. O tempo lhe deu razão e por isso as novas gerações continuam lendo suas obras, enquanto a maior parte dos que então eram os mestres da vida intelectual francesa foi engolida pelo esquecimento.

Um caso muito interessante, que Tony Judt analisa detalhadamente, é o de François Mauriac. Resistente desde o primeiro momento contra os nazistas e Vichy, suas credenciais democráticas eram impecáveis na época da libertação. Isso o permitiu enfrentar, com argumentos sólidos, a maré pró-stalinista e, sobretudo, como católico, os progressistas da Esprit e daTémoignage Chrétien, que em muitas ocasiões, como durante as polêmicas sobre o Gulag desatadas pelos testemunhos de Viktor Kravchenko e de David Rousset, serviram de meros porta-vozes das mentiras inventadas pelo Partido Comunista francês. Por outro lado, tanto em suas memórias quanto em seus ensaios e colunas jornalísticas, ele se adiantou a todos os seus colegas ao iniciar uma profunda autocrítica dos delírios de grandeza da cultura francesa, em uma época na qual – ainda que muitos poucos além dele tenham percebido na ocasião – ela entrava justamente em um declínio do qual até hoje não conseguiu sair. Nunca gostei dos romances de Mauriac e por isso descartei seus ensaios; mas este livro Past Imperfect de Judt me convenceu de que cometi um erro.

No entanto, nem tudo é convincente no livro. É imperdoável que, além de Camus, Aron e outros, a obra não faça menção a Jean-François Revel, que, desde o fim dos anos cinquenta, travava também uma batalha bastante intensa contra os símbolos do stalinismo. Ou que não ressalte suficientemente a denúncia do colonialismo e o apoio às lutas do Terceiro Mundo para se livrar das ditaduras e da exploração imperial, que foi um dos cavalos de batalha e talvez o aporte mais positivo de Sartre e de muitos de seus seguidores na época.

Por outro lado, ainda que a dura crítica de Tony Judt ao que chama de “anestesia moral coletiva” dos intelectuais franceses seja, feitos os cálculos, justa, ele omite algo que nós que de alguma maneira vivemos aqueles anos dificilmente poderemos esquecer: a vigência das ideias, a crença – por vezes exagerada – de que a cultura em geral, e a literatura em particular, desempenhariam um papel de primeiro plano na construção daquela futura sociedade na qual a liberdade e a justiça finalmente se uniriam de maneira indissolúvel. As polêmicas, as conferências, as mesas redondas no auditório lotado da Mutualité, o público ávido, principalmente de jovens, que acompanhava tudo aquilo com fervor e prolongava os debates nos bistrôs do Quartier Latin e de Saint Germain: impossível lembrar-se de tudo isso sem nostalgia. Mas é verdade que foi bastante efêmero, menos relevante do que acreditávamos, e que o que então nos pareciam ser os grandes anais da inteligência eram mais os estertores da figura do intelectual e os últimos instantes de uma cultura de ideias e palavras, não limitada aos seminários do meio acadêmico, mas sim derramada sobre os homens e as mulheres das ruas.

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Os Intelectuais, de Paul Johnson - resumido e comentado por Carlos U. Pozzobon

Longo, mas apetitoso. Recomendo ir até o final, pois sobra para o próprio autor (aliás desde antes neste excelente resumo comentado).
Paulo Roberto de Almeida

Blog Resumo de livros, de Carlos U. Pozzobon, neste link:
http://carlosupozzobon.blogspot.com.br/2011/10/os-intelectuais-paul-johnson-harper-row.html

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Os Intelectuais

Rosseau
Shelley
Marx
Ibsen
Tolstoi
Hemingway, Brecht, Sartre e outros
Paul Johnson tem eventualmente publicado artigos nos jornais brasileiros e é mais conhecido como jornalista, historiador free-lancer e escritor britânico. Nascido em 1928, de origem católica, estudou em escola de jesuítas e depois em Oxford, antes de iniciar sua carreira na Europa onde viveu alguns anos antes de retornar a Londres e atuar em diversos jornais ao longo de sua carreira.
Seu livro Intellectuals foi muito apreciado e recebeu uma tradução brasileira. A razão para escrevê-lo está vinculada a sua biografia. Adepto do socialismo moderado, Johnson iniciou sua carreira na esquerda trabalhista britânica. Mudou de posição mais tarde, quando se convenceu do mal causado pelo sindicalismo na estagnação da economia britânica dos anos 70. A partir de então, tornou-se um aliado de Margareth Thatcher (servindo em seu governo), e sua popularidade lhe garantiu sucesso editorial nos cerca de 40 livros que escreveu em sua carreira.
Intellectuals trata de um conjunto de biografias, com 20-30 páginas cada, de escritores relevantes no mundo das ideias dos últimos 300 anos. Inicia com Rousseau, depois Shelley, Marx, Ibsen, Tolstoi, Hemingway, Brecht, Russell, Sartre, Edmundo Wilson, e os menos conhecidos Victor Gollancz, Lillian Hellman, e diversos outros escritores citados no último capítulo, como James Baldwin.
Pode-se descrever o método de Johnson como uma investigação através da mente do escritor, suas relações familiares, afetivas e sexuais como determinantes de sua obra relativamente ao momento histórico de sua vida, característico do método psicanalítico. Através do entendimento da infância, das relações com os pais e da formação escolar na adolescência, Johnson obtém os determinantes da personalidade que definiram o escritor e sua época. Sua descoberta mais impressionante está na similaridade do temperamento entre Rousseau, Shelley, Marx, Tolstoi e outros. Em todos eles, os traços comuns identificam o mesmo tipo de consciência atormentada.
Mas sua investigação não se reduz a isso. Johnson também analisa a veracidade dos dados propostos pelo escritor em sua obra, com documentos e estatísticas de seu tempo, revelando a verdadeira natureza das propostas e objetivos perseguidos pelo autor em sua vida. Obra e vida são, portanto, duas coisas separadas e antinômicas, uma dialógica, como dizem os críticos literários. Perseguindo este princípio dialógico, Johnson acabou nos revelando as contradições, o sentimento de culpa, o comportamento anti-social e inescrupuloso desses autores com relação à imagem que produziam de si mesmos. Assim, Marx, Ibsen, Tolstoi e James Baldwin não pagavam as dívidas que contraíam dos amigos, e não se importavam com isso, achando que seu gênio era o suficiente para que os outros lhes reverenciassem com a sua ‘ajuda’.
Mas ainda faltou alguma coisa no julgamento de Johnson: a ausência de compreensão do espírito artístico e das inconsistências e contradições da mente do artista com relação a sua própria obra. Se Johnson não tivesse se limitado a autores clássicos, e tivesse tentado penetrar nas incoerências de poetas e pintores da avangarde, veria que a obra de arte está irremediavelmente comprometida com problemas mentais que vão da esquizofrenia à paranóia, da irridência à violência intelectual, da presunção à delinquência, da dissidência ao ostracismo. Essa compreensão o faria aceitar com condescendência o caráter atormentado e abusivo do artista, seu radicalismo estéril e seu egoísmo incontrolável, e não como aberrações limitantes e moralmente condenáveis do caráter. Ao não entender que a contradição é a alma do artista, sua vontade um imperativo de criatividade, e a obra uma condição do próprio artista, Johnson se coloca em um campo de distanciamento que acaba por separar o artista de sua obra. Assim, nas descrições e diálogos da psicologia da personagem, ele percebe detalhes extraordinariamente belos, mas não vê que o tumulto interior do artista age como a argila que dará forma àquela beleza. E termina condenando as incoerências das posições políticas e existenciais. Vejamos alguns casos de Johnson para voltar a esta discussão no final deste ensaio.

Rousseau (1712-1778)

Johnson faz uma dissecação do caráter e das posições de Rousseau. A inquietação de Rousseau levava-o a desconfiar do progresso gradual do Iluminismo: em vez disso, queria uma solução mais radical (p. 3).
“Como parte de sua técnica de garantir publicidade, atenção e favores, ele fazia de uma virtude positiva um dos mais repelentes vícios: a ingratidão... Enquanto professava a espontaneidade, ele era de fato um calculista; e como propagandeasse que era o mais moral dos seres humanos, seguia-se que os outros eram logicamente até mais calculistas, e por piores motivos que ele. Daí que em qualquer relação com os outros ele achava que sempre queriam tirar vantagens, e seu comportamento de homem superior era o de simplesmente superá-los. Ele só queria ganhar dos outros. Por causa de sua natureza ímpar, quem o ajudasse estava de fato fazendo um favor a si mesmo (p. 12)”
O egoísmo não tinha limites na personalidade de Rousseau, a ponto de achar que um homem de sua inteligência não poderia criar filhos. Deixando-os em um Orfanato, Rousseau se identificava com a República de Platão, onde as crianças seriam mais virtuosas se educadas e criadas pelo Estado, uma concepção fascista dos tempos antigos, totalmente repelida pela cristandade. Mas esta crueldade foi a raiz do seu totalitarismo incipiente, revelado através de sua posição a favor da educação pública.
Rousseau estando intimamente relacionado com o início do Romantismo, achava que a natureza tinha precedência na vida humana, criando aforismos que marcaram profundamente as próximas gerações, tais como ‘os frutos da terra pertencem a todos nós, e a terra mesma a ninguém’. ‘O homem nasceu livre e em toda a parte encontra-se acorrentado’.
“Rousseau queria substituir a sociedade existente por algo totalmente diferente e essencialmente igualitário; mas, feito isso, a desordem revolucionária não deveria ser permitida. Os ricos e privilegiados, com a força da ordem, seriam substituídos pelo Estado, corporificando a Vontade Geral, ao qual todos deveriam obedecer. Esta obediência tornar-se-ia instintiva e voluntária, uma vez que o Estado, por um processo sistemático de engenharia cultural, deveria inculcar a virtude em todos. O Estado era o pai, a pátria e todos seus cidadãos eram crianças do orfanato paternal (p. 24) ”.
A Vontade Geral em Rousseau era uma premonição antecipada do leninismo e sua teoria do centralismo democrático.
“Leis elaboradas pela Vontade Geral devem, por definição, ter uma autoridade moral. ‘As pessoas que fazem leis para si mesmas não podem ser injustas’. ‘A Vontade Geral está sempre correta’. Considerando que o Estado é ‘bem-intencionado’, a interpretação da Vontade Geral pode ser seguramente deixada a seus líderes uma vez que eles sabem bem que a Vontade Geral sempre favorece a decisão mais apropriada ao interesse público (p. 24) ”.
Johnson percebeu que as ideias germinativas da Vontade Geral em Rousseau seriam mais tarde substituídas pela Ditadura do Proletariado, ou por neologismos criados pelos movimentos revolucionários, e conclui:
“o Estado de Rousseau não é só autoritário: ele é também totalitário, uma vez que ele ordena todos os aspectos da atividade humana, incluindo o pensamento. Sob o Contrato Social, o indivíduo deveria alienar-se com todos os seus direitos, ao conjunto da comunidade (p. 25)”.
Esta doutrina antecipou Mussolini em 150 anos:“Tudo com o Estado, nada fora do Estado, nenhuma coisa contra o Estado”.
Em essência, a submissão do indivíduo ao Estado seria feita pela educação. O indivíduo seria a criança e o Estado o pai.
A aceitação das ideias de Rousseau provinha do fato de que ele se propagandeasse o homem mais virtuoso do seu século. Ele não seria importante se sua fama não caísse como uma luva no acontecimento histórico mais importante após a sua morte: a Revolução Francesa, que em busca de inspiração, tornou Rousseau seu herói e guia: o patrono do radicalismo do Estado de Terror.
Mas o que Johnson nos mostra através da pesquisa com diversos escritores que estudaram a vida e a personalidade de Rousseau? Diderot, seu contemporâneo e com quem conviveu durante muito tempo, considerou-o um “patife, vão como Satã, ingrato, cruel, hipócrita e cheio de malícia”. Para Voltaire, outro contemporâneo, Rousseau era “um monstro de vaidade e vileza”.

Shelley (1792 – 1822)

Foi um dos poetas que renovaram a língua inglesa no século XIX, juntamente com Byron e Keats. Shelley era um porra-louca consumado. Como Rousseau, ele estabeleceu que o propósito da virtude deveria ser compatível com a natureza.
“Seu ensaio A Defence of Poetry tornou-se a declaração mais influente da missão social da literatura desde a antiguidade (p. 28)”.
Enquanto aluno de Oxford, sua personalidade provocativa e irrequieta levou-o a escrever um panfleto em defesa do ateísmo. Para a Inglaterra vitoriana, isso foi um escândalo abominável. Não contente com suas ideias, Shelley enviou o panfleto a nada menos que as próprias autoridades universitárias, o que lhe causou a expulsão da escola e uma terrível discussão com o pai e a família. Para evitar o colapso da proteção paterna (Shelley era filho de uma família abastada), tentou conseguir o apoio de sua mãe e depois de sua irmã, mas foi rejeitado pelo seu radicalismo. Um amigo seu chamado Hunt, a quem Paul Johnson considerava desonesto, tentou persuadir o poeta que os homens de ideias avançadas como eles não tinham a necessidade moral de pagar suas dívidas: o trabalho em prol da humanidade era suficiente em si mesmo (p. 46).
Este caráter saqueador haveria de fazer sucesso no Brasil em todos os tempos, mas se tornou especialmente notável na ideologia do revolucionário, cujo espírito o predispõe a justificar erros pessoais em favor de uma grande causa. Fator determinante dos tempos modernos, essa predisposição acentuada e constante constitui uma psicopatia revolucionária. De fato, a principal característica do indivíduo que constrói em seu imaginário uma grande causa que se propõe redentora da humanidade, independentemente do nome que venha a assumir, reflete-se no relaxamento moral para com as pequenas coisas do cotidiano e nas relações pessoais mais próximas. Tudo se passa como se uma grande causa em abstrato, justificasse pequenas trapaças em concreto.
Shelley tinha esse caráter irascível de querer transformar toda a sociedade e, para isso, acabar até mesmo com a religião. Este inconformismo exasperado, entretanto, não o levou a pregar a violência. Ao contrário, durante muito tempo Shelley se mostrou simpático a ideias de não violência, uma vez que seu temperamento não era voltado para a ação. Ele não tinha o caráter revolucionário de Byron – se restringia à agitação intelectual. Teve um fim trágico na Itália. Morreu pouco antes de completar 30 anos, quando seu barco afundou próximo ao litoral de La Spezia.

Karl Marx (1818 – 1883)

Considero o principal ensaio de Johnson sobre a relação do intelectual com a personalidade abusiva. A vida pessoal de Marx foi completamente contraditória com suas postulações intelectuais. Seu ódio ao capitalismo e aos judeus tem início no seu período estudantil, quando contraiu empréstimos com juros altos, e se prolonga por toda a vida. Em Marx, a predisposição para o ódio estava intimamente relacionada com o desejo de poder. Mais que um iconoclasta, Marx queria revirar a sociedade e não mediu esforços durante toda a sua vida para a consecução deste ideal.
A primeira coisa chocante em Marx é sua desonestidade intelectual. Marx queria criar uma filosofia que fosse científica – expressão que começou a ser usada no século XIX para os fenômenos da natureza, e que Marx incorporou fraudulentamente.
“Ele e seu trabalho não eram científicos. Ele sentiu que tinha descoberto uma explicação científica para o comportamento humano na história, semelhante ao de Darwin na teoria da evolução. A noção de que o marxismo é uma ciência, de uma forma que nenhuma outra filosofia jamais poderia ser, foi implantada como uma doutrina pública nos estados que seus seguidores fundaram de tal forma que ela colore os ensinamentos de todos os assuntos em suas escolas e universidades (p. 61)”.
Mas por mais que seus seguidores chamassem suas doutrinas de científicas, elas não passavam de uma escabrosa coleção de dados destinados a ocultar a verdade. Começando com a situação da classe operária na Inglaterra. Em um ensaio assinado por Engels, Marx se associa na descrição da vida dos operários nas fábricas em 1858, com dados de 1818 (portanto 40 anos depois), e ainda anteriores a uma lei de 1823, que criava inspeções governamentais e exigia condições sanitárias adequadas no ambiente de trabalho. Sua descrição da exploração impiedosa da classe operária não era encontrada no ambiente industrial, mas em alguns setores ainda atrasados da economia, como em padarias, olarias e confecções familiares e estabelecimentos do interior.
Uma das coisas decepcionantes em Marx foi a descoberta de que ele nunca entrou em uma indústria, nunca esteve envolvido com o ambiente de trabalho e sequer se arriscou a entrar em uma mina de carvão. E trabalhando com dados estatísticos, sua atitude era completamente anti-científica para um arauto do socialismo científico. Ele simplesmente ignorava os dados que contradissessem sua teoria já formada: a de que a expansão do capitalismo seria o seu próprio fim. Marx via no aumento e concentração do capital a causa de mais pobreza que, por sua vez, levaria à revolução que iria acabar com o capitalismo. A história mostrou que ocorreu exatamente o contrário, mas não depois da morte de Marx, porém durante seu próprio tempo. Em 1860, sob o capitalismo, os operários já tinham condições de vida bem melhores do que meio século antes.
Engels havia tentado provar que as condições de vida no século XVIII eram melhores do que na revolução industrial no século XIX, quando de fato eram piores. E a revolução industrial, ao dar emprego a milhares de camponeses expulsos da terra, foi uma tábua de salvação para eles.
Autoritário, Marx desprezava as conquistas graduais dos trabalhadores, e frequentemente insultava líderes operários que mostravam as melhorias obtidas por suas reivindicações e movimentos grevistas. Foi o caso de sua discussão com Lassalle, um líder judeu importante na social-democracia alemã de seu tempo. Da mesma forma com Proudhon, a quem acusou no ‘Miséria da Filosofia’ de infantilismo e de grosseira ignorância para com a economia. Um líder alemão, que havia se transladado para os EUA, chamado Hermann Kriege, e de lá havia proposto uma reforma agrária com a distribuição de 160 acres para cada agricultor acendeu a chama da ira de Marx, que desconhecendo totalmente a situação nos EUA, denunciou que eles podiam ser recrutados na base da promessa de terra, mas uma vez que a sociedade comunista se estabelecesse, a terra seria explorada coletivamente.
Sua visão messiânica do proletariado como o redentor da humanidade, sua presunção de ter descoberto as leis da história, o destino da humanidade, fizeram-no progredir cada vez mais em seus erros. Descartando tudo o que não se adequava aos seus propósitos, ele chegou a misturar messianismo com política. Um de seus críticos, o filósofo Karl Jasper, observou:
“O estilo dos textos de Marx não é a de um investigador... ele não cita exemplos ou fatos que possam ir contra a sua teoria, mas somente aqueles que claramente suportam ou confirmam aquilo que ele considera a verdade derradeira. A abordagem geral é a de justificação, não de investigação, porém é a justificação de alguma coisa proclamada como a verdade perfeita com a convicção não de um cientista, mas de um crente (p. 62)”.
“Marx é o caso do teórico cujas motivações não são o amor pela verdade, a busca do conhecimento per se. Ao contrário, seu trabalho é consequência de sua personalidade: seu apreço pela violência, seu apetite pelo poder, sua inabilidade em lidar com o dinheiro (p. 69)”.
Seu estilo de vida boêmio, indiferente aos outros, vivendo de empréstimos nunca quitados, levou-o a uma vida familiar repleta de dissabores. Sua própria mãe chegou a recusar-se a pagar suas dívidas, reduzindo suas relações ao mínimo.
“É atribuída a ela a observação amarga de que ‘Karl deveria se preocupar mais em acumular capital em vez de apenas escrever sobre ele’ (p. 74)“.
Johnson, por fim, desmascara a maior parte dos aforismos que tornaram Marx famoso: ‘os trabalhadores não têm um país’; ‘os proletários não têm nada a perder senão seus grilhões’ (Marat); ‘a religião é o ópio do povo’ (Heine); ‘a cada um conforme suas habilidades, a todos conforme suas necessidades’ (Louis Blanc); ‘trabalhadores de todos os países, uni-vos’ (Karl Schapper); e por fim a ‘ditadura do proletariado’ (Blanqui). Mas Marx foi capaz de produzir seus próprios aforismos como: “a ideia dominante de uma época é a ideia de sua classe dominante (p. 56)”.
Porém, a sentença de Johnson sobre Marx é impiedosa: Marx falhou porque foi anti-científico. Não podendo admitir a melhoria constante como uma natureza intrínseca do capitalismo, e tendo que se condicionar à visão messiânica de seu fim, ele terminou se revelando um intelectual fraudulento.
“Se Marx, então, embora em aparência um scholar, não foi motivado pelo amor da verdade, qual teria sido sua força energizante na vida? Para descobrir isso, temos que examinar mais detidamente seu caráter. É um fato, e em alguns casos um fato melancólico, que a produção massiva do intelecto não surge dos trabalhos abstratos do cérebro e da imaginação; eles estão profundamente enraizados na personalidade. Marx é um exemplo espetacular deste princípio. Já considerei a apresentação de sua filosofia como uma amálgama de sua visão poética, sua habilidade jornalística e seu academicismo. Mas também pode ser mostrado que seu conteúdo real pode estar relacionado com quatro aspectos de seu caráter: seu gosto pela violência, seu apetite pelo poder, sua inabilidade de lidar com dinheiro e, sobretudo, sua tendência em explorar os que estivessem à sua volta (p. 70)”.
Sua ficha como homem violento foi descrita pelos estudos do jovem Marx, seu envolvimento em brigas, duelos, discussões violentas, agressões na universidade e até detenção pela polícia por porte ilegal de arma. Sua propensão para discutir e se intrigar com os outros era notória. Ele não se continha em criticar os que lhe estavam próximos até que não os tivesse dominado totalmente. O irmão de Bruno Bauer chegou a escrever um poema sobre sua personalidade: “O amigo moreno de Trier em fúria atroz / Seu punho maldito fechado, enquanto ruge interminavelmente, / Como se dez mil demônios lhe suspendessem no ar (p. 70)”.
Marx tinha a pele pálida, era baixo e robusto e usava roupas escuras e desbotadas que lhe davam um aspecto de sujo. Johnson garante que, de acordo com descrições de contemporâneos, Marx raramente tomava banho. Johnson chega ao ponto de considerar que a violência em Marx era tal, que parte de seus livros teria sido escrita em estado de fúria. E que, se tivesse tomado o poder em algum lugar, certamente teria sido um ditador cruel e implacável. Bakunin, que foi amigo por um tempo e depois terrivelmente criticado por Marx, deu sua sentença patética: “Marx não acredita em Deus, mas acredita em si mesmo e faz com que todos o sirvam. Seu coração não está cheio de amor, mas de amargura e sente muito pouca simpatia pela raça humana (p. 73)”.
Curiosamente, as relações de Marx não eram a de quem tivesse compaixão para com seus semelhantes. Uma das empregadas da família, uma camponesa chamada Helen Demuth, foi criada de sua mulher escocesa para cuidar das crianças (apenas 2 filhas sobreviveram), e amante de Marx. Em 1951, ela teve um filho de Marx que, concebido às escondidas, foi criado por outra família. Nunca se soube até que ponto Jenny (sua mulher) soube disso. Mas o fato é que Marx permitiu que o filho visitasse a mãe uma vez por semana, entrando pela porta dos fundos. Marx nunca teve relações com esse filho, e mesmo se recusou a reconhecer a paternidade. Seu nome era Freddy, e sua mãe chamada Lenchen pela família, trabalhou toda a sua vida na casa dos Marx, sem nunca ter recebido um vintém.

Ibsen (1828 – 1906)

Ibsen foi uma extraordinária personalidade que enriqueceu o teatro do século XIX e que combinava um medo profundo e uma correspondente covardia com explosões de cólera. Johnson faz um estudo de sua personalidade como poeta e dramaturgo, que obcecado pela própria vaidade, sequioso de poder e dominação sobre os outros se tornava muitas vezes ridículo ao se apresentar vestido de medalhas que colecionava, em uma Noruega provinciana para os padrões escandinavos. Ibsen tinha um cuidado maníaco com o vestir e o apresentar-se. Sua maior paixão era sentir-se superior aos outros e ser cortejado pelo mundo social. O mais importante de sua obra é a luta pela liberação da mulher, que causou sensação com a peça ‘A Casa das Bonecas’, representada até hoje. Johnson acha que o ponto central em Ibsen é o homem seguir sua própria consciência, mesmo quando ela entra em choque com as convenções sociais.
Ibsen teve uma vida juvenil boêmia. No auge da fama, resolveu afastar-se dos homens e manter-se em uma ortodoxia ao ponto de se tornar uma caricatura. Mas o paradoxal é que por trás das ideias de libertação das cadeias que prendiam os seres humanos aos preconceitos, Ibsen sustentava um total desprezo pela democracia parlamentar, pelo governo da maioria, alegando que somente as minorias deveriam governar, pois a inteligência era reservada a poucos. Contraditório ao extremo, odiava os conservadores de seu país, mas invejava o governo despótico da Rússia. Aconselhava as pessoas a nunca falar de si mesmas para os outros e a guardar seus segredos só para si.

Tolstoi

Leon Tolstoi (1828 – 1910)

Tolstoi é um caso típico da alienação do gênio e da irascibilidade como criação artística. Johnson considera Tolstoi o mais ambicioso dos intelectuais que ele examinou. Servindo no exército, ainda jovem, Tolstoi escreveu:
“devo me acostumar com a ideia de que sou uma exceção, de que tanto estou à frente da minha época ou que eu sou uma dessas naturezas inadaptáveis, incongruentes, que nunca ficará contente (p. 110)”.
A força interior de Tolstoi provinha do fato de já ter nascido um escritor. Desde sua adolescência, a observação das pessoas e da natureza lhe predizia que sua missão seria a literatura. Mas ele entrava em conflito com seu próprio talento. Em pouco tempo suas preocupações lhe dispersavam do foco principal, acabando por descaracterizar toda a sua vida. Compulsivo, perdia somas incríveis de dinheiro no jogo, pois sua obsessão fatal era a roleta. Mesmo provindo de uma família de proprietários de terra, com centenas de camponeses vivendo na servidão, sua impulsividade com as próprias ideias não o permitia pensar nas consequências dos seus atos.
Sua vida pode ser cronometrada em uma fase mais criativa, e uma senilidade prolongada e de criações secundárias, algumas beirando o ridículo. Na fase literária mais importante, na década de 1860, Tolstoi escreveu ‘Guerra e Paz’ e, na década seguinte, ‘Ana Karenina’. Nos trinta anos seguintes de sua longa vida ele fez uma grande quantidade de coisas às quais atribuía prioridade moral mais importante. Para os aristocratas de todos os tempos, o ato de escrever é algo destinado aos seus inferiores.
Tal como Byron, que nunca considerou a poesia sua tarefa mais importante, Tolstoi trocou a literatura pela profecia, e se dedicou a causas tão extravagantes como criar uma nova religião e resolver o problema social da Rússia pela educação dos camponeses. No primeiro caso, chegou a atribuir-se o papel de um novo Messias. No segundo caso, chegou a fundar 70 escolas para camponeses no qual ele próprio assumiu o papel de pedagogo e educador. Conforme o seu entusiasmo por uma atividade ocupava toda a sua mente, o desprezo pelo que tinha feito lhe parecia uma coisa natural. A um poeta amigo chegou a dizer – em uma dessas fases – que escrever histórias era uma coisa ‘estúpida e vergonhosa (p. 114)’.
Johnson considera Tolstoi um caso típico da prática do auto-engano. Querendo fazer o que não estava moralmente qualificado, ele conduziu sua família para um “deserto de confusões (p. 114)”. Tinha um padrão de personalidade que Johnson descobriu como constitutivo dos intelectuais: apego pelo bem geral da humanidade e desprezo pelos indivíduos que lhe estão próximos. Do ponto de vista sexual, sua vida foi de uma devassidão alarmante. Somente um sentimento de culpa muito forte podia fazer alguém ser devasso e profeta ao mesmo tempo, um tema que depois seria explorado por André Gide.
Johnson descreve em detalhes as pessoas com quem Tolstoi se relacionava sexualmente, pois ele guardava suas confidências em um livro de anotações. Aos 34 anos casou-se com Sonya Behrs, que tinha apenas 18 anos. Tolstoi não acreditava no casamento, apesar de acreditar na família, e no último minuto, antes da cerimônia de suas núpcias, pegou sua noiva Sonya e saiu em lua-de-mel sem ir à cerimônia. Segundo Johnson, eles tiveram um dos piores (e mais bem registrados) casamentos da história.
"É uma das características dos intelectuais acreditar que segredos, especialmente os sexuais, são danosos. Tudo deve ser ‘aberto’. A tampa deve ser descoberta em cada uma das caixas de Pandora. Marido e mulher devem revelar tudo um ao outro... Tolstoi iniciou pedindo que sua esposa lesse seus diários, que tinham anotações de quinze anos passados. Ela ficou pálida ao descobrir que ele continha detalhes de toda a sua vida sexual, incluindo visitas a bordeis e cópulas com prostitutas, ciganas, mulheres nativas, suas próprias servas, e até mesmo amigas de sua mãe (p. 119)”.
Com esse comportamento, Johnson considera Tolstoi um monstro sexual. Sonya ficou 12 vezes grávida durante 22 anos. A maior parte dos filhos morreu nos primeiros meses de vida. Mas o pior de tudo é que ele tinha considerações variáveis sobre a sexualidade. Em certo momento, ele assumia posições extremamente conservadoras sobre as mulheres, contrariando as manifestações europeias de sua época sobre a emancipação feminina. Achava que as mulheres deveriam ser impedidas de ter uma profissão. Depois achava
“impossível querer que uma mulher avaliasse os sentimentos de seu amor exclusivo na base de um sentimento moral. Ela não faz isso, porque ela não possui um sentimento moral real, isto é, aquele que se coloca acima de tudo (p. 117)”.
Entretanto, em outras passagens, justificava a prostituição como uma profissão natural de uns poucos ‘chamados honráveis’ para as mulheres:
“Devemos permitir o intercurso sexual promíscuo, como muitos ‘liberais’ sugerem? Impossível! Seria a ruína da vida familiar. Para resolver o problema, a lei do desenvolvimento criou uma ‘ponte de ouro’ na forma da prostituta. Pense apenas em Londres sem suas 70.000 prostitutas! O que seria da decência e moralidade, como a vida familiar sobreviveria sem elas? Quantas meninas e mulheres permaneceriam castas? Não, eu acredito que a prostituição é necessária para a manutenção da família (p. 118)”.
Mas, à medida que avançamos no livro Intellectuals, vamos descobrindo que por trás da escolha do método existe um Johnson que viu em Tolstoi alguém que contrariava seus próprios objetivos de vida. Enquanto Johnson se tornou um escritor de grande sucesso, pela linha conservadora de seus temas cuidadosamente selecionados para lhe garantir prestígio, e com isso adquirir proventos financeiros muito superiores para os padrões de um simples jornalista, ele encontrou em Tolstoi, o aristocrata arrependido de seu próprio talento, alguém que na sua loucura associou o ato de escrever ao dinheiro (suas novelas haviam lhe recuperado financeiramente do passado de jogatina dissipativa e da venda de suas terras) que desprezava e ao casamento que detestava. Tolstoi detestava dinheiro. Na sua velhice, desempenhava o papel de conselheiro e guia espiritual. Johnson acha que a dificuldade em lidar com dinheiro tem alguma origem no caráter contraditório e destrambelhado dos Intellectuals.
Ora, Tolstoi era um russo profundamente enraizado de misticismo, aliás, uma herança acentuada desde sempre no caráter russo. Devido a esta tradição da cultura russa, sua fama fez com que centenas de pessoas peregrinassem até a sua casa – chamada Yasnaya Polyana – na região de Tula, a 14 km da cidade, para pedir conselhos. Alguns queriam uma benção, outros milagres para suas doenças. Convencido de sua missão redentora, Tolstoi os atendia, pregava o amor e a não violência, fazendo dele uma espécie de profeta da Rússia, na virada do século. Com suas longas barbas brancas, era visto como uma esperança de libertação para os milhões de camponeses ainda em estado de servidão. Nessa fase de sua vida, Tolstoi em vez de assumir o papel de escritor e orientador, encarnou a figura de seu amado povo camponês russo. Vestiu-se e viveu como um camponês: bombeava água para a casa, cortava lenha para a cozinha, limpava os quartos com as crianças, e fazia até sapatos para elas e botas para si mesmo. Mas não sendo um homem de persistência, tempos depois abandonava tudo. Sonya reclamava de seu caráter intempestivo, descuidado, que depois de algum tempo deixava as coisas em estado pior do que antes, como ocorreu com os cavalos que comprara, que morriam por maus tratos ou se esmilinguiam pelo esforço excessivo.
Um de seus trabalhos da última fase – quando seu talento literário tinha sido carcomido pelas preocupações messiânicas – foi uma crítica que escreveu sobre a obra de Shakespeare, acusando-o de mau escritor. Muitos anos depois, em 1947, George Orwell respondeu com outro artigo, (http://en.wikipedia.org/wiki/Lear,_Tolstoy_and_the_Fool) em que contesta Tolstoi com uma lição imperdível. Para Orwell, é insuficiente dizer se um escritor é bom ou mau conforme nossos gostos, ou o gosto de uma quantidade expressiva de pessoas. O que torna um escritor “grande” é a persistência de sua obra. E se Shakespeare sobreviveu durante 3 séculos e meio como um grande dramaturgo e poeta, isto por si só já garante a qualidade de sua obra. E com esse mesmo argumento arremete contra Tolstoi dizendo que obras como Anna Karenina e Guerra e Paz certamente merecerão o mesmo destino das obras de Shakespeare, mas não o artigo em que fala injustamente contra o bardo inglês. Para ele, a humanidade haveria de esquecer Tolstoi em sua tolice. E tal veredicto realmente aconteceu. Tolstoi permaneceu com suas obras mestres e desapareceu com suas tolices. Esse tem sido o destino de muitas obras de escritores que primam pela inconstância e pelas inquietações perturbadoras.

Hemingway (1899-1961), Brecht (1898-1956), Russell (1872-1970), Sartre (1905-1980) e outros, incluindo o próprio Johnson

A importância dos escritores para Johnson é seu papel como intelectual, isto é, como alguém que influenciou as gerações na adoção de novos estilos de vida, de novos valores sociais e de contestação à tradição judaico-cristã do Ocidente. Sendo um conservador convertido, Johnson achava que esses escritores tiveram uma vida repleta de auto-engano e infelicidade, o que é altamente contestável. O fato de Sartre e Russell não aceitarem o papel da monogamia não os tornaram mais infelizes: ao contrário, todos sempre aproveitaram ao máximo o fato de seus talentos serem recompensados por um grande interesse sexual por parte das “seguidoras”.
Como conservador, Johnson contestou o viés esquerdista da dupla Russell e Sartre na criação do Tribunal de Crimes de Guerra, que visava enquadrar a política norte-americana no Vietnã como genocídio. Mas quem viveu aquela época, e o rescaldo posterior à retirada norte-americana do sudeste asiático, sabe muito bem que a sociedade americana se penitenciou por ter se envolvido com aquela guerra. O “mea culpa” foi bradado por figura não menos importante como Robert MacNamara, o então secretário de estado dos presidentes Kennedy e Johnson.
Em Hemingway, temos o alcoólatra clássico e cheio de talento, que lentamente descende no inferno da perda e da depressão. Para Johnson, ele é a prova de que a decadência humana só pode ser superada por algo que não está na arte. E qual seria esse “algo”? Johnson não deixa claro, mas entendemos que se trata dos valores morais tradicionais. Mas se tais valores fossem compartilhados pelos artistas, nenhuma arte teria sido produzida. Eis aí a questão, o divisor d’água de sempre. A arte é em essência uma produção exponenciada pelo conflito humano, pelos tormentos morais, pelas culpas e inquietações. Por isso, um escritor não pode ser avaliado por sua vida, porém apenas por sua obra. E para os desgraçados, infelizes e malditos, sua obra não é mais do que um pedido de perdão.
Na análise de Brecht, Johnson afirma que “ele nunca retribuiu a afeição de sua mãe (p. 174)”. Mas isso pode ter sido colocado para criar a atmosfera moral para a disjunção entre o indivíduo e sua obra. Em Russell, vemos o mesmo tratamento:
“certamente Russell não foi um homem que tenha adquirido a experiência significativa da vida que a maioria das pessoas levava ou que tenha tido interesse nas opiniões e sentimentos da multidão (p. 198)”.
Este tipo de argumento tem sido recorrente. Como explicado antes, Johnson distingue no intelectual a característica de pouco apreço pelas pessoas simples que lhe cercam e um grande apego pelo povo na forma abstrata. Mas a essência do intelectual é o fato de que ele transcende as preocupações do homem comum em seu cotidiano. E cotidiano por cotidiano, o intelectual também tem o seu, que sendo altamente desinteressante e enfadonho, ele se reserva o direito de não ter que amplificá-lo com o cotidiano dos outros, que lhe parece banalidades gerais.
No caso da mulher de Russel, vemos uma determinação temerária:
“Assim, Lady Constance foi descartada e Dora forçada naquilo que ela chamou de ‘vergonha e desgraça do casamento (p. 215)’”.
Para Johnson, as mulheres de grandes escritores são sempre descartadas, ou seja, o interesse sexual é difamatório e não revelado. Com isso, termina em conclusões chocantes: “a década de 60 foi uma década infantil e Russell um dos espíritos representativos dela (p. 221)”. Infantil pelo Maio de 68, por Woodstock, pelo rock-and-roll ou pela bossa-nova?! Ora, uma sociedade liberal, ao viver um clima de rebelião nos campus universitários contra a guerra, especialmente por jovens nos EUA que não queriam ser recrutados, e por estudantes na França que queriam protestar contra o “maldito” capitalismo e se insurgiram contra o Poder e em nome da imaginação, por mais que isso possa ter retrospectivamente um ar de infantilismo, não pode ser reduzido a isso. Faltou a Johnson o entendimento do “espírito da época”, tão bem dissecado pelo sociólogo norte-americano Daniel Bell.
Em Sartre, vemos o caso de um intelectual sensacionalista que criou em torno de si um mito do filósofo pensante e ativista. Johnson garimpou nas mentiras de Sartre a revelação de sua personalidade, quando afirmava que lia 300 livros por ano, logo depois de deixar a universidade. Tendo um olho meio torto e dificuldades visuais, certamente seria o caso de ler quase um livro por dia, uma impossibilidade prática em qualquer circunstância.
Sentado no Café Flore, no inverno de 42-43, Sartre escrevia diariamente seu ‘O Ser e o Nada’ (L´Être e Le Neánt). Sobre as 722 páginas do livro, Johnson pateticamente prefere citar um comentário de Simone de Beauvoir, que fala de uma passagem em que Sartre cita os “buracos em geral, e outros que enfoca o ânus e o estilo de fazer amor à italiana (p. 231)”. Para mostrar que Sartre era um tipo autoritário e perverso, Johnson fala que Simone de Beauvoir tornou-se uma escrava dele desde o momento em que o conheceu até o dia de sua morte: “nos anais da literatura existem poucos casos piores de um homem explorar uma mulher (p. 235)”, um exagero que beira a carolice, ou quem sabe, a sandice.
Finalmente, Johnson consegue falar das falácias reais de Sartre, comprovando que seu método é a conjugação do puritanismo sexual com a difamação caluniosa da vida anti-familiar. É o caso da ambiguidade de Sartre com relação à União Soviética.
Johnson não consegue entender o caráter oportunista do mundo latino, onde incontáveis intelectuais fizeram fama na sombra dos respectivos Partidos Comunistas (no Brasil, temos Jorge Amado e outros tantos), como forma de dispor de um interminável exército de resenhadores de livros à disposição de seus prestigiados talentos e de uma idiotia intelectual que servia de base de apoio e admiradores. Na psicologia do oportunismo vigente ad eternum, tudo se passa no entendimento de que uma sociedade liberal tem que necessariamente ser tolerante com seus dissidentes, enquanto uma sociedade totalitária, a recíproca não é verdadeira. Como o aparelho midiático está nas mãos ou de tolerantes ou de saqueadores, então é melhor estar do lado dos saqueadores em acordo sobre o futuro incerto, mas proclamado como inexorável, do que dos tolerantes certos sobre um futuro duvidoso. Para a mentalidade das igrejinhas, o que importa é a posição do intelectual no âmbito da generalidade e não da particularidade, onde entra seu eu individual. Por isso, Sartre é a consumação da esperteza, o que não significa que não tivesse talento, apenas que seu talento não lhe renderia tanto quanto sua postura “moral” em favor de causas altamente demagógicas, como a de posar na rua distribuindo exemplares do jornaleco maoísta La Cause du People, não por concordar com seus termos, mas como a da eterna luta em favor da “ideia da liberdade de expressão”. Sartre foi um talento literário comprovado e um filósofo de poucas ideias e muito barulho.
Johnson chega ao ponto de revelar sua predisposição ao escrever o livro: falar sobre a degradação moral de espíritos que impingiram o hedonismo na busca de mudar a sociedade, que criaram a permissividade de nosso tempo, uma deterioração moral provocada pela militância cultural de homens como Connolly, Mailer, Tynan. Neste grupo estava Fassbinder, o cineasta alemão viciado em drogas e promíscuo (p. 330). James Baldwin – o famoso escritor negro norte-americano da segunda metade do século passado –, também entrou no clima da permissividade e do ódio aprovado dos anos 50. “Quanto mais ódio ele gerava, mais subserviência recebia. Os ecos de Rousseau eram incríveis (p. 336)”.
Baldwin associou-se aos intelectuais para os quais a violência era um ato legítimo daqueles que podiam ser definidos por sua raça, classe ou pobreza, como as vítimas da iniquidade social. O tema da violência justificada é uma das melhores análises de Johnson sobre o perfil dos intelectuais, incluindo aí Marx, Sartre e Rousseau. Vale para o espírito acadêmico que ronda as universidades e propala as cotas raciais.
Por fim, a obsessão de Johnson por detalhes da vida sexual dos intelectuais surpreende o leitor. Seria um comportamento inerente ao jornalismo sensacionalista inglês? O fato é que ao descrever a controvérsia do debate entre a escritora pró-soviética Lilian Hellman e Tallulah Bankhead, uma artista de teatro que era sua inimiga por razões de ciúmes sexuais, Hellman cita em sua autobiografia Pentimento que Bankehead insistia em mostrar aos visitantes o “gigantic erect penis (p. 296)” de seu marido.
Sobre Gollancz, um editor inglês marxista sem nenhum interesse maior fora da Grã-Bretanha, teria dito que sofria do sintoma do medo de perder o uso do pênis.
“Como Rouseau, ele era obcecado pelo seu pênis, embora por razões menos aparentes. Ele constantemente pegava no membro para inspecioná-lo, para verificar se mostrava sinais de doenças venéreas ou se estava no seu devido lugar. Em seu escritório, ele efetuava esta operação diversas vezes ao dia, próximo a uma janela congelada que ele acreditava estar totalmente opaca. O elenco no teatro do outro lado da rua pontificou que não era tão opaco assim e que seus hábitos eram perturbadores (p. 276)”.
Com semelhante interesse, ficamos sabendo que Marx raramente tomava banho ou se lavava. “Isto, e mais uma dieta imprópria podem explicar a verdadeira praga das manchas inchadas que lhe atormentaram durante um quarto de século. Elas aumentaram sua irritabilidade natural, e pareciam estar em seu ponto culminante enquanto escrevia ‘O Capital’. ‘Independente do que venha a acontecer’, - escreveu ele a Engels mortificado – ‘espero que a burguesia enquanto existir tenha motivos para se lembrar dos meus carbúnculos’ (p. 73)”.
Falando de Sartre, Johnson revelou que este teria planejado toda a sua carreira durante a ocupação nazista da França, em que Sartre foi deixado em paz e inclusive permitido encenar diversas peças de teatro em Paris. Pensando um pouco mais longamente, é provável que Johnson esteja fazendo uma projeção de si mesmo, quando de sua virada conservadora. Analisando sua bibliografia, encontrei The History of the Holly Land extraviado entre meus livros de língua inglesa. Que coincidência, pensei. Trata-se de uma excelente edição ilustrada, com fotos de lugares históricos e mapas da Terra Santa. Sabendo enfim quem era Johnson, procurei inutilmente alguma referência ao costume de tomar banho de Jesus, ou alguma descoberta especial sobre a vida sexual de Maria Madalena. Nadica de nada. Johnson, como se pode concluir, estava escrevendo para outra plateia, muito bem planejada.
E, ao ler seu perfil na Wikipédia, pude finalmente ter uma ideia de Johnson como uma personagem de seu próprio livro. Para surpresa dos leitores, ficamos sabendo que era casado, teve 4 filhos e uma amante durante onze anos, a escritora Gloria Stewart. Ao se separarem, a amante, que já conhecia as posições de Johnson sobre a família e a moral, reagiu como toda mulher abandonada: revelou seu caso e não esperou o troco. “Paul adorava levar palmadas e isso era uma parte importante do nosso relacionamento. Eu tinha que dizer que ele era um menino malcriado”. Em uma entrevista a Elizabeth Griece do The Telegraph (http://www.telegraph.co.uk/lifestyle/7800902/Paul-Johnson-After-70-you-begin-to-mellow.html), ao ser questionado sobre o fim do seu relacionamento com Gloria Stewart, Johnson saiu-se com essa pérola do infatigável estilo dos intelectuais: “Se você adquire fama é o tipo de coisa que pode acontecer. Você simplesmente esquece, tira da cabeça. É o que Shakespeare chamava de o lado sombrio, abismal e retrógrado do passado (the dark backward and abysm of the past)”. Nenhum dos intelectuais detestados e biografados por Johnson responderia melhor.

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

China: intelectuais novamente pedem liberdade (vao ser reprimidos peloregime)


Q. & A.: Yang Fenggang on the ‘Oxford Consensus’ and Public Trust in China


In late August, two dozen Chinese public intellectuals from four of the country’s main ideological schools — Confucian, New Left, Liberal and Christian — met at Oxford University’s Wycliffe Hall to discuss their country’s problems. Remarkably, for a group of people who in Chinese public life are often at each other’s throats, they came up with what is now being dubbed the “Oxford Consensus” — four theses expressing their hopes for a pluralistic, liberal China.
Yang Fenggang, a professor of sociology and director of Purdue's Center on Religion and Chinese Society.Purdue University/Andrew HancockYang Fenggang, a professor of sociology and director of Purdue’s Center on Religion and Chinese Society.
The statement is mild compared with more controversial documents like Charter 08, the brainchild of the imprisoned Nobel Peace laureate Liu Xiaobo. The consensus simply states the hope that China will remain committed to pluralism, as well as fairness and justice in the political realm. The full text is posted here.
The signatories include some of the country’s most prominent scholars and writers who publish and speak out on social issues, like Cheng Ming, a leading Neo-Confucian; the Christian sociologist He Guanghu; the New Left film critic Lü Xinyu; and the liberal philosopher Xu Youyu. The statement has not been widely reported in China, although a long feature appeared in the influential newspaper Southern People, or Nanfang Renwu, a sign perhaps that the initiative has not completely run afoul of the government’s continuing tightening of public discussion.
One of the participants was Yang Fenggang, a Christian and a pioneer in the study of the sociology of religion in China. Mr. Yang is a professor of sociology at Purdue University and director of its Center on Religion and Chinese Society, one of the most influential institutions studying religion in China, regularly hosting conferences and academic exchanges.
I recently spoke with Mr. Yang about the consensus and its meaning for public debate in China.
Q.
How did this get started?
A.
The founder is a Wenzhou Christian named Wang Wenfeng. He went to a seminary in Singapore, and that’s where he started the forum. The first three were there and were just about Christian theology. The fourth was in South Korea, and the previous one, the fifth, included Neo-Confucians. But this time they pulled in the New Left and Liberal groups, too.
Q.
In the West, this might be unremarkable — a group of intellectuals meet and issue a statement. What’s the significance?
A.
I think it is severalfold. The New Left and the Liberals, those public intellectuals have stopped talking to each other. When they get an invitation, one of the first questions is, Who else have you invited? If the invited people include those from the other camp, they won’t participate. It got to that level of tension. But this time, they willingly sat together for three full days.
Q.
Is this because it’s abroad?
A.
Well, on the surface, Oxford is attractive. No matter which camp you’re in, if it’s Oxford, it’s prestigious. Also the organizer, Wang Wenfeng, is really humble. He never got into disputes with any of them. That persuaded many.
Q.
In China, these political labels have different meanings than in the West. How would you define New Left and Liberal?
A.
It’s hard. The New Left, in my view, is different from the old Left or the Maoists. The New Left made clear that they don’t like to be called leftists. But they like to be called xinzuoyi, the left wing. Many ideas and terms are borrowed from the left in the West. They are critical of capitalism, imperialism, globalization. This is where they draw their theory, rather than the old Marxist, Leninist or Maoist theory. But every conversation they’ll turn to it being the fault of the U.S. Growing inequality, people losing houses — they’ll say it’s because of capitalism from the U.S.
Q.
And the Liberals, which some people call the “right”?
A.
They have classic liberal ideas: free markets, individual rights, constitutionalism. But, interestingly, there are some closer to the left. These people began to say things like: In the Chinese situation, we need a stronger government. Only a stronger government will make things happen.
I’d say there’s a new reshuffling of the camps. I personally came out of the meeting thinking there were only two camps: There are people who advocate a bigger role of the state and those who argue for individual rights. So I think statism and individual rights is a bigger division. So the four camps may not make as much sense. I can think of people from the Liberals who speak for the need of a stronger state. Neo-Confucians, most of them, argue for that, and even Christian scholars like Liu Xiaofeng have become strong advocates for a stronger state.
Q.
So all these people could sit together and talk.
A.
Yes, we managed to come up with this public statement. Even though there’s nothing big in it, that these four camps could form a consensus, that itself is important.
People in China talk about the country being torn apart, that’s how bitter the camps are. But here they can talk about it and start with what we have in common and then see what our differences are. I think this is needed in Chinese society at this point. The four points of consensus take into account the concerns of the Left, the Liberals, the Confucians and scholars of Christianity. Even though the language, everyone had to compromise. Nonetheless, you can see it expressed their views.
We had very interesting debates during the evenings. But there was this trust, and some people said, “It’s O.K., I trust you to formulate the language.” There was this feeling that they had to move forward and agree or else the country could be torn apart.
Q.
The choice is interesting. You have Christians or scholars of Christianity, but no representatives of traditional religions such as Daoism and Buddhism. Is there a lack of scholars in those areas?
A.
The main idea was, Who are the public intellectuals? Those who have a public voice in China. When you think of it, there are almost no Buddhist or Daoist public intellectuals. On Weibo I follow a lot of Buddhist monks, fashi. Almost none talk about public issues or concerns.
Q.
Why do you think that is? Are they co-opted by the government because they get more benefits from the government — for example in temple reconstruction, soft loans and so on?
A.
Certainly I think that’s an issue. They comply more to the government’s viewpoint. But also I think they may not be equipped to be part of this public debate. Active public intellectuals today are not only college-trained but have graduate degrees. But you’ll find few of them in Buddhism and Daoism.
Q.
This gets me thinking there isn’t much interfaith dialogue in China. You almost never see religious groups getting together to meet. It is like the party’s view is, if there’s a problem, tell us, and we’ll solve it, but don’t you guys start talking about it because it might develop into something independent, and we don’t want that.
A.
That’s something that came up in the discussions. There was a feeling that as long as we come up with something, it’s meaningful. We don’t know how the authorities will react, but at least we can show that we can work together. This group of people have the concern that the authorities may simply go their own way without taking any input. When we sat together we were conscious of this.
Q.
It’s interesting that Christians were included. Of course, it started as a Christian theological forum, but the participants from the other groups evidently felt it was appropriate to be talking to Christians and scholars of Christianity. The government sometimes views Christianity as a foreign religion and less favorably than other religions.
A.
A few years ago someone published a book which listed the main groups in China. It included the traditional Left, social democrats, socialism with Chinese characteristics, plus some newer groups — but no Christians. You could ignore Christianity because it had no social impact. But now Christians are part of the discussion. I see this as an introduction of Christian scholars to the public forum.
Q.
But wasn’t there the “cultural Christian” movement a decade ago?
A.
What they did was to introduce Christianity as a cultural phenomenon and a cultural resource, but not to express social or political concerns. It was cultural: theology, history and the arts. But this time it’s about expressing social and political concerns, like rule of law and that power should come from the people, equality, justice.
Q.
A key Christian contribution to this debate is the idea that rights are God-given and not state-given, meaning a state or government can’t take them away as it pleases. Was this brought up?
A.
Yes, definitely. An interesting case is He Guanghu. He signed Charter 08. He was the only scholar who studies religion who was among the initial signers. Since then he has been more public in making his position known. His Christian faith has become publicly known. For many years he tried not to say anything about it, but now he feels confident to be out.
Q.
When we talk about public intellectuals, how do you define that in China? Public space is limited in China, and Westerners often see it just in terms of Weibo. How do these intellectuals participate in public life?
A.
Weibo is one. Those who aren’t on Weibo participate in other ways. They get invitations to give talks, sometimes appear on television, or write articles to newspapers and magazines. And especially they participate in conferences. Interestingly, in China, the media pay attention to conferences. If a conference like this one here were in the West, journalists wouldn’t care about these sorts of things. But in China the media report on them. Conferences become platforms for people to express their concerns, and their voices can be heard.
Q.
What is the next phase? Will you meet again?
A.
They hope to hold another one, perhaps in Brazil, to put China in a global context. I think they hope to invite people from all four camps, but this consensus is thin, delicate. It depends how people react.
This is not like Charter 08 or anything like that. The language is very toned down. Even the old Left can’t really object. I think the government will not be able to say much about it.
Q.
Maybe in the future it’s not necessary to have a consensus, but just a platform to discuss topics. People should have different viewpoints, because no country has just one viewpoint, one consensus. The key is that people are expressing themselves in a polite, constructive way.
A.
That’s my thinking, too. In the future we could have real debate. We did have some debates and some interesting moments, but the general tone was most people felt this was hard to achieve and let’s maintain good relationships, rather than pushing one’s views too hard. So they want to start with this, but a healthy way is to have genuine debate, to show the differences — not emotional and sentimental, but to make good arguments. If that happens, it would be great. Hopefully this is the beginning for that.
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About Sinosphere

Sinosphere, the China blog of The New York Times, delivers intimate, authoritative coverage of the planet's most populous nation and its relationship with the rest of the world. Drawing on timely, engaging dispatches from The Times’ distinguished team of China correspondents, this blog brings readers into the debates and discussions taking place inside a fast-changing country and details the cultural, economic and political developments shaping the lives of 1.3 billion people.
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