A França decadente dos anos 1930 e o Brasil atual: dá para comparar?
Paulo Roberto de Almeida
(www.pralmeida.org; http://diplomatizzando.blogspot.com)
[Objetivo: estabelecer similaridades; finalidade: França dos anos 1930, Brasil atual]
Raymond Aron escreveu em suas memórias:
J’ai vécu les années ‘30 dans le désespoir de la décadence française... Au fond, la France n’existait plus. Elle n’existait que par les haines des Français les uns pour les autres.
[Vivi durante os anos ‘30 no desespero da decadência francesa... Na verdade, a França não mais existia. Ela só existia no ódio dos franceses uns contra os outros.]
[Frontspício ao capítulo 1, “Decline and Fall: the French Intellectual Community at the End of the Third Republic”, Tony Judt, Past Imperfect, French Intellectuals, 1944-1956 (New York: New York University Press, 2011; first edition: Berkeley: University of California Press, 1992)]
Sem querer comparar, mas comparando: tem algum cheiro de Brasil atual no ar?
Ou seja, também estamos decadentes?
O Brasil não existe mais?
Só existe Brasil no ódio dos brasileiros uns pelos outros?
Volto à pergunta inicial: dá para comparar o Brasil atual à França dos anos 1930?
Dificilmente, era um país farol do mundo pela sua intelectualidade, pelo prestígio de sua cultura, todos tinham Paris como a sua segunda cidade, a começar pelos americanos cultos e pelos brasileiros ricos.
Mas, a História tem suas surpresas...
Depois disso, veio a derrota, a ocupação, a humilhação de Vichy, o colaboracionismo (bem mais do que a Resistência, que só se manifestou, de verdade, ao final, com a contraofensiva dos aliados, e isso depois que nazistas e comunistas andaram se ajudando reciprocamente).
Não, não dá para comparar: a história da França contemporânea é muito mais dramática, trágica e vergonhosa.
A nossa, por enquanto, é só vergonhosa.
Quem diria que o Brasil otimista dos primeiros anos deste século caminharia, primeiro para o mais grotesco cenário de corrupção política em mega-escala, depois para a maior crise e recessão de toda a sua história econômica, a Grande Destruição, inteiramente made in Brazil?
E quem diria que mergulharíamos, depois de uma breve fase de “corrupção normal”, e de esforços de ajuste econômico, no mais degradante e obscurantista governo de toda a nossa história, começando a contar desde 1549?
Quem diria que estaríamos tão divididos quanto os franceses dos anos 1930, sendo que as sementes da divisão do país já tinham sido plantadas no regime do “Nunca Antes”, sob a condução de um partido especialmente corrupto, e sob a liderança de um carismático líder político — e chefe de gangue — que nos deixou com uma personalidade medíocre, que conseguiu fazer tudo errado em poucos anos?
E que diria que o legado de tudo isso foi nos deixar entregues ao mais perverso, inepto e psicótico dirigente, que só não conseguiu ser mais corrupto do que os petistas por pura incompetência e mediocridade?
Raymond Aron viu mais longe do que todos os outros, nos anos 1930, 40 e 50, quando tinha contra si os mais “brilhantes” intelectuais franceses. Acabou prevalecendo, mas demorou muito: não teve a sorte, como Roberto Campos, de assistir à implosão do comunismo e ao triunfo da ideia democrática, mas nunca desesperou por defender as ideias corretas.
É o que nos resta: defender as ideias corretas e lutar para derrotar os Novos Bárbaros, como se fossem tropas de ocupação.
Eu já estou na resistência intelectual há muito tempo, em meu quilombo do Diplomatizzando: continuarei lutando contra os obscurantistas e, em especial, contra o anti-Iluminista que assaltou o Itamaraty, levando nossa diplomacia às páginas mais vergonhosas de sua história bicentenária.
Tenho tudo registrado, nos três livros já publicados — Miséria da diplomacia, O Itamaraty num labirinto de sombras e Uma certa ideia do Itamaraty — e dentro em breve num quarto: Apogeu e demolição da política externa (pronto, em edição).
A História não absolverá os Novos Bárbaros, não no que depender de mim.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 3837, 03 de janeiro de 2021