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sexta-feira, 14 de junho de 2013

Brasil: o confuso debate sobre as politicas comercial e industrial - Marcelo de Paiva Abreu


Antes tarde do que nunca
Marcelo de Paiva Abreu *
O Estado de S.Pauo, 12/06/2013

Há indícios de que o empresariado brasileiro está acordando de seu torpor quanto à identificação das causas da perda de competitividade da indústria. Multiplicam-se menções à inadequação da política comercial. Na esteira das movimentações relativas à Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento - entre EUA e União Europeia - e à Parceria Transpacífica - incluindo EUA e Canadá, economias asiáticas e da Oceania, entre as quais a Austrália e o Japão, além de Chile, Peru e México -, tanto a Confederação Nacional da Indústria quanto o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) manifestaram preocupações quanto à política comercial de um governo "distanciado da realidade".
Mas há sérias discordâncias no meio empresarial quanto ao assunto. O presidente do Iedi sublinhou que "não é suficiente ficar na discussão de câmbio e juros", propôs política ativa na busca de acordos comerciais e redução de tarifas de importação, alinhando os preços domésticos de insumos, como aço, produtos químicos e cimento, aos preços internacionais. Em contraste, influente dirigente de grupo siderúrgico e conselheiro do Iedi persistiu na ladainha usual, ao discordar do recente aumento da taxa de juros. Na sua opinião, a decisão "espancou a lógica" e "não se deu em razão da pressão inflacionária, mas, sim, da pressão dos setores financeiros, que vivem de juros, e não de atividades produtivas". Supõe-se que, também em contraste com o presidente do Iedi, seu entusiasmo quanto à eventual redução das tarifas incidentes sobre o aço seja bem modesto.
Mesmo se houvesse menor divergência entre visões empresariais quanto à reformulação da política comercial, os obstáculos à mudança ainda seriam significativos. Uma política comercial baseada na celebração de acordos preferenciais além da América do Sul teve, e tem, prioridade baixa nos governos Lula e Dilma. Quem tem dúvida leia Marco Aurélio Garcia em Lula e Dilma. Dez anos de governos pós-neoliberais no Brasil, Rio de Janeiro, 2013. A ênfase, durante o decênio petista, foi na política externa "partidária", baseada na integração sul-americana. Do ponto de vista econômico, não houve qualquer perspectiva estratégica relevante. A visão do ex-presidente Lula, em entrevista-prefácio do mesmo livro, beira o delirante: pensa que a política externa do decênio de governo petista, supostamente marcada por "agressividade comercial", pode ser avaliada com base no número de suas viagens internacionais.
Para efeito de raciocínio, suponhamos que ocorram dois milagres: que prevaleça no empresariado a visão de que é desejável negociar acordos comerciais com parceiros relevantes e que o governo se convença de que tal mudança é necessária.
Se o Brasil estiver mesmo disposto a negociar, deverá enfrentar ainda as dificuldades associadas à sua participação no Mercosul, união aduaneira e, portanto, com tarifa externa comum. Ou ocorre um terceiro milagre, e a Argentina mostra-se sintonizada com os novos objetivos do Brasil, ou o remendado projeto de união aduaneira teria que ser abandonado e substituído por uma zona de livre-comércio. A História vem sugerindo que a primeira alternativa é improvável. O neokirchnerismo tem mostrado alto grau de irracionalidade econômica, incluindo recaídas protecionistas diversas. Resta a segunda opção: transformar o Mercosul em zona de livre-comércio, um retrocesso no contexto da política externa "partidária" e seu foco sul-americano.

Só após a superação desses obstáculos será possível negociar novos acordos comerciais. E o caminho não será fácil, dada a nossa competitividade agrícola, temida pelos parceiros, e a tradição protecionista da indústria brasileira. Mesmo assim, é reconfortante que, agora, parte do empresariado industrial esteja disposta a reformular a política comercial.

* Marcelo de Paiva Abreu é doutor em economia pela Universidade de Cambridge e professor titular no Departamento de Economia da PUC-Rio.

domingo, 19 de maio de 2013

A crescente irracionalidade da politica economica - Celso Ming

Distorções em série
Celso Ming
O Estado de S.Paulo, 19/05/2013

O governo insiste em compensar a perda de competitividade da indústria com a distribuição seletiva de benefícios. Além de não concorrer para superar os graves problemas do setor, a prática cria novas distorções, como o desarranjo da estrutura de preços relativos da economia.
Entre os benefícios distribuídos pelo governo estão desonerações de tributos e de encargos previdenciários, concessão de créditos em condições favorecidas e reservas de mercado.
Fazem parte daquilo que esta Coluna vem chamando de políticas de puxadinhos, na medida em que são temporárias, de curto alcance e não cumprem a finalidade mais importante que seria a de combater as causas da perda crescente de competitividade do setor produtivo.
As lideranças da indústria aplaudem ou fingem que estão satisfeitas porque, argumentam entre cochichos, é melhor esse pouco do que nada. Com reações assim, o governo comemora, porque o cala-boca funciona.
Como ficou dito acima, uma das distorções que esse jogo seletivo produz é a desarrumação da estrutura de preços relativos. A concessão de favores especiais ao setor petroquímico e não ao de papel e celulose, por exemplo, barateia artificialmente os preços das embalagens plásticas e derruba o mercado das embalagens de cartão e de papel kraft. De quebra, pode prejudicar, também, o setor de embalagens de vidro. Quando o governo concede créditos subsidiados aos produtores de carne de vaca, por exemplo, tende a prejudicar os produtores de ovos ou a indústria de alimentos que operam com proteínas vegetais.
Essas políticas que elegem campeões do futuro comprovaram sua ineficácia. Durante anos a fio, os governos brasileiros mantiveram políticas de incentivos e de reserva de mercado à informática, cujo principal beneficiário foi a Itautec. Na semana passada, o Grupo Itaúsa, controlador da Itautec, anunciou finalmente sua retirada do mercado de computadores e seu repasse para um investidor de capital japonês por R$ 100 milhões. Um fim melancólico para uma empresa que recebeu bilhões em favores mensuráveis e sabe-se lá quantos mais em intangíveis, como a reserva de mercado.
A política de conteúdo nacional, que obriga produtores locais a dar preferência a fornecedores brasileiros não importando seu custo, tromba com três problemas. Premia a ineficiência, queima recursos excessivos que poderiam ser melhor alocados - como o que acontece na Petrobrás -, isola o setor produtivo brasileiro e o impede de inserir-se nas cadeias globais. Finalmente, em vez de favorecer a indústria nacional, acaba por prejudicá-la, na medida em que o mercado interno cada vez mais depende de importações. Não é à toa que a fatia dos importados no consumo, que era de 17% no primeiro trimestre de 2007, alcançou 22% no primeiro trimestre de 2013, conforme apontam os levantamentos da Confederação Nacional da Indústria.
O movimento do governo Dilma para investimentos em infraestrutura vai na direção correta, por beneficiar todo o setor produtivo e não apenas os enturmados. Infelizmente, é tudo muito lento, muito difícil e, sobretudo, pouco.

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Volatilidade lulopetista na gestao economica: o preco nas bolsas...

Os companheiros, opositores do capitalismo por princípio e por conviccao, sempre se referem ao aspecto nefasto da liberdade de circulacao de capitais, o que obviamente merece seu repúdio e sua objecao em termos de políticas públicas; eles sao contra os "capitais de motel", que alguns mais elegantes, ou pretensamente economistas, chamam de volatilidade inerente aos fluxos de capitais puramente financeiros.
Eles nao se dao conta, os companheiros que a principal volatilidade é aquela que está associada 'as políticas economicas, que justamente causam as perdas e interrupcoes de investimento como registradas no editorial abaixo.
Paulo Roberto de Almeida

Intervencionismo e perdas

04 de fevereiro de 2013 | 2h 05

Editorial O Estado de S.Paulo
O mau desempenho da economia nos dois últimos anos não explica inteiramente as perdas que o mercado acionário brasileiro vem sofrendo, na comparação com os resultados de outras bolsas de valores. O baixo crescimento da economia - que o governo vem tentando reverter, sem resultados até agora, o que tem gerado previsões pessimistas também para o desempenho deste ano - por certo desanima os investidores do mercado acionário, muito suscetíveis aos resultados das empresas e às tendências da economia real. Mas essa característica natural do mercado acionário está sendo visivelmente perturbada pelo ativismo econômico excessivo do governo do PT, que turva as expectativas dos investidores, lança dúvidas sobre a segurança das aplicações e produz ainda mais pessimismo.
Dessa combinação não se poderia esperar resultados diferentes dos que a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) vem apresentando. Depois de ter superado 70 mil pontos em janeiro de 2011, o Ibovespa, que mede a variação dos papéis mais negociados, manteve-se em torno de 60 mil pontos nos últimos pregões. É uma redução de cerca de 14% em dois anos. A título de comparação, observe-se que, depois de ter crescido 7,5% em 2010, o PIB aumentou 2,7% em 2011 e cerca de 1% no ano passado. Os dois últimos resultados são muito fracos, mas não negativos.
Nos EUA, cujo governo ainda não conseguiu negociar com a oposição os termos definitivos de um acordo que permita a solução de longo prazo para seus problemas financeiros, a bolsa de valores está em franca recuperação. O principal índice da bolsa de Nova York, o Dow Jones, está prestes a bater seu recorde. Mesmo na Europa em crise, os mercados de ações estão em alta, incluindo os da Grécia, Portugal e Espanha, países em situação econômica e fiscal mais complicada.
Desde janeiro de 2010, a cotação da ação preferencial da Petrobrás, uma das mais negociadas na Bovespa, caiu mais de 40%. O valor de mercado da empresa despencou de US$ 199,3 bilhões no início de 2010 para cerca de US$ 107 bilhões na semana passada, uma perda de mais de US$ 90 bilhões em três anos. Tendo sido a segunda maior empresa de gás e petróleo das Américas, atrás apenas da ExxonMobil, a Petrobrás agora ocupa a quarta posição, atrás também da Chevron e da colombiana Ecopetrol.
E por que a Petrobrás caiu tanto? Utilizada politicamente pelo governo do PT, a empresa perdeu eficiência, teve de reduzir seus programas de investimentos em exploração e refino para, por pressão do Palácio do Planalto, investir no caro programa do pré-sal e, assim, viu cair sua produção e foi obrigada a importar combustíveis.
Transformada, também, em instrumento da política de preços do governo petista, teve que suportar, com graves ônus financeiros, o congelamento dos preços dos combustíveis, que vem importando em quantidades crescentes, porque não ampliou sua capacidade de refino. Estima-se que, só no passado, essa política insensata de importar por determinado preço e vender por outro, menor, tenha imposto perdas de R$ 20 bilhões à Petrobrás. Com razão o mercado reduziu o preço de suas ações. O recente aumento da gasolina não muda substancialmente o quadro.
Situação semelhante o governo impôs às empresas do setor elétrico - inclusive a principal estatal federal, a Eletrobrás -, com seu programa de renovação de concessões associada à redução das tarifas para consumidores residenciais e industriais. A redução das tarifas resultará em graves ônus para as empresas, razão pela qual algumas controladas por governos estaduais se recusaram a aderir ao programa. O mercado, também nesse caso, agiu como o esperado, e as ações das elétricas despencaram.
Há algum tempo, o governo interveio na gestão da Vale, uma empresa privada na qual o governo ainda tem alguma presença, o que igualmente provocou a reação do mercado.
O intervencionismo do governo em empresas cujos papéis estão entre os mais negociados na bolsa de valores é pernicioso para as empresas, para o mercado e para o País.
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 Do you want more?

sábado, 15 de setembro de 2012

"Puxadinhos" do Governo geram confusao microeconomica - OESP

De fato, o governo não tem nenhum planejamento nas suas políticas públicas, nenhuma análise de custo-benefício, nenhum estudo de impacto, nenhuma avaliação dos efeitos de suas medidas no médio e longo prazo, ou seja,  nenhum cálculo maior do que o seu nariz de que as medidas que vem sendo adotadas ao sabor do momento podem causar para as empresas e para a economia como um todo, fora desses improvisos feitos para quem chora em Brasília e ganha uma isenção ou benefício setorial. Tudo é feito sem maiores avaliações, dependendo de quem tem maior pressão, e acaba levando uma pequena medida improvisada que promete converter esse país numa selva de regulamentos parciais, temporários e seletivos, extremamente danosa para um bom ambiente de negócios. Especialmente se pensarmos em medidas horizontais, ou universais, esse governo é uma pura colcha de retalhos, costurando aqui e ali essas medidas mal pensadas, que discriminam entre setores -- e que podem ser potencialmente anticompetitivas e são, em todo caso, anticonstitucionais, ao tratar de forma desigual empresas do mesmo setor -- e prometem fazer do país um leilão de iniciativas mal pensadas, improvisadas, nas coxas, como se diz grosseiramente. Alguma racionalidade nisso tudo? Não, e provavelmente não adianta esperar muita, pois o que menos tem esse governo é o sentido das políticas universais, bem pensadas, de longo prazo.
Pense-se, por exemplo, na isenção de encargos laborais para alguns setores -- APENAS ALGUNS, não para todos, o que deveria ser considerado simplesmente ilegal -- e sua substituição por uma taxa de 1% sobre o faturamento das empresas. Se fosse ruim para o governo, vocês acham que ele teria feito? Acho que não.
E uma medida desse tipo, que é interessante no plano microeconômico -- pois desonera empresas -- é absolutamente nefasta no plano macro, pois privilegia as indústrias e empresas labour-intensive e não contribui para a modernização tecnológica no médio e longo prazo.
Em economia nunca uma medida só produz bondades; sempre tem o outro lado da questão. Mas esse governo é incapaz de olhar o outro lado.
Paulo Roberto de Almeida 

E agora, José?

Eduardo José Bernini
O Estado de S.Paulo15 de setembro de 2012

Passada a justa euforia da sociedade com as medidas anunciadas pelo governo para a redução do custo da energia elétrica - uma decisão corajosa e por muito tempo adiada -, um sentimento de insegurança se espalha entre analistas, investidores e economistas. A pergunta que está no ar: até que ponto o esforço para o ajuste macroeconômico, com o qual todos concordam, considera o risco de desorganização microeconômica de setores essenciais para o crescimento, como o de energia elétrica?

O aspecto mais visível desse sentimento foi a queda dos papéis das elétricas nas bolsas de valores após o anúncio da Medida Provisória 579 - fato que apenas destampou a panela de pressão submetida a fogo brando. Ainda que não possa ser o único indicador, com esse comportamento "ansioso" o mercado de capitais expressou dúvidas quanto à sustentabilidade econômica, no médio e no longo prazos, das empresas do setor. Dúvida surgida ainda em 2011, após o leilão para novos empreendimentos de geração, e acentuada no 3.º Ciclo de Revisão Tarifária das distribuidoras ao longo dos últimos meses.
Entre 2004 e 2011 o setor elétrico viveu um ciclo virtuoso de estabilidade e investimento. O modelo, baseado em leilões para contratação de energia e em contratos com clareza jurídica adequados ao equilíbrio econômico-financeiro e à garantia de liquidação de recebíveis, criou condições para a capitalização e o financiamento de projetos. Sem dúvida, um sucesso que permitiu que os riscos de suprimento, devidamente monitorados, viessem a ser minimizados, por meio de investimentos públicos e privados.
O leilão de 2011, porém, foi um sinal de alerta. Surgiram dúvidas sobre qual teria sido a taxa de retorno nos lances vencedores dos proponentes mais agressivos. A taxa de retorno real é fundamental para avaliar dois tipos de riscos em projetos de investimento: a entrega do bem no prazo e nas condições pactuadas e a remuneração do custo de oportunidade. Em outras palavras, a garantia de que o empreendimento terá reservas para fazer frente aos imprevistos característicos das fases de implantação. Foi este último aspecto que acendeu a luz amarela: as estimativas, com certo grau de imprecisão, apontaram para retornos inferiores ao custo de oportunidade. Portanto, nem era o caso de estimar as contingências para "surpresas e imprevistos".
Mesmo diante da significativa redução nas taxas de juros - outra decisão corajosa e necessária - a determinação da taxa de retorno adequada para investimentos em infraestrutura no Brasil não é uma tarefa trivial. A dificuldade começa na base, ou seja, qual a taxa livre de riscos. A suposição de que seja a taxa real paga pelos títulos públicos de longo prazo não é consenso. A soma dos riscos intrínsecos a cada modalidade de investimento na infraestrutura mostra que "custo Brasil" é um mosaico, com agravantes diferenciados por segmento.
A dúvida quanto à taxa de retorno foi fortalecida ao longo do 3.º Ciclo de Revisão Tarifária. Para atingir a meta de mitigação tarifária foi aplicada uma redução no custo médio ponderado de capital (WACC), do qual resulta a remuneração à distribuidora. A remuneração cobre as amortizações, o custo financeiro e o retorno aos acionistas. O argumento foi que as distribuidoras - não todas, mas as mais eficientes - estavam distribuindo dividendos excessivos e reinvestindo pouco. Além disso, que o risco é pequeno, uma vez que o negócio é maduro e não tem desafios tecnológicos. Mas faltaram respostas a duas perguntas: por que o pagamento de dividendos estava tão alto? É fato que não há desafios tecnológicos na distribuição de energia elétrica?
A distribuição de dividendos acelerou-se porque o estímulo ao reinvestimento é baixo, seja porque o custo de oportunidade em alternativas concorrentes é maior, seja porque a modernização da rede envolve riscos diferentes dos da operação de uma rede madura sem "surpresas e imprevistos". Mas sem a modernização da rede de distribuição não será possível atingir padrões de qualidade compatíveis com os requeridos por qualquer nação desenvolvida.
O Brasil conquistou boa reputação de planejamento no uso dos recursos naturais. Temos uma matriz energética limpa e o avanço em pequenas centrais hidrelétricas e parques eólicos demonstra ser possível combinar capitais privados com eficiência de gestão, desde que as condições de retorno sejam justas. Ao mesmo tempo, há um custo final da energia elétrica indecoroso, fruto da perversa tributação e do sistema de encargos ineficiente e pouco transparente (mesmo para especialistas em contas públicas e em regulação econômica).
Estamos falhando em ver o óbvio: falta o incentivo econômico que harmonize o planejamento físico da expansão e modernização do setor elétrico - necessário a um ciclo de crescimento econômico e social sustentável - com o retorno compatível com o risco dos investimentos previstos, públicos e privados.
Alinhar os custos de energia elétrica a patamares que apoiem a competitividade da economia brasileira é imprescindível. Mas a história do setor elétrico nos anos 1970 e 1980 é um exemplo que não pode ser repetido: a combinação de tarifas irreais com estatização, que resultou na deterioração econômica e financeira das concessionárias, é uma lição da qual os contribuintes não deveriam esquecer-se.
É certo que o Brasil está bem melhor do que foi: o desequilíbrio econômico-financeiro que levou à degradação da qualidade da energia elétrica na "década perdida" é intolerável para o Brasil contemporâneo. Vivemos num mundo competitivo e repleto de exemplos da importância da adoção de inovações tecnológicas. Cadeias produtivas sustentáveis e eficientes, no sentido ambiental, econômico e social, alargaram a essencialidade da energia elétrica. E a combinação de ambas é um fator crítico de sucesso. Não dar a devida atenção às condições de retorno justo que viabilizem o investimento na infraestrutura elétrica poderá custar muito caro.  
ECONOMISTA, ESPECIALISTA EM ENERGIA

sábado, 7 de abril de 2012

Protecionismo dos ricos: uma acusação indevida

Não tinha lido o discurso da presidente em Nova Delhi.
Nele, a presidente diz que "A desvalorização dessas moedas [dos países ricos] traz enormes vantagens comerciais para os países desenvolvidos e coloca barreiras injustas à competitividade dos produtos oriundos dos demais países, em especial do Brasil".
Curioso. Não tinha ouvido falar de nenhum caso, absolutamente nenhum, de produto brasileiro ser detido por alguma barreira protecionista na Europa e nos EUA. 
Barreiras injustas tenho visto do lado argentino, mas não vi nenhum protesto brasileiro associado a isto.
Problemas de competitividade, temos sim, mas todos eles são provocados internamente, e nenhum veio de fora. Se existe algum, ele é mais suscetível de vir da China do que dos "países ricos".
A seletividade irrealista dos assessores da presidente chega a ser impressionante...
Paulo Roberto de Almeida 



Rejeição ao protecionismo

Editorial Correio Braziliense - 01/04/2012
Indignada com os efeitos da depreciação do dólar e do euro sobre a economia brasileira, e pressionada pela perda de competitividade de segmentos da indústria de transformação, a presidente Dilma Rousseff anuncia sua disposição de reagir.
Ao discursar durante reunião dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), semana passada, na Índia, ela resumiu a interpretação de seu governo das estratégias adotadas pelos Estados Unidos e Europa para saírem da crise financeira em que se meteram desde 2008. "A desvalorização dessas moedas traz enormes vantagens comerciais para os países desenvolvidos e coloca barreiras injustas à competitividade dos produtos oriundos dos demais países, em especial do Brasil", disse ela.
Apesar dessa conclusão, a presidente deixou claro que não pretende responder com igual política. Não vai sair dessa pressão "desvalorizando a moeda e o ganho dos trabalhadores". Soou como um aviso de que medidas de proteção à indústria nacional estão a caminho e que elas virão nos planos tributário, comercial e/ou alfandegário. Não foi à toa que a diplomacia brasileira provocou uma reunião especial da Organização Mundial do Comércio (OMC), na tentativa (frustrada) de obter o consenso em torno da ideia de que a depreciação artificial das moedas fortes já anulou todas as barreiras atualmente aceitas pela entidade como proteção justa às economias que se julgam prejudicadas por atitudes de outros países. O Brasil não obteve a licença antecipada que queria para erguer barreiras, mas o empenho da representação na OMC revelou que o governo está mesmo muito perto de quebrar o discurso que mantinha, nesse e em todos os fóruns internacionais, de rejeição ao protecionismo.
Na prática, o Brasil já não tem como negar razão a seus parceiros comerciais que manifestam preocupação com essa mudança de atitude. A alta de 30 pontos percentuais do IPI sobre carros importados e o recrudescimento da tributação sobre tecidos e vestuários vindos do exterior são exemplos de medidas heterodoxas adotadas no campo tributário. No plano alfandegário, a Receita Federal deflagrou semana passada a Operação Maré Vermelha, destinada a apertar a fiscalização sobre a entrada de vários bens de consumo, numa ação que tende a se transformar em barreira técnica com o envolvimento do Inmetro.
A presidente prometeu mais ação. O que se teme é que, assim como as desonerações para estimular a produção e o mercado interno têm revelado a preferência de sua equipe por medidas pontuais, prevaleçam arcaicos expedientes protecionistas. Em vez de buscar a competitividade por meio de uma política industrial de médio e longo prazo e de um esforço de redução generalizada do custo Brasil, repetiríamos práticas que um dia garantiram longa sobrevida a estruturas de produção que não tiveram atualização tecnológica por falta de investimentos. É esse o drama que vive hoje a economia argentina, vitimada por equívocos desse tipo, a ponto de levar a presidente Cristina Kirchner ao ridículo de tentar barrar até mesmo a importação de livros. Os maus exemplos também ensinam.

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Decadas perdidas no Brasil - Samir Kedi

Décadas perdidas
Samir Kedi
DCI, 30/11/2011

É incrível o que temos que ficar ouvindo do governo. Há pouco ouvimos que não teremos outra década perdida. Como a União Europeia terá a partir de agora. Isso porque estamos preparados para o que der e vier. Para a enorme crise que se avizinha. Certamente, pior que sua recente antecessora de 2008/2009. - Um ligeiro engano de avaliação. Ou proposital. Afinal, entendemos que o governo tem que ser, por natureza, otimista. Ok, mas não pode ficar iludindo o povo. Que deve saber a verdade. Doa quanto doer. Tem que saber para poder se prevenir. Estudar os passos a dar no futuro. Em se escamoteando a verdade, só lhe restará cair no abismo, quando chegar a ele. Sem aviso prévio.

O governo age como se tivéssemos tido apenas uma década perdida. A dos anos 1980. Ledo engano. Ou conveniência. Na verdade estamos já com três décadas perdidas. Direto. Sem trégua, entrando na quarta.

Lembramos que, no restante do século, até 1980, as coisas foram bem diferentes pelas terras tupiniquins. Quando havia mais seriedade dos agentes econômicos e governos. Entre 1901 e 1980, o país cresceu, em média, 4,9% ao ano. Entre 1950 e 1980 tivemos 7,4% anual médio. Entre 1959 e 1980 essa média chegou a 8,1%. E, entre 1967 e 1974 crescemos 11,0% ao ano, com direito a 11,3% em 1971; 11,9% em 1972 e 14,0% em 1974. Éramos chineses antes dos chineses.

A partir de 1981 a coisa degringolou. Pela imprevidência do governante de plantão. Que falou algo do qual não conseguimos nos refazer até hoje. Tendo até agora estas três décadas perdidas que já vivenciamos.

Em 1973 tivemos o chamado choque do petróleo, em que os árabes usaram o petróleo como arma contra os ocidentais. Em que o barril do óleo, se não nos falha muito a memória, saiu de modestos US$ 1.40 para algo como US$ 12.00. Em 1979 o segundo choque, em que o preço do barril explodiu, indo a US$ 42.00.

Diante das dificuldades brasileiras, o presidente disse pura, simples e singelamente "Somos uma ilha de tranquilidade". E que nada sofreríamos. Poucas bobagens do tipo foram ditas diante de tamanho problema. Éramos, apenas, importadores de mais ou menos 95% do petróleo que consumíamos. E ele aumentou 30 vezes em seis anos. E, diante disso, em 1987, o presidente da época decretou moratória. Não tínhamos um centavo disponível para pagar dívida, juros, importações etc.

Pois é. Até hoje estamos pagando pela imprevidência e falta de ação. Isso nos lembra 2008, quando nova, imprevidente e inconsequente frase foi levada aos quatro cantos do país. E do mundo. "A crise é uma marolinha, não nos afetará." Parece 1979. Estamos começando a pagar mais uma. E sem termos saído da anterior. E lá se vão mais de 30 anos.

É preciso lembrar que, depois de tudo aquilo, tivemos a década de 1980, a chamada década perdida. Em que crescemos a merreca de 1,3% ao ano. As pessoas se apegaram ao que foi dito dela, e se esqueceram das outras. Que a década de 1990 também teve crescimento pífio, com média anual de 2,1%. E que na década de 2000 a média foi um pouco melhor, de 3,0%, mas também baixa. Na média de 30 anos, pouco mais de 2,0%.

Ou seja, o país não teve a geração econômica dos pais. Passou direto dos avós para os filhos. Pois ninguém que tenha menos de uns 45 anos, e que já entendia algo, viu o país crescer como nós, os mais velhinhos, vimos.

E, se verificarmos as condições brasileiras para o crescimento, choraremos copiosamente. A carga tributária é a maior do mundo em termos relativos. E das maiores em termos absolutos. Em relação ao que recolhe, a seu uso, e ao que retorna é, de longe, a maior. Em que estamos com cerca de 35%, mas, a realidade, para este interlocutor, aponta uns 50%.

Se verificarmos que pagamos tudo isso e: 1) não temos escola e ensino adequado, e nem estudo "de grátis"; 2) não temos saúde adequada e temos que pagar por uma boa; e, 3) não temos segurança e temos que pagar por uma boa, concluiremos que, a carga tributária é isso mesmo. E nem vamos mais adiante. Basta isso. Se tivéssemos que pagar mais para termos o que deveríamos com o que pagamos, ela poderá passar de 50%. Então essa é a verdadeira carga tributária brasileira. Não existe nada igual no mundo. Ninguém consegue investir com isso. Não há renda disponível para consumir e crescer mais.

A taxa de juros é a maior do mundo em termos absolutos. E relativos. O que já se arrasta por muitos e muitos anos. Com este nível que temos, não há quem consiga investir para valer. E, sem investimento, não se cresce. A propósito, devido a alta taxa de juros, e a pouca renda disponível, o investimento brasileiro é de envergonhar. Na média de 1995 a 2010 ele se situou na miséria de 18% do produto interno bruto (PIB). Menos que o necessário para manutenção econômica, que é 20%.

Com isso, nem conseguimos entender como ainda se cresce "tanto". Pois, com investimento negativo, o crescimento médio de pouco mais de 2,0% é astronômico e inexplicável. Entendemos que só pode ser explicado pela produtividade brasileira, que tem que ter sido alta no período.

A título de comparação, a China, que inverteu conosco e cresce direto à média de 10% desde 1979, investe em média 45% do PIB na sua economia. E a taxa de juros atual é de cerca de 5%.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Brasil Maior? You're kidding: Brasil Menor, e diminuindo...

Eu não sei como, mas só sei que acontece, o governo consegue meter tanto os pés pelas mãos (para usar uma expressão neutra, digamos assim).
Desde que saiu (o verbo seria bom se fosse usado ativamente) o tal de Brasil Maior, venho avisando os meus alunos de que será um Brasil Menor no bolso deles, em todos os setores tocados pelas políticas governamentais.
Nosso governo é um Midas ao contrário, mas não pretendo ir mais longe na simbologia...
Bem, fiquem com um editorial do reacionário Estadão:
Paulo Roberto de Almeida

As surpresas do programa Brasil Maior no plano fiscal

Editorial O Estado de S.Paulo, 20 de setembro de 2011 | 6h 05
O programa Brasil Maior foi anunciado como uma iniciativa que visava a favorecer a indústria por meio de um alívio fiscal e estimular as exportações. Ora, as duas principais medidas tomadas são exatamente o contrário do que havia sido anunciado.
Para a indústria de veículos automotores, a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), que deveria favorecer um aumento da produtividade, foi substituída por uma medida protecionista. E foi criado um Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) sobre operações de derivados, que poderá atrapalhar os exportadores antes que se concretize a vaga promessa de um regime especial para operações de hedge. O governo continua aumentando suas receitas, para mostrar que está praticando austeridade fiscal.
No caso da indústria de veículos, parece que houve um forte lobby das empresas do setor que produzem no País, e contou com o apoio dos sindicatos operários. Já a criação do IOF sobre derivativos visou a eliminar operações especulativas para favorecer a desvalorização do real ante o dólar. Mas a medida foi tomada justamente no momento em que o processo da desvalorização já se verificava.
Quando foi anunciada a criação do IOF sobre derivativos, a BM&F avisou que não teria condições de recolher o IOF, como queria o governo. Isso atrasou o início da tributação. O governo deveria ter aproveitado essa suspensão temporária para aperfeiçoar a medida.
Sem a menor dúvida, algumas operações de derivativos são meramente especulativas. São as chamadas operações de "carry trade", nas quais o investidor realiza uma operação de arbitragem com moeda obtida a juros muito baixos para comprar um crédito que oferece remuneração altíssima. É o caso do dólar contra o real. Tais operações não devem ser favorecidas. Mas existem numerosas operações que exigem hedge, como as de exportação, as de compra de equipamentos, as operações de adiantamentos de receitas de exportação (ACC) praticadas pelo bancos, etc. Ora, o Ministério da Fazenda limitou-se a anunciar que vai estudar o que fazer com o hedge no caso das exportações - que ainda não foram isentadas do pagamento do IOF.
É certamente difícil recolher o novo imposto, tarefa que caberá ao autor da operação, e não mais à BM&F, como previsto. Mas o Brasil não pode tributar operações realizadas no exterior - e, assim, a medida favorecerá as bolsas estrangeiras.
Tal medida só se justificaria se o real estivesse se desvalorizando.