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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

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domingo, 3 de janeiro de 2021

A França decadente dos anos 1930 e o Brasil atual: dá para comparar? - Paulo Roberto de Almeida

A França decadente dos anos 1930 e o Brasil atual: dá para comparar? 

 

Paulo Roberto de Almeida

(www.pralmeida.orghttp://diplomatizzando.blogspot.com)

[Objetivoestabelecer similaridadesfinalidadeFrança dos anos 1930, Brasil atual] 

 

Raymond Aron escreveu em suas memórias:

J’ai vécu les années ‘30 dans le désespoir de la décadence française... Au fond, la France n’existait plus. Elle n’existait que par les haines des Français les uns pour les autres.

[Vivi durante os anos ‘30 no desespero da decadência francesa... Na verdade, a França não mais existia. Ela só existia no ódio dos franceses uns contra os outros.]

[Frontspício ao capítulo 1, “Decline and Fall: the French Intellectual Community at the End of the Third Republic”, Tony Judt, Past Imperfect, French Intellectuals, 1944-1956 (New York: New York University Press, 2011; first edition: Berkeley: University of California Press, 1992)]

 

Sem querer comparar, mas comparando: tem algum cheiro de Brasil atual no ar?

Ou seja, também estamos decadentes?

O Brasil não existe mais?

Só existe Brasil no ódio dos brasileiros uns pelos outros?

Volto à pergunta inicial: dá para comparar o Brasil atual à França dos anos 1930?

Dificilmente, era um país farol do mundo pela sua intelectualidade, pelo prestígio de sua cultura, todos tinham Paris como a sua segunda cidade, a começar pelos americanos cultos e pelos brasileiros ricos.

Mas, a História tem suas surpresas...

Depois disso, veio a derrota, a ocupação, a humilhação de Vichy, o colaboracionismo (bem mais do que a Resistência, que só se manifestou, de verdade, ao final, com a contraofensiva dos aliados, e isso depois que nazistas e comunistas andaram se ajudando reciprocamente).

Não, não dá para comparar: a história da França contemporânea é muito mais dramática, trágica e vergonhosa.

A nossa, por enquanto, é só vergonhosa.

Quem diria que o Brasil otimista dos primeiros anos deste século caminharia, primeiro para o mais grotesco cenário de corrupção política em mega-escala, depois para a maior crise e recessão de toda a sua história econômica, a Grande Destruição, inteiramente made in Brazil?

E quem diria que mergulharíamos, depois de uma breve fase de “corrupção normal”, e de esforços de ajuste econômico, no mais degradante e obscurantista governo de toda a nossa história, começando a contar desde 1549?

Quem diria que estaríamos tão divididos quanto os franceses dos anos 1930, sendo que as sementes da divisão do país já tinham sido plantadas no regime do “Nunca Antes”, sob a condução de um partido especialmente corrupto, e sob a liderança de um carismático líder político — e chefe de gangue — que nos deixou com uma personalidade medíocre, que conseguiu fazer tudo errado em poucos anos?

E que diria que o legado de tudo isso foi nos deixar entregues ao mais perverso, inepto e psicótico dirigente, que só não conseguiu ser mais corrupto do que os petistas por pura incompetência e mediocridade?

Raymond Aron viu mais longe do que todos os outros, nos anos 1930, 40 e 50, quando tinha contra si os mais “brilhantes” intelectuais franceses. Acabou prevalecendo, mas demorou muito: não teve a sorte, como Roberto Campos, de assistir à implosão do comunismo e ao triunfo da ideia democrática, mas nunca desesperou por defender as ideias corretas.

É o que nos resta: defender as ideias corretas e lutar para derrotar os Novos Bárbaros, como se fossem tropas de ocupação. 

Eu já estou na resistência intelectual há muito tempo, em meu quilombo do Diplomatizzando: continuarei lutando contra os obscurantistas e, em especial, contra o anti-Iluminista que assaltou o Itamaraty, levando nossa diplomacia às páginas mais vergonhosas de sua história bicentenária.

Tenho tudo registrado, nos três livros já publicados — Miséria da diplomacia, O Itamaraty num labirinto de sombras e Uma certa ideia do Itamaraty — e dentro em breve num quarto: Apogeu e demolição da política externa (pronto, em edição).

A História não absolverá os Novos Bárbaros, não no que depender de mim.

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 3837, 03 de janeiro de 2021

 

quarta-feira, 29 de agosto de 2018

Leszek Kolakowski (1927-2009) - Tony Judt (NYRBooks, 2009)

http://rosiebell.typepad.com/files/kozalowski.pdf
The New York Review of Books | September 24, 2009
Leszek Kolakowski (1927-2009)
Tony Judt
I heard Leszek Kolakowski lecture only once. It was at Harvard in 1987 and lie was a guest at the seminar on political theory taught by the late Judith Shklar. Main Currents  of Marxism had recently been published in English and Kolakowski was at the height of his renown. So many students wanted to hear him speak that the lecture had been moved to a large public auditorium and guests were permitted to attend. I happened to be in Cambridge for a meeting and went along with some friends.
The seductively suggestive title of Kolakowski's talk was "The Devil in History." For a while there was silence as students, faculty, and visitors listened intently. Kolakowski's writ­ings were well known to many of those present and his penchant for irony and close reasoning was familiar. But even so, the audience was clearly having trouble following his argument. Try as they would, they could not decode the metaphor. An air of bewildered mystification started to fall across the auditorium. And then, about a third of the way through, my neighbor—Timothy Garton Ash—leaned across. "I've got it," he whispered. "He really is talking about the Devil." And so he was.

Leszek Kolakowski at the opening of the Académie Universelle des Cultures, Paris, January 29, 1993


It was a defining feature of Leszek Kolakowski's intellectual trajectory that he took evil extremely seriously. Among Marx's false premises, in his view, was the idea that all human shortcoming are rooted in social circumstances. Marx had "entirely overlooked the possibility that some sources of conflict and aggression may be inherent in the permanent characteristics of the species."1Or, as he expressed it in his Harvard lecture: "Evil ... is not contingent but a stubborn and unredeemable fact." For Leszek Kolakowski, who lived through the Nazi occupation of Poland and the Soviet takeover that followed, "the Devil is part of our experience. Our generation has seen enough of it for the message to be taken extremely seriously."2
Most of the obituaries that followed Kolakowski's recent death at the age of eighty-one altogether missed this side of the man. That is hardly surprising. Despite the fact that much of the world still believes in a God and practices religion, Western intellectuals and public commentators today are ill at ease with the idea of revealed faith. Public discussion of the subject lurches uncomfortably between overconfident denial ("God" certainly does not exist, and anyway it's all His fault) and blind allegiance. That an intellectual and scholar of Kolakowski's caliber should have taken seriously not just religion and religious ideas but the very Devil himself is a mystery to many of his otherwise admiring readers and something they have preferred to ignore.
Kolakowski's perspective is further complicated by the skeptical distance that he maintained from the uncritical nostrums of official religion (not least his own, Catholicisrn) and by his unique standing as the only internationally renowned scholar of Marxism to claim equal preeminence as a student of the history of religious thought.3Kolakowski's expertise in the study of Christian sects and sectarian writings adds depth and piquancy to his influential account of Marxism as a religious canon, with major and minor scriptures, hierarchical structures of textual authority, and heretical dissenters.
Leszek Kolakowski shared with his Oxford colleague and fellow Central European Isaiah Berlin a disabused suspicion of all dogmatic certainties and a rueful insistence upon acknowledging the price of any significant political or ethical choice:
There are good reasons why freedom of economic activity should he limited for the sake of security, and why money should not automatically produce more money. But the limitation of freedom should be called precisely that, and should not be called a higher form of freedom.4
He had little patience for those who supposed, in the teeth of twentieth-century history, that radical political improvement could he secured at little moral or human cost—or that the costs, if significant, could be discounted against future benefits. On the one hand he was consistently resistant to all simplified theorems purporting to capture timeless human verities. On the other, he regarded certain self‑evident features of the human condition as too obvious to be ignored however inconvenient:
There is nothing surprising in the fact that we strongly resist the implications of many banal truths; this happens in all fields of knowledge simply because most truisms about human life are unpleasant.5
But the above considerations need not—and for Kolakowski did not—suggest a reactionary or quietist response. Marxism might be a world-historical category error. But it did not follow that socialism had been an unrnitigated disaster; nor need we conclude that we cannot or should not work to improve the condition of humanity:
Whatever has been done in Western Europe to bring about more justice, more security, more educational opportunities, more welfare and more state responsibility for the poor and helpless, could never have been achieved without the pressure of socialist ideologies and socialist movements, for all their naiveties and delusions.... Past experience speaks in part for the socialist idea and in part against it.
This carefully balanced appreciation of the complexities of social reality—the idea that "human fraternity is disastrous as a political program but indispensable as a guiding sign"—already places Kolakowski at a tangent to most intellectuals in his generation. In East and West alike, the more common tendency was to oscillate between excessive confidence in the infinite possibilities for human improvement and callow dismissal of the very notion of progress. Kolakowski sat athwart this characteristic twentieth-century chasm Human fraternity, in his thinking, remained regulative, rather than a constitutive, idea.6
The implication here is the sort of practical compromise we associate today with social democracy—or, in continental Western Europe, with its Christian Democratic confrère. Except, of course that social democracy today—uncomfortably burdened with the connotations of "socialism" and its twentieth-century past—is all too often the love that dare not speak its name. Leszek Kolakowski was no social democrat. But he was critically active in the real political history of his time, and more than once. In the early years of the Communist state Kolakowski (though still not yet thirty) was the leading Marxist philosopher in Poland. After 1956, he shaped and articulated dissenting thought in a region where all critical opinion was doomed sooner or later to exclusion.
As professor of the history of philosophy at Warsaw University he delivered a famous public lecture in 1966 excoriating the Communist Party for betraying the people—an act of political courage that cost him his Party card. Two years later he was duly exiled to the West. Thereafter, Kolakowski served as a reference and beacon for the youthful domestic dissenters who were to form the core of Poland's political opposition from the mid-1970s, who provided the intellectual energy behind the Solidarity movement and who took effective power in 1989.
Leszek Kolakowski was thus an entirely engaged intellectual, notwithstanding his contempt for the pretensions and vanities of "engagement." Intellectual engagement and "responsibility," much debated and idolized in continental European thought in the generation following World War II, struck Kolakowski a: fundamentally vacant concepts:
Why should intellectuals be specifically responsible, and differently responsible than other people, and for what?... A more feeling of responsibility is a formal virtue that by itself does not result in a specific obligation: it is possible to feel responsible for a good cause as well as for an evil one.
This simple observation seems rarely to have occurred to a generation of French existentialists and their Anglo-American admirers. It may be that one needed to have experienced firsthand the attraction of utterly evil goals (of left and right alike) to otherwise responsible intellectuals in order to understand to the full the costs as well as the benefits of ideological commitment and moral unilateralism.
As the above suggests, Leszek Kolakowski was no conventional "continental philosopher" in the sense usually ascribed to the phrase in contemporary academic usage and with particular reference to Heidegger, Sartre, and their epigones. But then nor did he have much in common with Anglo-American thought in the form that carne to dominate English-speaking universities after World War II—which no doubt accounts for his isolation and neglect during his decades in Oxford.7The sources of Kolakowski's particular perspective, beyond his lifelong interrogation of Catholic theology, are probably better sought in experience than in epistemology. As he himself observed in his magnum opus, "All kinds of circumstances contribute to the formation of a world-view, and ... all phenomena are due to an inexhaustible multiplicity of causes."8
In Kolakowski's own case, the multiplicity of causes includes not just atraumatic childhood during World War II and the catastrophic history of communism in the years that followed, but the very distinctive setting of Poland as it passed through these cataclysmic decades. For while it is not always clear exactly where Kolakowski's particular thinking is leading, it is perfectly evident that it never carne from "nowhere."
The most cosmopolitan of Europe's modern philosophers—at home in five major languages and their accompanying cultures—and in exile for over twenty years, Kolakowski was never "rootless." In contrast with, for example, Edward Said, he questioned whether it was even possible in good faith to disclaim all forms of communal loyalty. Neither in place nor ever completely out of place, Kolakowski was a lifelong critic of nativist sentiment; yet he was adulated in his native Poland and rightly so. A European in his bones, Kolakowski never ceased to interrogate with detached skepticism the naive illusions of pan-Europeanists. whose homogenizing aspirations reminded him of the dreary utopian dogmas of another age. Diversity, so long as it was not idolized as an objective in its own right, seemed to him a more prudent aspiration and one that could only be assured by the preservation of distinctive national identities.9
It would be easy to conclude that Leszek Kolakowski was unique. His distinctive mix of irony and moral seriousness, religious sensibility and epistemological skepticism, social engagement and political doubt was truly rare (it should also be said that he was strikingly charismatic—exercising much the same magnetism at any gathering as the late Bernard Williams, and for some of the same reasons10). But it does not seem unreasonable to recall that for just these reasons—charisma included—he also stood firmly in a very particular line of descent.
His sheer range of cultivation and reference; the allusive, disabused wit; the uncomplaining acceptance of academic provincialism in the fortunate Western lands where he found refuge; the experience and memory of Poland's twentieth century imprinted, as it were, on his mischievously expressive features: all of these identify the late Leszek Kolakowski as a true Central European intellectual—perhaps the last. For two generations of men and women, born between 1880 and 1930, the characteristically Central European experience of the twentieth century consisted of a multilingual education in the sophisticated urban heartland of European civilization, honed, capped, and side-shadowed by the experience of dictatorship, war, occupation, devastation, and genocide in that selfsame heartland.
No sane person could want to repeat such an experience merely in order to replicate the quality of thought and thinkers that such a sentimental education produced. There is something more than a little distasteful about expressions of nostalgia for the lost intellectual world of Communist Eastern Europe, shading uncomfortably dose to regret for the loss of other people's repression. But as Leszek Kolakowski would have been the first to point out, the relationship between Central Europe's twentieth-century history and its astonishing intellectual riches nevertheless existed; it cannot simply be dismissed.
What it produced was what Judith Shklar, in another context, once described as a "liberalism of fear": the uncompromising defense of reason and moderation born of firsthand experience of the consequences of ideological excess; the ever-present awareness of the possibility of catastrophe, at its worst when misunderstood as opportunity or renewal, of the temptations of totalizing thought in all its protean variety. In the wake of twentieth-century history, this was the Central European lesson. If we are very  fortunate, we shall not have to relearn it again for some time to come; when we do, we had better hope that there will be someone around to teach it. Until then, we would do well to reread Kolakowski.
l“The Myth of Human Self-ldentity,” in The Socialist Idea: A Reappraisal, edited by Leszek Kolakowski and Stuart Hampshire (Basic Books, 1974), p. 32.
2“The Devil in History,” in My Correct Everything (St. Augustine's), p. 133.
For a representative instance of Kolakowski's approach to the history of religious thought, see, for example,God Owes Us Nothing: A Brief Remark on Pascal's Religion and on the Spirit of Jansenism (University of Chicago Press, 1995). It would not he too much to say that Kolakowski was a twentieth-century Pascalian, cautiously placing his bet on reason in place of faith.
4Leszek Kolakowski, Modernity on Endless Trial (University of Chicago Press, 1990), pp. 226-227.
Kolakowski and Hampshire, The Socialist Idea, p. 17.
6Kolakowski, Modernity on Endless Trial, p. 144.
Elsewhere, his achievements were copiously acknowledged. In 1983 he was awarded the Erasmus Prize. In 2004 he was the first recipient of the Kluge Prize of the Library of Congress, where he had been the Jefferson Lecturer twenty years previously. Three years later he was awarded the Jerusalem Prize.
8Leszek Kolakowski, Main Currents of Marxism, Volume III: The Breakdown (Clarendon Press/Oxford University Press, 1978), p. 339. I am grateful to Leon Wieseltier for reminding me of this reference.
9Kolakowski, Modernity on Endless Trial, p. 59. For Edward Said, see Out of Place: A Memoir (Vintage, 2000).
10At a party in his honor following the Cambridge lecture, I recall watching with bemused admiration and no little envy as virtually every young woman in the room migrated to the comer where a sixty-year-old philosopher, already wizened and supported by a cane, held court before their adoring eyes. One should never underestimate the magnetic attraction of sheer intelligence.

domingo, 27 de julho de 2014

Intelectuais franceses: sempre tropecando na historia, e na economia -Mario Vargas Llosa

Vargas Llosa não se refere, entre outros, a François Furet, que no seu livro Le Passé d'une Illusion (fiz uma resenha e deve talvez ser encontrada neste blog) examina esses stalinistas tardios, mas é bastante crítico de Tony Judt, que partilhava, sim, de todos os vieses dos progressistas acadêmicos e mantinha um preconceito fundamental contra o capitalismo, que foi quem devolveu a riqueza aos europeus no pós-guerra.
Aliás, até hoje os franceses brigam contra a economia de mercado e continuam a afundar alegremente o seu país.
Grato ao Orlando Tambosi pela transcrição.
Paulo Roberto de Almeida 
Mario Vargas Llosa analisa o livro de Tony Judt, recentemente falecido, sobre o lamentável passado da intelectualidade francesa, particularmente identificada com posições de esquerda. Parece demonstrar certa nostalgia por essa cultura contaminada pelo totalitarismo marxista, e que estendeu sua influência negativa pela América Latina. Concordo que Judt deveria ter incluído Revel, o rebelde liberal, na obra Passado Imperfeito(também publicada no Brasil pela editora Nova Fronteira, tradução que li há alguns anos), mas, no geral, acho que sua crítica da intelectualidade do pós-guerra vai bem. Como também viveu em Paris duante anos, Vargas Llosa é ambíguo em relação à atmosfera criada por pensadores que, por seu encarniçamento ideológico, merecem esquecimento - Sartre na linha de frente. Quanto a Judt, que morreu em Nova York, li outros livros dele e acho que, no fundo, partilhava a lamntável doutrina politicamente correta - ausente, porém, na sua crítica aos franceses. Segue o texto publicado no El País pelo escritor peruano e Prêmio Nobel de Literatura:


Acaba de ser reeditado nos Estados Unidos um livro de Tony Judt que apareceu pela primeira vez em 1992 e que eu não conhecia: Past Imperfect: French Intellectuals, 1944-1956. Impressionou-me muito porque eu vivi na França por cerca de sete anos, em um período - 1959-1966 - ainda impregnado pela atmosfera e pelos preconceitos, acrobacias e desvarios ideológicos que o grande ensaísta britânico descreve em seu ensaio com tanta severidade e erudição.

O livro pretende responder a esta pergunta: por que, nos anos do pós-guerra europeu e até meados da década de setenta, os intelectuais franceses, de Louis Aragon a Sartre, de Emmanuel Mounier a Paul Éluard, de Julien Benda a Simone de Beauvoir, de Claude Bourdet a Jean-Marie Doménach, de Maurice Merleau-Ponty a Pierre Emmanuel etc., foram pró-soviéticos, marxistas e companheiros de viagem do comunismo? Por que escritores e pensadores europeus acabaram sendo os últimos a reconhecer a existência do Gulag, da brutal injustiça dos julgamentos stalinistas em Praga, Budapeste, Varsóvia e Moscou que mandaram revolucionários comprovados para o paredão? Houve exceções ilustres, com Albert Camus, Raymond Aron, François Mauriac e André Breton entre eles, mas foram escassas e pouco influentes em um meio cultural no qual as opiniões e os posicionamentos dos primeiros prevaleciam de maneira esmagadora.

Judt pinta um quadro de grande rigor e leveza do renascer da vida cultural na França após a libertação, uma época em que o debate político impregna todo o movimento filosófico, literário e artístico e permeia os meios acadêmicos, os cafés literários e revistas como Les Temps Modernes, Esprit, Les Lettres Françaises e Témoignage Chrétien, que passam de mão em mão e alcançam tiragens notáveis. Comunistas e socialistas, existencialistas e cristãos de esquerda, seus colaboradores divergem sobre muitas coisas, mas o denominador comum é um anti-americanismo sistemático, a convicção de que entre Washington e Moscou a primeira representa a incultura, a injustiça, o imperialismo e a exploração, e a última o progresso, a igualdade, o fim da luta de classes e a verdadeira fraternidade. Não chegam todos aos extremos de um Sartre, que, em 1954, após sua primeira viagem à União Soviética, afirma, sem o menor pudor: “O cidadão soviético é completamente livre para criticar o sistema”.

Nem sempre se trata de uma cegueira involuntária, derivada da ignorância ou da mera ingenuidade. Tony Judt mostra como ser um aliado dos comunistas era a melhor maneira de limpar um passado contaminado pela colaboração com o regime de Vichy. É o caso, por exemplo, do filósofo cristão Emmanuel Mounier e de alguns de seus colaboradores na Esprit, que, no início da ocupação, tinham sido seduzidos pela chamada experiência de nacionalismo cultural Uriage, patrocinado pelo governo, até que, advertidos de que era manipulada pelas forças nazistas da ocupação, se distanciaram. E eu me recordo que, no princípio dos anos setenta, diante de alguns manifestantes universitários que queriam impedi-lo de falar e citavam Sartre, André Malraux respondeu a eles: “Sartre? Eu o conheço. Fazia suas peças de teatro serem representadas em Paris, aprovadas pela censura alemã, enquanto a Gestapo me torturava”.

Tony Judt diz que, além da necessidade de fazer esquecer um passado politicamente impuro, por trás do esquerdismo dogmático desses intelectuais havia um complexo de inferioridade do meio cultural, pela facilidade com que a França se rendeu aos nazistas e aceitou o regime fantoche do Marechal Pétain, e foi libertada de maneira decisiva pelas forças aliadas lideradas pelos Estados Unidos e pela Grã-Bretanha. Ainda que tenha existido, sem dúvidas, uma resistência local e uma participação militar (gaullista e comunista) na luta contra o nazismo, a França jamais teria conquistado sozinha sua própria libertação. Isso, somado à substancial ajuda que recebia dos Estados Unidos para seus trabalhos de reconstrução, através do Plano Marshall, teria disseminado um ressentimento que pode explicar, segundo Judt, essa doença infantil do esquerdismo pró-stalinista que marcou sua vida intelectual entre 1945 e os anos sessenta.

No polo oposto, destaca-se a figura de Albert Camus. Nos anos cinquenta, não era necessária apenas lucidez para condenar os campos soviéticos de extermínio e os julgamentos duvidosos; também era preciso uma grande coragem para enfrentar uma opinião pública tendenciosa, a demonização de uma esquerda que tinha o controle da vida cultural e uma ruptura com seus antigos companheiros de resistência. Mas o autor de O Homem Revoltado não hesitou, afirmando, contra tudo e contra todos, que dissociar a moral da ideologia, como fazia Sartre, era abrir as portas da vida política ao crime e às piores injustiças. O tempo lhe deu razão e por isso as novas gerações continuam lendo suas obras, enquanto a maior parte dos que então eram os mestres da vida intelectual francesa foi engolida pelo esquecimento.

Um caso muito interessante, que Tony Judt analisa detalhadamente, é o de François Mauriac. Resistente desde o primeiro momento contra os nazistas e Vichy, suas credenciais democráticas eram impecáveis na época da libertação. Isso o permitiu enfrentar, com argumentos sólidos, a maré pró-stalinista e, sobretudo, como católico, os progressistas da Esprit e daTémoignage Chrétien, que em muitas ocasiões, como durante as polêmicas sobre o Gulag desatadas pelos testemunhos de Viktor Kravchenko e de David Rousset, serviram de meros porta-vozes das mentiras inventadas pelo Partido Comunista francês. Por outro lado, tanto em suas memórias quanto em seus ensaios e colunas jornalísticas, ele se adiantou a todos os seus colegas ao iniciar uma profunda autocrítica dos delírios de grandeza da cultura francesa, em uma época na qual – ainda que muitos poucos além dele tenham percebido na ocasião – ela entrava justamente em um declínio do qual até hoje não conseguiu sair. Nunca gostei dos romances de Mauriac e por isso descartei seus ensaios; mas este livro Past Imperfect de Judt me convenceu de que cometi um erro.

No entanto, nem tudo é convincente no livro. É imperdoável que, além de Camus, Aron e outros, a obra não faça menção a Jean-François Revel, que, desde o fim dos anos cinquenta, travava também uma batalha bastante intensa contra os símbolos do stalinismo. Ou que não ressalte suficientemente a denúncia do colonialismo e o apoio às lutas do Terceiro Mundo para se livrar das ditaduras e da exploração imperial, que foi um dos cavalos de batalha e talvez o aporte mais positivo de Sartre e de muitos de seus seguidores na época.

Por outro lado, ainda que a dura crítica de Tony Judt ao que chama de “anestesia moral coletiva” dos intelectuais franceses seja, feitos os cálculos, justa, ele omite algo que nós que de alguma maneira vivemos aqueles anos dificilmente poderemos esquecer: a vigência das ideias, a crença – por vezes exagerada – de que a cultura em geral, e a literatura em particular, desempenhariam um papel de primeiro plano na construção daquela futura sociedade na qual a liberdade e a justiça finalmente se uniriam de maneira indissolúvel. As polêmicas, as conferências, as mesas redondas no auditório lotado da Mutualité, o público ávido, principalmente de jovens, que acompanhava tudo aquilo com fervor e prolongava os debates nos bistrôs do Quartier Latin e de Saint Germain: impossível lembrar-se de tudo isso sem nostalgia. Mas é verdade que foi bastante efêmero, menos relevante do que acreditávamos, e que o que então nos pareciam ser os grandes anais da inteligência eram mais os estertores da figura do intelectual e os últimos instantes de uma cultura de ideias e palavras, não limitada aos seminários do meio acadêmico, mas sim derramada sobre os homens e as mulheres das ruas.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Tony Judt: escritos no New York Review of Books

Um grande historiador desapareceu recentemente. Inglês, trabalhando nos Estados Unidos, Judt foi um colaborador constante da melhor revista de resenhas críticas -- review-articles, na verdade -- do mundo, a New York Review of Books.
Nem todos os artigos estão disponíveis (alguns apenas para assinantes), mas tem muita coisa interessante.
Paulo Roberto de Almeida

Tony Judt na New York Review of Books
link

Tony Judt (1948–2010) was the founder and director of the Remarque Institute at NYU and the author of Postwar: A History of Europe Since 1945, Ill Fares the Land, and The Burden of Responsibility: Blum, Camus, Aron, and the French Twentieth Century, among other books.

Meritocrats, August 19, 2010

Words, July 15, 2010

Magic Mountains, May 27, 2010

America, My New-Found-Land, May 27, 2010

‘Edge People’, May 13, 2010

Toni, May 13, 2010

Austerity, May 13, 2010

An Open Letter About ALS, April 29, 2010

Work, April 8, 2010

Girls! Girls! Girls!, April 8, 2010

What Happened in May 1968?, April 8, 2010

Ill Fares the Land, April 29, 2010

Cheers for the École Normale, April 29, 2010

Lord Warden, March 25, 2010

Edge People, March 25, 2010

Saved by Czech, March 11, 2010

In Love with Trains, March 11, 2010

Paris Was Yesterday, March 11, 2010

Revolutionaries, February 25, 2010

The Green Line, February 25, 2010

Food, February 25, 2010

Kibbutz, February 11, 2010

Joe, February 11, 2010

‘Night’, February 11, 2010

Bedder, February 11, 2010

Night, January 14, 2010
(...)
[Articles from 1990 to 2009 (...)]

Fired in Belgrade, March 29, 1990